Um Reino de Monstros Vol. 1 escrita por Caliel Alves


Capítulo 7
Capítulo 2: A Cidade Subterrânea - Parte 1




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Passada a rede de esgoto, para admiração de Tell e Saragat, eles chegaram até o que podia se passar por uma cidade.

A iluminação era feita a base de lampiões, o que concedia um clima sombrio e um tanto frio. Mas, o odor forte do esgoto já havia passado. Centenas de pessoas estavam acampadas. O acampamento rebelde estava concentrado num bolsão revestido de mármore.

— Esse é o nosso refúgio, a Cidade Subterrânea. Ela foi construída na Primeira Grande Guerra para proteger os flandinos da Horda. Agora serve a esse propósito uma vez mais.

O espadachim retirou a mordaça de Saragat, e este aliviado sorveu o ar guloso.

— Tenho que reconhecer a inteligência dos flandinos, mas, não é um pouco pequeno pra tanta gente?

— Não, meu caro conjurador. Este é apenas um dos vários bunkers que utilizamos.

Tell que, estava muito agradecido, resolveu demonstrar e disse:

— Eu gostaria de agradecer... seu...

— Meu nome é Dumas. Pode me chamar apenas de Dumas, “o melhor espadachim do mundo”.

— Quanta humildade.

— Gostaria de me enfrentar numa peleja, senhor conjurador?

— Quando me recuperar, eu juro que te dou uma surra, seu...

Bluongh... Esse som cortou a discussão como se fosse à faca na manteiga.

O estômago de Tell havia roncado tão alto que o som ecoou pela cúpula de mármore, as suas bochechas ficaram vermelhas. Uma senhora trouxe um pedaço de pão para ele.

— Ah, obrigado, senhora.

A velhinha sorriu e fez uma mesura. Tell olhou para Saragat e dividiu o pão no meio.

— Me parece que vocês já não têm muito, não tem problema dividir com estranhos?

O conjurador evitou o pão. Tell virou-se para Dumas, que de modo elegante, ajeitou as mangas de sua camisa de seda branca.

— Com a quantidade de rebeldes aprisionados recentemente, nossas reservas são mais que suficientes. Além do mais, sempre fomos amistosos, e um ditado popular diz que “Farinha pouca, pirão para todos”.

Como não havia mais o que ser explicado os dois agradeceram e comeram os pães.

Dumas os levou até uma fogueira. Um menestrel tocava alguns acordes alegres. Tell observou atrás das chamas um homem de sobrecasaca vermelha. Ele tinha o cabelo grisalho e enormes olheiras. Na sua cintura havia um sabre, ele tinha um porte distinto.

— Mestre Clapeyron.

—... oh sim, perdão Dumas. Espero que não tenha havido muitas baixas dessa vez.

— De maneira nenhuma, mestre. O nosso contingente aumentou em mais de sessenta entre homens e mulheres.

— Não é nenhuma daquelas suas piadas, é?

— Não. E as surpresas não acabam por aí, venha aqui, Tell.

O jovem meio envergonhado se pôs diante de Clapeyron e foi analisado de cima a baixo.

— Um garoto comum, não?

— Não se ele fosse o último dos Lisliboux.

Perdendo a indiferença, os olhos do velho brilharam com uma intensa alegria. Se levantou, e com as luvas de seda branca, alisou a sua barba lanosa.

— Ver você é como ter um pouco do seu pai e do seu avô aqui presente, sabia?

— O senhor os conheceu?

— Sim, seu pai Taran, sua mãe Crala, e o seu avô Taala. Como ele está?

Tell olhou para o chão e passou a apertar as alças da mochila, com olhos lacrimosos respondeu:

— Eu me perdi dele.

— Para você vir até aqui, significa que está em posse do Monstronomicom.

— Como sabe disso?

— O seu avô era um grande homem, Tell de Lisliboux. Ele nasceu nessas terras, sabia? Infelizmente, a sua habilidade com a esgrima era horrível, e nunca conseguiu se tornar um membro da Ordem dos Cavaleiros Flandinos. Ele saiu para estudar a magia ainda muito jovem e aprimorar os seus talentos natos. Foi assim que se tornou discípulo do Mago Dourado. Você pisa o solo dos seus ancestrais, meu jovem.

O garoto abriu um sorriso e correu a abraçar o velho. Agora ele tinha entendido tudo afinal. O avô o tinha teleportado justamente para a cidade em que possuía aliados.

Clapeyron explicou que Taala, mesmo à distância, liderava a Resistência através de cartas. Ele, por razões de segurança, não havia contado em detalhes, mas dizia ter encontrado a solução para o problema do surgimento dos monstros.

Os líderes rebeldes conheciam a verdade sobre os ressurgimentos deles. E quando o motivo entrou nos ouvidos de Tell e Saragat, ambos exclamaram:

— MENTIRA!

Mas era a pura verdade. O rei Zarastu, como único conjurador de Enug, o deus dos monstros, transformava humanos em monstros. Ninguém sabia qual o seu método.

— E vocês esconderam isso de nós o tempo todo? Quer dizer que matamos amigos e irmãos?

— Não tivemos escolha, Dumas. Enquanto a solução não estivesse em poder dos rebeldes, não poderíamos deixar que o Reino dos Monstros avançasse sobre nós.

Dumas estava irritado, mas decidiu não continuar a discussão. Tell tinha os queixos caídos. O velho pediu para que Tell narrasse as suas desventuras. Detalhadamente, cada passo até chegar ali foi dito, e para provar, Tell invocou Index.

— Então esse é o Guardião do Monstronomicom!? Taala, você é mesmo um gênio.

Com o nome do avô, Tell lembrou de uma dúvida que corroía sua mente desde a chegada.

— Senhor Clapeyron, acredita que o meu avô ainda está vivo?

O velho espadachim alisou a sua barba que parecia uma lã de carneiro e ficou reticente. Ele sabia o preço da decepção, e não podia simplesmente dizer que o avô do garoto o esperava em algum lugar, além do mais, corria o risco de ele ter virado um monstro.

Reconheceu, no entanto, que o sentimento mais resistente de todos era a esperança, e mesmo quando o amor desiste, ela continua lutando para sobreviver.

Não quero colocar falsas expectativas... Mas, também preciso ter fé.

— Ele usou uma magia complexa, Tell. Ele sacrificou determinados anos de vida para lhe mandar a alguns anos no futuro. Pelo seu relato, já se passaram dez anos desde então. Não poderia dizer com toda certeza, mas acredito que Taala possuía uns 65 anos de idade...

— Ele está vivo, eu sei disso.

Essas palavras foram suficientes para que o velho também acreditasse.

Espero que você também esteja, filho...

Clapeyron pediu para que o menestrel tocasse uma balada, Tell e Saragat foram trazidos para o meio do refúgio e começou uma quadrilha com homens e mulheres.

Não é uma noite para lembranças tristes, é hora de festejar.

***

A balada havia terminado com muitas pessoas bêbedas, dormindo umas por cima das outras. Saragat levantou-se, Index estava bem abaixo dos seus pés, ele mirou um chute na criatura. Parou, queria sair sem que ninguém percebesse a sua ida. Tomou o seu cajado e andou como se pisasse em ovos. Tell ronronava.

Os lampiões iam se apagando, mas, como um conjurador das sombras, ele enxergava melhor no escuro.

Continuou a sua caminhada e refez todo o trajeto em sua mente. Durante o percurso, ele tinha memorizado cada entrada, desvio e sabia de cor como sair daquele labirinto. Cuidadosamente, seguiu para a entrada e virou-se para trás.

— Adeus, Tell.

— Adeus, Tell?

Droga, eu fui pego!

Ele olhou para um lado e outro, viu apenas um vulto em meio às sombras do corredor.

— Quem está aí?

Num primeiro momento, os cabelos cacheados lhe fizeram acreditar que se tratava de Dumas, mas, o corpo foi se definindo ainda mais. Depois veio a saia longa, branca e fendida nos lados, um top tomara que caia de mesma cor terminava o escasso vestuário da visitante. Isso lhe deu a certeza de quem ela era realmente.

— Desde quando você se despede de alguém, Saragat?

— Nalab, o que faz aqui?

— Você é um conjurador muito mal, sabia? Você nunca ora, nem me agradece.

— Sabe muito bem que não me tornei conjurador porque quis...

— E se não fosse pelo o meu poder, todos naquela vila, inclusive você, estariam mortos, não é? Se continuar a me desobedecer...

A mulher de pele negra andou rebolando seu largo quadril na direção dele. A boca se abria num sorriso de dentes brancos, quase prateados. Sua pele tinha a mesma textura de uma noite estrelada, como se fosse feita de galáxias. Os olhos emitiam luzes diáfanas.

— Não fuja novamente de suas responsabilidades. Como um conjurador, é seu dever lutar pelos meus desígnios. Fique e ajude este garoto.

— Porque os deuses não lutam por seus próprios desígnios e nos deixam em paz?

— Nós criamos o mundo e tudo que nele habita. O que mais exigem de nós? Oh Tolo!

Assim como apareceu, Nalab sumiu entre as sombras. Saragat virou-se para o bunker.


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