A Garota que Eu Conheci na Igreja escrita por Binishiusu Sensei


Capítulo 5
O Desenho para Yumi




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 Não sei o que é essa sensação, é diferente... É uma necessidade, uma resposta. Eu preciso fazer um desenho. É uma resposta ao meu pai. Ele não me reconhece, não me trata bem, não me valoriza. Ele é invejoso, falso, não quero ficar assim também. Ele acha que deve ocupar cargo na igreja porque é mais santo do que os outros, mas na verdade ele não quer o cargo por causa disso, ele quer porque se ele não tiver pelo menos um pouquinho de poder sobre as pessoas, se ele não for pelo menos um pouco mais importante do que os outros quando está na igreja, ele será apenas um segurança escola. É por isso que ele se importa tanto com isso, é pra não se sentir medíocre e desimportante. Ele quer se sentir importante, ele quer que os outros olhem pra ele e achem que ele é um homem de Deus, mas ele é só um segurança de escola que maltrata a família.

  Eu não vou ficar igual ele, não vou achar minha realização pessoal me fazendo de santa para as outras pessoas, isso não é certo. Eu vou encontrar realização fazendo o que eu gosto, fazendo o que tenho talento pra fazer. Meu pai não reconhece meu talento, ele não me reconhece, ele não me entende. Mas tudo bem, ele não precisa me entender ou me reconhecer pra que eu seja feliz, já encontrei alguém que me reconhece e me valoriza.

  A Yumi me reconhece, me apoia, me incentiva, ela torce para que eu fique ainda melhor no que eu faço. Não preciso do reconhecimento do meu pai se ele não me valoriza, já tenho o reconhecimento de uma pessoa importante pra mim. Um dia eu vou ser artista profissional, e a pessoa que vai me apoiar pra alcançar isso é a Yumi.

  Ela vai me apoiar e eu vou apoiá-la de volta, é isso que amigas fazem. Eu tenho um talento e ela tem outro, mas um dia cada uma vai ser uma artista fazendo o que gosta. É por isso que eu preciso fazer esse desenho. Eu sou uma artista, e agora preciso fazer arte, é assim que eu me realizo.

***

  Sara não precisou pensar muito para decidir o que iria desenhar, o desenho do dia seria a representação da memória que ela tinha da apresentação de Yumi, é o que ela tinha vontade de desenhar naquele momento. Mesmo estando abalada com o diálogo recente com o pai, Sara ainda estava feliz pela conquista de Yumi, ela torceu muito pela amiga, então a expectativa para o momento da apresentação era mútua entre as duas.

  Mesmo assim, tanto ela quanto Yumi estavam tendo um dia agridoce. Sara percebeu o que o senhor Yuji estava fazendo para a filha e percebeu a forma como o talento de Yumi estava sendo utilizado. Também sabia que Yumi estava triste com aquilo, apesar de não ter comentado, Sara percebeu isso na linguagem corporal dela.

  Por isso, como os pais das duas tinham interferido num momento importante que elas estavam esperando, Sara queria de alguma forma captar o momento em que nenhum dos dois tinha interferido. Ela poderia ter tirado uma foto da apresentação, mas não era isso que ela queria, Sara queria fazer um desenho da apresentação, de uma forma que ficasse artístico, para que tivesse valor emocional agregado através do esforço de se realizar o desenho.

  Ela escolheu uma folha de papel mais resistente do que o papel sulfite. Traçou na folha algumas divisões para determinar a composição das coisas no desenho. Ela dividiu a folha em três partes, com linhas que iam de cima para baixo e outras três no sentido da esquerda para a direita. Fez isso para utilizar a regra dos terços na composição do desenho.

  Com isso, as linhas em sentidos diferentes formavam quatro intersecções. Sara iria utilizar a intersecção do canto superior direito como marcação para outra técnica, a do ponto de fuga. Ela iria traçar linhas partindo desse ponto para ajustar a perspectiva e a composição das coisas no desenho. Ela traçou as linhas para então começar os esboços do desenho.

  Sara tinha feito o ponto de fuga exatamente onde iria desenhar a cabeça de Yumi, então ela começou a trabalhar partindo dessa parte do desenho. Como Yumi estava tocando de costas para a igreja, Sara desenhou os traços do piano antes de desenhar sua amiga. Com esses traços feitos, ela desenhou um molde de corpo humano onde ela iria desenhar Yumi. Em seguida, começou os traços de tudo que estava em volta, utilizando as linhas do ponto de fuga como parâmetro da perspectiva.

  Finalizou todos os esboços, agora era a hora de fazer o traço final. Sara fez o traço final colocando mais força no lápis, assim ela marcou melhor o papel. Ainda assim, tomou muito cuidado para não errar. Depois que terminou isso, apagou as linhas do esboço e reforçou o traço final. Agora era a hora de pintar.

  A bem da verdade é que Sara gostaria de fazer uma pintura em tela com tinta óleo, mas ela não dispunha desses materiais, tudo o que tinha eram os papéis especiais e os lápis de colorir que levava para a escola. Isso porque seu pai se recusava a comprar materiais que Sara não utilizaria na escola, então ela teria que colorir o desenho em papel, com lápis e fazer isso da melhor forma possível, já que eram esses os materiais que ela dispunha naquele momento. Então ela pegou os lápis de cor e pintou uma primeira camada de cores.

  O desenho já estava bonito. A composição era boa e a técnica de colorir de Sara era razoável, mas ela ainda não estava satisfeita com o acabamento, então decidiu pintar outra camada. Melhorou, mas ainda não estava com um aspecto que impressionasse. Então Sara começou a passar a borracha onde havia pintado para mudar o aspecto da pintura. Já estava quase do jeito que ela queria.

  Por fim, ela fez um sombreado na parte esquerda do desenho, isso deu a última camada de cor que ela queria e a convenceu de que ela tinha feito o melhor trabalho possível, com o conhecimento e o equipamento que ela tinha naquele momento. O resultado final foi um desenho em que todos os elementos estavam conduzindo o olhar para Yumi tocando piano. Além disso, Sara tinha escolhido as cores de uma forma em que a posição de Yumi parecesse mais quente, mais reluzente, mais chamativa que o restante.

  Ela se agradou do resultado e pensou - Bom, fiz tudo o que eu sabia nesse desenho. Ele tem um significado, representa um momento especial pra mim e pra ela, além de ser um gesto de carinho. Eu poderia ter feito uma fotografia, mas o tempo que eu gastei desenhando agrega valor sentimental através do esforço, então eu acho que fiz uma boa arte, espero que Yumi goste.

  Sara guardou o desenho numa pasta preta e não mexeu nele até o sábado seguinte. Quando ela estava indo para a igreja, levou a pasta debaixo do braço, junto com a Bíblia e a lição da escola sabatina. Chegou na igreja e procurou pela Yumi, quando a encontrou, chamou ela para conversar do lado de fora antes do culto começar.

  Elas saíram juntas de dentro da igreja e foram para perto das salas onde aconteciam as classes de escola sabatina, foram para perto da classe dos adolescentes, onde elas iriam participar depois do culto. Estavam sozinhas, então Sara começou a falar:

— Feliz sábado amiga, eu queria te mostrar uma coisa... - Sara parou de falar, estava um pouco um pouco sem jeito, e ficou abraçando a pasta perto do peito.

— Feliz sábado, pode mostrar, estamos sozinhas - disse Yumi de forma simpática.

— Tá bom, esse é um presente que eu fiz pra você - disse Sara, abrindo a pasta e mostrando o desenho.

— Sara, que lindo, não precisava - Yumi estava um tanto envergonhada, mas recebeu a pasta de Sara com o desenho com um sorriso no rosto e com as bochechas bem vermelhas.

— Precisava sim amiga, - respondeu Sara com carinho na voz - esse foi um momento importante pra você, fiz o desenho pra você se lembrar dele com carinho. Eu sei que poderia ter tirado uma foto, uma foto cumpriria essa função, mas pra mim não teria tido o mesmo valor sentimental.

— Esse desenho tem muito valor Sara, vou guardar com carinho. Obrigada por ter feito isso pra mim, eu sei que você deve ter se esforçado para fazer algo que fosse artístico e bonito.

— Parece que você entendeu bem o que eu estava pensando - respondeu Sara sorrindo.

  Nesse momento, quando Sara tinha entregue a pasta com o desenho nas mãos da amiga, Yumi, ainda segurando a pasta em uma das mãos, abraçou Sara de repente. Foi um abraço apertado, daquele que as duas pessoas ficam bem grudadas e sentem o seus corpos sendo pressionados um no outro. Foi um abraço daquele que não se tem pressa de soltar.

  Enquanto Yumi a estava abraçando, Sara se sentia surpresa, ela não costumava abraçar as pessoas. Na verdade, nem ela e nem Yumi costumam abraçar, por isso, foi nesse momento que Sara percebeu e disse para si mesma - eu nunca tinha dado um abraço na Yumi.

  Sara sentiu muitas coisas durante aquele abraço, uma delas era uma mini indignação por nunca ter abraçado sua melhor amiga antes. Os outros sentimentos eram uma mistura que ela não estava entendendo muito bem. As duas estavam com os corpos bem próximos, Sara estava sentindo o corpo de Yumi sendo pressionado no corpo dela e essa uma sensação agradável, ela gostou de estar grudadinha com Yumi. Sara sentiu que poderia continuar naquele abraço por muito mais tempo, mas também estava sentindo uma espécie de euforia, seu coração estava acelerado e ela não parecia estar normal - acho que é porque estou sendo abraçada por uma pessoa bonita, parece um sentimento normal... Mas é minha amiga... Estranho, achei que só me sentiria assim se fosse abraçada por um garoto. Não, são coisas diferentes...

  Yumi se aproximou do ouvido dela e disse baixinho:

— Sara, obrigada pelo desenho, obrigada pelo apoio, pelo incentivo, por acreditar em mim... Eu consegui perseguir meu sonho por causa de você e da sua ajuda. Você é muito importante pra mim, por favor, promete que você vai continuar do meu lado, cuidando de mim?

  Agora Yumi tinha atingido fundo no coração de Sara. Ela sentia praticamente a mesma coisa pela amiga, ela entendia o que Yumi estava expressando. Isso fazia com que um sentimento pulsasse dentro dela, era uma mistura de empatia, admiração e o desejo de ficar perto dela, o desejo daquele abraço não acabar. Sara pensou nisso tudo em um único segundo e respondeu:

— Eu prometo que eu vou sempre estar do seu lado, você é a pessoa mais importante pra mim.

— Obrigada - respondeu Yumi de forma doce.Yumi disse isso enquanto estava com as bochechas vermelhas, Sara percebeu, e antes de Yumi sair do abraço, ela sussurrou mais uma vez no ouvido de Sara:

— Te amo - disse isso de forma suave, e deu um beijo na bochecha de Sara.

  Sara sentiu como se fosse um choque, como se muitas sensações tivessem despertado no seu corpo de uma só vez, ela se sentiu quente e com um pouco de vergonha, seu coração estava mais acelerado do que antes, mas mesmo estando entorpecida por uma série de sentimentos que ainda não tinha entendido muito bem, foi capaz de dizer uma única frase que parecia ser a mais adequada para representar todos esses sentimentos de uma única vez:

— Também te amo, Yumi - ela disse isso de forma tímida, mas sincera.

  Yumi sorriu pra ela, ainda com as bochechas vermelhas, se desfez do abraço e chamou a amiga para voltarem para a igreja. Ninguém tinha visto as duas. Yumi carregava a pasta com o desenho de baixo e parecia feliz. Sara estava acompanhando ela, um pouco para trás, e pensou um pouco afoita - o que acabou de acontecer? O que foi isso que eu senti? Tudo isso por causa de um abraço e um beijo na bochecha?


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