A Garota que Eu Conheci na Igreja escrita por Binishiusu Sensei


Capítulo 25
Consequências




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/805065/chapter/25

Sara, ainda imobilizada pelo monitor, continuou assistindo Jéssica agonizando. Não sabia explicar a sensação, só sabia que era ruim e triste. Vendo o ferimento provocado por seu chute, não pode evitar pensar - fui eu quem fez isso... Eu machuquei outra pessoa... Eu fiz outra pessoa sangrar e sentir dor.

Depois das amigas de Jéssica explicarem de maneira eufórica o que havia acontecido, o monitor levou Sara à coordenação disciplinar do colégio. No meio tempo, as amigas de Jéssica a levaram até a secretaria, pedindo por um kit de primeiros socorros.

No caminho para a disciplina, Sara estava atônita. Sua raiva havia desaparecido. Agora, sentia dor por Yumi, porém, seus sentimentos por Jéssica passaram da raiva para a culpa. Quando chegou até a disciplina, foi repreendida pelo coordenador. Ele foi enérgico e rude, pois achou a atitude de Sara injustificável.

Ao ouvir a repreensão, que durou vários minutos, Sara não prestou atenção. Mesmo estando de corpo presente e recebendo gritos, não conseguia se concentrar na pessoa que estava diante dela. Ficou anestesiada para aqueles gritos, pois já estava cheia de sentimentos negativos que a prendiam em pensamentos.

Enquanto o coordenador falava, ela pensava - como? Como eu fui perder a calma daquele jeito? Eu nunca agredi ninguém... Acho horrível machucar as pessoas. Estranho, estou compadecida pela Jéssica. Ela definitivamente merecia apanhar...

Sim, ela é uma pessoa horrível. Ela é uma pessoa horrível que me separou da pessoa que eu amo, isso é imperdoável, claro que ela merecia ter levado uma na cara.

Mesmo assim, não me sinto bem com isso. Não senti nada de bom  bater nela, pelo contrário, fiquei triste quando vi ela sangrando. Fiquei me perguntando como eu tinha sido capaz de fazer aquilo.

Seu pensamento foi interrompido por outro berro do coordenador, que por fim, disse - a sua situação é tão séria que eu vou ter que te encaminhar para o diretor. Os pais da Jéssica vão vir aqui pro colégio depois de saberem o que aconteceu e eles vão incomodar muito...

Ao terminar a frase, parou para recuperar o fôlego e pensar. Então, disse de forma firme, mas sem gritar - vou chamar os seus pais agora. Eles precisam falar com o diretor e precisam ser informados das consequências que você vai sofrer por sua atitude.

Depois disso, Sara ficou sobre suspensão assistida na biblioteca. Obrigaram-na a ficar fazendo exercícios dos livros didáticos enquanto esperava pela conversa com o diretor. Sara optou por fazer uma lista de exercícios de matemática.

Resolveu as contas sem prestar atenção, foi fazendo tudo no modo automático. Enquanto isso, continuava seu raciocínio.

Estou sentindo culpa por ter machucado a Jéssica, mesmo ela sendo horrível. Por que eu não consigo simplesmente odiar a Jéssica? Odiar ela é justificável, é uma coisa lógica. Ela fez uma coisa horrível pra mim e a Yumi... Por que eu não me sinto bem ao bater nela?

Com esse pensamento, pela primeira vez desde que tinha olhado para Jéssica naquele dia, lembrou da dor de seus ferimentos. - Ainda está doendo... Eu esqueci da dor no momento em que vi a Jéssica.

Ao lembrar dos próprios ferimentos, percebeu - entendi... Eu não sou igual o meu pai. Eu não sou igual a Jéssica. Não consigo ficar feliz vendo outra pessoa sofrendo. Não consigo ficar feliz em ver outra pessoa sentindo dor. Não consigo me sentir realizada depois de fazer outra pessoa sentir dor.

Isso é realmente estranho, mas acho que faz sentido. Bom, melhor ser assim do que ser sádica igual eles. Eu deveria me sentir desconfortável se eu ficasse feliz em ver outra pessoa sofrer, se compadecer pela dor do outro é o mais humano.

Não é só mais o mais humano, é o mais cristão. Sim, eles não foram cristãos ao terem feito isso pra mim e pra Yumi, eles foram maus. Homofobia é uma forma de ódio, então como o cristão prega o amor ao próximo, ele não pode ser homofóbico.

Certo, faz sentido... Então, mesmo que a minha raiva seja compreensível, ela não justifica eu ter batido nela. Eu estava no meu estado de maior vulnerabilidades emocional e decidi conscientemente me entregar a raiva.

Eu estava com o sangue quente, mas escolhi me render a raiva. Esse foi o meu erro, é por isso que estou sentindo culpa. O que eu fiz não foi cristão. Essa é a primeira vez que eu sinto que realmente pequei.

Sim, bater nela, apesar de tudo, foi um pecado. Tá, não sei o que vai acontecer comigo agora, mas não quero ficar carregando essa culpa. Só tem uma coisa para se fazer, vou pedir perdão.

Naquele momento, Sara parou de escrever, fechou os olhos  e fez uma rápida oração. Nela, disse - Deus, aconteceu um montão de coisas que eu gostaria que nunca tivessem acontecido. Fui separada da pessoa que eu amo e não sei se nos veremos de novo. Nisso, por causa da minha raiva e como uma forma de vingança, bati na Jéssica. Fiz isso por causa da raiva que eu senti, pela dor que ela fez eu e a Yumi passarmos. Errei, não devia ter batido nela, eu não sou assim. Meu pai é a assim e a Jéssica também, de certa forma. Não quero ser esse tipo de gente. Não serei esse tipo de gente. Deus, por favor me perdoe pelo que eu fiz hoje. Deus, por favor me ajude a ficar perto da pessoa que eu amo, em nome de Jesus, amém.

Depois disso, Sara se sentiu aliviada da culpa. Nisso, teve um breve momento de tranquilidade, em que se sentiu um pouco melhor. Este momento foi breve. No instante seguinte, por estar desprovida da raiva e da culpa, sentiu dor por Yumi e nada mais.

Continuou assim, triste e pesarosa, até o final da aula. Depois disso, ficou esperando na secretaria até que seu pai voltasse do trabalho para ouvir sobre a situação. Ele demorou uns trinta minutos para chegar.

Junto com ele, quase no mesmo minuto, veio Cláudio. Os dois pareciam furiosos. Sara conhecia bem aquela expressão de Rodrigo, mas não se assustou, pois percebeu que ele estava menos bravo do que no sábado de manhã. Logo, ela não iria apanhar mais um vez quando chegasse em casa.

De Cláudio, por outro lado, ficou receosa. Nunca tinha visto ele tão irritado. - Bom, não é difícil de entender. Eu bati na filha dele e deixei ela sangrando no chão. Qual seria a reação do meu pai se a Jéssica tivesse feito isso comigo? Hum, tenho cá minhas dúvidas se ele ficaria preocupado comigo, perto da surra que eu levei, a Jéssica sofreu ferimentos leves.

— Diretor, quero uma explicação pra isso agora - vociferou Cláudio, fitando o diretor com uma expressão de quem está prestes a agredir alguém.

— O que você fez dessa vez, garota? -  disse Rodrigo, com uma expressão murcha, de quem não queria estar lidando com a situação.

Sara ouviu a indagação e não moveu um músculo do rosto. Manteve uma expressão neutra. Achou que era mais seguro para ter um bom andamento na conversa. - Não adianta eu falar nada agora, melhor esperar o diretor falar primeiro. Tenho certeza que tanto o meu pai quanto o Cláudio vão surtar quando ouvirem o que eu fiz. Aaahh... Não estou confortável com isso.

— Senhores, por favor, sentem-se - disse o diretor, de forma suave, tentando acalmar os dois.

— Professor Marcelo, digo... Senhor diretor, por favor me dê uma explicação razoável agora. Tive que sair do trabalho às pressas por que uma estudante espancou a minha filha... Minha mulher levou a nossa filha pro hospital, ela quebrou o nariz. Como isso aconteceu? - indagou Cláudio, pouco se importando com a calma do diretor.

No breve momento de silêncio antes da resposta do diretor Marcelo, Sara pensou - hum... Então o diretor não quer me colocar na fogueira. Isso é bom, mas o Cláudio vai querer a minha cabeça... Não tem como eu sair ilesa dessa situação. Tá, preciso estar preparada para sofrer alguma consequência.

— Senhor Cláudio, por favor, já irei esclarecer toda a situação... Por favor, sente-se - disse o diretor, apontando para as cadeiras que estavam diante da sua mesa.

Nisso, Rodrigo também se sentou. Sentou ao lado de Cláudio, com a cara fechada. A sala do diretor não era grande. Ela tinha uma porta de vidro e uma mesa que ficava na direção contrária a da entrada. A cadeira do diretor era de couro preto, igual a cor dos plásticos que formavam as outras cadeiras na sala. Havia duas cadeiras de frente para a mesa do diretor. Também havia um pequeno armário no fundo da sala e mais uma cadeira, que ficava do lado esquerdo da sala. Sara estava sentada nessa cadeira, de onde podia ver a expressão facial de todos. Rodrigo estava na cadeira do lado direito, enquanto Cláudio estava do lado esquerdo, próximo de Sara.

— Resumindo, a sua filha foi agredida pela Sara. Ao que tudo indica, a Sara agrediu ela depois da Jéssica chamá-la de "sapatão" diante dos colegas e iniciar uma discussão sobre ela estar namorando outra das nossas estudantes, uma garota chamada Yumi.

Cláudio ouviu a frase e esbugalhou os olhos. Ficou vermelho e parecendo irritadíssimo. Pouco depois de ouvir a frase, encarou Sara, sem dizer nada.

Apesar de ter tido vontade, Sara não desviou o olhar. Precisou se esforçar para manter a expressão de antes enquanto era encarada por Cláudio, mas conseguiu continuar firme.

— Rodrigo, você saiu da reunião todo pintoso dizendo que sabia exatamente como iria lidar com a sua filha. Dois dias depois acontece isso... Qual é a sua? Você pelo menos deu uma bronca nela? Seu frouxo!

— Cala a boca, quem fez a merda dessa vez foi a sua filha! Eu puni a Sara de forma exemplar quando chegamos em casa. Se é pra falar merda de mim fique quieto - berrou Rodrigo, por estar ofendido.

Enquanto isso, ao ouvir a resposta, Sara pensou - ele só respondeu assim por que foi chamado de frouxo... O diretor está calmo, mas os outros dois brucutus estão muito irritados, essa conversa vai longe.

Depois de trocarem mais algumas agressões verbais, o diretor foi capaz de conter a raiva dos dois. Feito isso, detalhou mais um pouco como a situação havia acontecido. Ao terminar, perguntou para os dois o que realmente havia acontecido entre Sara e Yumi.

Depois de ouvir a resposta, disse - entendo, a situação é bem mais delicada do que eu pensei... Senhor Rodrigo, o que exatamente o senhor pretende fazer para cuidar da sua filha?

— Hum, não é óbvio? Vou colocar ela nessa semana pra fazer terapia. Tem uma psicóloga na nossa igreja que pode fazer o tratamento de cura com a Sara.

— Senhor Rodrigo, essa é a sua única medida? - perguntou o diretor, com uma expressão de quem está juntando pontos mentalmente.

— Vou colocar ela para fazer estágio também, aí ela não vai mais ter tempo livre pra ficar fazendo bobagem - respondeu Rodrigo, aparentando estar se achando muito esperto.

— Entendi... Mas, como você garante que ela na vai encontrar a Yumi em nenhum momento?

— Ela não vai encontrar - respondeu Cláudio, interrompendo a conversa. - A Yumi foi transferida ontem para um internato.

— Qual deles? - perguntou Rodrigo no mesmo momento.

— Não posso dizer na frente da Sara, se não ela vai querer ir atrás da Yumi - respondeu Cláudio, num tom que indicava que aquilo era óbvio.

— Claro, desculpe - respondeu Rodrigo, tentando não escancarar seu constrangimento.

Nesse momento, Sara pensou - eles não sabem que eu sei!? Ótimo, isso é ótimo, a Jéssica fez bobagem. E ela ainda se acha a esperta, que feio.

Então, enquanto Sara comemorava em segredo e disfarçava as suas expressões faciais, o diretor disse - Rodrigo, para encerrar a conversa, preciso te alertar de uma coisa.

— O que é? - respondeu Rodrigo, de forma seca.

— Eu vou precisar pedir pela transferência de Sara. Ela é uma boa aluna, mas com essa situação, não posso permitir que ela continue no colégio. A presença dela não é positiva para os outros estudantes, lamento - disse o diretor, com uma expressão de tristeza que parecia fingimento.

Ao ouvir isso, Rodrigo fulminou Sara com o olhar. Fez uma expressão de nojo. Então, disse para o diretor - tá bom, diretor. Vou colocar a minha na rede pública ainda nessa semana. Acredito que ela não precisará vir amanhã?

— Não, ela está suspensa por três dias. Creio que isso tempo é o suficiente para que o senhor realize os procedimentos necessários - disse o diretor, de forma protocolar.

— Sim, é tempo o suficiente - respondeu Rodrigo.

— Diretor, obrigado por ter tomado essa providência. Se o senhor não tivesse feito isso, não me sentiria segura para trazer minha filha para o colégio. Não quero que a Jéssica fique no mesmo espaço que essa desequilibrada - disse Cláudio, dessa vez, parecendo muito mais calmo.

Ao notar isso, Sara pensou - achei que ele fosse querer processar a minha família ou o colégio... Acho que é por isso que o diretor estava tão manso nessa conversa. Mas como eu recebi uma punição, parece que o Cláudio ficou satisfeito. Bom, não me importo de voltar pra rede pública. Sem a Yumi, não tenho razão para estar aqui.

Depois de encerrarem a conversa, Sara acompanhou seu pai até o carro. No caminho pra casa, ele disse - o que é que você estava pensando?! Você tem noção do tamanho da cagada que você fez? Qual é o seu problema? Se você fosse um garoto, eu até iria entender se você batesse em alguém. Mas não é o caso - disse Rodrigo, parecendo perplexo.

— Pai, perdão. Eu nunca mais vou agredir ninguém, nunca mais. Eu não sou assim, isso é uma coisa que nunca mais irá se repetir - disse Sara, olhando para o pai, com uma expressão que pedia por desculpas.

— Acho bom, se você fizer algo assim outra vez eu vou te bater de novo - disse Rodrigo, desviando os olhos da rua por um momento e encarando Sara.

Então, de súbito, Sara sentiu uma vontade de dar resposta para o pai. Uma resposta cortante, em que dissesse que nunca mais iria apanhar. Conteve a vontade - não é prudente discordar dele agora...

— Sim, pai. Isso nunca irá se repetir - disse Sara, sem demonstrar muita emoção.

Ouvindo isso, Rodrigo fez um breve momento em silêncio. Então, disse - eu falei sério lá dentro, quando disse que vc iria fazer uma terapia e que iria procurar um estágio pra você.

Sara não respondeu, apenas olhou para o pai, esperando que ele continuasse. Então, Rodrigo olhou mais uma vez pra ela e disse - você vai ser normal de novo.

Sara, sem saber se dizia alguma coisa, apenas fez que sim com a cabeça. Então, pela primeira vez naquele dia, sentiu dor por si mesma e não pela Yumi. - Não adianta, pra ele eu sou uma doente... Pra toda essa gente eu sou só um ser humano doente.

Depois disso, não conversaram mais. Foram para casa em silêncio e sem trocar olhares. Quando chegaram, Rodrigo foi direto para a cozinha, almoçar. Sara, foi para o quarto, precisava ficar sozinha, sem interferência.

Sem nem tirar os calçados, deitou-se na cama, de lado, por causa dos ferimentos. Por estar sozinha e sensível, começou a chorar no mesmo momento. Chorou lágrimas que eram difíceis sair. Enquanto chorava, tinha dificuldade para respirar. Sentia a musculatura do abdômen contraindo, como se ela tivesse levado um soco, o que atrapalhava suas tentativas de puxa o ar.

Como seus pais estavam na cozinha, tentou não fazer nenhum barulho. Mesmo com dificuldade para respirar, tampou a boca com a mão, na tentativa de abafar o sons. Por vários minutos ficou assim, chorando de forma desnorteada. Era como se mais uma vez, todo o peso daquela situação tivesse sido colocado em seus ombros.

Depois de vários minutos, quando já tinha ouvido seus pais voltarem para o trabalho, Sara se acalmou. Percebeu que precisava refletir sobre seus sentimentos mais uma vez.

Então, disse para si - realmente, eu tinha razão quando percebi que a minha racionalidade e meus sentimentos estavam por um fio. Foi só olhar para a Jéssica que eu perdi a cabeça.

Eu não estou bem e sei que não vou ficar bem tão cedo. É impossível ficar bem numa situação como essa. Eu tentei, mas não é possível. Sem a Yumi do meu lado eu não consigo. Ela é o amor da minha vida, é a pessoa com quem eu preciso estar. Não posso viver sem ela do meu lado.

Tenho certeza que agora minha vida vai virar do avesso. Sei que cada dia daqui pra frente cada dia vai ser horrível. Tenho medo disso, tenho medo de não conseguir vencer. Mesmo assim, não importa o quanto seja difícil, eu prometo que vou voltar pra ela. Meu objetivo agora é voltar pra pessoa que eu amo.

///

Obrigado a todes por terem lido. Mais uma vez, peço desculpas pelo atraso na publicação deste capítulo. Na próxima sexta-feira, irei postar o capítulo 26. Até lá;)


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Garota que Eu Conheci na Igreja" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.