Um Reino de Monstros Vol. 1 escrita por Caliel Alves


Capítulo 2
Capítulo 1: Páginas em branco - Parte 1




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Tell apontou a mão direita para o alvo e se certificou de que não erraria. Depois firmou o pé direito no chão, pôs o esquerdo um pouco atrás e respirou fundo.

Uma gota de suor escorreu pelo rosto de pele negra. A pedra estava a cerca de trinta metros de distância. Ele deixou a sua energia mágica fluir até a palma da mão. A energia formou feixes de luz espirais que vinham para o interior da palma.

Logo os feixes se concentraram e formaram uma esfera de energia brilhante. Com um arremesso rápido, ele lançou a esfera de energia gritando a recitação:

— Projétil de Luz.

Ela provocou uma lufada de vento que lambeu os cabelos crespos de Tell.

A esfera bamboleou em alta velocidade. Antes de chegar ao alvo, o garoto já festejava o seu sucesso. Mas ao invés de atingir a rocha em cheio, a milímetros do alvo, ela subiu pelo céu azul. O garoto ficou sem reação.

Acreditava que com um alvo desenhado numa rocha enorme como aquela, ele não teria como errar àquela magia.

Antes de começar a questionar o que tinha dado errado, uma criatura chamuscada caiu do céu, dando um grasnido final e sacudindo as patas fumegantes.

— Ah! Eu matei um passarinho.

Depois de constatar o corpo do defunto, Tell caiu em prantos. Começou a chorar e bater os punhos no solo se culpando pela morte da ave.

— Tudo isso por causa da morte de um urubu!

O velho pousou a mão no ombro dele. Só daí ele parou de chorar e se levantou, com as dobras dos dedos limpou as lágrimas de Tell.

— Vovô, não era um urubu, era uma andorinha. O Projétil de Luz esturricou a bicha todinha.

— Tell, você é muito sentimental.

— Temos que enterrá-la, vovô.

— Não ouviu o que eu falei agora a pouco não?

— Ela estava passando por aqui... Eu não tive culpa... Quero fazer algo por ela.

— Unfh, tudo bem. Vamos enterrar o pássaro.

O velho arregaçou as mangas e foi até os fundos da casa, onde ficavam as ferramentas. Pegou uma pá e cavou no lugar indicado por Tell.

— Ah, como minhas costas doem.

— O senhor só retirou duas pás de terra!

Os olhos cerrados de Tell fizeram o velho baixar a guarda. Ele admitiu que sua coluna não doía tanto assim.

— Temos que dizer alguma coisa.

— Tipo o quê? Que o papai andorinha ia voltando para casa, depois de um dia de trabalho cansativo e desejava brincar com os filhotinhos andorinhas e no meio do caminho um aprendiz de mago o matou.

O garoto esperneou dizendo que não era sua culpa e que não tinha visto o pássaro.

— Tell, já chega disso! Você precisa crescer.

De repente, a brisa fresca do campo se tornou uma ventania assustadora. O avô protegeu o seu neto com os braços. O velho mirou o horizonte, onde também ficava também a vila.

— Tell, venha comigo.

— O que foi, vovô?

— Lembrei de que preciso que faça algo para mim... terminei de escrever o meu livro, você pode levá-lo para a vila e enviá-lo pelo correio?

— Tudo bem, posso.

— Esse é o meu neto!

Os dois entraram pelas portas do fundo. A casa de dois andares não parecia mais uma construção clássica, agora semelhava apenas uma casa velha.

Essa era uma das muitas residências que o velho e Tell haviam morado. Nunca haviam se estabelecendo mais do que alguns meses num mesmo lugar. O seu avô dizia ser um mago aposentado, agora o que ele queria era escrever livros.

A dupla subiu até o andar de cima. As tábuas do piso de madeira rangiam a cada passo. Alguns cômodos continuavam fechados naquela casa velha, aumentando a sua atmosfera de antiguidade. Os dois não precisavam de tantos quartos, e não possuíam empregados.

Na oficina, que nada mais era do que uma antiga biblioteca, o avô do garoto o levou até a sua mesa. O livro no qual o velho havia trabalhado estava embrulhado num tecido marrom, nem mesmo a capa Tell pôde ver.

Apontando para o embrulho, o garoto fez que sim com a cabeça. Seu avô parecia ter pressa.

— Pegue-o. Coloque em sua mochila e siga as instruções que lhe derem.

O velho colocou o livro nos braços do garoto que quase desabou com o seu peso.

— Agora, vá.

Tell fazia um esforço tremendo para que o objeto não caísse no chão e acabasse levando uma bronca do seu avô. O velho o seguiu com os olhos até a porta se fechar.

O jovem foi até o seu quarto e pôs o livro dentro da sua mochila. Estava morrendo de curiosidade porque seu avô nunca o deixava lê-lo, e tinha medo de ser descoberto bisbilhotando, agora era sua oportunidade de ver o conteúdo do livro.

Mas, mudou de ideia, fechou a mochila e desceu a escada. No penúltimo degrau, a tábua envergou tanto com o peso que se quebrou com um grande estalo.

Meu avô parece gostar de literatura pesada, hahahaha.

Riu com a sua própria piada. Atravessou a sala e abriu a porta. A estrada seguia por entre cajueiros e mangueiras. De todos os lugares em que Tell havia morado, este era o que mais lhe dava prazer. Embora ficasse longe da vila, o casarão lhe trazia um sentimento familiar.

Sentimento esse que conhecia bem pouco. Sentia falta dos pais que nunca mais tinham voltado para casa. O seu avô sempre estava ocupado demais, e quando lhe dava atenção era para treiná-lo nas artes mágicas.

Como era seu único elo com o avô, ele se empenhava no treino, entretanto, sem sucesso. Seu avô explicava que talento tinha um tanto de concentração e dois de persistência.

A estrada de acesso à residência continuava até um velho portão de ferro. Depois disso uma estrada descia serpenteando até a vila. A velha casa ficava no alto de um morro. O que tudo indica que a antiga família vendeu a propriedade por não mais conseguir manter os custos.

Seu avô os chamara de “nobres decadentes”, Tell não sabia o que significava, mas no fundo imaginou que o significado não parecia nada bom.

Na oficina, o velho descortinou a janela e observou o seu neto até desaparecer.

— Tell, a partir de hoje, você escreverá o seu futuro... sozinho. Você terá sucesso aonde eu e seus pais falhamos.

***

Quilômetros acima da velha residência, uma esfera de luminosidade escura se materializou. Quatro seres ocupavam o seu interior.

Um deles era um homem que vestia uma longa capa amarela, um lobisomem com ombreiras metálicas, um gorjala trajando um kilt e portando um grande tacape espinhado, o quarto era um bradador em seu típico traje esfarrapado e puído.

— Este é o local. Reconheceria essa energia mágica em qualquer lugar do mundo. Hoje esse velhote deve morrer custe o que custar.

O lobisomem, embora quisesse, não conseguia compreender porque o encapuzado tinha tanta vontade de caçar um velho mago.

— Rei Zarastu, perdoe minha ousadia, mas porque este mago lhe traz tanto receio?

— Ele é o nosso único empecilho, meu caro Sirius.

O licantropo Sirius começou a enxergar o seu alvo com outros olhos. No início, acreditava que aquela perseguição tinha nascido de algum um capricho de Zarastu, mas para alguém que trazia inquietação ao rei, deveria ser um inimigo poderoso, sorriu.

A esfera foi descendo até chegar à frente do velho casarão. Uma joia vermelha brilhava no peito de Sua Majestade, atada por uma grossa corrente prateada. Zarastu bateu à larga porta da entrada, feita de madeira com uma argola de cobre no centro. O líder do grupo fez uma careta debaixo de seu capuz, achou-a horrível.

A porta se abriu. Por um momento, Sirius se colocou na frente da porta. Zarastu ajeitou o seu capuz e manteve a expressão de neutralidade.

— Está fácil demais, Vossa Majestade. Pode ser uma armadilha.

— Para ele nos deixar entrar, significa que também já não perde por esperar.

O lobisomem de pelagem escura rosnou como um cão de guarda. O grupo entrou. A sala parecia velha com seu piso xadrez e paredes mofadas. Havia um silêncio perturbador em seu interior. Zarastu sacudiu a capa e bateu palmas.

— Olá, tem alguém em casa? Mas que péssima recepção.

A resposta veio da própria casa. Os pisos começaram a se revirar no chão. O verso deles estava cheio de fórmulas mágicas que brilhavam e subia pelo ar. Os selos mágicos tinham sido ativado com sucesso. Os invasores entraram em guarda.

— Maldita magia rúnica.

— Eu bem que avisei que era uma armadilha!


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