E.T.A escrita por Bia


Capítulo 3
III - Lisboa


Notas iniciais do capítulo

Música: Lisboa - Anavitória (part. Lenine)



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III - Lisboa

“Diga pra mim que é real. Que eu te prometo meu melhor.  Fala pra mim o que eu quero ouvir. Que tu sentiu o que eu senti”

 

Odiou o natal até os doze anos. As férias, até os dezesseis.

Para o jovem Black, o final do ano não precisava de acessórios para ser péssimo. Aquela felicidade falsa e obrigatória quase o fazia vomitar e ter a família toda reunida era o mais perto que chegara do inferno. Além de sentir-se totalmente desconectado dos parentes, preconceituosos e frívolos, sentia-se ainda mais esquisito perto das outras crianças, que desejavam férias com ardor enquanto ele as evitaria, se possível. 

No primeiro ano, optou por passar o natal na escola. Solitário, mas em paz, distante dos cruéis comentários da mãe. No segundo ano, contudo, Tiago notou que não estava fazendo as malas e perguntou:

— Vai ficar?

— Sim. — deu de ombros, pretendendo indiferença. — Se eu ouvir meu pai lamentando minha entrada na Grifinória mais uma vez, vou acabar me amaldiçoando.

O Potter ficou em silêncio, encarando-o com gravidade anormal para um menino de doze anos. Proferiu, depois:

— Arrume suas coisas. Você vem comigo.

Foi a primeira vez que gostou do natal. Com os Potter, descobriu o lado caridoso e encantador da data e adoraria ter conhecido também a outra face das férias, passando-as com Pontas e sua família, mas a mãe não permitiria jamais. A família Potter era antiga, poderosa e sangue-puro, motivos pelos quais Walburga os aturava, entretanto, a defesa e associação deles com os trouxas a enojavam e a última coisa que queria era expor seu primogênito ainda mais a esse tipo de influência. 

Talvez essa fosse a causa da incompreensão do Black ao observar os rostos desanimados dos estudantes, em meados de abril, e seus inúmeros comentários sobre a vontade dos dias livres.

Naquele belo dia de primavera, no pátio do colégio, com uma autorização escrita pelo próprio Dumbledore segura no bolso da jaqueta caso Ranhoso quisesse implicar, Sirius esperava Remo. Os adolescentes tagarelas passavam por ele e não demonstravam grande curiosidade sobre o trintão ali parado. Ou assim pensou, quando sentiu uma mão apertar seu ombro. 

Virou-se para encarar familiares olhos verdes e um sorriso torto. 

— Ei. — disse contente, puxando o garoto para um abraço.

Enlaçou Harry com força, toda vez surpreendendo-se com seu crescimento. 

Acompanhava-o desde a gestação e, se sentia orgulho de algo na vida além de ter permanecido fiel a si mesmo e se transformado em um homem diferente daquele que sua família queria, era da relação de carinho, respeito e cumplicidade que construira com o afilhado.

— O que faz aqui? — ele perguntou, se afastando.

— Vim almoçar com Aluado. Ele quer me pedir algo.

Harry arqueou a sobrancelha.

— Padrinho do Teddy, será?

— Ciúmes? — Sirius brincou e riu vendo o Potter revirar os olhos.

O silêncio reflexivo que se fez depois, indicou ao Black que Harry estava se preparando para lhe dizer algo delicado. Esperou serenamente, cruzando os braços.

— Sirius, o que você aconselharia a uma pessoa que te escrevesse dizendo que gosta de alguém, mas que o sentimento não é nada recíproco?

Almofadinhas franziu a testa.

— Responderia pedindo maiores detalhes.

Harry não o encarou. Colocou as mãos nos bolsos.

— Bom, tem essa garota. Ela é determinada, estudiosa, inteligente e forte. E… hum… Talvez eu goste dela. 

— Entendo. 

Isso era novidade. Harry, geralmente, era reservado e discreto sobre questões amorosas. Muito semelhante ao pai. 

Essa garota, definitivamente, era especial. 

— Mas, talvez, ela não goste de mim. Eu quero dizer… Não goste da minha personalidade nem romanticamente, nem de nenhuma outra maneira. 

— Ora, vejam só. — Sirius comentou rindo e colocando as mãos na cintura. — Potters! Deve ser mal de família se atrair por sabichonas, duronas e que os desprezam.

Harry corou, mas respondeu de maneira cortante:

— Não quis falar com o meu pai justamente por isso.

— Não é só o seu pai! Sabia que o seu avô…

Se a maldição Avada Kedavra fosse um olhar, certamente seria aquele do Potter. O Black limpou a garganta, envergonhado.

— Me perdoe. Continue.

— Aconteceu uma coisa, um desentendimento no primeiro ano. — o apanhador bufou, nervoso. — Antes das férias, no entanto, nós conversamos. E pensei que tivéssemos resolvido… Quer dizer, até uns dias atrás estava tudo bem. Parecia, pelo menos. Só que agora e do nada ela começou a me evitar. 

— Certeza?

Harry riu com ironia.

— Absoluta! Íamos estudar poções hoje e ela desmarcou. Sirius, ela é a maior nerd que já pisou nessa escola. Eu não acho que isso aconteceria a menos que o mundo estivesse acabando. 

Olhou para o afilhado meticulosamente, reconhecendo nele o mesmo brilho que observou em Tiago há anos, assim que os sentimentos por Lilian começaram aflorar. Separou os lábios para repetir o certeiro conselho.

— Sirius. — escutou e virou-se. No meio do pátio, Remo acenava. 

Com a mão direita, o Black pediu um momento. Colocou a outra mão no peito do estudante e disse:

— O amor não é fácil e nem óbvio, Harry, mas sempre exige coragem. Se quer saber o que aconteceu, precisa ser valente e perguntar. Se essa garota vale tanto a pena, o pior que pode acontecer é você não se arriscar e, depois, ficar se questionando o que poderia ter sido. A dúvida é eterna. Coragem. Eu sei que você tem aos montes.

Piscou e foi presenteado com um sorriso genuíno do garoto.

 

Gina sabia que alguma coisa estava errada assim que viu Hermione deitada na cama, livro em mãos e o olhar perdido no teto.

— Não devia estar estudando poções com Harry? — perguntou pegando a amiga desprevenida. 

Surpreendida e assustada, ela sentou-se em um pulo.

— Ah, sim! — respondeu, fechando o livro. — Mas não quis ir hoje.

Os olhos da Weasley saltaram enquanto aproximava-se. Sentou no colchão e levou a mão esquerda à testa da amiga.

— Está doente! Devo chamar Madame Pomfrey?

— Haha! Engraçada. — a Granger ironizou. A ruiva riu e retirou a palma. 

— Aconteceu alguma coisa? 

Abruptamente, a jogadora fez uma careta zangada.

— Harry fez algo inapropriado? Porque, se for isso, eu juro que…

— Não, Gina, não. — Hermione disse com suavidade.

— E então?

A Granger encarou-a desconfiada por vários segundos e engoliu em seco antes de questionar baixinho: 

— O que você acha de Harry?

— Gosto dele; é um excelente capitão e apanhador. Generoso, de uma forma estranha. Bem arrogante, mas ninguém é perfeito.

Lançou um olhar receoso à amiga.

— Por que?

A espertinha saiu pela tangente.

— Quando teve certeza que estava apaixonada por Luna? Que ela era diferente dos outros?

— Quando comecei a dar meu pudim para ela. — respondeu sem hesitar.

Hermione riu.

— Falo sério.

A Weasley suspirou, quieta e pensativa. Quando tornou a falar, a voz era puro carinho:

— Posso ser eu mesma com ela e ela também é autêntica comigo. Nos divertimos muito juntas. Rimos, conversamos, mas quando ficamos em silêncio também é bom. — parou por um momento. — Sabe, no fundo, essa não é uma pergunta simples. O que sei é que não posso duvidar do que sinto. E sinto que sou apaixonada por Luna. Essa é a minha certeza.

— Uau. — comentou a Granger admirada. — Quando ficou tão sábia? 

Gina ergueu o ombro esquerdo até o queixo, brincando.

— Mas… — enrugou a testa. — O que isso tem a ver com Harry?

Viu as bochechas da bruxa mais inteligente de sua idade corarem furiosamente. Levou as mãos a boca, exclamando extasiada: 

— Grande Morgana!

Shiu! Baixo, Gina. 

— Quem é que vai ouvir, mulher? Estamos só nós aqui. — retrucou, colocando as mãos na cintura. 

Exibiu um sorriso satisfeito e malicioso dizendo:

— Hermione Granger, você não é fraca não. Harry Potter! Capitão do time de quadribol…

— Ele é bom em poções.

— … Apanhador mais novo do século. Taí, gostei! Vocês formarão um belo casal.

Hermione abriu a boca e tornou a fechá-la, indecisa. 

Gina conseguia escutar as engrenagens trabalhando loucamente debaixo da juba castanha e soube, com absoluta certeza, que caso não estivesse ali, a amiga já teria afundado o chão do quarto de tanto andar de um lado para o outro, pensando.

— O que foi? — perguntou, notando-a pesar as vírgulas.

A Granger engoliu em seco antes de disparar:

— Há alguns dias, eu o vi beijando Cho Chang… E ela é simplesmente linda. E se estiverem namorando? Nós somos completamente diferentes. E… se ele estiver solteiro e não se interessar por mim? Você sabe, pode acontecer. E se…

Gina tinha parado de ouvir no “linda”. Fechou os olhos e respirou fundo. Toda vez que uma mulher incrível como Hermione sentia-se insegura por algo tão subjetivo e - honestamente - supervalorizado como beleza, a ruiva tinha vontade de subir em uma vassoura e desaparecer no mundo. 

Ainda assim, interrompeu-a com calma, segurando suas mãos:

— Hermione, primeira coisa: nada de se comparar com Cho. Vocês duas são maravilhosas, cada uma do seu jeito. Você é a pessoa mais inteligente, bondosa e altruísta que eu conheço. Se Harry não se interessar, azar o dele. Ele perderá uma mulher incrível. E você é forte. Se isso acontecer, e veja bem eu disse se, vai doer sim, mas você vai superar. É como poções, amiga, tem que experimentar para saber. Qualquer que seja o resultado, eu vou estar aqui.

A Granger enxugou uma lágrima e abraçou-a. 

 

Na semana seguinte, conforme o protocolo, Harry e Hermione se encontraram para estudar. Teria notado a tensão dele se não estivesse ela própria com os nervos à flor da pele. 

— Tudo bem? — ele sussurrou próximo, após ter que repetir o nome da poção duas vezes antes que se movesse para recolher os ingredientes. 

Mentiu.

— Sim. 

— Certo. O que faremos agora?

A Granger suspirou pesadamente.

— Quisera eu saber.

Harry enrugou a testa.

— Que?

Como se um balde de água fria tivesse sido derramado em seu corpo, Hermione estremeceu, respirou fundo e sacudiu a cabeça. Chega de ficar pensando em coisas sem sentido. Foco! 

— Os líquidos primeiro.

Prestando a devida atenção, a garota colocou um a um os líquidos no caldeirão, nomeando-os. Apesar de emocionalmente confusa, a última distração que desejava era algo explodindo em seu rosto.

— Fogo baixo. — disse sacudindo a varinha. — E… Acrescentamos os escaravelhos…

— Não. — interrompeu Harry. — As folhas de menta vão primeiro.

A castanha abriu a boca e virou o rosto, furiosa consigo mesma. Além de ter errado, o que não gostava de fazer, estava desatenta e descontrolada. Não estava se reconhecendo. E o pior, Merlin, era tão clichê. Tudo por causa de uma paix…

— Afinal, o que está acontecendo? — o Potter perguntou exasperado. — Já faz dias que você está com a cabeça na Lua. Você não me olha mais nos olhos, não me chama pelo nome, está me evitando e eu quero…

— Você está namorando Cho Chang? — a Granger soltou sem mais, antes que perdesse a coragem.

Olhos verdes se arregalaram, atônitos.

— Não. Quem disse isso?

— Não, ninguém. Vi vocês se beijando outro dia, só isso.

O garoto deu de ombros.

— Ficamos, às vezes. Somos adolescentes, não é?

Se houve algum momento em que Hermione chegou perto de desejar nunca ter entrado em Hogwarts, certamente foi esse. 

Constrangida, não respondeu.

— Por que a pergunta?

Encarou Harry, dividida. O risco era tão alto e a recompensa não era garantida. Podia dar tão errado. Uma rejeição deixaria as aulas bem embaraçosas e ela poderia dar adeus aos seus “quase excelente”. 

Pode dar certo, a voz de Gina ecoou em sua cabeça; chegou muito longe para ser covarde.

— Sai comigo? — o queixo do Potter caiu. — Romanticamente, eu quero dizer. 

— Sim, eu entendi.

— Ah.

Os sons dos grilos lá fora estavam tão altos.

— Sério?

— Sim.

— Sábado?

O sorriso no rosto dele era enorme e deslumbrante.


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