E.T.A escrita por Bia


Capítulo 4
IV- Propércio




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IV- Propércio

“No amor, basta uma noite para fazer de um homem um Deus”

 

— A Casa dos Gritos. Li que é a casa mais assombrada da Grã-Bretanha. — disse Hermione encarando a construção decrépita em frente.

O céu azulado daquele sábado estava tão perfeito que, se mais egocêntrico, Harry acreditaria que era exclusivamente por causa do encontro deles. 

Optaram por deixar que os colegas seguissem primeiro para Hogsmeade antes de se encontrarem no Salão Comunal. Assim poderiam ir ao povoado sozinhos, sem preocupações com gracinhas estúpidas. O Potter fez um enorme esforço para parecer despreocupado quando Hermione surgiu com um sorriso radiante e os cabelos presos em um rabo de cavalo, mas o agudo de sua voz no cumprimento certamente o denunciou. 

Iniciaram a viagem de forma tensa, ele com os punhos fechados dentro dos bolsos da calça, e ela descendo e subindo a mão esquerda pela alça da bolsa, risos tímidos e poucas palavras. Apesar disso, junto ao avançar da caminhada, a conversa foi adquirindo naturalidade e, quando deram por si, eram novamente Harry e Hermione das aulas de Poções e História da Magia.

Embora tenha estado em outros encontros antes, o moreno gostava de pensar que, com a Granger, alguma coisa parecia estar completa. Antes do interesse romântico, existia a recente, estranha, inexplicável e forte amizade; os detalhes que sabiam um sobre o outro, a comunicação sem palavras, as piadas internas, os atritos que, geralmente, eram resolvidos por uma longa conversa ou pelo riso. 

O clima era tão autêntico que o capitão não pôde evitar o sorriso debochado ao ouvir sobre a Casa dos Gritos.

— O que? — perguntou ela no mesmo segundo, séria, encarando-o e colocando as mãos na cintura.

Harry engoliu em seco.

O que? Nada.

— Não, senhor. Você riu quando eu falei da Casa dos Gritos, por que?

— Eu não estava rindo de você, Hermione. — respondeu revirando os olhos.

— Sei que não, mas… pareceu que você sabe de algo e eu não.

Os olhos castanhos brilharam desconfiados e o Potter quis rir e brincar dizendo que, caso ela quisesse, teria uma carreira espetacular como detetive. 

Optou por colocar panos quentes.

— Claro que sei… Eu sei voar muito bem. 

Hermione pareceu desconcertada, mas depois gargalhou.

— Que arrogante! Não sei voar bem porque sou muito inteligente e cálculo tudo.

— Ah! E eu sou arrogante!

Ela curvou-se para frente, rindo ainda mais e Harry quase a encontrou no meio do caminho, tentado em beijar em seu sorriso. Conteve-se arrastando os pés na grama e tornando o olhar para a casa. 

— Sabe… — continuou, atraindo-o novamente. — Algumas vezes, eu acredito que não é assombrada de verdade; que está aqui por outro motivo.

A força de seu olhar era tanta que o Potter temeu que ela soubesse oclumência e estivesse lendo sua mente. Seu estômago congelou. 

— Mesmo? Como qual?

Hermione deu de ombros.

— Eu não sei… ajudar a esconder alguém, talvez.

— Sim, é possível.

A Granger arqueou a sobrancelha e sorriu cúmplice, fazendo o moreno estremecer graças a nítida impressão de que ela sabia e sabia que ele também sabia. Sacudiu a cabeleira negra para se acalmar. Bobagem! Impossível que alguém distante dos marotos possuísse conhecimento da verdadeira função daquele lugar. 

De qualquer forma, Harry se lembraria para sempre desse dia como a primeira vez em que a inteligência de Hermione o apavorou e excitou igualmente. 

Estava abrindo a boca para mudar de assunto quando ouviram passos e vozes altas cada vez mais perto. A castanha quebrou o clima afirmando, infeliz:

 — Acho que é o Malfoy.

Não eram necessárias explicações. 

Draco Malfoy era um lixo preconceituoso no qual Harry adoraria descer os punhos… De novo. Particularmente cruel com a Granger e com os Weasley, o loiro não permitira que o apanhador tivesse folga do seu ódio feroz, que se fortificou após o Potter ter recusado sua amizade. Encontrar Malfoy ali, com a amiga, com toda certeza causaria uma cena dramática, violenta e que mancharia seu passeio tão límpido. O moreno, no entanto, era muito filho de seu pai para deixar passar uma oportunidade tão boa de pregar uma peça inesquecível naquela doninha covarde. Com os pensamentos acelerados, pegou a mão da Granger e começou a puxá-la para dentro das cercas que protegiam a residência.

— Vem, vamos testar a coragem dele. — disse sorrindo com maldade. 

Hermione empalideceu e travou os pés.

O que?

— Não diga que está com medo. — prosseguiu, ainda com malícia. — Você acabou de dizer que não acreditava nas assombrações.

— Não foi isso que eu disse. — ela respondeu em um fio de voz.

Tarde demais. Eles já estavam bem em frente a uma das janelas da casa e Malfoy estava ainda mais perto.

— Por aqui… Em algum lugar. — o moreno resmungou para si mesmo.

Usou a mão livre e deslizou os dedos debaixo da madeira podre da janela. Bem no lugar onde Sirius disse que estaria, sentiu a raiz seca de salgueiro em formato de triângulo. Soltou a mão da Granger para segurar a varinha, tocando com a ponta o tal triângulo e sussurrando:

Lupus, cervus, canis.

Levou algum tempo, mas, quase como se acordando de um longo sono, as tábuas da janela se moveram silenciosamente para o lado de baixo, criando uma abertura na estrutura e degraus que levavam para cima e para dentro. Harry entrou depressa, tornando a segurar a mão da castanha e levando-a com ele; assim que seus pés bateram sobre o assoalho velho e empoeirado, a passagem se fechou e as tábuas voltaram ao seu lugar. O garoto sorriu para a pasma Hermione, paralisada no centro do cômodo, enquanto se aproximava das tábuas mais separadas da parede que davam para a frente da casa. 

Pelas aberturas, observou o sonserino longe da cerca. Cable e Goyle em seus calcanhares. 

— Casa dos Gritos, que bobagem! Aposto que a casa dos Weasley deve ser bem pior que essa. — desdenhou mesmo não ousando chegar mais perto. 

Cable e Goyle riram. 

— Que cruel. — Hermione sussurrou com consternação, fazendo o apanhador constatar sua recente proximidade. O calor do seu corpo quase o fez perder o foco. Por sorte, Malfoy tornou a falar: 

— Apesar de tudo, os Weasley são sangue-puro. Trágico que eles se misturem com o mestiço do Potter e a sangue-ruim da Granger. A garota Weasley, por exemplo, é bonita, mas é uma put… 

Antes que ele pudesse terminar a ofensa, uma bola de neve acertou seu rosto, subitamente e com força. Surpreso, Harry olhou para o lado com olhos arregalados. Hermione tinha sacado a varinha mais rápido que um diabrete, muito mais veloz que ele e apontava, austera, para o loiro.

Essa garota…

Cable e Goyle, apavorados, deram diversos passos para trás.

— O-o q-q-ue foi is-so?

Para impedi-los de retroceder ainda mais, o Potter sacudiu a varinha transformando a neve fofa em gelo fino e escorregadio. Seus passos atrapalhadamente dançantes fizeram o moreno e a castanha cobrirem as bocas a fim de abafar o riso.

— Mas que porr… — foi a única coisa que um Malfoy estufado pôde exclamar antes que outras bolas de neve o acertassem simultaneamente.

Satisfeito e incapaz de se concentrar adequadamente no feitiço, Harry transmutou o gelo de volta em neve. Cable e Goyle não perderam tempo, fugindo ainda com as pernas bambas. Malfoy correu atrás deles, agitando os braços no ar como se para defender-se de futuros ataques. 

O Potter apoiou-se nos joelhos, curvando-se de gargalhar e viu Hermione refletindo-o.

— Isso foi maldade. — disse ela com lágrimas nos olhos de tanto rir.

Apesar de tudo, contiveram-se. A casa não deveria perder seu efeito aterrorizante.

Para saírem, Harry observou os arredores e, quando teve certeza de que estavam sozinhos, apertou a raiz na parte de dentro da mesma janela. Retornaram para Hogwarts conversando e rindo, sem se importarem mais com os colegas que seguiam igualmente na direção da escola. O Potter sentiu um olhar estranho de Rony em sua nuca e viu Hermione corar com uma piscadela dada por Gina.

Somente quando chegaram diante do retrato da Mulher Gorda foi que o apanhador deu-se conta de que o encontro tinha acabado. Apertou as mãos nos bolsos reticente e pensativo. Queria ficar mais tempo com a Granger. 

— Então…

— Está com fome? — a castanha interrompeu, surpreendendo-o.

— Não. Por que? — respondeu no mesmo segundo, esperançoso. 

— Ainda temos os doces da Dedosdemel… E, bem, você me levou na Casa dos Gritos e foi muito bacana. — ela murmurou timidamente. — Mas, tem algo que eu quero te mostrar. Quer ver?

Harry se iluminou.

— Claro.

Dessa vez, Hermione liderou o caminho. Seguiram para o corredor do sétimo andar e continuaram por ele até uma virada obscura à esquerda onde existia uma apertada passagem com uma escada em caracol. Subiram, subiram, subiram, passaram pela antiga torre de astronomia e, quando Harry achou que não existia mais caminho, viu-se diante de uma pequena sala ocupada apenas por uma estante média repleta de livros empoeirados, com uma enorme varanda e um parapeito  em mármore aberto, com vista para as terras de Hogwarts e o sol poente.

— Uau. — exclamou boquiaberto.

— Você não é o único com segredos, Potter. — Hermione brincou, sentando-se na varanda com as pernas entre as divisórias de mármore azul escuro e branco.

Harry a seguiu, retrucando e sorrindo:

— Eu nem vou perguntar. Você é, com absoluta certeza, a única pessoa que consigo imaginar encontrando uma estante de livros velhos no meio do nada.

A castanha riu e virou-se para o céu azul, laranja e rosa. O Potter acompanhou seu olhar.

— Tão bonito, não é? 

— Sim.

— De noite é possível ver diversas constelações. 

— Vou esperar para ver. — ele sorriu, olhando-a. 

A Granger retribuiu o sorriso, passou a alça da bolsa pela cabeça, retirando-a do corpo e depositou-a, já aberta, entre eles. As guloseimas pareceram ainda mais apetitosas diante das novas cores do firmamento e, em silêncio, eles se deliciaram com elas vendo o sol partir. 

Tranquilo e distraído, Harry esticou os dedos para alcançar um chocolate quando percebeu ter agarrado algo quente e macio. Olhou para baixo; a mão de Hermione parecia delicada e pequena ali, embaixo da dele. Lentamente, ergueu os olhos e a encarou. As bochechas da Granger estavam coradas e seus dentes mordiam o lábio inferior com força, mas, ainda assim, ela se impulsionou para frente sem desviar o olhar. Era mais do que o Potter poderia pedir. Delicadamente, com a respiração presa na garganta, deslizou a palma pela bochecha esquerda da garota testando as águas e sentindo seu calor. A castanha aproximou-se ainda mais e ele a imitou. O coração batia tão forte em seu peito, martelando o sangue em seus ouvidos, que todo o resto parecia mudo e, assim que encostou seu nariz no de Hermione, sentindo o ar quente de um suspirar escapar dos lábios femininos, tudo pareceu encolher.

Deslizou seus lábios nos dela, apreciando, provando, até que a sentiu acariciando-o com a ponta da língua e estremeceu. Abriu a boca para dar-lhe espaço e refletir sua ação, notando, pela primeira vez, os dedos finos em seu pescoço. A garota o beijava como se o estudasse, testando suas reações. Hermione afastou-se brevemente, mantendo os olhos fechados, respirando fundo e, ao menos segundo Harry, fazendo notas mentais antes de voltar a encontrá-lo com os lábios. 

O primeiro beijo foi como todo primeiro beijo: bom, mas sem encaixe, um território ainda desconhecido. O segundo foi mais gostoso, no terceiro Harry começou a esquecer de si mesmo só retornando a Terra quando, depois de inúmeros outros beijos, Hermione deslizou a língua para frente e para trás na dele.

A pontada em seu baixo ventre foi tão intensa que o moreno deu um pulo para trás.

— Tudo bem? — ela perguntou, embora algo no brilho de seus olhos dissesse ao Potter que sabia o motivo e aprovava sua reação.

— Sim. — soltou, agudo. Limpou a garganta. — Sim, tudo bem.

A Granger sorriu pegando um quadradinho de abacaxi cristalizado e o Potter extraviou-se encarando os lábios femininos saborearem o doce.

— Olhe, Harry! Aquela é leão! — exclamou repentinamente e animada, apontando para o céu escuro e estrelado.

Ergueu o olhar esverdeado para onde a bruxa apontava. Curvou-se para trás, apoiando-se nas mãos e admirou o grupo de estrelas. A mãe costumava dizer que qualquer estrela poderia realizar desejos, mas naquele momento, naquela noite, o garoto não tinha nada a pedir.

Estar ali, rindo com Hermione, era exatamente tudo o que poderia querer.


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