My Amazing Spider-Man escrita por LisRou


Capítulo 7
Parceria


Notas iniciais do capítulo

Mais um pra gente se deliciar, porque eu babo muito no meu Andrew, gente, pelo amor de Deus.

Imaginem essa parceria... Dá pra imaginar? Não?!

Então corre pra leitura!



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POV. Michelle Jones

 

Tá legal. Encontrar o homem dos meus sonhos não estava acontecendo exatamente como eu havia imaginado. Tudo bem que nunca fiquei pensando muito no assunto, mas, nas poucas ocasiões em que parei para refletir, tinha idealizado um cara legal, divertido, inteligente e engraçado. Jamais imaginei que devia levar a expressão “o homem dos meus sonhos” ao pé da letra!

Mas tudo bem. Eu só tinha que olhar para a coisa como ela era e tudo ficaria certo: aquele cara existia, Peter 3 não. Além disso, esse encontro poderia fornecer as respostas que havia muito tempo que eu buscava. O bar que ele escolhera... bom, não exatamente escolhera, foi o primeiro que apareceu no caminho, mas enfim. O barzinho não era muito espaçoso e havia poucos lugares disponíveis, por isso ele me fez esperar na entrada enquanto procurava uma mesa. Assim que encontrou uma vazia próxima ao bar, voltou para me escoltar até ela. Ele foi ainda mais gentil, puxando a cadeira para eu me sentar. Mal tinha me acomodado e o cara se abaixou, envolvendo a mão grande na bota imobilizadora e suspendendo minha perna, guiando-a para o assento vago ao meu lado.

— É melhor manter o pé para cima.

— Não precisa. Nem tá doendo tanto assim... — Mas me calei logo que ele acomodou meu tornozelo imobilizado na cadeira e senti alívio instantâneo naquela região. — Nossa, obrigada.

— Foi um prazer. Vou pegar uma bebida pra gente — avisou, antes de ir até o balcão.

Apoiei as muletas no lambri de madeira coberto de retratos em preto e branco de uma imensa família alemã. Eu estava analisando um deles, em que uma família inteira se empoleirava na carroceria de um caminhão, quando meu celular vibrou. Era Gayle.

Cadê vc?!

Ah, droga! Com tudo o que tinha acontecido, acabei esquecendo de mandar notícias. Ela e mamãe deviam estar loucas de preocupação.

Digitei uma resposta rápida:

Desculpa. Tá td bem cmg!

Trânsito parado.

Devo chegar tarde.

 

Conseguiu o trampo?

 

Não. 

Mas suas cicatriz acertou. Alguma coisa aconteceu comigo. 

 

Tipo oq?

 

Tipo meio complicado. Dps eu te explico.

 

Nossa, quanto mistério. 

Até mais tarde. Bjs.

 

Eu mal havia silenciado o celular quando o sósia de Peter 3 colocou uma caneca de chope na minha frente.

— Aqui — disse, arrastando a cadeira e se sentando diante de mim. Colocou suas coisas na cadeira vaga. — Você tá com sede, né? Se não tiver, não se preocupe que eu bebo por você. 

— Mas você vai beber indo dirigir?

— Vou pilotar. E relaxa, meu organismo é forte. 

Achei que minha desconfiança e medo não seria maior do que todo aquele choque e simplesmente assenti. Deixei o telefone sobre a mesa e levei o chope à boca. Gemi assim que o líquido quase congelante acariciou minha língua e desceu pela minha garganta seca. Tomei mais alguns longos goles e me surpreendi, pouco depois, ao constatar que havia bebido mais da metade.

— Dia difícil? — Ele deu um meio sorriso e fez sinal para que o garçom providenciasse mais um, ainda que não tivesse tocado no seu.

— Você nem faz ideia. — Pousei a caneca sobre o descanso de papelão.

— Quer comer alguma coisa... hã... — Ele fez uma careta engraçada, mexendo com um safanão aquele cabelo, que, agora eu sabia, era mais suave que veludo. — Acho que te atropelar mexeu muito mais comigo do que eu tinha me dado conta. — Riu, encabulado. — Me desculpe pela falta de jeito, mas eu ainda não sei o seu nome.

— Michelle. Michelle Jones. — Eu me empertiguei na cadeira. Aquela era a abertura de que eu precisava para começar minha investigação. Estava prestes a perguntar o nome dele, mas ele murmurou:

— Michelle...

Só isso. Apenas o meu nome. Mas o tom que empregou, o jeito como meu nome dançou em sua boca, como uma carícia quase indecente, fez arrepios me subirem pela nuca e meu joelho bater na perna da mesa. Ele me estudou demoradamente. 

— Quantos anos você tem, Michelle?

— Faço vinte e quatro em abril. Qual o seu... — comecei.

— Onde você mora? — questionou, ao mesmo tempo.

— Eu já te dei meu endereço. Você interroga toda garota que conhece? — soltei. Era eu quem deveria fazer as perguntas ali. Todas aquelas temporadas de CSI tinham que contar para alguma coisa, afinal.

— Só as que me atropelam — brincou.

Bom, era uma maneira de descrever o que tinha acontecido. Meu rosto pegou fogo. — Desculpe. — Correu os dedos pelo cabelo, bagunçando-o. Se era possível, ele ficou ainda mais lindo, todo desgrenhado e meio envergonhado. — Não tive a intenção de te chatear com perguntas. Só queria quebrar um pouco da tensão. Que tal pedir a comida? Não vou conseguir interrogar você se a minha boca estiver ocupada.

Passando a mão em um dos cardápios no canto da mesa, ele começou a analisá-lo enquanto meu cérebro, um tantinho dopado pelo chope, preferiu analisar as diversas possibilidades de manter a boca dele ocupada. 

Sem convite, imagens daquela boca levemente larga colada à minha preencheram minha cabeça. Os lábios macios e quentes se movendo com urgência sobre os meus, incitando que eu os apartasse, e sua...

— Alguma preferência? — quis saber.

— Língua — suspirei. Deslizaria pelo meu lábio inferior. Então seus dentes poderiam...

— Não tem língua. Só joelho à pururuca.

— Quê? — O que eu ia querer com o joelho... Aaaaaah! Ele estava se referindo à comida.

Uma das alegrias de ser morena é sempre conseguir ocultar o constrangimento. Não dava pra perceber minhas bochechas esquentando feito uma lareira, né? Era isso que eu ganhava por ficar imaginando justamente beijar aquele Peter 3! Com certeza era a bebida pensando e falando por mim. Com certeza!

O que eu tô pensando, pelo amor de Deus?!

— Q-qualquer coisa serve — gaguejei, balançando a cabeça para afastar aquelas imagens da mente. Quase deu certo. Quase!

Por sorte, o garçom apareceu e eu tive uma desculpa para olhar para o cardápio, embora estivesse tão abalada que não conseguia ler uma única palavra. Por isso, quando meu acompanhante sugeriu alguns pratos, concordei de pronto. Pete... hã... o rapaz pediu os petiscos da mesma maneira com que havia falado com a médica: com resolução. Tão logo voltamos a ficar sozinhos, ele levantou sua caneca de chope. Eu fiz o mesmo.

— Por dias menos turbulentos — proferiu.

— É o que eu peço toda manhã antes de sair da cama — respondi, num muxoxo.

Mesmo tendo falado baixinho, ele me ouviu. E vincou o cenho, depois de experimentar um gole.

— Por quê? — Colocou a caneca sobre o tampo. — Costuma ser atropelada com frequência?

— Atropelada, empurrada, amassada, molhada — gemi. — Não necessariamente nessa ordem.

— É mesmo? — Ele tentou engolir o riso, mas foi incapaz. Tentou disfarçar com uma tossidela.

Dei de ombros.

— Já estou meio acostumada. Mas hoje, com certeza, eu extrapolei todos os limites da turbulência.

Mais um desastre para minha lista, e dessa vez eu nem tinha conseguido o emprego. Para não mencionar o cara diante de mim, que agora ria abertamente, se parecendo muito com Peter 3.

Mas seu humor mudou enquanto o riso morria, e ele estava muito sério ao dizer:

— Eu também fico contente que essa merda de dia esteja acabando.

Um tanto surpresa com a resposta, beberiquei meu chope, brincando com a fina camada de gelo que recobria o vidro enquanto analisava aquele cara mais uma vez. Não. Dessa vez eu não estava tentando encontrar semelhanças com Peter 3. Só prestando atenção nele. E pela primeira vez notei quão bem o casaco marrom lhe caía nos ombros por cima da blusa da banda Beatles, observei o maxilar barbeado, o relógio no pulso. O cabelo tinha um bom corte, mesmo sendo um pouco maior do que o de Peter (ok, não deu para resistir), mas os fios ainda eram curvilínos, as ondas suaves arrepiando-se para cima e as orelhas amostras. Esse homem era o epítome do charme despojado e nerd.

Devo ter encarado um pouco demais, pois ele inclinou a cabeça para o lado.

— O que foi? — perguntou, intrigado. — Por que está me olhando desse jeito? Minha roupa tá rasgada e eu não vi?

— Ah... Não, não...— Mirei minha caneca, as bochechas muito quentes de novo. Mais um pouco e eu poderia entrar para o Guinness Book com um novo recorde: a garota que corou mais vezes em uma única noite. — Eu só pensei que caras como você não tivessem dias ruins.

Ouvi sua cadeira estalar conforme ele se remexia.

— O que quer dizer com caras como eu?

— Humm... baladeiros, estudiosos e ocupados. — De faz de conta...

Ok, pare com isso. Você já entendeu que ele existe e que não é o seu herói imaginário. Supere isso!

Ele deixou escapar uma risada. Um som um tanto melancólico, que fez meu coração apertar.

Tive que olhar para ele.

— Ah, é? Então vou te contar como foi o meu dia. — Ele se virou levemente, apoiando o braço no encosto da cadeira. — Eu precisei sair correndo do escritório do maluco do meu chefe e ir até a rua porque... Hum... Um cidadão brigou com a mulher e resolveu enlouquecer em plena rua. Disparou com a pistola de grampos e acertou dois funcionários da churrascaria da frente. Graças a Deus não foi nada grave. Depois brotou uma mulhar alegando assalto. Pelo menos foi até a delegacia depois que o Hom-...— Fez uma pausa, os olhos se fixando nas manchas de sangue seco em minha camisa.

Esfregando a testa, ele se aprumou, cuspindo um palavrão em disparate.

— Poxa, foi mal de verdade, Michelle. Acabei ficando preocupado com a sua cabeça e esqueci de perguntar se você queria fazer um boletim de ocorrência. — Uma sombra eclipsou seu semblante. Ele estava mortificado. — Eu posso te levar pra delegacia agora mesmo.

Pensar em entrar em uma delegacia, depois de um dia como aquele, me fez estremecer.

— Obrigada, mas não. Prefiro ficar aqui com o chope. — Sobretudo porque o cara tinha começado a falar de si mesmo sem que eu tivesse que ameaçá-lo com a muleta.

— Tem certeza? — Ele me encarou, muito sério. — Ainda está em tempo.

— Sim, tenho certeza. A moto não encostou em mim. Acabei caindo com o susto. Acho que eu torci o pé quando me desequilibrei na calçada. E mesmo assim você me levou até a clínica, onde me reviraram do avesso. Não tenho nada a dizer pra polícia. Quero ficar aqui e ouvir como termina o seu dia de merda.

Ele hesitou, e, por sua expressão contrariada, pensei que iria se levantar da cadeira e me arrastar para a delegacia mais próxima. Mas então seus ombros relaxaram, aquela sombra no rosto se dissipando aos poucos.

— Beleza então — concordou, girando a caneca sobre o descanso de copo sem se dar conta do que fazia. — Onde eu parei?

— Você viu que a mulher assaltada foi até a polícia depois que alguém chegou... — ajudei.

— Ah, certo. — Assentiu uma vez. — Depois do cabeça de teia chegar para recuperar um carro roubado, tentei tirar fotos, mas minha câmera não funcionou no processo. Participei de sete reuniões em sete lugares diferentes, com esse trânsito dos infernos, e duas delas terminaram com ameaças de morte. — Ele enrugou a testa. — Espero que tenham sido só expressões, porque olha...

Acabei rindo. Isso pareceu incentivá-lo, pois ele dobrou os braços sobre o tampo de madeira, a caneca entre as mãos, e se inclinou de leve para mim. Seu perfume me chegou ao nariz, me entorpecendo muito mais depressa que o chope.

— Então eu estava voltando para o jornal — prosseguiu —, te atropelei e, enquanto esperava que você fosse atendida, recebi um telefonema histérico do escritório avisando que eu precisava urgente seguir com um projeto, ou levaria um baita prejuízo. — Ele tomou alguns goles da bebida. — Agora é a sua vez. O que aconteceu no seu dia de merda? Além de ser atropelada, claro.

— Acho que nada tão ruim quanto o seu. — Pelo menos eu não tive nenhum prejuízo. Apenas causei um. — Só o de sempre.

— O de sempre...? — Arqueou uma das grossas sobrancelhas.

— Saí de casa atrasada para uma entrevista de emprego. Cheguei lá e descobri que todos os outros candidatos eram mais qualificados que eu. Mas o cretino responsável pela entrevista nunca aparecia e eu acabei, sem querer, causando um alagamento no escritório. Aí eu saí de lá e quase fui atropelada — enfatizei.

Inclinando-se ainda mais em minha direção, suas pálpebras se apertaram quase que imperceptivelmente.

— Por acaso você se candidatou à vaga de assistência ou modelo fotográfico no Clarim Diário?

Eu o encarei, perplexa.

— É! Como você sabe?

Ele começou a rir. Uma risada gostosa, que aqueceu meu peito e fez seus ombros chacoalharem.

— Qual é a graça? — eu quis saber.

— Não sei se a gente pode dizer que é engraçado. Acho que é mais uma... hã... coincidência singular. — Sacudiu a cabeça, os fios dançando de leve. Como tudo o que eu fiz foi ficar olhando sem entender nada, ele explicou: — Eu sou o cretino responsável pela entrevista.

Espalmei as mãos no tampo de madeira lisa, lívida.

— Você tá brincando comigo?

— Não estou, não. — Recostando-se no espaldar, com a diversão ainda espiralando em seu olhar, ele me estudou demoradamente. — Então você é a maluca responsável pelo rompimento do encanamento de água, que enfureceu a Betty, destruiu o computador e os relatórios. A assistência técnica vai ter que ser dobrada por sua causa, sabia?

É como dizia vovó Filomena. Não existe nada tão ruim que não possa piorar.

— Ah... — Meu rosto esquentou tanto que cheguei a cogitar pegar a caneca e pressioná-la em minhas bochechas para aliviar a quentura. Acho que nem minha pele pôde esconder. Não tive coragem de olhar para ele. — Eu... eu sinto muito pelos relatórios e... o encanamento e... o computador... e por ter irritado a jornalista. Foi sem querer, eu juro. Eu posso pagar pelo prejuízo. — Eu não precisava de tantos órgãos, certo? Podia muito bem vender alguns. Quer dizer, eu precisava mesmo de dois rins?

— Está tudo bem. — Sua voz era gentil. — Aquilo é um consórcio de reportagens. Notícia é o que não falta. Consegui aliviar sua barra, relaxa.

Eu o espiei por entre as pestanas. Ele não parecia furioso. Por que não estava gritando comigo? Por que não exigia que eu pagasse pelos danos? Por que parecia... estar se divertindo?

— Eu posso falar com o seu chefe e explicar que foi um acidente — ofereci. Ele apenas deu de ombros e levou a caneca à boca, sorvendo de um grande gole.

A espuma branca e cremosa grudou em seu lábio inferior. Ele o limpou com a língua. E realmente não deveria fazer aquilo. Alguém podia se sentir tentada e se voluntariar para correr a língua bem devagar por aquele lábio rosado e largo...

— Michelle?

Pisquei, mirando seus olhos escuros. Certo. Estávamos falando sobre... o que mesmo? Ah, sim!

— A secretária disse que o chefe ia arrancar a cabeça dela. Eu não queria causar problemas para ninguém. Desculpa. É que, se você procurar no dicionário, vai descobrir que ao lado da palavra “desastre” está o meu nome.

Ele lutou para se manter sério, mas acabou sorrindo daquele jeito que fazia as covinhas se acentuarem nos lábios bem desenhados. Como era possível que ele e o Homem-Aranha da minha imaginação fossem tão idênticos?

Não, a questão não era essa. Como era possível que eu tivesse sonhado com aquele cara e fantasiado toda aquela coisa? E por quê?

Por que essa sensação de deja vu?

Eu tinha certeza de que nunca o vira antes — eu não teria esquecido, ainda mais depois de ter me salvado estando trajado de Homem-Aranha —, então como pude plagiar um ser humano... ou seja lá o nome que se dê ao que eu havia feito?

Reprimi um gemido. Eu tinha tantas perguntas, e ninguém a quem fazê-las. Era muito frustrante. Eu não podia simplesmente indagar: “Ei, você sabe dizer por que sonho com você faz um ano?”. Ou "Vem cá, por acaso você é o Homem-Aranha? Com certeza não é, seria coincidência demais!" Tudo o que eu podia fazer era manter a conversa e torcer para que em algum momento um fato qualquer surgisse.

Ansiosa, puxei o cabelo para o lado e comecei a trançá-lo. O gesto atraiu a atenção dele. Seu olhar acompanhou os movimentos dos meus dedos, parecendo um tanto... hã... fascinado?

— Espero que o seu emprego não esteja em risco — murmurei, um tanto mexida.

Isso trouxe seu olhar de volta ao meu rosto.

— Não. Está tudo bem. Conquistei Jonah há um tempo. — Ele me observou por um longo momento, até eu sentir a pele esquentar outra vez. Não era qualquer olhar, mas aquele que devassa por dentro, que não é capaz de fugir nem de esconder nada, pois a intensidade destrói todas as barreiras. Não tenho certeza do que ele viu ali (eu não estava mesmo nos meus melhores dias), mas o que quer que tenha encontrado o fez subitamente se interessar pela caneca. — E você, quer um? — ofereceu.

— Não. Acho que já bebi demais.

Ele ergueu os olhos para mim. Não consegui compreender a emoção que faiscava em seu semblante. Havia diversão, mas também algo mais. Quase... ansiedade.

— Eu não me referia ao chope — explicou em voz baixa. — Perguntei se você quer um emprego. 

Tudo o que eu fiz foi piscar por alguns segundos.

— O-o quê? — balbuciei.

— Eu gostei de você. Tenho certeza vamos nos entender bem. 

E eu que achava que as surpresas daquele dia tinham acabado. Será que ele não tinha ouvido toda a história? De como em menos de um minuto eu coloquei todo o escritório do Clarim que ele trabalhava debaixo d’água? Não sabia que o sr. Tablet, a eficiência encarnada, tomara a frente, todo prestativo? 

Talvez a pessoa que ligara para ele contando o ocorrido tivesse suavizado um pouco as coisas. Ou então o que ele me oferecia era outra coisa, pensei de repente. Repassei mentalmente sua última sentença. Então minhas bochechas se incendiaram, mas dessa vez não era o constrangimento que fazia meu sangue ferver, não.

— Escuta aqui! — Apoiei uma das mãos na mesa e me inclinei para mais perto, fuzilando-o. — Eu jamais me sujeitaria a ser sua prostituta. Nem de ninguém! Eu posso estar desesperada, mas não a esse ponto!

Ele não pareceu nem um pouco abalado e cruzou os braços, baixando as sobrancelhas.

— Não me lembro de ter dito que queria fazer sexo com você, Michelle.

Bufei, transtornada.

— Você acabou de dizer que gostou de mim e que poderíamos nos entender...

— No jornal — atalhou, impaciente. — Nós podemos nos entender profissionalmente. Você como modelo e eu como o fotógrafo. Eu não preciso pagar para fazer sexo. 

Abri a boca, mas tudo o que consegui proferir foi uma porção de engasgos enquanto minha cara ficava tão quente que temi que a pele pudesse se desprender dos músculos. É claro que ele não precisava pagar para ter sexo. Não com aquele rosto, aquele charme e aquele maldito sorriso. E certamente ele não queria fazer sexo com a garota que arruinara uma parte do Clarim. E isso era bom, porque eu também não queria nada com ele. 

— Eu imaginei que você se alistou para ser modelo, você não tem cara de que conserta máquinas fotográficas e computadores. — Sua voz estava cômica, apesar de mais calma e toda de negócios agora. — Você tem experiência profissional nessa área?

— Hã... Não... — respondi, meio atordoada. Mamãe sempre insistira que eu fizesse o curso de modelo, por mais que nunca tivesse vontade. E agora Gayle insistiu para entrar nesse ramo. Mais coincidência impossível. — Mas eu aprendo rápido. 

— Você tem Instagram? 

Eu encrespei o cenho, assentindo. 

— Sim. 

— Me deixe ver umas fotos suas. — O Pe-... O cara esticou a mão e eu reluntei de entregar meu celular, mas assim o fiz depois de desbloqueá-lo e colocar minha conta com duzentos seguidores. Ele analisou em silêncio, os olhos estudando com atenção. — Você é bem fotogênica, Michelle.

— MJ.

Ele franziu muito o cenho, tornando a me encarar. Pareceu... alarmado. 

— MJ? 

— Me chame de MJ — balancei os ombros, um pouco tímida. — Eu prefiro. 

Algo atravessou seu olhar. Então, um sorriso lento e arrasador se abriu na sua boca. Ainda com suas íris sobre mim, ele assentiu, repetindo meu nome abreviado, o timbre macio servindo como uma carícia lenta pelos meus tímpanos. Ele pareceu se perder um pouco nas lembranças, franzindo o cenho, mas logo sacudiu, afastando aquela redoma pesada que o envolveu. 

— Gostei das fotos. — Me estendeu o celular. — Aos poucos nós podemos aperfeiçoar. Caso você aceite, imagino que Jonah vai te dar folga nos fins de semana, a menos que surja alguma coisa importante. O salário pode ser discutido. Se nossas fotos ficarem boas, MJ, isso significaria que você pode ser a garota propaganda do jornal. Imaginou? 

— N-Não. — Engasguei. Pelo amor de Deus! Ele riu da minha expressão petrificada. Acho que não tinha uma maneira melhor de me comportar depois daquilo. — Mas como assim nossas fotos? 

— Sou o fotógrafo, lembra? — Pegou, ao que eu reparei depois de um século, uma câmera envolta de uma pasta preta. 

— Ah... Verdade. 

— Pois é, geralmente perco meu tempo registrando os feitos do cara que tem teias de aranha, mas não tem dez patas.

— Na verdade, aracnídeos tem oito patas. 

— Eu sei. Foi uma hipérbole — ele piscou, sorrindo de lado. Eu sorri também, um pouco sem graça.

Então ele era o fotógrafo do Clarim Diário. O fotógrafo que minha irmã tinha falado.

Era muita coincidência...

No entanto, eu tinha algo ainda mais inesperado a ponderar do que estar cara a cara com o retratista cara de nerd do escritório que eu detonara algumas horas antes.

— E por que você faria isso? — eu quis saber, ressabiada. — Por que ajudaria uma garota que destruiu grande parte do seu jornal? E com uma perna machucada — lembrei, batendo a bota imobilizadora no encosto da cadeira.

— Porque eu fiquei responsável de encontrar a candidata e detesto essas entrevistas. — Ele se retraiu, parecendo exausto. — Preciso de alguém que seja inteligente, disposta a seguir as regras e que tenha horário flexível. Quanto ao seu pé, ele é um dos motivos pelos quais eu decidi te ajudar a conseguir essa vaga. Eu sou o responsável por ele. Não iria me perdoar se, além de te ferir, te deixasse em uma situação financeira difícil.

Ele não teria me surpreendido mais nem se dissesse que ele era o Homem-Aranha.

— Eu não gosto que brinquem comigo dessa forma — falei, meio insegura. Ele não parecia estar brincando.

Curvando-se para a frente, apoiou os antebraços na mesa. Seus ombros se distenderam, e foi um custo tirar os olhos deles e concentrar minha atenção no que ele estava dizendo.

— Se aceitar o emprego, você vai descobrir que apesar de brincar, falo sério nos negócios. E sempre agi sério, com responsabilidade e justiça. — Ele me lançou um olhar penetrante.

Aquilo não podia estar acontecendo.

Aquele tipo de coisa — ter sorte — nunca acontecia comigo. Ok, talvez “sorte” fosse uma palavra forte demais, já que a proposta partia de um homem que era a cara de outro, de um que me perturbava em diversos sentidos. Mas mesmo assim. Se eu conseguisse o emprego... e me mantivesse nele, é claro, mas isso era outra história... se eu conseguisse o trabalho, então eu teria a grana da hipoteca e nós não seriamos despejadas!

O que seria muito difícil para mim. Eu não sei fazer carão...

Mas não custaria tentar.

— É... é sério? — questionei, apenas para ter certeza de que meus ouvidos estavam funcionando direito. — Você vai me ajudar mesmo depois de eu ter destruído o escritório? A propósito, é bom não permitir que todos saibam que fui eu. É é bom chamar um técnico. O ar-condicionado está estalando bastante. Desconfio que o barulho seja a razão do mau humor daquela jornalista.

Ele riu alto, sacudindo a cabeça.

— Eu sempre aviso sobre aquele ar-condicionado e nunca me escutam. Ah, até que enfim! Estou morto de fome — exclamou assim que o garçom apareceu e começou a colocar o nosso pedido na mesa.

Meu Deus. Ele estava mesmo falando sério! Eu tinha mesmo conseguido sua ajuda? Ia trabalhar na Clarim Diário como modelo parceira do... do...

— Peraí — falei, logo que voltamos a ficar sozinhos. Ele esticava o braço para pegar um bolinho de carne, mas se deteve, me fitando com expectativa. Seu cabelo castanho tremulou sob a luz fraca, e naquele instante, ao me olhar com as sobrancelhas franzidas, os lábios só um pouquinho de nada apartados, ele se pareceu mais do que nunca com o meu cara imaginário.

— O que houve, MJ? — inquiriu, curioso, quando não respondi.

— Eu não posso trabalhar pra você se ainda nem sei o seu nome. — Não diga Peter 3. Prove que isso tudo é real. Não diga Peter 3!

— É verdade. Perdão, normalmente eu não sou assim tão avoado. — Ele levou a mão ao peito, sobre o coração, e se curvou de leve em uma mesura galante, mantendo os olhos nos meus. — Eu me chamo Peter. Peter Parker, a seus serviços, senhorita. 

Ah, droga...

— Peter Parker — murmurei, para que meu cérebro escutasse aquele nome pela minha própria voz. Pela minha própria voz na vida real. 

O mesmo nome! O mesmo NOME! E o sobrenome... Meu Deus, o sobrenome não me era estranho! Tenho certeza que é o mesmo sobrenome dos sonhos também, porque apesar de serem muitos, eu sentia uma inclinação, uma sensação absurda de que era esse. Só podia ser esse. 

Peter Parker.

Ah, meu Deus do céu... O cara era o Homem-Aranha também? 

Não, MJ, pelo amor de Deus, não! Era só o que me faltava... Isso aí já é maconha no prato ao invés do bolinho de carne. 

Mas, àquela altura, que diferença faria uma coincidência bizarra a mais ou a menos?

— Temos um acordo? — Peter Parker prendeu meu olhar ao seu, enigmático, aguardando a resposta.

Inspirei fundo, ainda atordoada pra cacete. Que Deus me ajudasse.

— É. Temos um acordo.

 

 


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Notas finais do capítulo

Pois é, minha gente. Os dois agora vão trabalhar juntos. Peter como o fotógrafo, e MJ como a modelo do Escarpam! A.d.o.r.o.! O que acharam desse acordo? Será que vai prestar?

Ou melhor... Será que a MJ vai conseguir permanecer no emprego sem arrancar a cabeça de alguém?

Bora de surtos... Fico muito feliz que estejam gostando.

Até daqui a pouco!



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