A Garota que Eu Conheci na Igreja escrita por Binishiusu Sensei


Capítulo 26
Três Ligações




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Era próximo das três da tarde. Depois de chorar bastante, Sara decidiu almoçar. Mais uma vez, optou por ir contra seus sentimentos negativos e tomar uma atitude para se recompor. A comida estava fria. Ela esquentou apenas um prato e comeu de forma empurrada. Não estava com fome, mas comeu o mínimo que acreditou ser necessário para não ficar desnutrida.

Então, como se estivesse no piloto automático, foi lavar a louça. Estava sozinha em casa, então o ambiente era silencioso. Enquanto lavava a louça, conversava consigo mesma em pensamento.

Certo, vou revisar tudo o que sei mais uma vez. Primeiro, a Yumi está em algum internato em São Paulo, era isso que o áudio dizia. Não tenho motivo para acreditar que não seja isso. Como o Yuji disse "ambiente cristão daqui", tenho certeza de que ela está num dos internatos pagos pela nossa igreja.

Também sei que essa informação não devia ter chegado em mim, a Jéssica fez bobagem em me mostrar o áudio. O problema, é que até onde eu sei, existem três internatos desses em São Paulo.

Não lembro a cidade onde cada um fica, mas sei que nenhum deles é na capital. Para voltar pra Yumi, preciso descobrir em qual dos três ela foi matriculada. Depois disso... Bom, não sei. Não é como se eu pudesse fugir com ela de lá.

Fugir com ela... Por um lado isso parece um sonho, mas por outro, parece uma loucura. Nós duas temos dezesseis anos, não temos como viver juntas como se fôssemos adultas. Seríamos dadas como desaparecidas e a polícia iria atrás de nós. Infelizmente, não tem como funcionar.

Mesmo assim, preciso descobrir em qual dos internatos ela está. Independente de como eu vá lidar com isso, preciso dessa informação. Não tem como eu visitar os três internatos e procurar por ela.

Será mesmo que não tem como? Não, é impossível. É muito longe daqui. Eu seria dada como desaparecida e iriam atrás de mim. Fora que, se a Jéssica soubesse que eu sumi, ela iria contar pro pai dela que me mostrou o áudio. Isso iria ficar ruim pra ela, mas tenho certeza de que ela faria isso para me impedir de chegar na Yumi.

Se ela fizer isso, eu perco a vantagem de não saberem que eu ouvi o áudio. Não posso ir para São Paulo sem saber em qual internato a Yumi está. Infelizmente, isso também é outra coisa impossível de funcionar... Isso é péssimo, não posso ir lá pra descobrir o que eu preciso. E mesmo que eu descubra, não tem muito o que eu possa fazer com essa informação.

Ao pensar nessas palavras, Sara parou de lavar a louça. Ficou imóvel, quase sem respirar. A sensação de perceber isso lhe caiu como outra bomba de sentimentos ruins. Não queria aceitar esse fato, mas sabia que era verdade.

Não tem nada que eu possa fazer? É isso, vai acabar assim? Não, não posso aceitar isso, é doloroso demais, preciso me manter esperançosa. Certo, a única coisa que eu posso fazer é descobrir em qual dos internatos a Yumi está, vou começar por aí.

Então, com agilidade, Sara terminou a louça que estava lavando. Feito isso, foi direto para o seu quarto. Estando lá, abriu o Google em seu notebook e pesquisou por internatos em São Paulo. Depois de alguns minutos de pesquisa, foi capaz encontrar o site e o número de telefone de cada um dos internatos. Com essas informações, pensou - bom, o jeito é ligar em cada um... O que será que eu digo?

Preciso perguntar por uma aluna chamada Yumi. Tá, posso dizer que sou uma amiga de uma estudante nova chamada Yumi. Isso, digo que gostaria de saber se ela está gostando do internato. Será que isso funcionaria? Me parece uma coisa bem fora do protocolo...

Na verdade, vai funcionar se eu for capaz de convencer a pessoa que me atender a colaborar. Certo, preciso ser educada, polida, carismática e persuasiva. Não me sinto assim nesse exato momento. Mas não importa, preciso me esforçar para que isso funcione. Agora não é hora de demonstrar meus sentimentos negativos.

Decidindo isso, Sara pegou seu celular e o configurou para que seu número de contato não fosse exibido para quem recebesse as chamadas. Por fim, discou o número do primeiro internato e disse para si mesma - preciso conseguir.

Então, ligou para o primeiro número. Foi atendida por uma jovem de vinte e poucos anos. A jovem foi simpática e depois de algum tempo de conversa, perguntou:

— Essa sua amiga... A Yumi, ela é aluna de qual curso?

— Aaahh... Ela é aluna do ensino médio, moça.

— Entendo... Então provavelmente você ligou para o internato errado, Sara.

— Como assim, moça? Por que você tem tanta certeza de que minha amiga não estuda aí?

— Simples, esse internato é um campus com cursos de graduação. É verdade que também temos educação básica aqui, mas os alunos são filhos dos professores e funcionários.

— Entendi, muito obrigada pela ajuda. Vou ligar nos outros internatos de São Paulo, Tchau.

— Tchau, Sara.

Um  já foi. Espero ter mais sorte com os outros - disse Sara em pensamento, enquanto preparava a segunda ligação. Desta vez, foi atendida por um rapaz. Tiveram um início de conversa parecido, então ele disse:

— Você quer que eu te ajude a falar com a sua amiga?

— Isso, mas se não der, pelo menos gostaria de confirmar se ela está bem - disse Sara, parecendo preocupada.

— Moça, isso não é um procedimento do nosso internato, entende? - disse o rapaz, com a voz de alguém que está cansado, mas não quer parecer rude.

— Eu entendo, mas isso não vai fazer mal pra ninguém. Você não pode por favor me dar uma ajuda? É importante pra mim - respondeu Sara, apelando para a empatia do rapaz.

— Lamento moça, mas eu não posso te colocar em contato com os alunos, eu não tenho autorização pra isso.

— Tudo bem... Mas você poderia passar um recado pra ela ou algo do tipo? - disse Sara, torcendo para que o rapaz não encerrasse a conversa.

— Não moça, eu não posso. E mesmo que eu pudesse, nós não recebemos nenhuma matrícula aqui nessa semana - disse o rapaz, num tom de quem quer encerrar a conversa.

— Entendo... Por acaso vocês não tem nenhuma aluna chamada Yumi? - disse Sara, para confirmar se Yumi realmente não estava ali.

— Não, não conheço nenhuma estudante com esse nome.

— Ok, obrigada mesmo assim, tchau.

Bom, já sei onde a Yumi não está... Acabou que vai ser o último da lista. Por que já não foi o primeiro? Seria mais fácil. Tá, vamos ligar, só falta esse.

Então, esperançosa, Sara discou o último número de telefone, Tinha que ser aquele, não havia outra opção. Foi atendida por uma moça, que depois de trocarem algumas frases, disse:

— Então, Sara, não é o nosso procedimento permitir que pessoas de fora conversem com nossos estudantes.

— Ah, desculpa o encomodo. É que ela é uma amiga muito querida, sabe? Queria me assegurar de que ela está tendo uma boa estadia aí no internato - disse Sara, da forma mais amigável que conseguiu.

— Entendo a sua preocupação com a sua amiga, mas não é assim que as coisas funcionam aqui. Eu não tenho autorização pra isso, entende? - respondeu a moça, de uma forma que não era amigável e nem rude.

— Entendo... Mas a Yumi acabou de chegar aí, será que não dá pra abrir uma exceção? - disse Sara, meio que esperando receber uma resposta parecida com a da ligação anterior.

— Não posso abrir uma exceção, desculpe - disse a moça, dessa vez soando mais seca.

Isso é mal, preciso insistir mais com ela. Vou ter que apelar e partir pro tudo ou nada.

— Moça, eu não quero ser um incômodo. Mas de qualquer forma, obrigada por fazer tudo o que você pode. É uma pena, eu realmente queria ter falado com a Yumi... - Disse Sara, tentando parecer digna de pena. - Você deve ter visto ela quando ela chegou aí no domingo? Ela é uma ótima pessoa.

— Desculpe Sara, não vi sua amiga aqui no domingo - disse a moça, num tom desinteressado.

Nesse momento, Sara se sentiu preocupada. E perguntou, de forma receosa:

— Ah, você não viu ela? Ela foi matriculada neste domingo. Como você é a secretária, ela não teria passado por você junto com o pai?

— Sim, mas nós não recebemos matrículas nesta semana. Lamento, mas acho que a sua amiga não estuda aqui - disse a moça, num tom indiferente.

— Ah, moça, desculpa insistir, mas você tem certeza de que não tem nenhuma Yumi estudando aí?

— Tenho, eu me lembraria desse nome.

— Entendi, obrigada pela ajuda, tchau.

Sara desligou o celular e teve uma pequena crise de ansiedade. Pensou mil coisas de uma vez e precisou passar um tempo apenas respirando, até se acalmar. Então, disse pra si mesma - o áudio dizia, "já matriculei ela no internato aqui em São Paulo". Sei que é um internato da igreja por que ele falou sobre o ambiente cristão.

Eu liguei nos três internatos e ela não está em nenhum. Então o áudio estava errado? O senhor Yuji mentiu pro pastor? Não dá pra saber. Essa era a única informação que eu tinha e ela estava errada. Eu não sei mais onde a Yumi está. Não sei pra onde levaram a minha namorada. Perdi, perdi mais uma vez.

Com esse pensamento, Sara não pode evitar chorar mais uma vez. Ela se sentiu desesperançosa, se sentiu incapaz e fraca. Há pouco tinha prometido para si mesma que iria voltar para Yumi. Agora, não sabia nem se veria ela outra vez. 

E agora? Eu faço o que? Não me sobrou nenhuma opção. Ninguém vai me ajudar e nem me dar informações. E mesmo que eu descubra onde ela está, nós não podemos simplesmente fugir. Não... Não, não. Não pode ser isso, não pode. Preciso pensar em alguma coisa. Vou repassar tudo mentalmente mais uma vez. Se não adiantar, repasso de novo, até achar uma solução.

Então, como uma forma de escapar do sofrimento daquele momento, Sara se fechou nos seus pensamentos sobre o que sabia sobre o assunto. Repassou tudo o que sabia várias vezes, mas o resultado sempre era o mesmo. Era impossível descobrir onde Yumi estava. Então, disse para si mesma a própria conclusão sobre o assunto.

Como ninguém vai me contar nada, a minha única informação era a que eu tinha obtido através da Jéssica. Essa informação se mostrou errada. Então, não tenho como saber onde a Yumi está. Não sei onde ela está. Não sei com quem ela está e nem o que está fazendo. Não sei nada, me deixaram no escuro. A Jéssica tinha razão, eu perdi.

Isso é tudo culpa minha. A Yumi avisou que iriam descobrir, mas eu fui imprudente. Cometi um erro, deixei o meu coração me guiar e fui ingênua. Fui otimista, acreditando que tudo daria certo. Se eu tivesse sido mais cuidadosa nós não estaríamos nessa situação. A ideia de sairmos foi minha. Quem quis arriscar fui eu.

Eu só queria sair com ela como um casal normal... Mas ninguém reconhece a gente como normal. Acham que somos um pecado ambulante. Acham que somos pervertidas e doentes. Eles pegam o nosso amor e jogam no lixo, como se não prestasse. Fomos expostas a esse tipo de reação e a culpa disso é minha. A Yumi foi tirada de casa e está vivendo em sabe-se lá em que condição e a culpa é minha.

Enquanto pensava nisso, Sara caiu no choro mais uma vez. Ficou remoendo esse pensamento várias vezes. Por causa de seus sentimentos naquele momento, não havia nada no mundo que a pudesse convencer do contrário. Sara estava se sentindo culpada pela dor dela e da Yumi. Ela não conseguia não sentir culpa por ter levado Yumi naquele encontro na sexta-feira.

Ficou vários minutos assim, presa nesse sentimento de culpa. Até que outro pensamento lhe veio à mente - no fim, mesmo eu tendo ficado desesperada com esse fato, nada mudou. Mesmo se eu soubesse onde a Yumi está, eu não poderia fazer nada.

Isso é o mais triste nessa situação. Agora, não há absolutamente nada que eu possa fazer. Eu perdi completamente o controle da situação quando a Jéssica viu o nosso beijo. Até agora, eu só reagi e tentei parar o inevitável. Em termos práticos, eu perdi. Isso não é um exagero, é um fato.

Então, infelizmente, não tem como eu formular um grande plano e achar uma saída genial dessa situação para eu ficar com a Yumi. Eu estou presa nas limitações desse contexto em que estamos vivendo. É uma coisa do mundo prático que eu não posso simplesmente mudar. A realidade é frustrante. 

Meu lado pragmático me diz que isso é um caso sem solução. Ele me diz que eu não poderei ficar com a Yumi. É por isso que eu estou desesperada. Meu lado sentimental percebe isso e faz eu sentir dor. Eu sinto dor por que eu amo Yumi. Porém, meu lado sentimental me diz que eu preciso ter esperança, que eu preciso ter fé.

Fé é uma palavra interessante. Pra um cristão, fé é acreditar num Deus que não se pode ver e nem tocar... Ter fé é acreditar incondicionalmente em algo. Meu coração quer ter fé de que um dia eu ficarei ao lado da pessoa que eu amo.

Eu realmente quero acreditar que isso é possível, mas na prática, eu não sei se isso vai acontecer. Não tem mais garantia pra isso, a situação mudou, e agora pode ser que nunca fiquemos juntas. Mesmo assim, meu coração não permite aceitar a ideia de abandonar meus sentimentos por Yumi. Meu coração não quer aceitar ficar longe dela.

Eu não quero ficar longe dela, nunca. Por isso, vou ter fé de que um dia ficaremos juntas. Não sei onde, quando e como. Não sei nem se é possível, mas não importa. Terei fé de que ficaremos juntas mais uma vez. Meu objetivo não mudou. Não importa quanto tempo demore, um dia eu vou ficar perto dela de novo.

///

Agradeço por terem lido o novo capítulo da minha história. No próximo capítulo, Sara precisará lidar com a nova rotina imposta pelo pai. Até a próximas sexta-feira pessoal.


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