Reflect escrita por Kurai


Capítulo 2
Rampage


Notas iniciais do capítulo

'Rampage' significa 'tumulto violento' nesse caso.



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O Rei nunca tinha sido visto com o rosto tão vermelho. Furioso, seus gritos eram ouvidos por vários corredores do castelo. A fria princesa que os ouvia não parecia se afetar por eles, impassível, encarando a parede em silêncio até que ele terminasse de gritar.

Papa Tubarão gritava, mas no fundo, ele sabia que não faria diferença. Já sabia disso desde que pusera os olhos na princesa, coberta de sangue, mas não só isso; olhos e cabelos vermelhos outra vez, como quando ela tinha nascido. Gawr estava de volta, oito mil anos depois de ter desaparecido misteriosamente. O superpredador que obliterara um navio de guerra inglês inteiro simplesmente porque sim, sem compaixão ou remorso, e voltara declarando que todos deveriam seguir seu exemplo, porque os humanos eram fracos e eles não deveriam se esconder de criaturas mais fracas pra sempre.

Ela voltara o chamando de ‘Rei’. Ele passou oito milênios com medo disso, com medo de nunca mais ouvi-la chamando-o pelo apelido bobo mas carinhoso de ‘Papa Tubarão’. Com medo de nunca mais vê-la sorrir que não fosse um sorriso sádico de batalha. Com medo de nunca mais ouvi-la cantar aquela música numa língua esquisita. Ele parou de gritar, e suspirou. Nada que ele dissesse ia entrar na cabeça dela agora.

Mandou-a voltar para o quarto, e lhe ordenou a jamais sair do reino novamente. Frisou que era uma ordem, e que ela seria punida se a desobedecesse. Gawr rosnou para ele, presas à mostra, mas obedeceu. O tédio do fundo do mar não lhe fazia mais diferença. Não havia mais motivos para sair do reino, a não ser que fosse para comer mais humanos. Estava perfeitamente contente em proteger o reino e vigiar as fronteiras contra as ameaças.

Os navios ficaram cada vez mais complexos e numerosos. Peixes e espécies inteiras de tubarões e baleias começaram a ser caçados até a beira da extinção. Lixo de toda sorte emporcalhava as águas dos oceanos. Gawr foi assistindo a tudo isso, a raiva se acumulando, mas o Rei lhe dizia para deixar isso com ele e a guarda, e não se envolver. Ela protegeria Atlantis como a princesa coroada.

A gota d’água, porém, apareceu quatro séculos mais tarde. Gawr patrulhava as bordas do reino quando ouviu escondido a conversa entre dois dos guardas, que faziam visitas ao mundo da superfície para acompanhar o desenvolvimento deles e entender como poderiam se proteger. Estavam descrevendo o que mais tarde ela descobriu se chamar um submarino.

Um submarino permitia aos humanos mergulhar fundo no mar mesmo sem guelras, e atirar aquelas coisas de pólvora mesmo debaixo d’água. Não podiam mais se dar ao luxo de contar com a profundidade para se proteger. Já havia visto como os seres humanos conseguiam evoluir suas tecnologias depressa. Mais cedo ou mais tarde, aqueles trambolhos enormes de metal que os guardas descreveram virariam algo avançado o suficiente para encontrar Atlantis, e trariam armas de pólvora com eles.

Ela voltou e solicitou audiência com o Rei.

Tritões eram poucos, mas muito mais fortes e rápidos que os humanos. Se juntassem um exército e emergissem de surpresa, poderiam causar caos o suficiente para quebrar suas defesas e avançar antes que contra-atacassem. A única chance que tinham era exterminar cada um deles.

Mas não importava o quanto ela argumentasse, o Rei se recusava a ouvir a razão. Ele fez o oposto disso. Usou cada gota de tecnologia que o reino tinha para terminar de isolá-lo completamente. Agora, nem mesmo as patrulhas subiam à superfície. Era impossível acessar Atlantis de fora, e também era impossível sair. O reino de Atlantis tinha sido virtualmente cortado do planeta.

...E Gawr ficara do lado de fora.

Assim que soube que o plano do Rei envolvia colocar o rabo entre as pernas e fugir dos humanos, tomada pela raiva, Gawr saiu escondida do reino. Ela era FORTE. Muito forte. Um superpredador. Nada em terra ou água era capaz de vencê-la, pólvora ou não. Se o pai não queria enfrentar os humanos, ela o faria sozinha, e eliminaria cada um deles da superfície do planeta. E então Atlantis voltaria a ser livre.

Assim que o Rei percebeu o que tinha acontecido, tentou desesperadamente reverter o processo, reabrir as fronteiras, mas ele tinha sido muito específico na parte de ‘cortar completamente’, e nem mesmo seus cientistas eram capazes de reverter o processo instantaneamente.

Gawr nem sequer notou, no momento, já que não olhou para trás. Tinha um objetivo, e estava determinada a cumpri-lo. Nadou na velocidade de um torpedo em direção à costa mais próxima – Grécia. Não tinha exatamente um plano, cegada pela ira. Ia emergir e destruir qualquer humano com o qual cruzasse.

E foi o que fez, a princípio. Sua destruição foi registrada em lendas, e a história a marcou como algum tipo de desastre natural, incapaz de compreender o que tinha acontecido de verdade. Humano após humano após humano, homens, mulheres, crianças, idosos. Seu tridente os atravessou um por um, e a criatura tubarão gigantesca que conseguia chamar onde quer que houvesse uma orla destruía construções inteiras. A onda de fúria e sangue seguiu pela costa da Grécia até Albânia, e de lá contornou a Europa imparável até atingir a França.

Os franceses já estavam preparados para sua chegada, tendo sido alertados pelos países devastados, e tinham preparado todo um exército. Gawr derrubou um, dois, quatro, oito, mas para cada um que matava, outros cinco tomavam seu lugar. E todos tinham armas... Armas poderosas, ainda mais do que a temível pólvora. Bombas, e mísseis, e armas de calor. Essas últimas eram as piores. Ressecada e longe da água do mar, ela perdia parte da força, e eles garantiram que não a deixariam voltar para o oceano facilmente.

Sangrando, ferida, tonta e fraca, Gawr se defendeu com a criatura enquanto se arrastava em direção ao oceano, conseguindo se atirar nele antes que a capturassem. Mal conseguindo se manter acordada, deixando uma trilha de sangue na água que certamente atrairia predadores, ela tentou nadar de volta a Atlantis. Normalmente, chegaria lá em poucas horas, nadando na velocidade de um torpedo, mas no passo em que estava, levou dois dias.

E deu de cara com o vazio.

Onde uma vez existira o magnífico reino de Atlantis, agora havia areia, e recifes de corais. Ela havia se esquecido do plano do Rei de cortar Atlantis do mundo da superfície em definitivo, e pelo visto, ele fora bem sucedido. Sem conseguir mais manter as forças, Gawr desmaiou, em cima de onde um dia tinha sido seu lar.


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Notas finais do capítulo

A Gawr que causa o fim do mundo em várias linhas do tempo em Convergência é MUITO mais forte que a desse capítulo, porque ela teve 8000 anos de treino de batalha, enquanto nessa linha do tempo, como foi a Gura que ficou no comando por 8000 anos, ela só treinou como cantar e comer porcaria.
E ainda assim fez todo esse estrago...



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