My Amazing Spider-Man escrita por LisRou


Capítulo 6
Peter 3... de verdade?


Notas iniciais do capítulo

FINALMENTE O ENCONTRO.

Devorem sem moderação!



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POV. Michelle Jones

 

Eu pensei que a roda da motocicleta não tivesse me atingido, mas obviamente eu tinha me equivocado, porque o tal Peter estava ali, em carne e osso e músculos — muitos músculos! —, então eu só podia ter morrido.

Meu coração se atrapalhou, errou várias batidas antes de começar a galopar sob as costelas...

Peraí. Eu não sentiria as batidas no peito nem na base da garganta se estivesse morta, certo? Isso significava que eu ainda estava viva?

Não, não, não. Não podia ser. Eu tinha que ter morrido, porque só isso explicaria a presença desse bendito Peter. Quer dizer, não. Não explicaria. Nunca parei para pensar como seria esse lance de morrer, mas esperava ver anjos, talvez meu avô em um belo terno branco — embora ele nunca tivesse usado um — e quem sabe uma harpa de fundo tocando “Stairway to Heaven”. Em resumo, nada que justificasse a presença do teioso imaginário.

Mas eu só podia ter passado desta para a melhor, porque Peter 3 parecia tão real, com o cabelo balançando ao sabor da brisa, me examinando com atenção... e por um instante pareceu surpreso. Ele inclinou a cabeça de leve, como se tentasse decifrar um enigma.

Bom, erámos dois.

— Cara, me perdoe — ele disse, apressado. — Eu tentei frear, mas não deu tempo. Você está bem?

Ai, meu Deus. Era a mesma voz! Aveludada e levemente rouca, que produzia uma suave sensação de divertimento e amparo no meu peito, enchendo-me de gratidão como no bendito sonho que ele me salvou da morte. Tentei me erguer sobre os cotovelos para analisá-lo melhor, mas uma dor insuportável no tornozelo me fez ver estrelas. Eu me detive conforme uma luz vermelha se acendia em minha cabeça. Morrer não devia ser tão dolorido assim... o depois, quero dizer.

Investiguei meu corpo, a pulsação ensandecida, a respiração curta, o latejar no tornozelo esquerdo. Humm... Certo. Eu não tinha morrido, afinal. Mas então o que estava acontecendo? Será que eu ainda estava sonhando? Também não podia ser isso, porque não estávamos na Estátua da Liberdade, mas no centro de Nova York, e Peter vestia um casaco marrom sobre a camisa branca da banda Os Beatles, em vez de um collant com bastante elastano e uma máscara vermelho e azul.

Aquilo não podia ser um sonho. O padrão nunca mudava. Ou será que agora mudava? Tipo uma nova temporada, cheia de novos episódios? Mas eu nem tinha acabado a primeira ainda, caramba! O que eu deveria fazer agora? Me deixar levar? Procurar um psiquiatra assim que acordasse?

— Você está bem? Entende o que eu digo? — Sua voz soou bastante preocupada.

Caras de faz de conta não andam por aí no mundo real atropelando pessoas. E nem demonstram preocupação. Ééééé... eu ainda estava sonhando, concluí com certo alívio. Ele, porém, não parecia nada aliviado e comprimiu os lábios.

— Acho melhor te levar a um hospital. O seu aspecto não está muito bom.

Fechei a cara. Não tinha certeza se eu gostava daquele Peter. Ele não era tão gentil quanto o Peter 3, mas tinha o mesmo senso de humor.

— Bom, eu acabei de ser atropelada — resmunguei, ofendida. — É óbvio que estou uma bagunça, muito obrigada por mencionar.

Ele esboçou um sorriso.

— Eu me referia à sua cor — explicou, paciente. — Você está pálida como um fantasma e tem alguns ferimentos pelo corpo.

Ele meio que tinha razão, a julgar pela quantidade de sangue que pingava dos meus cotovelos e manchava minha blusa branca. Droga! Aquela era minha única blusa boa.

— Mas o que está realmente me preocupando — continuou, sem nenhum traço de diversão agora — é a sua cabeça.

— Concordo com você nesse ponto. — Porque, se eu estava vendo aquele homem, definitivamente havia algo muito errado com a minha cabeça.

— Você acha que bateu? Na queda?

Ah. Ele se referia ao acidente.

— Não, acho que não bati, não. — Comecei a me sentar ao mesmo tempo em que ele dizia:

— Não! Não se mova. — Comprimiu os lábios, contrariado, tão logo me aprumei. — Você pode ter tido uma concussão. Fique deitada enquanto eu chamo a ambulância, beleza?

O que ele disse conseguiu penetrar pela nuvem de confusão que nublava minha mente e fez uma sirene zumbir em meus ouvidos.

— Não preciso de ambulância. Estou bem. Não preciso de nada. — Porque uma ambulância me levaria ao hospital, eu teria que pagar pelo atendimento e duvidava que aceitassem lápis de
cor como pagamento. A menos que dinheiro tivesse brotado na minha carteira magicamente, o que era uma possibilidade, já que eu estava sonhando.

Tentei ficar de pé, mas, caramba, como meu tornozelo doeu! E também achei que aqueles esfolados no cotovelo estavam ardendo um bocado para ser tudo produto da minha imaginação. E não deveria ser assim. Nada deveria doer daquele jeito em um sonho.

Só que... eu não estava sonhando dessa vez, não é?

Aquilo estava acontecendo de verdade. Peter 3, um dos caras com o qual eu havia sonhado quase todas as noites nos últimos meses, tinha escapulido de minhas fantasias e estava ali no mundo real, agachado a minha frente, com o cenho vincado.

Ok. Homens de faz de conta não ganham vida. Simplesmente não acontece. Eu devia ter perdido o juízo para cogitar algo tão estúpido. Ou podia estar em choque, me animei. Talvez eu tivesse batido a cabeça com força sem
perceber e agora estivesse navegando nas águas confusas da concussão. Vamos combinar que isso era bem possível.

Essa teoria logo caiu por terra, já que, ao sondar meu corpo e todos os pontos que latejavam, não encontrei nenhum deles acima da altura dos ombros. Eu não estava sonhando, não tinha morrido e não havia nada errado com a minha cabeça. Então o que sobrava era:

1. Gayle vira meus desenhos muitas vezes e havia encontrado alguém muito parecido com Peter 3 para me pregar uma peça. Só tinha dois probleminhas com essa possibilidade: o cara não era parecido com Peter 3. Ele era o
Peter 3. Além disso, Gayle jamais brincaria comigo desse jeito.

2. Eu estava delirando. Um delírio de quase dois metros e gato pra caramba.

3. Eu estava vivendo em uma espécie de Matrix onde um computador havia criado aquele homem de acordo com o meu imaginário. Mas nada era real. Nem ele nem eu ou o mundo que nos cercava. Ok, eu nem tinha argumentos para essa, o que apenas reforça a teoria seguinte.

4. Eu estava completamente louca.

Eu pretendia analisar o assunto mais a fundo, mas o deixei de lado, pois Peter 3, percebendo que havia alguma coisa errada com minha perna, agiu rápido. Levando a mão à barra da minha calça, sem cerimônia, ele a suspendeu. A ponta de seus dedos resvalou de leve em minha canela. O toque foi breve e sutil, mas o suficiente para provocar um incêndio violento que começou no local onde seus dedos estiveram e viajou por todo o meu corpo à velocidade de uma batida de coração. Minha respiração perdeu a cadência, meu pulso ressoou alto e impetuoso nos ouvidos. Subitamente, Peter 3 se retraiu, puxando a mão, como se eu o queimasse. Ao menos foi o que eu pensei, a julgar por aquele pequeno V que surgiu entre suas sobrancelhas. Ele sacudiu a cabeça como que para recobrar o foco.

— Parece que você teve uma entorse — concluiu, parecendo muito, muito confuso.

— Eu só caí de mau jeito.

— Lamento, mas prefiro ouvir um doutor House me dizer isso. Com licença.

Só entendi a analogia que ele fez a série "Dr. House" depois que um de seus braços serpenteou por baixo dos meus joelhos. O outro amparou minhas costas, e a próxima coisa que eu soube é que ele me levantava do chão como se eu não pesasse mais que um pacotinho de Ruffles.

Eu deveria protestar. Deveria ordenar que me pusesse no chão, mas como poderia fazer isso, pensar em qualquer coisa, se o cheiro dele me envolveu em uma nuvem perfumada, atiçando meus sentidos na mesma proporção em que os entorpecia? Como eu poderia prestar atenção em qualquer coisa que fosse, se ele me segurava de encontro àquela muralha larga, rija e quente, e eu era capaz de sentir seu coração bater forte contra meu ombro?

Quando dei por mim, ele me colocava com extrema gentileza no banco do carona de um táxi velho.

Peter 3 contornou o automóvel, parando apenas para apanhar minha bolsa ainda no chão e colocar sua moto no cantinho da calçada, em frente a um poste. Só quando algumas pessoas se afastaram para lhe dar passagem é que percebi que elas ainda estavam lá. Mas quem poderia me julgar por não estar atenta? O cara que se chamava Peter 3 tinha saído dos meus sonhos! Como isso era remotamente possível?

A porta do carro se abriu antes que eu encontrasse uma resposta e Peter 3 se acomodou ao lado do motorista com agilidade, jogando minhas coisas no banco de trás. Ele passou as orientações e o nome do hospital e o cara seguiu o fluxo de carros afora. Gente, isso era muito assustador... Comecei a ficar um pouquinho preocupada com o rumo que aquele sonho estava tomando. Tentei acordar, acessar aquela parte da minha mente que devia estar em repouso, mas eu a encontrei bastante desperta.

Eu não estava sonhando. Meu Deus, aquilo estava mesmo acontecendo de verdade!

Virando-me para ele, escrutinei seu semblante, acompanhando cada linha, cada mínima oscilação em sua expressão, a maneira como seu olhar mudou ao perceber que eu o examinava, parecendo incerto quanto ao que fazer. Uma mecha castanha caiu em sua testa. Sem me dar conta do que fazia, estiquei o braço e afastei os fios de seu rosto, deixando a mão escorregar por aquela massa sedosa e brilhante, apesar de despojadamente bagunçada.

Nem me dei conta de que tinha acabado de inventar essa palavra. Despojadamente...

— Você não pode ser real — murmurei. Mas ele era. Real, grande e quente, com cabelos muito sedosos. Ainda mais que nos sonhos, como se o Peter 3 de lá fosse apenas um eco fraco do que eu tinha diante de mim.

Puta merda, como era possível que Peter 3 estivesse ali, na minha frente?

Estarrecida, demorei um tempo para perceber que ele enrijecera. Parecia muito confuso ao proferir algumas palavras e, mesmo não tendo entendido porcaria nenhuma, tudo dentro de mim se encolheu, se esticou e sacudiu. Soou como uma interrogação que podia muito bem ser “Será que você pode soltar meu cabelo agora?”, ou “Pode parar de me olhar como se eu tivesse cinco narizes?”, ou ainda “Faz quanto tempo que você fugiu do manicômio?”.

É, eu também estava me fazendo algumas perguntas. Quer dizer, aquele homem era tão real quanto eu. E alguma coisa me dizia — meu bom senso, que andava desaparecido desde que eu quase fora atropelada — que aquele homem não era o meu herói mascarado.

Seus olhos se cravaram nos meus, intensos, inquietos e... escuros. Cacete, eram os mesmos olhos, me dei conta. Eu deveria ter reparado nisso antes. Mas, em minha defesa, digo que é muito difícil ficar atenta a detalhes como esse quando um dos personagens dos seus sonhos aparece na sua frente. Quer dizer, quando alguém que é a cara de um dos personagens dos seus sonhos aparece na sua frente.

Aquele cara não era Peter 3. Claro que não. Por alguma coincidência bizarra, ele se parecia com o cara que habitava meu imaginário. Apesar de seu rosto e todo o restante serem exatamente iguais, o cabelo estava um pouco diferente. Estava um pouco mais curto e bem cortado.

Um misto de alívio e tristeza me invadiu. Eu não queria que aquele cara fosse Peter 3. Mas também não queria que não fosse. Eu estava confusa. A julgar por aquele franzir de sobrancelhas, o rapaz provavelmente estava se questionando se deveria me empurrar para fora do carro ou ligar para o manicômio.

Obriguei meus dedos a soltarem suas mechas.

— Seu... humm... cabelo não pode ser real! — improvisei, a cara ardendo mais que depois de passar um dia inteiro na praia sem filtro solar. — É... é tão macio e... humm... brilhante! Que shampoo você usa?

Minha tentativa de consertar as coisas só o fez continuar me encarando, perplexo. E eu nem podia condená-lo. Eu não estava em meu melhor dia. E ele também não contribuía muito para ajudar a clarear minhas ideias: quanto mais me olhava, mais e mais rápido meu pulso corria.

Apesar de minha cabeça ter compreendido que eu estava diante de um total estranho, meu coração não deu a mínima e continuou se alvoroçando.

— Eu realmente vou me sentir melhor — começou, parecendo bastante inquieto — depois que você passar por uma tomografia. Não costumo ver as marcas dos meus shampoos. Só pesquiso qual que não deixa caspas e pronto.

— Eu... a-acho que você pode me d-deixar aqui mesmo — gaguejei.

— Você vai ser avaliada e ponto final. — A determinação reluziu em seus olhos castanhos. — Não posso te deixar ir embora sem antes me certificar de que você está mesmo bem.

— Por quê? — A esta altura, eu estava quase concordando com o exame de cabeça.

— Para alguém que acabou de ser atropelado, você faz bastante perguntas. — A diversão ficou bem visível naquelas sutis dobrinhas nos cantos dos olhos e no furinho das laterais dos lábios.

Até as covinhas, meu Deus!

— Só quero entender... — Por que você existe...

Interpretando minha agitação de maneira equivocada, ele suspirou.

— Escuta, eu sei que deve ser esquisito ouvir o cara que te atropelou dizer isso, mas não precisa ter medo de mim, ok? Eu não quero te fazer mal nenhum.

Não, eu não achava aquilo esquisito. Era todo o restante que realmente me preocupava. Como ele podia ser tão igual ao cara dos meus sonhos?

Uma buzina alta soou mais atrás. Uma fileira de carros começava a se formar na rua. O motorista deu partida ao mesmo tempo em que Peter 3 tirava o celular do bolso interno do casaco. Apertou alguns botões antes de colocá-lo no ouvido. Logo o ruído de discagem telefônica e a voz de alguém do outro lado da linha romperam o silêncio. O som do celular dele tava bem alto, hein...

— Eu vou me atrasar — foi dizendo, enquanto o carro estava em movimento. — Pode comparecer à reunião com o Johan no meu lugar?

— Ah, não me diga que você vai faltar hoje também! — falou a mulher com a voz fina e um sotaque carregado. Parecia bem irritada.

O carro dobrou a esquina um tanto agressivo demais, de modo que ele agarrou o celular para não escorregar pela janela. Eu me estiquei toda e apertei o botão para fechar seu vidro no automático.

— Não é uma boa hora, Betty. Deixa de chupar limão e tenta me encobrir. — Ele disse, fazendo um curto aceno de cabeça para mim em agradecimento. Recolhi meu braço, mas no processo meus dedos esbarraram de leve em seu pescoço. De novo aquela agitação, uma espécie de frisson, me sacudiu por dentro. E foi impressão minha ou o cara que não era Peter 3 pareceu mexido também?

— Está bem, eu aviso — a mulher bufou.

— Te devo uma, Betty linda — sorriu de lado.

— Uma? Me deve várias, Parker! Várias!!! Quantas reuniões você faltou? E quantos vexames te salvei? Tô só esperando a recompensa...

— Eu sei, eu sei... Calma que um dia, se eu conseguir mais uma foto com o cara, eu consiga um passeio de teia para você.

A moça riu na linha, e me senti mal por estar escutando a conversa daquele jeito. Mas fazer o que, era mais forte que eu. A curiosidade não vai me matar. Eu não sou uma gata.

— Ah, super apoio! Pede pra ele mandar um nude também. E também vê se consegue um encontro no Sexy On The...

Meu companheiro de viagem encerrou a chamada antes que o outra pudesse dizer mais alguma coisa, o motorista pisando ainda mais fundo no acelerador.

Aproveitei que ele estava focado no trânsito para examiná-lo pelo retrovisor com mais atenção. Quanto mais eu o observava, mais difícil era manter alguma coerência. Aquele homem com seus quase dois metros e ombros duas vezes mais largos que os meus era o cara dos meus sonhos, literalmente falando, ainda mais pelo reflexo dos olhos. Não digo apenas a cor, mas... Os dele estavam menos amargurados nesse instante, divertidos, mas ainda mantinham-se sem brilho como os do Peter 3. Ele em si parecia mais tenso, apesar de fazer piadinhas soltas e, de certa forma, mais vulnerável. Como se algo dentro dele tivesse se quebrado ou coisa assim.

— Chegamos — anunciou, o taxista levando o carro na vaga sobre a calçada.

Obrigando-me a fazer qualquer outra coisa que não fosse encará-lo com a língua de fora feito um cachorro com fome, examinei a fachada do prédio de dois andares. Uma construção moderna repleta de janelas altas tão elegantes quanto caras, uma espécie de painel de madeira ripado na lateral, cortando o prédio ao meio. Ao lado, havia um conjunto de letras elegantes na parede pintada de cinza com os dizeres Clínica Michigan.

Ele desligou o carro e saltou antes que eu pudesse dizer alguma coisa. Abri a porta e desci também, mas, assim que meu pé esquerdo fez contato com o chão, reprimi um gemido. Meu tornozelo estava me matando! Parecia que iria se soltar da perna a qualquer instante. Imaginei que o rapaz percebeu, porque subitamente colocou a mão em meu ombro.

— Tá doendo pra cacete, não é? Acha que consegue andar?

— Sim — menti. — Por isso é desnecessário gastar dinheiro com médico.

— Não se preocupe. A Stuart é uma velha conhecida. Não vai me extorquir.

Bom... eu preferia ter ido embora, mas tinha alguma coisa muito errada com meu pé. Experimentei movimentá-lo. O cara se manteve ao meu lado, pronto para me pegar caso eu oscilasse. E foi exatamente o que aconteceu três passos depois. Adiantando-se, ele me segurou pelos ombros ao mesmo tempo em que eu me agarrei à frente do seu casaco.

— Eu tô legal — garanti. — Só preciso descansar um pouco.

— Excelente. Você pode descansar de boa enquanto é examinada.

Sem me dar chance de retrucar, passou o braço pela minha cintura, puxando-me contra ele, e eu gostaria de dizer que ele me amparou até o lado de dentro da clínica, mas a verdade é que ele basicamente me carregou. Meus pés mal tocaram o chão, e eu não ofereci resistência. O cheiro dele, tão vivo e real como jamais havia sido, uma mistura de limão, sal e nerd, deixou minha cabeça leve, seu calor me envolveu como um abraço protetor e, meu Deus, a mão na lateral da minha barriga, um pouco acima da marca de nascença — uma manchinha marrom em forma de um T deitado —, provocava palpitações e outras coisas igualmente avassaladoras. Sua mão estava no mesmo lugar do sonho.

O lado de dentro da clínica era ainda mais impressionante que o de fora, com mobília branca — qual é o problema de gente rica? Eles não gostam de cores, não? Depois de me deixar em uma poltrona, meu acompanhante falou brevemente com um dos recepcionistas e logo me carregou para dentro de um consultório suntuoso, sem que ninguém me pedisse documento algum. Ele mal havia me ajudado a subir na maca quando uma mulher de um metro e meio usando jaleco entrou pela porta. Ela se apresentou como dra. Janete Stuart. Os dois trocaram um cumprimento antes de o sujeito que não era Peter 3 começar a narrar meu quase atropelamento, um tanto ansioso.

Não consegui ouvir o que diziam, pois, mesmo falando com a médica, durante o tempo todo seu olhar esteve em mim, ainda me estudando, como se eu fosse um quebra-cabeça difícil de montar. Um arrepio, que começou na boca do estômago e terminou em minha nuca, me fez estremecer.

— Dói? — exigiu a médica, entendendo tudo errado, examinando meu pulso.

— Não.

Educadamente, ela pediu que Pet-... que o cara esperasse do lado de fora. Eu ainda estava abalada demais para assimilar qualquer coisa, e tudo me pareceu um borrão: a consulta, alguns exames, até que mais tarde meu pé foi encaixado em uma bota rígida preta nem um pouco atraente e eu ganhei um par de muletas cromadas. A médica garantiu que não havia nada errado com minha cabeça, entregou uma receita de anti-inflamatórios, caso eu sentisse muito incômodo, e minha sapatilha molhada ao cara que me levara até a clínica e me liberou.

— Aonde eu devo te levar? — o rapaz perguntou, parecendo irrequieto, quando já estávamos do lado de fora, e gentilmente abriu a porta de outro táxi  parado em frente ao prédio para mim.

Eu não o havia assustado tanto quanto tinha imaginado se ele me oferecia uma carona. E cheguei a pensar em recusar a oferta. Mas pegar dois ônibus e depois fazer uma caminhada de sete quarteirões até em casa com aquelas muletas ia ser um saco. Por isso dei o endereço a ele enquanto me acomodava no veículo. Não tinha nada a ver com desejar ficar perto dele mais um pouco. Não tinha absolutamente nada a ver com tentar descobrir quem ele era, por que invadia
meus sonhos...

Ah, a quem eu estava tentando enganar? É claro que eu queria obter algumas respostas. E como conseguiria isso se depois que ele fosse embora nossos caminhos se separariam e eu nunca mais voltaria a vê-lo? Fora dos sonhos, quero dizer. Aquela era minha única chance de, enfim, tentar entender alguma coisa.

Depois do taxista girar a chave de ignição e manobrar para fora da vaga, o carro entrou em uma avenida completamente engarrafada àquela hora da noite. Após algumas quadras, tudo travou e o carro já não avançava. O homem que não era Peter apoiou a cabeça no encosto e rosnou alguma coisa. Um Que sensação engraçada, talvez.

Um deja vu...

— O que você disse? — murmurei.

Ele suspirou. Não sei quanto tempo levou, mas ele me encarou pelo retrovisor.

— Que é perda de tempo a gente insistir agora. — Ele virou o rosto para mim e me deu um meio sorriso. Era realmente uma boa coisa estar sentada ou eu teria caído, pois meus joelhos tremeram tanto quanto uma gelatina.

Certo, era melhor me concentrar em alguma outra coisa e manter os olhos bem longe dele se quisesse manter o raciocínio e descobrir algo. Eu estava ponderando se devia começar perguntando seu nome ou comentar sobre o tempo para logo engatar um “você é de onde?”, mas ele abriu a boca primeiro.

— O que você acha de comer alguma coisa enquanto a gente espera esse trânsito se dissipar? O táxi pode parar na rua que deixei minha motocicleta e te levo depois pra sua casa. Com ela é mais fácil driblar esse engarrafamento.

Olhei para o para-brisa, fixando os olhos na lanterna de freio iluminada do carro da frente, para que ele não visse o sorriso que teimou em se abrir em meu rosto. Obriguei minha voz a soar o mais desinteressada possível ao responder:

— Ótima ideia.

 


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Notas finais do capítulo

O Peter aparece, eu automaticamente: *-*
MJ e Peter aparecem, nós: *0*

E esse jantar, hein? Ele promete.
Até amanhã, gente! ;)



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