Enquanto sua sombra vem escrita por Natália Kalim


Capítulo 6
Prédio Azul




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Ainda era um mistério como eu havia chegado até ali, mas aquele prédio azul era um enigma que me atraía. Minha última lembrança era de estar procurando meu café favorito no supermercado, o que era bastante estranho, afinal fantasmas não tomam café. Segundos depois (ao menos era o que parecia) eu tinha simplesmente surgido diante daquele lugar decrépito, sentindo o alicerce puxando meu corpo como um ímã.

 

Erguido numa rua relativamente inóspita, o prédio estava cercado por um muro baixo e com aspecto decadente. Um caminho de tijolinhos de pedra dividia ao meio um gramado mal cuidado e se estendia até a entrada. Carros estavam estacionados sob um telhado metálico e levemente enferrujado. A tinta azul da fachada começava a descascar e as janelas precisavam de uma nova pintura. Sobre a porta de entrada havia um expositor com as placas de várias empresas. Embora não se tratasse de um prédio comercial, parecia que alguns habitantes sediavam negócios em seus próprios lares.

 

Era engraçado. Eu nunca havia visto aquele lugar antes, mas mesmo assim ele me chamava de forma inexplicável. Eu jamais tinha frequentado aquela parte da cidade, mas ainda sim parecia ser meu dever estar ali.

 

Sem entender completamente minhas próprias razões, comecei a me mover. Não havia nenhum elevador, mas mesmo se tivesse eu não o tomaria, afinal todos sabem que fantasmas não pegam mais elevadores desde o acidente de 1982. Por essa razão, eu subi quatro lances de escada antes de sentir que tinha chegado ao lugar certo. Reparei no piso vinílico e escuro que cobria o corredor, nos tapetes vetustos que diziam "bem-vindo" colocados diante da entrada de cada lar e nos adereços pendurados nas portas. Quando me dei conta, já tinha caminhado até um apartamento bastante específico. O número 406 reluzia sobre uma placa que indicava um estúdio de tatuagem. Letras brancas e garrafais anunciavam que eu tinha chegado no Voodoo Tatto, com direito a uma mão segurando uma brilhante bola de cristal e todo tipo de símbolo místico.

 

Tudo isso ficava cada vez mais estranho. Fantasmas também não fazem tatuagens.

 

Sem fazer mais cerimônia, cruzei a porta. A iluminação estava restrita a um lustre cônico e baixo que lançava uma luz precária sobre o ambiente, criando um clima meio underground. Não havia muitos móveis, apenas uma maca preta posicionada no centro, um sofá de couro escuro sob uma janela suja, uma estante baixa cheia de materiais de tatuagem e uma mesinha com um rádio que tocava um rock qualquer. Uma bancada se estendia a esquerda, demarcando onde acabava o estúdio e onde começava a cozinha. Reparei também em um corredor penumbroso cujo tamanho era difícil precisar. Supus que não devia ser muito grande, afinal todo apartamento parecia meio pequeno. A minha direita havia uma porta preta coberta por um grande pôster de Pulp Fiction e um frigobar que emitia um ruído esquisito. Exceto pelo azulejo da cozinha, todo o resto estava coberto por um papel de parede velho que imitava tijolinhos vermelhos. Era um lugar estranho, mas tinha personalidade. Soava até meio familiar.

 

Familiar demais.

 


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