Pássaro da Solidão escrita por Nikka fuza


Capítulo 4
Capítulo 03




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Eu senti um grito de horror crescer em meu interior, mas antes que pudesse soltá-lo, o pássaro desviou sua rota, pousando no braço estendido de Charles Hathaway. Observei boquiaberta as garras afiadas do pássaro esgarçando o tecido do paletó do senhor Hathhaway, Aquilo estava longe de parecer confortável.

 

— O que é isso? — Balbuciei ainda em choque.

 

A ave media quase meio metro, sua cabeça era semelhante a de uma coruja, mas seu corpo era desproporcional, lembrando uma águia, talvez, sua plumagem castanho-acinzentada parecia bem cuidada, e as garras, bem, não preciso dizer nada sobre elas, a não ser que eram garras!

 

— Essa é a Betsy, minha Hen Harries — ele explicou com orgulho.

 

— Sua… Hen Harries?

 

— É uma ave de rapina, é muito comum na Escócia, creio que ela possa ser considerada uma espécie de gavião — ele esclareceu, acariciando a cabeça da ave, que recebeu o carinho com satisfação.

 

Aquilo era mesmo real? eu nunca estive tão perto de uma ave daquela, pelo menos não uma viva!

 

— O senhor possui um gavião em casa? Como isso aconteceu? — Um pequeno sorriso ameaçou chegar aos meus lábios.

 

— Eu tive essa mesma reação na primeira vez que vi Betsy — Oksana garantiu.

 

— Na verdade, a senhora Hunter correu pela estufa atrás de um esconderijo — o homem confidenciou, me fazendo rir.

 

— Por pouco eu não fiz o mesmo — eu garanti, me sentindo um pouco mais confortável naquela situação.

 

— Eu a encontrei no jardim de Goldfield Park há alguns anos, estava com a asa ferida e certamente longe de casa. Eu cuidei dela até que estivesse recuperada e a soltei, mas ela não saía da janela do meu quarto. Após alguns dias, eu permiti que entrasse na casa, e ela nunca mais me deixou — ele explicou, observando a ave com carinho.

 

Aquela história me comoveu, eu alternei o olhar entre eles, sem saber ao certo como reagir.

 

— Ela vai me atacar? 

 

— Betsy é muito doce, não atacaria ninguém, você pode acariciá-la se desejar — ele garantiu.

 

Estendi minha mão de maneira hesitante, me aproximando da cabeça da ave, mas ao olhar o tamanho de seu bico, achei mais prudente acariciar seu corpo. suas penas eram macias sob meu toque, e aos poucos, me senti à vontade para subir minha mão para sua cabeça, fazendo Betsy fechar os olhos para apreciar melhor a carícia.

 

Mas, para minha surpresa, ela abriu as asas e em um movimento rápido veio em minha direção, eu senti suas garras em contato direto com a minha pele, o tecido fino do meu vestido não aliviava em nada o desconforto.

 

— Ahh meu Deus — eu choraminguei quando Betsy se empoleirou em meu ombro.

 

— Não se preocupe, ela não vai te machucar, apenas gostou de você. Não fique tão tensa — Charles garantiu.

 

Ela pode não me atacar, mas ela era pesada e suas garras estavam me ferindo, mesmo sem ter a intenção.

 

Eu decidi seguir a instrução do homem e relaxar um pouco, fazendo com que aquela interação se tornasse um pouco menos dolorosa, mas ainda não era confortável. Charles não demorou para esticar o braço em um convite silencioso para sua companheira, que logo me abandonou para voltar para ele, fazendo com que eu respirasse aliviada.

 

— Sr Hathaway, ela é adorável, eu nunca tinha ouvido falar sobre um pássaro vivendo de tal forma, o mais próximo a isso são os gaviões usados na caça — eu me ajeitei, ainda sentindo meu ombro arder, certamente teria algumas feridas ali.

 

— Caça? Não, eu jamais faria tal coisa. Eu abandonei a caça há muitos anos. 

 

O velho senhor moveu o braço, fazendo com que Betsy levantasse voo, se empoleirando em um galho próximo de onde estávamos, Charles indicou a porta com a cabeça, fazendo com que Oksana e eu passassemos a segui-lo para fora da estufa.

 

— Mas, sr Hathaway, meu pai sempre nos contou o quanto vocês gostavam de caçar juntos.

 

— Eu abandonei a caça quando conheci Pauline, srtª Mazur — ele revelou.

 

— Pauline? 

 

— A falecida Srª Hathaway, ela era a criatura mais divina e bondosa que já conheci, e ela abominava a caça, dizia que era um esporte cruel — ele contou com um sorriso saudoso no rosto.

 

— O senhor abandonou o esporte porque ela não gostava? — Eu o encarei chocada.

 

Nunca tinha ouvido sobre nada desse tipo, ainda mais em um esporte que homens costumam gostar tanto.

 

— Ahh minha querida criança, em breve algum rapaz se apaixonará por você, e você descobrirá que um alma apaixonada fará qualquer coisa pelo objeto de sua afeição — ele me lançou um olhar compreensivo — agora, se as damas me dão licença, eu devo me retirar para descansar um pouco.

 

Oksana e eu fizemos uma breve reverência para o homem, e logo após eu o observei partir, sentindo a admiração crescer em meu interior. 

 

O jantar daquela noite foi diferente dos demais, os Dragomirs decidiram se juntar a nós e o sr Hathaway não se opôs a visita. Eu me senti radiante por ter novamente a companhia da minha amiga durante o jantar, depois da refeição, as mulheres se reuniram para tomar chá na sala de estar enquanto os homens permaneciam na sala de jantar. 

 

— A senhora está gostando de Wilmslow, srª Hunter? — Rhea Dragomir perguntou enquanto bebericava sua xícara de chá.

 

— Ahh sim, é um lugar encantador, eu sempre apreciei muito o campo, apesar de já ter passado algumas temporadas em Londres com minha antiga senhora — Oksana garantiu.

 

— Ahh Londres é um lugar magnífico, eu gostaria de levar Vasilisa até lá mais vezes — Rhea suspirou.

 

Foi quando a conversa tomou o rumo superficial que sempre tomava quando estávamos entre damas da sociedade. Nos últimos dias eu vinha me acostumando a ter mais liberdade para perguntar para o sr Hathaway os mais variados tipos de assunto. Ele, assim como o Sr Hunter e Oksana, sempre tiravam todas as minhas dúvidas sem me repreender, e até mesmo meus pais não estavam mais se importando com minha curiosidade, talvez considerassem isso algo inofensivo entre conhecidos.

 

Eu me levantei, indo até uma das janelas, observando a escuridão do lado de fora, ignorando o assunto sobre Londres, até que a voz alarmada de Rhea chamou minha atenção de volta para o grupo.

 

— A quem você se refere? André não tem nenhuma jovem dama em vista para um casamento! 

 

Eu me virei, observando a mulher que encarava a Srª Hunter com uma expressão atônita.

 

— Mesmo? Eu o vi tantas vezes com uma jovem na cidade, que pensei que o noivado já era certo — ela respondeu antes de bebericar sua xícara de chá.

 

Minha mãe me lançou um olhar significativo, e eu devolvi como um aviso, mas ela me ignorou.

 

— Eu não sei a que jovem você se refere, mas certamente foi impressão, nós já conversamos com ele, e saberíamos qualquer pretensão a um casamento — Rhea assegurou.

 

Minha mãe me lançou outro olhar e eu soube que não teria como impedir ela de se envolver naquele assunto, e ouvindo aquela resposta, talvez fosse melhor, André foi bem criado e deve saber que não deve comprometer os sentimentos de uma jovem com quem ele não tem intenção de concretizar plano algum, isso faria dele o pior tipo de patife.

 

— Eu não acho que seja impressão, Rhea. Rose e eu já notamos o quanto ele está próximo da Srtª Rinaldi, se ele não tem nenhum interesse nela, deveria se afastar antes que comprometesse os sentimentos da moça e a levasse ao mais completo escárnio! — minha mãe avisou, recebendo um olhar alarmado da amiga.

 

— A Srtª Rinaldi, impossível! André é um jovem responsável, jamais submeteria a família a uma desgraça assim! — Rhea garantiu.

 

Lissa se limitava a alternar o olhar entre nós, sem saber o que deveria ou não dizer a respeito da situação.

 

— Ele não é tão responsável se tem jogado com os sentimentos de uma jovem inocente, ainda mais com uma situação familiar tão vulnerável — eu decidi dar minha opinião.

 

— Srtª Mazur, meu filho é um rapaz honrado, ele não faria isso! E eu tenho quase certeza que ele pensa que a senhorita é a companheira ideal para ele, apenas está aguardando a hora certa para pedi-la em casamento — Rhea garantiu, na tentativa de me tranquilizar.

 

— Srª Dragomir, na última reunião na casa da Srª Petrov ele dançou com a Srtª Rinaldi duas vezes! Se ele não está apaixonado e não pretende nenhum tipo de compromisso, ele está assumindo o risco de lançá-la na mais absoluta desgraça com as expectativas de um amor desfeitas — acabei levando a voz, ignorando a menção dela a um provável compromisso entre André e eu.

 

Aquela frase havia me afligido, eu sempre soube que me casaria por conveniência, e se ele chegar a fazer o pedido, não teria coragem de recusá-lo, mas eu esperava que pudesse no mínimo respeitar o meu companheiro, mas como isso pode ser se ele agir de forma tão vil com uma jovem indefesa?

 

— Isso tudo foi um grande mal entendido, Srtª Mazur, meu filho provará — ela garantiu.

 

Eu estava prestes a lhe dizer que homem algum dança tantas vezes com uma única jovem em uma noite por conta de um mal entendido, mas a chegada dos cavalheiros cortou nosso assunto. 

 

O Sr Hathaway não hesitou em me pedir que tocasse um pouco de piano, e no fim, Vasilisa e eu alternamos no instrumento, entretendo todos os presentes e aquele assunto foi momentaneamente esquecido.

 

Para meu contentamento, não demoramos muito para partir, eu tinha passado o dia em Northwich Hall com Oksana e me sentia desejosa pela minha cama. 

 

Aquela rotina se repetiu por alguns dias, eu me via cada vez mais próxima dos habitantes de Northwich Hall, e eles também pareciam estar cada vez mais entrosados em nossa comunidade.

 

Mas nos dias que seguiram aquela reunião, nós notamos que André havia se afastado de Mia Rinaldi. Eu não sabia bem o que aquilo significava, talvez ele realmente não tivesse percebido o quanto estava comprometendo os sentimentos da moça e decidiu se afastar antes que algum dano mais sério fosse causado.

 

Pelo menos foi o que pensei, até alguns dias depois. Oksana e eu estávamos caminhando juntas por Wilmslow quando uma pequena jovem da escola para damas que tinha ali perto, chamou nossa atenção.

 

— Srª Hunter, A srª Spencer pediu que eu lhe chamasse imediatamente — ela declarou ofegante.

 

— Por Deus, qual o problema? 

 

— Uma das garotas não está se sentindo bem desde manhã, a Srª Spencer te viu caminhando e disse que a senhora poderia ajudá-la.

 

Nós trocamos um rápido olhar antes de seguir a garota. Não demoramos até chegar a propriedade onde ficava a escola. A garota nos guiou pelos corredores até que encontramos a Srª Spencer.

 

— Srª Hunter, que bom que Judy te alcançou, eu não sei mais o que fazer!

 

— O que aconteceu?

 

— A Srtª Rinaldi, ela está assim desde a madrugada, nunca teve um período tão intenso! — ela indicou que a seguíssemos, parecendo não dar atenção à minha presença.

 

Nós subimos por uma escada e logo a Srª Spencer abriu uma porta, permitindo nossa entrada. A cena a seguir me chocou por um momento. Mia estava pálida, encolhida em cima da cama com uma expressão de dor, enquanto os lençóis, antes brancos, estavam cobertos de sangue.

 

— Por Deus, esse lençol foi trocado um pouco antes de chamá-la, Srª Hunter. Ela nunca teve um período tão difícil quanto esse em seus dias de mulher!

 

Eu congelei próximo à porta, já tinha visto aquela cena muitas vezes, mais vezes do que eu gostaria com a minha mãe e todas as crianças que ela perdeu depois do meu nascimento.

 

Oksana se aproximou da jovem, a examinando enquanto eu permanecia em meu lugar, incapaz de me mover.

 

— Srª Spencer, Por favor, traga-me algumas toalhas e as ervas que a srª tiver na casa — Oksana pediu, tirando a mulher do quarto.

 

Após esperar alguns segundos, ela indicou que eu fechasse a porta, nos dando alguma privacidade por poucos minutos.

 

— Ahhh minha querida, quem fez isso com você? 

 

Oksana se sentou na beira da cama, tentando descobrir alguma informação, mas Mia se limitou a se encolher, desviando o olhar, parecendo se esforçar para não chorar.

 

Em minha mente, um único nome gritava, mas eu não queria acreditar que ele pudesse ser tão vil. Não a esse ponto!

 

— Foi o jovem Dragomir? Eu os vi juntos muitas vezes — Oksana insistiu, parecendo pensar o mesmo que eu.

 

As lágrimas que a pobre dama passou a derramar incessantemente foram a confirmação silenciosa para nossa suspeita. 

 

Eu senti meu sangue esquentar diante daquela informação. Como ele pôde ser tão baixo?

 

— Você contou a ele? — Oksana insistiu.

 

— Eu o procurei ontem, mas André se recusou a falar comigo — Sua voz era fraca e trêmula — ele disse que eu não deveria voltar a me aproximar, porque ele iria se casar!

 

Aquela notícia nos pegou de surpresa, Oksana me lançou um olhar de alerta, mas não pude me conter.

 

— Se casar? Com quem? 

 

O olhar chocado de Mia se prendeu em mim, parecendo só então notar a minha presença.

 

— O que você faz aqui? O que ele fez já não foi o bastante? Agora você também virá zombar de mim? — ela tentou se sentar, me lançando um olhar raivoso.

 

— Zombar? Mia, eu jamais…

 

— Você já o tem, me deixe em paz!

 

Eu continuei boquiaberta enquanto aquela frase fazia sentido em minha mente. 

 

— Tire ela daqui, eu não posso suportar mais — Mia choramingou fazendo Oksana me lançar um olhar de alerta.

 

Eu não falei nada, me limitei a sair do quarto, me apressando pelos corredores, quase trombando com a Srª Spencer ao chegar na escada.

 

— Srtª Mazur, está tudo bem? 

 

Eu não respondi, corri para fora daquele lugar o mais depressa possível, tudo o que eu descobri girava em minha mente cada vez mais, me deixando nauseada com a simples possibilidade de me ver obrigada a me casar com um homem daquela índole.

 

Voltei direto para casa, me trancando em meu quarto pelo restante da tarde, derramando por fim todas as lágrimas que eu necessitava derramar. O que eu faria? Sei que meu pai aprova essa união e pode me obrigar a me casar com André, principalmente se eu não tiver nenhuma outra proposta em vista.

 

Eu poderia recusar, e me arriscar com minha própria sorte, mas isso poderia expor minha família ao ridículo e terminar de vez com todas as minhas chances de deixar de ser um peso para meus pais. 

 

Eu passei a tarde daquela maneira, presa em um mar de indecisões até que minha mãe veio me avisar que era o momento de partir para Northwich Hall. Eu cheguei a considerar a hipótese de fingir alguma doença para não sair de casa, mas eu queria ter a chance de conversar a sós com Oksana e decidit o que fazer a seguir.

 

Mas, para meu descontentamento, aquele foi um dos dias em que os Dragomirs decidiram se juntar a nós para o jantar. Eu não conseguia comer, revirei o alimento em meu prato, sentia náuseas cada vez que me imaginava como esposa daquele rapaz, e sentia meu mundo afundar a cada insinuação sobre aquele compromisso, já dado como certo por todos, principalmente diante do olhar de aprovação do meu pai.

 

Eu devo contar a eles, meus pais não me obrigarão a aceitar tal imoralidade em meu futuro marido, certo? Apesar da amizade de longa data entre as duas famílias, a integridade e honra do meu pai não permitiria essa atrocidade. 

 

Ou permitiria? 

 

Mais uma vez me peguei pensando em minha situação. Seria um desgosto sem fim se a única filha terminasse como uma solteirona!

 

Talvez não seja tão ruim, eu sempre teria Vasilisa ao meu lado, e viveria perto de tudo o que eu conheço. Eu teria que me deitar com ele apenas para lhe dar algum herdeiro, eu sou forte, posso lidar com isso!

 

— Srtª Mazur, a senhorita está tão calada hoje — André dragomir chamou minha atenção, quando já estávamos reunidos na sala de estar, fazendo com que eu erguesse a cabeça para encará-lo, sentindo mais uma vez aquela onda de náusea me atingir.

 

Por Deus, eu vou me casar com um homem que eu desprezo!

 

— Sim, ela esteve calada durante todo o jantar, o que não é algo habitual — O Sr Dragomir comentou.

 

— Ela está pálida, talvez precise de um pouco de ar fresco, André deveria acompanhá-la — Lissa sugeriu com um sorriso repleto de cumplicidade em seu rosto.

 

Ela pensa estar me fazendo algum tipo de favor, quando na verdade, é exatamente isso que está me deixando doente!

 

— Srtª mazur, não me diga que o mal estar que a senhorita sentiu antes retornou? — Oksana veio ao meu socorro ao ver o rapaz começar a se levantar.

 

— Mal estar? — O sr Hunter se levantou imediatamente e eu sentia o olhar do senhor Hathaway sobre mim.

 

— Não é nada grave, meu querido Sr Hunter. Eu tenho o medicamento que lhe dei mais cedo e ela ficará bem, certo, senhorita Mazur? — A mulher se levantou, oferecendo a mão para que eu a acompanhasse.

 

A atenção de todas as pessoas da sala estavam sobre nós, eu me levantei, agradecida por sua interferência.

 

— Rose, eu vou com você — Minha mãe se levantou.

 

— Não é necessário, srª Mazur, eu trarei sua filha renovada em alguns minutos, prometo — Oksana garantiu. 

 

Nós saímos da sala antes que qualquer um protestasse sobre nosso plano, caminhando apressadas em direção a estufa do sr Hathaway. 

 

A cada passo que eu dava, me sentia livre para deixar todos aqueles sentimentos ruins que estavam presos dentro de mim virem à tona.

 

— Por favor, tragam uma taça de vinho para a senhorita — Oksana pediu a um criado antes de me levar para dentro da estufa.

 

Ela puxou uma cadeira, fazendo com que eu me sentasse, enquanto eu permitia que as lágrimas corressem livremente por meu rosto.

 

— Eles me obrigarão a me casar com aquele patife — eu solucei.

 

— Minha querida, você não pode ser obrigada, você tem o poder de recusá-lo — ela tentou me consolar.

 

Mas ela não entendia, como poderia? Ela não estava familiarizada com todas as regras ocultas que regiam Wilmslow. 

 

— Eu não poderia, nossas famílias são tão próximas e todos já aprovaram nosso relacionamento. Eu sequer fui consultada! 

 

— Mas…

 

— Se eu recusá-lo e não obtiver mais nenhuma proposta, nossa família seria lançada na desgraça — voltei a soluçar.

 

— Mas você não o ama, minha querida.

 

senti as mãos de Oksana acariciar minhas costas.

 

— Amor nunca foi um problema, eu sempre tive consciência que me casaria por conveniência e não por amor — eu solucei — Mas eu esperava que eu pudesse respeitar o homem com quem eu me casasse, e ao invés disso, eu o desprezo! 

 

Eu me levantei em um pulo quando a porta foi aberta de repente, revelando o sr Hathaway. Ele nos analisou antes de caminhar em nossa direção com uma expressão séria.

 

— Sr Hathaway, eu sinto muito vir até aqui, eu voltarei para junto de todos — Eu forcei um sorriso, limpando meu rosto depressa.

 

— Fique onde está, minha criança — ele impediu que eu retomasse meu caminho.

 

Eu alternei o olhar entre ele e Oksana, mas sabia que não poderia desobedecer uma ordem direta do dono da casa.

 

— Sim, senhor.

 

— Perdoem minha intromissão, mas eu ouvi parte da conversa de vocês. A senhorita não deseja se casar com o jovem Dragomir? — Ele me encarou.

 

Por um momento eu pensei em mentir, meu rosto estava vermelho e eu não sabia como responder aquilo sem me encrencar.

 

— Por favor, srtª Mazur, seja honesta comigo.

 

E com uma simples frase, ele me desarmou por completo.

 

— Não senhor, eu não desejo me casar com ele! — procurei manter minha voz firme, enquanto olhava em seus olhos claros, sem saber definir os sentimentos contidos ali.

 

— Você tem certeza? Ele é um bom partido, um cavalheiro jovem de boa família, com uma fortuna considerável, é tudo o que uma jovem dama almeja — ele me analisou.

 

Eu desviei o olhar, era tolice pensar que ele me entenderia.

 

— Ele pode ser um jovem de boa família, mas está longe de ter a honra de um cavalheiro — eu soltei entre dentes.

 

Por um momento, ele apenas me observou, parecendo ponderar sobre o que fazer.

 

— A Senhorita deseja uma saída para essa situação? — ele me encarou.

 

Eu pisquei atordoada sem saber o que responder.

 

— Eu poderia negar o pedido, Sr Hathaway, mas eu conheço a minha responsabilidade com a minha família — eu respirei fundo, mantendo minha cabeça erguida.

 

Oksana se mantinha em silêncio, apenas observando a nossa interação.

 

— Sr Hathaway, eu não tenho alternativa…

 

— Sim, você tem. Torne-se a Srª Hathaway — Ele propôs, me deixando boquiaberta.

 

Oksana parecia ter sido pega de surpresa tanto quanto eu, ela começou a esboçar uma resposta que logo foi interrompida por seu patrão.

 

— Fique onde está, srª Hunter, eu quero que isso tenha testemunhas — ele pediu.

 

Eu não sabia o que responder. Me casar com um homem da idade do meu pai parecia ser uma loucura maior do que aceitar o pedido de André, apesar que o sr Hathaway com certeza era mais honrado que ele!

 

— Sr Hathaway, eu…

 

— Antes que a senhorita responda, eu peço que ouça tudo o que eu tenho a dizer — Ele me interrompeu.

 

Eu me limitei a acenar com a cabeça, me sentindo incapaz de emitir qualquer palavra.

 

—Quando minha Pauline faleceu, eu lhe prometi que nunca teria outra mulher, eu lhe garanti que ela seria a única.

 

— Eu não posso permitir que quebre essa promessa por mim, senhor — eu lhe interrompi.

 

— Eu não quebrarei minha promessa, senhorita Mazur. Mas ouça-me, Eu não tenho herdeiros, minha fortuna não é alienada, você ficaria com tudo, mesmo sem nenhum filho, eu tenho apenas uma coisa a lhe pedir, minha criança.

 

— O que? — por um momento, eu temi a resposta daquela pergunta.

 

— Companhia — ele respondeu com simplicidade.

 

Oksana cobriu a boca com uma das mãos, abaixando a cabeça, parecendo afetada por aquela resposta.

 

— O que isso significa? 

 

— Eu tenho vivido sozinho pelos últimos anos, Srtª Mazur. Eu não tenho família e sei que o sr e a Srª Hunter desejam um pouco mais de liberdade sem ter que ficar presos a mim.

 

— Sr Hathaway, isso não é…

 

— Meu tempo está acabando, eu não quero passar meus últimos dias sozinho, e a senhorita tem sido uma boa companhia — ele garantiu.

 

Levou apenas alguns segundos até que suas palavras fizessem sentido em minha mente.

 

— O sr Hunter estima que o sr Hathaway tenha apenas alguns meses de vida — Oksana explicou.

 

Eu olhei para o homem chocada, finalmente compreendendo toda a dimensão de sua proposta.

 

— Diante da senhora Hunter, eu garanto que não possuo qualquer interesse romântico e a senhorita não terá dever nenhum comigo — Ele enfatizou.

 

— Por que o senhor está fazendo isso por mim? 

 

Charles respirou fundo, passando a caminhar de um lado para o outro da estufa.

 

— Quando minha irmã contraiu a febre, meu pai tinha acabado de selar seu noivado com um jovem nobre de Londres, ele não deu a ela nenhum poder de escolha — o homem narrou — em seu leito de morte, suas últimas palavras foram em agradecimento por se livrar daquele terrível destino. 

 

Eu abaixei a cabeça, sentindo o pesar de suas palavras. O casamento era uma opção tão terrível que a fez ansiar pela morte?

 

— Eu não pude fazer nada por ela, mas posso fazer por você, a senhorita não deve se casar com um homem que a senhorita despreza — Ele insistiu.

 

Por um momento eu pensei em minhas opções e o quanto aquela proposta seria vantajosa para mim, e principalmente, me livraria do destino de me tornar esposa de André Dragomir.

 

— Eu aceito — Decidi por fim.

 

 

 


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