Pássaro da Solidão escrita por Nikka fuza


Capítulo 6
Capítulo 05




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O mês que antecedeu meu casamento passou depressa, quando menos esperei, estava saindo da igreja ao lado do meu agora marido.

 

Meu coração batia com força ao constatar que eu não retornaria para Mazur House, aquela não era mais a minha casa, e sim, Northwich Hall. E eu nem ficaria ali por tanto tempo.

 

Charles descansaria por um dia antes que seguissemos para Kent. Eu sentia o olhar de todos os convidados sobre mim enquanto eu ia diretamente para a carruagem. Alguns me olhavam com pena, como se eu estivesse caminhando a passos largos para um destino terrível, outros pareciam orgulhosos de minha decisão. O fato é que ninguém, além dos que estavam presentes naquela noite, e Mia Rinaldi, sabia o que foi acordado. 

 

Eu sabia que muitos pensavam que meus pais haviam feito algum tipo de acordo com Charles e me obrigado a casar, esperavam até que eu estivesse infeliz em minha própria festa de casamento, mas aquilo estava longe de ser verdade, eu me sentia radiante.

 

— Como se sente, Senhora Hathaway? — meu marido me observou depois que nos acomodamos dentro da carruagem.

 

— Como se estivesse vivendo a vida de outra pessoa — eu fui sincera, recebendo em troca um riso alegre do homem ao meu lado.

 

— Eu imagino como deve ser para a senhorita, mas lhe garanto que irá gostar da sua nova vida.

 

— Eu não duvido. E o senhor, como se sente sabendo que está prestes a comparecer a uma festa? A srª Hunter me disse que o senhor não comparece a esse tipo de evento.

 

Eu observei o homem ao meu lado, tentando ler as expressões em seu rosto.

 

— Depois que minha família se foi, eu me isolei, evitava a todo custo qualquer reunião com grande quantidade de pessoas, pensando que poderia adoecer novamente.

 

Eu nunca tinha pensado por esse lado, Charles tem uma saúde tão frágil que poderia facilmente adoecer em meio a tantas pessoas.

 

— Não precisava ter feito essa festa, nós poderíamos apenas partir para Kent — eu o encarei com preocupação.

 

— Minha querida Rose, nós somos amigos agora, certo? 

 

Charles me observou com carinho, fazendo com que eu franzisse o cenho diante de sua expressão.

 

— É claro que sim.

 

— Então eu posso compartilhar os meus pensamentos mais profundos com a minha jovem esposa — ele sorriu.

 

Eu me limitei a esperar que ele revelasse o que se passava em sua mente, ansiando por saber mais sobre o homem ao meu lado.

 

— Quando eu soube sobre minha condição, eu decidi retornar à minha terra natal, porque esse era um lugar que eu gostaria de passar meus últimos dias. E então, quando reencontrei seu pai e vi tudo o que ele conquistou em sua vida, a mais dura realidade me atingiu.

 

— Qual realidade, sr Hathaway?

 

— Eu passei tanto tempo com medo de adoecer e morrer, que eu me esqueci de viver — ele revelou, passando a olhar pela janela da carruagem — faz tempo que não compareço a uma festa. Há décadas que eu não sei o que é dançar em um baile. Nos últimos anos têm sido apenas eu e a Betsy, que me acompanhou em minha solidão.

 

Meu coração se apertou ao ouvir aquela declaração. Eu não podia sequer imaginar como era passar uma vida tão solitária, mas eu sabia o que fazer para aplacar esse sentimento.

 

— Mas agora o senhor me tem como companhia, e eu te garanto, meu caro sr Hathaway, que cuidarei pessoalmente para que o senhor aproveite ao máximo os meses que lhe restam e viva tudo o que o medo lhe tirou nos últimos anos — eu sorri, segurando sua mão com carinho.

 

Aquilo era o mínimo que eu poderia fazer para demonstrar minha gratidão por tudo o que ele fez por mim.

 

— E é por esse motivo que eu pretendo lhe oferecer tudo o que uma jovem dama almeja para sua festa de casamento — meu marido gracejou.

 

E ele realmente o fez, todos os detalhes estavam além do que eu almejava, o jardim de Northwich hall fora decorado com luxo para a ocasião, várias mesas e cadeiras estavam espalhados por ali e um grande bolo de casamento adornava a região central, embaixo de uma tenda que haviam armado.

 

Eu troquei o meu vestido azul celeste de renda por um segundo vestido verde Oliva, que foi escolhido com a ajuda de Oksana, que me garantiu que já era hora de trocar os tons pastéis dos meus vestidos de solteira por cores mais sóbrias, assumindo minha nova condição. 

 

A felicidade tomou conta de mim durante toda a festa, eu conseguia até mesmo ignorar os olhares de pena que alguns dos moradores de Wilmslow lançavam em minha direção cada vez que eu interagia com meu marido, que se mantinha sentado embaixo da tenda, parecendo cansado por toda a agitação que o cercava.

 

A única família que não compareceu ao evento foi a família Dragomir, como já era esperado. Eu decidi tentar resolver as coisas com minha antiga amiga antes de partir de uma vez pra Kent, eu enviei uma nota a Vasilisa depois da festa e na manhã seguinte saí sozinha logo após o desjejum.

 

Eu me dirigi para uma trilha onde gostava muito de caminhar, e após alguns minutos ali sozinha, cheguei a considerar a hipótese de voltar para casa sem conseguir nenhum avanço, mas então, quando me virei para dar uma última volta, a figura alta, elegante e de fios dourados surgiu em meu campo de visão.

 

Lissa estava parada a alguns metros de distância, parecendo em dúvida se deveria ou não se aproximar. Sem pensar muito, decidi dar o primeiro passo, indo em direção a ela.

 

— Pensei que você não viria — eu comentei.

 

— Eu pensei em não vir, mas gostaria de saber o que você tem a dizer — ela declarou com uma postura altiva que quase fez eu me arrepender de minha decisão.

 

— Sinceramente, não tenho tanta certeza do que você espera ouvir — eu murmurei.

 

Eu gostaria de resolver as coisas entre nós, mas não vou me humilhar se ela não tem a mesma intenção e deseja apenas me culpar por tudo o que aconteceu.

 

— Você humilha a minha família publicamente, some durante todo esse tempo, me chama aqui, e não tem certeza do que eu desejo ouvir? Isso é algum tipo de piada para você, Rosemarie? Porque se for, é terrivelmente cruel da sua parte! — ela ergueu a voz, deixando a raiva controlar seu temperamento.

 

Aquilo me enfureceu, me fazendo esquecer as minhas razões iniciais que me levaram aquele encontro.

 

— Você afirma que eu humilhei sua família, quando a pessoa que mais foi exposta nessa história toda fui eu! — eu devolvi de maneira enérgica.

 

— Você!?

 

— Como você acha que eu me senti ao descobrir que o meu iminente casamento com o seu irmão era a novidade favorita de Wilmslow? 

 

Aquela resposta parece tê-la surpreendido, ela franziu o cenho, pensando em sua resposta.

 

— Você não foi pega de surpresa, minha mãe…

 

— Sua mãe faz esse tipo de comentário há muito tempo e sempre foi ignorada. Seu irmão nunca me fez proposta alguma, ele não tinha o direito de espalhar esse tipo de boato!

 

Eu me aproximei dela, erguendo ainda mais a voz ao desabafar o que estava em meu coração no último mês.

 

— Rose, você não está sendo justa!

 

— Não! Vocês não foram justos comigo ao me colocarem nessa situação quando a minha mão já estava prometida a outro homem!

 

Aquela não era a completa verdade, mas eu não poderia revelar o que realmente aconteceu sem expor a situação da Mia, e isso era um preço que eu não estava disposta a pagar.

 

— A situação foi tão absurda, que se fosse qualquer outra família, você teria se indignado comigo, mas como foram os Dragomirs, você escolheu fechar os olhos para o bom senso e apoiá-los em toda essa loucura!

 

— Você já tinha aceitado o Sr Hathaway? — ela balbuciou.

 

— Sim, ele ainda não tinha pedido a benção do meu pai, e foi por isso que fiquei tão desconfortável durante aquele jantar. Estavam falando sobre o meu casamento como algo certo, sendo que o homem para quem eu tinha prometido a minha mão estava sentado à mesa!

 

Vasilisa pensou por um momento, voltando a se aproximar de mim, com uma expressão mais receptiva.

 

— Mas Rose, você se casou com um velho! Você terá que dormir com ele sempre que ele desejar! 

 

Seu olhar de pena fez com que eu revirasse os olhos. Eu seria digna de pena se tivesse aceitado me casar com André!

 

— Eu sempre disse que aceitaria a primeira proposta que eu recebesse, e Charles pode ser velho, mas ele é um bom homem e me tratará com gentileza, muitas mulheres não têm a sorte que eu tenho!

 

— Mas você poderia ter se casado por amor!

 

— Com o seu irmão? Lissa, não seja tola, ele não me amava, ele só aceitou essa história de casamento porque sua mãe se incomodou com o que a Srª Hunter falou sobre ele e a Srtª Rinaldi!

 

Minha amiga fez uma pequena careta e soltou um suspiro resignado, se dando por vencida.

 

— Você está certa, eu sinto muito por não ter ido ao seu casamento — ela entrelaçou nossos braços, passando a caminhar ao meu lado, como fizemos tantas vezes em nossa vida.

 

Mas nada havia voltado a ser como antes, por mais que eu estivesse feliz em não estar mais brigada com minha amiga, eu não conseguia confiar nela, e foi isso que fez com que eu mantivesse os detalhes do meu casamento apenas para mim. 

 

Nós passamos algum tempo caminhando e conversando sobre os mais diversos tipos de assunto, até que chegou a hora de me despedir.

 

— Eu partirei para Kent em algumas horas. Não sei quando vou voltar a Wilmslow.

 

— Eu sentirei sua falta, Rose. 

 

— Você pode me visitar em alguns meses, quando eu estiver bem estabelecida entre as famílias da região — eu propus. 

 

Nós nos separamos com a promessa de uma visita em breve, e eu retornei para Northwich Hall, encontrando todos os empregados colocando todas as malas nas carruagens que nos levariam para Goldfield Park.  

 

— Minha criança, onde você esteve? Nós partiremos em alguns minutos — Charles me recepcionou, sentado em um banco próximo a entrada da casa.

 

— Sinto muito, Sr Hathaway, eu quis me despedir da Srtª Dragomir — eu fiz uma breve reverência para meu marido.

 

— Não há problema algum nisso, a Srtª Rinaldi já cuidou para que todos os seus pertences fossem colocados nas carruagens.

 

Aquilo era um alívio, mas eu me sentia apreensiva em saber que em poucos minutos eu deixaria minha vida para trás e partiria em direção ao desconhecido. Eu já tinha me despedido dos meus pais após a festa, mas desejava que eles estivessem presentes.

 

— Em qual carruagem nós iremos?

 

— Eu preciso estar acompanhado do Sr Hunter o tempo todo, então creio que será mais confortável se você for na segunda carruagem com as outras damas. 

 

Nossa viagem até a vila de Wingham, em Kent, foi tranquila, apesar de demorada. Nós chegamos a Goldfield Park dois dias depois de partir de Cheshire, tendo passado a primeira noite em Birmingham e a segunda em Londres.

 

Quando finalmente cruzamos os limites do meu novo lar, eu me sentia encantada. Estávamos no meio da tarde e o sol brilhava com força, apesar da temperatura não ser alta com o avançar do mês de outubro. Mas assim que paramos a carruagem, minha atenção foi desviada da beleza do lugar ao ver meu marido ser praticamente carregado para dentro da casa.

 

Eu teria corrido para alcançá-lo e verificar o que estava errado, mas Oksana me impediu.

 

— Não se preocupe, Rose. A viagem foi cansativa para ele, o Sr Hunter cuidará de tudo.

 

Aquele comentário não me convenceu, mas o que eu poderia fazer? Se Charles precisasse de atendimentos médicos, eu apenas atrapalharia se tentasse me envolver.

 

— A senhora Hunter tem razão, Srª Hathaway. Vamos, eu te levarei até os seus aposentos, a senhora pode aproveitar e tomar um banho para descansar da viagem — Fanny, uma das criadas que viajou conosco, sugeriu.

 

Eu aceitei a sugestão, sendo conduzida pela criada. Não pude deixar de perder um pouco o fôlego ao entrar na propriedade, que era quase um reflexo de Northwich Hall. 

 

Goldfield Park era luxuosa, bem cuidada e repleta de detalhes. enquanto Fanny me guiava até meus aposentos, eu deixava meus olhos registrarem cada um daqueles detalhes, pinturas eram penduradas pelos corredores, grandes janelas posicionadas para receber o máximo de luz do sol.

 

Quando finalmente me vi sozinha em meu quarto, esperando que as criadas preparem o meu banho, eu me permiti absorver tudo o que estava acontecendo.

 

— Eu sou a senhora desse lugar — eu sussurrei, como que para convencer a mim mesma que aquilo era real.

 

Fanny estava certa, após um banho eu me senti revigorada e pronta para conhecer o restante da propriedade. Passei algum tempo na biblioteca vendo todos os títulos disponíveis ali, eu escolhi um exemplar de Shakespeare, decidida a me ocupar com a leitura até que eu tivesse alguma notícia do meu marido.

 

Mas antes que eu pudesse me acomodar em um bom lugar para a leitura, eu encontrei com Silvia, uma das criadas mais antigas da casa, levando uma bandeja de chá.

 

— Silvia, isso é para o senhor Hathaway? 

 

— Sim, Srª Hathaway, o Sr Hunter pediu que preparassemos algo leve para que o se Hathaway se alimentasse.

 

— Deixe comigo, eu levo para ele — eu me adiantei, mas para minha surpresa, a mulher deu um passo para trás, parecendo alarmada pela possibilidade.

 

— De maneira alguma eu posso permitir isso, srª Hathaway.

 

— O que?

 

— A senhora é uma dama, não deve fazer esse tipo de serviço. 

 

Aquilo era ridículo, eu era capaz de carregar uma bandeja. Não era nada demais.

 

— Silvia, isso é tolice, eu posso…

 

— Minha querida, esse é o meu trabalho. Não vamos inverter nossas posições, certo? Eu levarei essa bandeja até o senhor Hathaway, e a senhora agirá de acordo com a sua posição, que é ser a senhora desse lugar — ela me lançou um olhar quase maternal, que me impediu de discutir.

 

Eu não pude discutir depois daquela explicação, decidi permitir que ela tivesse a palavra final, sabendo que ela tinha certa razão. Eu não era mais uma simples herdeira de um cavalheiro no interior de Cheshire. Agora eu era Rosemarie Hathaway, senhora de Goldfield Park e Nothwich Hall, e deveria agir como tal.

 

— Eu posso acompanhá-la? 

 

— Ele é o seu marido — ela assentiu, retomando seu caminho.

 

Eu a acompanhei sem dificuldades, descobrindo que seu quarto ficava bem distante do meu, ainda no primeiro andar da propriedade. Charles estava abatido sobre a cama, e se surpreendeu com minha presença, mas não reclamou.

 

— Minha criança, o que faz aqui? Deveria estar se familiarizando com seu novo lar. Me perdoe por não estar tão bem disposto para apresentar tudo a você.

 

— Eu não seria uma boa esposa se não me interessasse pela saúde do meu esposo — eu respondi, cuidando de lhe entregar a xícara com o chá que Silvia serviu antes de sair, nos deixando sozinhos.

 

Era a primeira vez que eu me via sozinha nos aposentos de um homem, mas creio que isso não seja um problema, já que somos casados.

 

— Eu estou bem, apenas preciso descansar. Em um ou dois dias estarei renovado — ele garantiu.

 

Uma brisa fria me atingiu, fazendo com que eu percebesse uma das janelas abertas, eu iria fechá-la para que Charles não adoecesse, mas ele me impediu assim que notou minha pretensão.

 

— Eu que pedi para deixá-la aberta, não se preocupe — ele garantiu antes que seu olhar se focasse no livro que eu ainda carregava comigo — O que temos aí?

 

— Macbeth, eu estava a procura de um bom lugar para ler quando encontrei com Silvia — eu expliquei.

 

— Boa escolha, esse é um dos meus livros preferidos — ele aprovou — Mas não se prenda por minha causa, pode retomar seus planos.

 

Eu olhei em volta, vendo uma cadeira junto a uma mesa perto da janela, fui até lá e a carreguei até o lado da cama.

 

— O que você está fazendo? 

 

— Se essa é sua história favorita, eu posso ler para o senhor, pelo menos até que termine seu chá — eu expliquei.

 

Antes que ele pudesse responder o grito agudo de Betsy soou através do quarto, antes da ave entrar pela janela aberta, se empoleirando no dossel da cama.

 

— Minha querida senhora Hathaway, não precisa se incomodar, eu tenho a Betsy como companhia. 

 

— E agora o senhor tem a mim também, vamos começar — eu ignorei seus protestos, me sentando e abrindo o livro.

 

Eu passei pouco mais de uma hora no quarto de Charles lendo para ele, até que o jantar foi anunciado e eu o deixei para me juntar aos outros.

 

De alguma forma, aquilo virou uma rotina para nós dois. Charles passou alguns dias de cama, impedindo que eu fosse formalmente apresentada a sociedade como a nova senhora Hathaway, então eu me limitava a passear nas trilhas que rodeavam a propriedade pela manhã com Mia, almoçava com Charles em seu quarto e passava algumas horas lendo para ele, antes de me juntar aos outros.

 

Outra grande descoberta foi sobre a criadagem daquele lugar, muitos, como Silvia, estavam com Charles há tantos anos que eram tratados quase como parte da família, já que durante tanto tempo foram a única companhia de seu patrão, e aquele acolhimento fez com que eu me sentisse cada vez mais em casa ali.

 

— O que você tem achado de Goldfield Park? — Eu perguntei a Mia enquanto fazíamos nossa costumeira caminhada matinal.

 

— Um pouco solitário, mas não posso dizer que é uma vida ruim — ela respondeu.

 

Já haviam se passado três dias desde que chegamos, e ainda não conhecíamos ninguém, mas Charles já se sentia bem a ponto de começar a participar das refeições conosco, e me garantiu que na próxima semana começaria a receber as famílias da região para me apresentar como a sua esposa.

 

— O Sr Hathaway garantiu que seremos apresentadas na próxima semana, eu aposto que você conhecerá rapazes interessantes — eu a provoquei.

 

A paisagem daquele lugar era divina, nós estávamos caminhando em uma trilha ligeiramente inclinada, contornada por árvores que já assumiram tons alaranjados por conta do outono.

 

— Rapazes? Rose, não faça piadas comigo, você sabe que eu não tenho interesse em conhecer rapaz nenhum.

 

Aquilo me chamou a atenção, eu franzi o cenho, observando minha dama de companhia que parecia perturbada com aquela possibilidade.

 

— Eu pensei que você tivesse aceitado a minha proposta por esse motivo, para conseguir um bom casamento fora de Wilmslow.

 

— Eu nunca me casarei, Rose. Eu aceitei a proposta porque ser sua dama de companhia e deixar Cheshire era uma oportunidade única, mas não tenho a ilusão de conseguir um bom casamento na minha condição — ela balançou a cabeça.

 

— Sua condição foi remediada, Mia. Ninguém sabe o que aconteceu e nem precisam saber — eu tentei convencê-la.

 

— Um homem saberá! Quando uma mulher se deita pela primeira vez com um homem, bom… existem alguns sinais de que aquilo nunca aconteceu antes — eu observei seu rosto ficar vermelho.

 

É claro que ela sabe melhor do que eu. Eu nunca soube nada sobre esse assunto, e creio que não vivenciarei nada parecido tão cedo. 

 

— Faremos o seguinte trato então, nós duas encontraremos o amor, ou então envelheceremos juntas e sozinhas — eu a provoquei.

 

Aquele comentário fez com que Mia risse. Logo à frente, um par de cavalheiros entrou na trilha através de uma pequena trilha secundária, fazendo com que retardassemos um pouco nossos passos para nos afastar deles e manter nossa conversa em particular.

 

— Creio que seremos uma viúva e uma solteirona solitárias em alguns anos — ela retrucou — Mas é muito mais fácil que você consiga encontrar o amor, ninguém se espantará por você não ser uma donzela pura. 

 

Um besouro passou a me rodear, me incomodando. Eu tentei espantá-lo com a mão, mas foi inútil.

 

— Minha situação será exatamente o contrário, imagina a surpresa se eu me casar de novo e meu marido descobrir que nunca consumei meu antigo casamento — eu abaixei meu tom, me sentindo irritada pelo inseto.

 

Nós ficamos em silêncio, ao notar que em nosso anseio para nos livrar do inseto, aceleramos nosso passo, quase alcançando os cavalheiros a nossa frente. 

 

Foi quando eu tive a brilhante ideia de retirar a luva que usava e tentar espantá-lo com ela, mas em um movimento mal calculado, o tecido escapou dos meus dedos. Eu observei boquiaberta enquanto a luva voava em direção aos cavalheiros, e por conta da trilha ser inclinada e nós duas estarmos em um nível acima deles, o pequeno acessório aterrissou com perfeição no ombro de um deles.

 

Eu e Mia paramos de caminhar, arregalando os olhos enquanto o homem se virava, tirando a luva do ombro, antes de erguer o olhar para nós duas.

 

Senti meu rosto esquentar enquanto os dois davam meia volta e vinham em nossa direção.

 

O que eu faço!?

 

— Com licença, senhorita, mas creio que isso lhe pertence.

 

 O homem misterioso estendeu a luva para mim, fazendo com que meu coração acelerasse diante da intensidade do seu olhar, e a sua voz, algo na maneira que ele pronunciava cada palavra não me era estranha.

 

— Srtª Rinaldi, que horror. Eu sinto muito por isso, cavalheiros! — minha reação foi instantânea, fazendo com que minha dama arregalasse os olhos, mas ela não hesitou em assumir a responsabilidade, para diversão do segundo rapaz.

 

— Eu sinto muito, senhores. A culpa foi toda minha.

 

— Mesmo? Então devo assumir que a senhorita costuma sair de casa usando apenas uma das luvas, enquanto sua amiga usa três peças? 

 

Meu rosto esquentou ainda mais diante de suas palavras, sem dizer nada mais, eu peguei a luva que ele me estendia.

 

— Nós precisamos voltar, obrigada pela ajuda, senhores — Eu fiz uma breve reverência, dando meia volta e retornando apressada pelo caminho que nos levaria de volta a Goldfield Park.

 

Mia quase correu para me acompanhar, e logo que estávamos a uma distância segura, não pudemos evitar a gargalhada que surgiu em nosso interior. 

 

Eu não acreditava no que eu havia feito, e não pude evitar pensar no quanto aqueles homens eram bonitos, mas principalmente o cavalheiro que me devolveu a luva e não saía de minha mente.

 

Ele pronunciava as palavras com o mesmo sotaque de Oksana, isso que era tão familiar. Eu não podia deixar de desejar vê-lo novamente, apesar de não admitir aquilo em voz alta, nem mesmo para Mia.

 

Talvez as coisas sejam mais complicadas do que eu esperava.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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