My Amazing Spider-Man escrita por LisRou


Capítulo 8
Choque de realidade


Notas iniciais do capítulo

Bora de maratona? Mais capítulos para vocês!

Obs.: Estou postando a fic no Spirit também. Quem tem mais facilidade pra ler por lá, é só pesquisar o mesmo nome: My Amazing Spider-Man ♡



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/805224/chapter/8

POV. Michelle Jones

 

Já passava muito das nove quando Peter Parker encostou a motocicleta em frente à pensão e desligou o motor. Ele se inclinou sobre a garupa, dando uma espiada na fachada da minha casa.

— Parece aconchegante. — Em vez de uma brincadeira, tudo que consegui detectar em seu tom foi sincera gentileza.

— Eu acho. — Tirei o capacete reserva que ele me deu.

Antes que eu pudesse agradecer por... bem... por tantas coisas que ele havia feito por mim nas últimas cinco horas, ele já havia saltado da moto, minha bolsa e minha sapatilha ensopada em uma das mãos, e dava a volta para me ajudar a sair. Agora que o surto da adrenalina começava a deixar meu corpo, eu sentia as dores com muita lucidez, sobretudo ali, no tornozelo esquerdo, que latejava insistentemente.

Peter me ajudou com as muletas, e sua mão esbarrou por acaso na minha. Uma descarga elétrica perpassou meu corpo, dando aquela sensação de deja vu. Eu estava quase certa de que ele também sentiu alguma coisa, pois recuou um passo e eu pude jurar que vi uma centelha iluminar seu olhar conforme me admirava.

— Nós já nos vimos antes? — Sussurrou muito baixinho, pra si mesmo, tanto que achei que não tinha entendido direito pelo movimento da sua boca.

— O quê?

Ele comprimiu os lábios. Ainda agindo como se eu fosse um jogo de palavras cruzadas em russo, desviou os olhos por fim e colocou a mão livre no bolso da calça jeans, me acompanhando sem pressa até a porta desalinhada da pensão.

Nós dois paramos ali na entrada, e um silêncio esquisito começou a me deixar inquieta. Ele também parecia tenso, mas, graças aos céus, resolveu acabar com aquilo e se pôs a falar.

— Quando você acha que vai estar bem para começar? — Ele me entregou a bolsa e o sapato ensopado, mantendo os dedos longe dos meus.

— Amanhã, se você não se importar com o barulho das muletas e tirar as fotos a partir do meu tronco pra cima — simbolizei com as mãos a barriga até minha cabeça.

Ele sorriu suavemente.

— Eu gosto da sua animação e disposição, mas a dra. Stuart aconselhou repouso. Que tal semana que vem? Na segunda-feira?

— Eu... humm... Ok. Você é o responsável dessa pasta, afinal.

Um dos cantos de sua boca se elevou. Usando toda a minha força de vontade, consegui baixar o olhar e o pousei na altura daquele peito que, eu lembrava com muita clareza, era sólido como pedra e quente como uma fornalha e, mesmo oculto pela camisa e ele sendo alto, não era destrambelhado, aludia vales e montanhas no tamanho certo onde meus dedos poderiam...

Ok, para com isso. Ele vai ser meu parceiro de trabalho! Profissional, MJ! Pare de olhar como se ele fosse uma sobremesa!

Mantive os olhos abaixados, mirando seus pés. E sorri para o surrado par de Adidas de couro preto.

Muito a cara dele...

— Bom, acho melhor... — começou, ao mesmo tempo em que a porta se abriu sem aviso.

— MJ! Caramba, eu estava preocupada! — Gayle foi dizendo, a atenção totalmente em mim. — Você não atendeu o telefone, não mandou notícias, pensei que tivesse sofrido um... — Ela viu as muletas, depois meu tornozelo dentro da tala. E empalideceu. — Ah, meu Deus. Você sofreu um acidente!

— Eu tô bem! — Levantei a mão, me equilibrando nas muletas. — Sério, Gayle. Tá tudo bem comigo. Foi só uma torção.

— Por sorte, sem maiores consequências — Peter comentou.

Gayle finalmente reparou que eu estava acompanhada. E, ao olhar para Peter, sua testa enrugou, em clara confusão. Demorou, mas ela acabou lembrando onde tinha visto aquele homem antes. Sei disso porque sua boca se abriu de tal forma que foi possível ver os dentes do siso.

Fica quieta. Por favor, não diz nada, supliquei com os olhos. Infelizmente ela não entendeu a mensagem, pois ainda o encarava como se tivesse visto um fantasma.

— Você... — gaguejou, piscando muito. — Você... é o...

— Um cara que foi muito atencioso — eu me apressei. — Me levou pra clínica onde cuidaram do meu pé. E depois me deu um emprego.

Graças aos céus isso conseguiu atrair a atenção dela, que se virou para mim, a boca abrindo e fechando como um peixinho dourado.

Por favor, Gayle, implorei em silêncio, olhando no fundo de seus olhos verdes. Dessa vez ela compreendeu o recado, me deu um discreto aceno de cabeça e eu quase desmaiei de alívio.

— Eu também sou o cara que atropelou a sua amiga — Peter esfregou o pescoço, bastante sem jeito. — Lamento muito.

— A Gayle é minha irmã. E você quase me atropelou — frisei. Fiz as apresentações e Gayle balbuciou alguma coisa ininteligível para ele, deixando o clima ainda mais esquisito. Piorou muito, pois Peter Parker interpretou errado a reação dela. Pensando que fosse a preocupação que a deixara quase catatônica, se pôs a falar tudo o que a médica havia dito, o que foi bom, pois eu não tinha ouvido na primeira vez.

Assim que concluiu, pegou alguma coisa no bolso. A receita médica. E também sua carteira, percebi, quando ele a abriu e separou algumas notas.

— A dra. Stuart recomendou alguns medicamentos. — Estendeu a receita, um papel com seu telefone e o dinheiro. — Imagino que isso deva cobrir as despesas. Caso contrário, me ligue e eu
providencio tudo.

Apenas observei as notas, pronta para recusar. Gayle pressentiu que isso estava a caminho e, antes que eu pudesse impedi-la, pegou tudo da mão dele com um movimento rápido.

— Obrigada. Deve bastar — ela disse, ainda embasbacada, olhando para mim, para Peter e de volta para mim.

Peter também notou e pareceu um pouco desconfortável.

— É melhor eu ir — disse, numa voz baixa e macia. — Me ligue se não estiver se sentindo bem na segunda-feira. Do contrário, posso vir te buscar por volta das sete horas.

— Não precisa se incomodar. — Ajeitei melhor a bolsa na dobra do cotovelo. Ela se abriu de leve, permitindo que eu jogasse as sapatilhas dentro dela. — Eu posso pegar um ônibus.

— Imagino que sim, mas o motorista do ônibus provavelmente não levaria você até o polo de Manhattan. — Ele colocou as mãos nos bolsos da calça e ensaiou um sorriso. — Nós vamos começar os ensaios por lá.

— Ah, ok.

Foi impressão minha ou ele pareceu um pouco relutante em ir embora? De uma coisa eu estava certa. Aquele encontro havia mexido com ele também. De que maneira, eu não fazia ideia. Bom... fazia sim. Podia ser por causa do acidente no escritório ou do quase atropelamento, ou o fato de eu ter pensado que ele me queria como acompanhante de luxo. Mas ainda assim.

— Bom, boa noite — disse por fim, acenando com a cabeça.

— Boa noite, Peter Parker.

Gayle resmungou uma despedida, mas eu mal ouvi, pois, à medida que ele se virou e começou a se afastar, fui dominada por uma terrível melancolia. Meu peito doía quase tanto quanto meu tornozelo pulsante quando ele subiu na sua moto e deu a partida, como se uma parte de mim estivesse indo embora também.

Diante das circunstâncias, imaginei que era compreensível. Aquele homem — ou alguém, um herói exatamente igual a ele — assombrava meus sonhos desde sempre, e ali nós tínhamos episódios que marcaram minha mente.

No entanto, ao vê-lo no mundo fora da fantasia, tão real quanto um ser vivo é capaz de ser — só que mais lindo do que qualquer ser vivo é capaz de ser —, era um completo estranho. Eu teria que me acostumar com isso. E precisaria aprender uma maneira de separar Peter Parker de Peter 3, ou aquilo não daria certo.

— MJ, quem é esse cara? — Gayle quis saber, observando a moto escura se afastar.

Mantive os olhos na rua.

— Você escutou. Ele é o meu novo... chefe. No fim das contas, a sua cicatriz acertou. É provável que eu tenha ficado com a vaga, porque ele vai entrar em contato com o tal de Jonah e vai me indicar. Ele é o fotógrafo do Clarim Diário. — Manobrei as muletas para dentro de casa, passando direto pela recepção vazia, e fui mancando até a sala. A muleta enroscou no tapete listrado e eu caí sentada no sofá mostarda, apoiando as muletas na mesinha lateral. Deus do céu. Eu estava acabada física e emocionalmente.

Gayle pulou ao meu lado, dobrando as pernas e se sentando sobre os calcanhares.

— Michelle, esse Peter Parker é igualzinho a um dos caras que você desenha. Só que esse sobrenome é o mesmo dos seus sonhos também?

— É provável que sim, não estou me lembrando direito, mas algo me diz que é.

— Cacete...

— Você também viu ele, certo? Eu não estou imaginando coisas, né? — Eu me certifiquei, só por garantia.

— Ele é igualzinho a um dos rostos que você imagina ser o Homem-Aranha! — Seus olhos estavam tão arregalados que eu pude ver a parte branca ao redor das íris esmeraldas. — Sem tirar nem pôr! Quer dizer, o cabelo parece um pouco mais amparado na nuca. Mas é só.

— Na verdade, os cabelos estão mais curtos mesmo.

— E...? — perguntou, ansiosa.

Estendi as pernas, escorregando pelo sofá até conseguir apoiar o tornozelo latejante sobre a mesa de centro.

— E nada, Le. — Dei de ombros e gemi, sentindo o ponto exato onde batera na queda. — Acho que é só uma coincidência bizarra.

— Só coincidência? Você sonha com esse cara quase toda noite por mais de um ano e aí, do nada, bam! Ele aparece na sua frente e você acha que é só coincidência?

Afundei no estofado, deixando a cabeça pender no encosto, e virei o rosto para ela.

— O que mais eu posso pensar, Gayle?

— Muitas coisas. — Ela jogou as mãos para cima, deixando-as cair no colo com um estalo. — Que isso é um sinal, por exemplo?

— De que eu enlouqueci? — arrisquei.
Ela beliscou minha cintura.

— Não! De que vocês estavam destinados a se encontrar! De que já se conheceram em outra vida, outro tempo, sei lá... Caramba, pensa só como deve ser difícil entrar nos sonhos de alguém. — Ela levou o polegar à boca e começou a mordiscar a unha. — A questão é: você entrou no dele ou ele no seu?

— Gayle, por favor... — Cobri os olhos com as mãos.

— Tô falando sério, MJ. Você pode escolher não acreditar, mas ainda assim o homem com quem você sonha desde sua aceitação na faculdade acabou de te deixar em casa. Um de vocês dois deve ser um andante de sonhos.

Destapei o rosto, olhando para ela com cautela. E lá vamos nós...

— Andante de sonhos — repeti devagar.

— Gente que busca ajuda através dos sonhos. Ele veio até você, ou será que foi você que foi até ele?

E era nisso que dava falar com Gayle sobre coisas que não eram fáceis de explicar. Ela nunca conseguia impedir que sua mente divagasse. Como não tinha nenhum filtro, podia discorrer sobre qualquer assunto: existência, alta literatura, a novela das nove, uma coxinha. Em geral aquilo me divertia, mas naquela noite eu estava muito além da exaustão.

— Que diferença faz? — falei, querendo botar um ponto-final naquela conversa. — Agora eu sei que ele existe, e talvez eu simplesmente sonhe com ele, porque... porque... — Por quê? — Quem é que pode entender os sonhos?

Ela revirou os olhos.

— Qualquer um que estude sonhos. Você não estava me ouvindo? — Cruzou os braços, emburrada.

— Acho melhor a gente deixar isso pra lá. Não vamos chegar a lugar nenhum. Acredite, eu já tentei entender. O que importa é que eu consegui um emprego.

Aisla se recostou no sofá, o corpo tombando até sua cabeça colidir suavemente com a minha.

— Isso só podia acontecer com você. — Ela riu daquele jeito que a fazia parecer um porquinho-da-índia. — Conseguir um emprego depois de ser atropelada.

Nós duas pulamos assim que o som de vidro se quebrando ecoou logo atrás. Pouco mais de três passos longe do sofá, mamãe, pálida feito a parede, a tigela azul que ela costumava servir salada espatifada a seus pés, nos encarava.

— A minha filha foi atropelada? — sua voz mal tinha som.

— Quase atropelada, mãe! — Gayle e eu gritamos em uníssono.

Minha irmã correu para ampará-la, e eu fiquei de pé para que ela me visse por inteiro e constatasse que nada estava faltando. Enquanto Gayle a trazia para o sofá, tratei de contar tudo o que tinha acontecido naquele dia. Da espera agonizante pela entrevista de emprego, o problema no cano, o quase atropelamento. Discorri sobre os exames na clínica, e seu olhar se iluminou — mamãe gostava muito de exames. Ela compreendeu que não havia nada errado comigo. Eu só precisava pegar leve com aquele pé.

Também falei sobre meu novo emprego, editando algumas coisas, é claro. Ela se manteve em silêncio total e absoluto, o que me deixou ainda mais ansiosa. Por fim, descansou uma mão em meu rosto, a outra sobre seu próprio coração.

— Que susto, Michelle Jones! — disse, com um suspiro.

— Desculpa, mãe. Mas eu tô bem. E ainda consegui uma grana. Vai dar pra pagar a hipoteca! Cadê o dinheiro, Gayle?

Minha irmã me encarou, em total espanto.

— Mas era... — Gayle começou.

— Um adiantamento. — Lancei a ela um olhar persuasivo.

Se Gayle mencionasse remédios, nem mesmo a equipe da SWAT seria capaz de impedir que dona Madeline corresse para a farmácia naquele exato momento.

Obviamente contrariada, minha irmã pegou o dinheiro no bolso e entregou a mamãe, escondendo a receita. E foi com o coração partido que vi minha mãe contemplar o bolinho de notas por um tempo e então começar a soluçar. Existe algo de muito dolorido em ver a mãe da gente chorando.

Gayle e eu nos entreolhamos e a abraçamos ao mesmo tempo.

— Me desculpem — mamãe soluçou, encolhidinha. — Eu pensei que não teria jeito. Que veria minhas filhas desabrigadas. Eu nem tenho dormido direito esses dias pensando nisso... Ah, MJ, não foi um homem, mas um herói que cruzou o seu caminho hoje!

— Foi sim — concordei, beijando sua mão com cheirinho de tomate. 

E logo me apressei em afastar aquele pensamento. Peter Parker e o Homem-Aranha não eram a mesma pessoa.

Iria ficar lembrando isso até infartar. Era muita coincidência, pelo amor de Deus! Eu ia ficar louca de vez se ele fosse!

— Quem diria! — Gayle exclamou. — Parece que a MJ passou a perna na má sorte.

Mamãe olhou feio para ela.

— Você sabe que eu não gosto que você fale assim da sua irmã, Gayle. Ela não tem má sorte, só tem pouca. É diferente.

O que, em uma escala de 0 a 10, significava -1.

A conversa logo enveredou para o meu novo emprego, assunto que eu e mamãe discutimos com animação. Até Gayle abrir sua boca grande.

— Se você vai começar a trabalhar como modelo chique no maior consórcio de Jornal novaiorquino, vai precisar de roupas e maquiagens novas, MJ.

Mamãe franziu o cenho. E eu também, porque ela tinha razão. Eu tinha que estar apresentável no trabalho, com minhas maquiagens em dia, e minha única base boa eu só conseguia pegar o resto com a ponta do lápis. E tinha umas blusas que eu precisaria...

Cogitei pegar alguma coisa emprestada da Gayle. Tínhamos quase o mesmo corpo, eu só era dez centímetros mais alta, mas acabei desistindo ao me lembrar da seriedade do Clarim. Eu ia parecer um unicórnio multicolorido comparada aquela jornalista, por exemplo.

Mas, ei, eu não seria jornalista, eu seria modelo. Talvez o extravagante seja a forma como eu deveria ser, afinal.

Mamãe fitou o bolinho de notas em sua palma.

— Não, nem pensar! — recusei. — Esse dinheiro é da hipoteca!

— Mas... — ela começou.

— Sem estresse, gente. Eu tenho a solução — Gayle disse, correndo para pegar sua mochila na cadeira ao lado da estante de cerejeira. — A gente não precisa de dinheiro quando tem isso! — Ela ergueu a mão em triunfo, um cartão de uma loja de departamentos reluzindo de novo entre dois dedos.

— Gayle! — gritei.

Seus olhos se arregalaram e ela inclinou a cabeça para a frente de modo que parecessem ainda maiores, o lábio inferior em um bico.

— Eu sei que prometi que não compraria a saia, MJ. E eu não comprei! Mas eu nunca falei nada sobre não fazer o cartão. Pressenti que a gente ia precisar de um. Até a fatura chegar, o seu primeiro pagamento já vai ter caído na conta, né? Agora, admita: eu sou demais, não sou?

Comecei a rir. Era por coisas assim que eu amava tanto a minha irmã. Ela sempre fazia o mundo parecer um lugar mais bonito, mesmo se tudo o que restasse fossem ruínas.

Enquanto mamãe ia para a cozinha preparar um chá para acalmar seus nervos, Gayle e eu conversamos um pouco mais. Depois de um tempo, subimos para o segundo andar. Minha irmã me ajudou a entrar no chuveiro e esperou que eu tomasse banho para me auxiliar com a tala preta. Só saiu do meu quarto bem mais tarde, depois que me deitei e afundei a cabeça no travesseiro, exaurida. Tanto havia acontecido naquele dia, eu tinha tanta coisa para pensar, tantas perguntas sem respostas... Mas eu estava esgotada. Não queria pensar em absolutamente nada.

No entanto, o rosto de Peter Parker surgiu atrás de minhas pálpebras fechadas sem que eu pudesse impedir. De repente seus cabelos começaram a diminuir, o seu tamanho também, a barba amparada desaparecendo por completo no queixo e sobre todo o maxilar, os olhos castanhos ganhando luminosidade pouco a pouco, ficando menores e o uniforme vermelho tendo algumas nuances de dourado.

E então eu estava com Peter 1.

 

— Tem uma coisa que eu tava querendo te falar há um tempo... — Peter começou, me fazendo parar de caminhar. Graças a Deus ele desviou o clima tenso do vexame que passei segundos atrás. O que eu tinha na cabeça para comentar de pessoas que eram executadas nessa ponte, pelo amor de Deus?

— Fala — tratei de fingir naturalidade, virando-me em sua direção.

Peter pareceu inseguro em como começar a dizer. Pensei de abrir a boca e ir direto ao ponto, fazer com que ele ficasse mais tranquilo e se abrisse mais facilmente, só que ele fora mais rápido:

— É nossa última noite na Europa e eu tinha um plano que eu queria... — Respirou fundo, ainda pensando, fazendo aquele som fofo e engraçado sair da garganta. O canto da minha boca aos pouquinhos se elevou. — ...Contar... Ah, eu vou te contar logo. — Sacudiu a cabeça com violência e pegou um objeto no bolso da calça. — MJ, eu...

— Sou o Homem-Aranha — concluí por ele, dando de ombros.

O rapaz uns seis centímetros mais baixo que eu abriu a boca, mas nada proferiu.

— É o quê? — Murmurou. Ou tive a impressão de ouvi-lo murmurar.

— É o que ia dizer, que você é o Homem-Aranha.

Ele meneou o rosto freneticamente.

— Não! Eu não sou o Homem-Aranha — Disse tão rápido quanto negou. Franzi o cenho.

— Ah, é que... Eu tô de olho em você há um tempinho já. — Fiz uma careta, abrindo um sorriso lateral, colocando minhas mãos no bolso do casaco quando o vento gelado da Itália eriçou meus poros.

— Eu não sou o Homem-Aranha, não — ele tornou a negar, imitando minha expressão facial. — Por que você acha que eu sou o Homem-Aranha?

Eu revirei os olhos das órbitas.

— Peter, Washington!

— E daí? — Encrespou o cenho.

— Você sumir, de repente, sem motivo...

— Não, eu só passei mal, não lembra não? Minha barriga ficou...

— A Susan acha que você é garoto de programa. — Soltei, vendo-o arregalar tanto as pálpebras que os olhos quase saltaram feito duas bolinhas de gude.

— Não, claro que eu não sou garoto de programa!

— Então é o Homem-Aranha. — Simples assim. Por que ele não admite logo? Eu hein!

Ele suspirou.

— MJ, eu não sou o Homem-Aranha mesmo.

— Então me explica essa noite. Você fugiu e lutou com aquela coisa, eu vi. — Mencionei aqueles monstros místicos e elementares.

— Impossível você ter me visto, porque eu não sou o Homem-Aranha — repetiu, me cansando. Mas não desisti, nunca fui de deixar um desafio. — Aliás, o jornal falou que aquele era o macaco noturno.

Encrespei ainda mais o cenho.

— Macaco noturno — proferi, fazendo um esforço descomunal para não gargalhar.

Ele balançou a cabeça para cima e para baixo, seu tamanho ficando um pouco menor que o normal conforme se encolhia ao cruzar os braços. O peito, do contrário, era largo e parecia muito firme também. Igualzinho ao Homem-Aranha.

— Fazer o quê... — Gesticulou com os braços e ombros, inclinando um pouco o tronco pra frente. — O jornal nunca mente.

Estalei a língua e tirei minha mochila das costas.

— Macaco noturno, tá bom — eu escarneei, colocando minha bolsa em frente ao peito, o som do zíper fazendo um contraste engraçado.

Peter franziu o cenho.

— O que vai fazer?

— O macaco noturno e o Homem-Aranha usam as mesmas teias? — Inquiri quando peguei o que queria. O objeto de metal, que não fazia ideia de absolutamente nada do que poderia ser, estava envolvido por teias transparentes que, quando ele colocou seus olhos nelas, a surpresa e a constatação ficaram muito claras nas feições torcidas.

— Ué, podem usar... — Clareou a garganta, tornando a me olhar. — Vai ver é um Macaco-Aranha, quem sabe...

Fiquei em silêncio, contemplando-o de perto, vendo seu rosto se alterar e uma seriedade absurda pintar cada pontinha do seu semblante. Fiquei surpresa pela mudança repentina, mas em alerta, sem esperar o que Peter poderia dizer. Ele sempre tinha um olhar muito doce, muito... Gentil, como um garoto descobrindo seu caminho e sua trajetória. Mas esse olhar... Esse olhar era o contrário do que ele refletia.

E ele o lançou à mim.

— Você... — Soltou uma lufada de ar mais uma vez. — Você só estava de olho em mim porque achava que eu era o Homem-Aranha?

Engoli em seco e encarei meus próprios pés, sentindo o sangue se concentrar em minhas bochechas. A vergonha me golpeou com força, feito um golpe daqueles seres místicos. O de fogo, mais precisamente. Mas ele não precisava saber. Peter não precisava saber que eu estava afim dele muito antes de suspeitar da sua outra identidade. Eu morreria de vergonha.

— É — o encarei, mas logo tratei de desviar o olhar de novo. — Por que eu ficaria de olho em você?

Vi a dor cruzar seu olhar feito uma estrela cadente. Percebi tarde demais a grande burrada que eu fiz.

— Deixa pra lá. — Por mais que a dor tivesse sido visível para mim, ele tratou de ocultá-la como podia, balançando os ombros, dando a mínima importância. — Eu achei que você...

Interrompendo seu discurso, o objeto de metal acionou na minha mão. Refletindo um dos seres elementares — O Vendaval, eu arregalei os olhos, compreendo que toda aquela luta, toda aquela demonstração eram... Meu Deus, era mentira.

Peter se aproximou, pegando o objeto com a ponta dos dedos. O negócio rangeu, como se falasse.

— Isso seria um projetor de imagens? — Eu disse, desconfiada, agarrando as alças da minha mochila.

— Mas eram tão reais! Você viu, não viu? Tinha fogo, destruição... — Ele ia concluir, mas o projetor repetiu o pane e acabou refletindo o Vendaval e, juntamente com ele, o Mysterio também.

Fiquei alarmada. Muito chocada para dizer alguma coisa. E Peter parecia da mesma forma, porque depois que as imagens desapareceram, ele se virou para mim, a decisão nublando as íris escuras.

— Eu sou o Homem-Aranha. E eu vacilei feio.

— Pera. Você... Você tá falando sério?

— Uhum.

— Não tá brincando comigo? Tipo está cem por cento sério? Porque não tem graça...

— Não tô brincando.

— ...Só tinha sessenta e sete por cento de certeza, então...

— MJ...

—...Então por que você está aqui, por que tá nessa viag-...

— MJ! — Gritou, esticando os braços. — MJ, você faz perguntas demais! Mas sério, a gente tem que sair daqui, tá? — Uniu as mãos em frente ao peito.

Eu fiz que sim, subitamente nervosa.

— Tá bom. Tá bom. — E ele foi correndo na frente. Conforme comecei a acompanhar, um sorriso se esticou na minha boca, triunfante. — Eu não acredito que descobri! Eu sou demais mesmo!









Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "My Amazing Spider-Man" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.