Pássaro da Solidão escrita por Nikka fuza


Capítulo 2
Capítulo 01


Notas iniciais do capítulo

Boa noite meus amores, estou trazendo mais uma fanfic fresquinha para vocês, espero que gostem



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— O dia está tão bonito hoje — Vasilisa comentou enquanto caminhávamos pelas ruas da cidade.

 

Eu não tinha demorado para chegar a Dragonfly Park, e Lissa logo me arrastou em direção à cidade para cumprir a tarefa que sua mãe havia lhe incumbido.

 

— De fato está agradável, quando vi o céu tão azul logo pela manhã, não hesitei em pegar o chapéu e sair — comentei com um sorriso, observando a cesta de morangos que eu carregava — Por que a Srª Kirova precisa de tantas frutas?

 

Nós estávamos carregando duas cestas de frutas diversas e levaríamos para uma velha senhora da cidade a pedido da Srª Dragomir. Ellen Kirova era uma solteirona que vivia em Wilmslow, ela havia herdado cerca de duas mil libras quando seu pai faleceu há muitos anos atrás, com o valor ela conseguiu alugar um local e viver de maneira confortável até hoje.

 

Talvez eu devesse me aproximar e pedir algumas dicas a ela, esse pode ser o meu futuro em alguns anos.

 

— Há cerca de duas quinzenas atrás a senhora Kirova enviou para minha mãe um pote de geleia de presente, e foi sem dúvida a geleia mais deliciosa que já provamos, então, minha mãe prometeu que lhe enviaria algumas frutas para que ela pudesse fazer mais — Lissa explicou.

 

— Por que nós nunca ganhamos geleias? — eu franzi o cenho.

 

— Não sei, talvez minha mãe seja mais íntima da senhora Kirova — minha amiga ponderou.

 

— Nós sempre a convidamos para o chá, aguentamos as queixas dela por horas, o mínimo que merecemos é um pouco de geleia — eu murmurei descontente. 

 

Vasilisa riu de minha indignação, ela ergueu o rosto para observar o céu azul, suspirando após alguns segundos.

 

— Elas eram todas amigas.

 

— O que? — franzi o cenho, sem deixar de caminhar.

 

— Nossas mães, a senhora Kirova, a Senhora Petrov. Elas eram amigas.

 

Fiquei pensativa por alguns segundos, deixando apenas o som de nossos sapatos esmagando folhas na beira da estrada soar entre nós enquanto buscava algum sentido naquele comentário.

 

— Sim, elas cresceram juntas, se estabeleceram e continuam amigas, apesar de nós não recebermos nenhuma geleia — lhe lancei um olhar confuso, com um pequeno sorriso estampado no rosto.

 

Eu não compreendia onde ela queria chegar com um assunto tão aleatório.

 

— Você acha que seremos assim um dia? 

 

— É claro que sim.

 

Aquela resposta parece ter animado minha amiga, que logo passou a divagar, suspirando ao meu lado.

 

— Nossos filhos crescerão juntos, serão amigos e…

 

— Eu acredito que ocuparei o lugar da Srª Kirova, provavelmente devo aprender a fazer geleias em breve — eu a interrompi, recebendo um olhar chocado em troca.

 

— Rosemarie Mazur, você não deve brincar com isso, é um destino terrível! — Vasilisa ralhou comigo.

 

Eu sabia o quanto a simples alusão àquele assunto afligia minha amiga, mas eu gostava de ser realista em relação a minha própria condição de vida.

 

Assim que meu pai morresse, minha mãe e eu receberíamos cerca de três mil libras como herança, e teríamos que deixar nossa propriedade, carruagens, tudo o que no momento nos pertencia para um completo estranho.

 

A maneira mais eficiente de evitar a nossa ruína financeira seria se eu conseguisse um bom casamento, eu não tinha nenhuma proposta em vista e meu pai não estava ficando mais jovem.

 

Sem um casamento, na melhor das hipóteses eu deixaria a minha vida para me tornar governanta ou tutora em alguma família longe de minha casa.

 

— Você é de longe a mais bela jovem da região, vai conseguir um bom casamento — ela garantiu.

 

— E ainda assim não tenho nenhuma proposta.

 

Eu interrompi minha frase quando o som de cavalos surgiu atrás de nós. Nós duas nos viramos, parando de caminhar, arregalando os olhos diante do comboio de carruagens que seguia pela estrada. 

 

— Minha nossa, a Srª Tanner eu terá muito trabalho na pousada — Vasilisa segurou seu chapéu para que não voasse enquanto cinco grandes carruagens passavam por nós.

 

— Parece que teremos um grande acréscimo a nossa sociedade — eu comentei observando as carruagens que se afastavam a um ritmo considerável.

 

Nós duas nos entreolhamos antes de começar a correr gargalhando em direção a entrada da cidade, que ficava a uma curta distância de onde estávamos.

 

— Talvez seja uma grande família com muitos filhos — Vasilisa gritou enquanto corríamos.

 

— Nós devemos chegar à pousada enquanto estiverem se instalando, então poderemos ver se tem algum pretendente adequado entre eles — eu devolvi com diversão.

 

— Rose, imagina só, nós podemos nos tornar irmãs — Lissa soltou empolgada.

 

Aquela era uma possibilidade, principalmente se fosse de fato uma família com jovens irmãos na idade de se casar e…

 

Eu parei de correr, franzindo o cenho ainda observando as carruagens.

 

— Qual o problema? — Lissa também parou, se virando para mim.

 

— Passaram da entrada da cidade, não estão indo para a pousada — eu apontei.

 

Aquilo não fazia sentido, era um comboio muito grande para ir para a casa de uma das famílias da região e a pousada Tanner era a única de Wilmslow.

 

— Será que estão indo para a casa dos Ashford? — Lissa ponderou.

 

Eu esperei mais alguns segundos antes de responder.

 

— Não, teriam que virar a direita, aquele caminho…

 

Nós duas nos entreolhamos mais uma vez, voltando a correr em seguida. Demoramos menos de cinco minutos até chegar à pousada, encontrando a Srª Tanner logo na entrada. Sonya Tanner era uma mulher de cerca de trinta anos de idade, que tinha se casado com o Mikail Tanner um pouco antes dele herdar a pousada da família.

 

— Srª Tanner, Srª Tanner — Lissa começou ansiosa.

 

— Garotas, o que aconteceu? — ela perguntou alarmada.

 

— Por favor, o que a senhora sabe? — Eu supliquei por alguma informação.

 

— Eu sei de muitas coisas, minha querida, você terá que ser mais específica — ela achou graça de nossa afobação.

 

— Nós estávamos na estrada e cinco carruagens passaram por nós e foram em direção a Nothwich Hall — eu expliquei, recebendo um olhar surpreso em troca.

 

— Cinco? Para Nothwich Hall? — a pobre mulher estava atônita.

 

Nothwich Hall era um mistério para toda a nossa pacata comunidade, era de longe a maior e mais luxuosa propriedade da região, mas nós nunca vimos uma única pessoa viver ali. O caseiro da propriedade, um dos únicos funcionários que conheceram a família Hathaway, garantiu que a família se mudou para Kent há muitos anos e nunca retornou.

 

— Eu sinto muito, minhas queridas. Eu sei sobre muitas coisas, mas não sei nada sobre esse assunto — ela nos ofereceu um sorriso repleto de simpatia antes de entrar na pousada.

 

E agora? Quem poderia obter uma informação desse tipo?

 

— A srª Petrov — Lissa arregalou os olhos.

 

Sim! A velha viúva Petrov sabia todas as novidades do condado, se ela não soubesse nada sobre esse assunto, ninguém saberia!

 

Nós não precisamos verbalizar o que se passou em nossa mente antes de voltar a correr em direção à casa da Srª Petrov.

 

— Minhas jovens, damas tão sofisticadas não deveriam correr pelas ruas dessa maneira — o reverendo Andrews ralhou ao nos encontrar.

 

Nós diminuímos nosso passo, fazendo uma breve reverência para o homem.

 

— Nós sentimos muito, Sr Andrews, isso não vai se repetir — Lissa mentiu, já que assim que ele deu as costas, nós voltamos a correr feito duas crianças.

 

Todo nosso esforço não foi totalmente em vão, Alberta Petrov de fato tinha algumas informações, mas estavam longe de serem satisfatórias. 

 

Já era quase o fim da tarde quando retornei para casa, me sentindo frustrada pelo pouco que consegui reunir. Eu permaneci em minha sala de pintura procurando me entreter com um quadro até que o jantar fosse servido.

 

Me sentei à mesa com meus pais, e não demorou para me tornar o assunto principal da refeição.

 

— Eu não te vi durante o dia, Rose — meu pai comentou despreocupado se ocupando do peixe em seu prato.

 

— Ela foi até Dragonfly Park logo pela manhã, certo Rose? — minha mãe respondeu por mim.

 

— Eu decidi fazer uma visita a Vasilisa e depois nós caminhamos até Wilmslow a pedido da Srª Dragomir para entregar algumas frutas para a Srª Kirova — eu relatei.

 

— Rhea Dragomir não poderia pedir para uma criada levar as frutas? — minha mãe parecia incomodada com a informação.

 

O orgulho de minha mãe era equivalente ao seu medo por nosso destino, ela sempre pensava que as pessoas me viam apenas como uma futura criada por conta da herança alienada de meu pai.

 

— A senhora sabia que a Srª Kirova presenteia os Dragomirs com geleias? — Procurei mudar um pouco o foco.

 

— Geleias? Nós nunca recebemos geleias! 

 

Bom, pelo menos agora ela não está com raiva por terem me feito de criada.

 

— Isso é porque nós somos capazes de comprar nossas próprias geleias, minha querida — meu pai decidiu interferir.

 

Meu pai era extremamente paciente, enquanto minha mãe, bem, ela era o oposto disso, estava sempre buscando alguma ofensa oculta em tudo, certa de que todos a desprezariam a partir do segundo que tivéssemos que deixar nossa casa.

 

Por um segundo eu me senti culpada por alimentar sua paranóia, mas confesso que me divertia ao ver a interação entre os dois.

 

— Nós a convidamos sempre para tomar chá, jogar cartas e jantar, e ainda assim os Dragomirs são os que recebem mimos. Onde está nossa recompensa? — minha mãe reclamou.

 

— Esse é o espírito da caridade, minha querida srª Mazur, nós não recebemos recompensa — meu pai garantiu, iniciando um pequeno embate entre meus pais.

 

— Tolice — minha mãe murmurou.

 

— Mas essa não foi a única novidade que descobri hoje — decidi mudar o assunto, ansiosa por compartilhar a maior novidade do dia. 

 

Aquela frase atraiu a atenção imediata da minha mãe, enquanto meu pai se limitou a erguer os olhos em minha direção.

 

— E o que mais você descobriu, Rose? A senhora Petrov está presenteando o reverendo Andrews com suas famosas tortas de abóbora? — ele desdenhou.

 

— Não seria uma má ideia, os dois são viúvos e poderiam formar um belo casal — eu ponderei.

 

— Eu desconhecia esse seu espírito de casamenteira, Rose.

 

— Eu não tenho espírito de casamenteira, principalmente quando eu não consegui um marido ainda — balancei a cabeça em negativa, ignorando a provocação da minha mãe.

 

— De qualquer forma, eu duvido que a senhora Petrov e o Sr Andrews estejam interessados um no outro, então, qual a novidade? — ela voltou sua atenção para as batatas em seu prato.

 

— Os Hathaway voltaram a Wilmslow — eu declarei.

 

Eu sabia que aquela notícia atrairia a atenção dos dois, era uma grande mudança em nossa pacata sociedade, minha mãe me encarou com uma expressão atônita enquanto meu pai deixou os talheres sobre o prato.

 

— Você disse os Hathaway? — ele balbuciou.

 

— Você tem certeza? Essa família partiu há muitos anos — minha mãe buscou confirmação.

 

A família Hathaway era uma lenda em Wilmslow, eles foram por muito tempo a família mais rica e influente da região, então, um dia, simplesmente decidiram deixar o condado de Cheshire e passar a viver em Kent, deixando a grande propriedade de Nothwich Hall Sevazia.

 

— Vasilisa e eu estávamos caminhando até Wilmslow quando cinco grandes carruagens passaram por nós na estrada e seguiram o caminho de Nothwich. Nós duas perguntamos para algumas pessoas e a Senhora Petrov garantiu que o senhor Jones lhe contou que os Hathaway voltariam a ocupar Northwich — eu relatei tudo o que havia descoberto durante a tarde.

 

— Isso será um grande acréscimo à nossa comunidade, os Hathaway partiram há tantos anos que sequer me lembro deles — Minha Mãe comentou, voltando sua atenção para sua comida.

 

— Eu os conheci — Ibrahim declarou com simplicidade, atraindo nossa atenção imediata.

 

Meu pai era um pouco mais de dez anos mais velho que minha mãe e os dois sempre viveram em Wilmslow, mas aquela informação não deixou de nos surpreender.

 

— Meu caro senhor Mazur, o senhor nunca me contou nada sobre esse assunto.

 

— De fato, eu nunca pensei ser um assunto relevante, mas eu cresci com Charles Hathaway. 

 

Como foi a juventude do meu pai? Por um momento eu me peguei presa naquele pensamento, imaginando-o como um jovem cavalheiro se divertindo em bailes e cortejando belas jovens.

 

— Por favor pai, o senhor deve nos contar tudo o que sabe sobre os Hathaway.

 

Ele alternou o olhar entre minha mãe e eu, soltando uma pequena risada diante de nossa expressão ansiosa.

 

— Eu não poderia negar esse pedido. Os Hathaway eram uma família pequena e bem abastada. Eles tinham dois filhos, Charles e Caroline Hathaway. Charles tinha a minha idade, era um jovem muito bem instruído, Caroline era apenas uma criança, mal tinha completado dez anos quando a família partiu de Wilmslow.

 

De fato parecia uma boa família, por que um sumiço tão misterioso?

 

 

— Por que partiram? 

 

— Os pais acreditavam que a vida em Kent seria mais apropriada para o futuro dos filhos, eles eram bem relacionados, mas ambicionavam mais, Caroline estava sendo preparada para conquistar o coração de algum cavalheiro com título, talvez um conde ou um duque — meu pai explicou.

 

Então esse foi o motivo, deixaram toda a vida para trás para conseguir um bom casamento para os filhos. Aquilo apenas me fez pensar em minha própria responsabilidade em conseguir um bom casamento. Eu já estava em idade de me casar, sempre busquei me aprimorar em todas as artes possíveis para me tornar uma esposa atrativa, mas nunca pensei em deixar meu lar.

 

— E ela conseguiu um bom casamento? — eu questionei.

 

— Eu não sei dizer, a última vez que soube sobre os Hathaway, foi quando vi a notícia do casamento de Charles com uma jovem herdeira, isso foi há no mínimo trinta anos — ele balançou a cabeça, voltando a comer.

 

— Nesse caso, meu caro, você deve visitá-lo imediatamente e renovar essa amizade, isso pode beneficiar Rose de inúmeras maneiras — minha mãe instruiu.

 

Eu eu sabia bem a que ela se referia, as chances do senhor Hathaway ter um filho da minha idade eram grandes, meu pai sendo um antigo amigo poderia significar uma boa aliança.

 

********

 

Minha mãe e eu caminhávamos lado a lado pelas ruas de Wilmslow no dia seguinte ao retorno dos Hathaway ao condado, meu pai tinha saído cedo, garantindo que visitaria seu antigo amigo, nos deixando na cidade antes de seguir para Northwich hall.

 

— O que você me diz de novas luvas? — Minha mãe apontou uma loja.

 

— A senhora vai pagar? Eu não quero gastar o meu dinheiro — eu devolvi, recebendo em troca um olhar astuto.

 

— Você deveria ser menos avarenta, seu pai lhe dá uma boa quantia todo mês — ela zombou.

 

— Bom, eu estou economizando para o caso de não conseguir um casamento e acabar virando uma velha solteirona como a Senhora Kirova, eu não sei fazer geleias para vender.

 

— Não seja tola, em breve você conseguirá um bom partido — minha mãe me encorajou.

 

Eu preferi não responder seu comentário, me contentando em caminhar ao seu lado.

 

— Querida, há inúmeros rapazes nessa região, alguém se interessará por você, não há ninguém nesse condado que seja tão bela, esforçada e inteligente quanto Rosemarie Mazur — ela Insistiu.

 

— Mamãe, sejamos honestas, não há tantos rapazes assim na região, mas eu realmente não me importo, creio que possamos viver uma vida confortável com o dinheiro que receberemos. 

 

 O centro da cidade estava bastante movimentado, Janine olhou em volta, antes de indicar com discrição um rapaz saindo de um dos prédios.

 

— Olhe, o Sr Ashford, ele tem quase a sua idade e é um rapaz muito bonito.

 

— Exatamente, ele tem quase a minha idade, ele ainda não pode sustentar uma família, é o mais novo de três irmãos e não estará apto para o casamento por um bom tempo — eu devolvi.

 

— O senhor Melrose é o único homem entre três filhos, e é o mais velho — minha mãe fez mais uma tentativa.

 

Minha atenção voltou para o rapaz de cabelos cor de areia e olhos cor de mel que caminhava ao lado do amigo Mason Ashford.

 

— Ele poderia ser uma boa opção, mas nunca olhou para mim, nós nunca sequer dançamos juntos e a senhora sabe que eu não poderia sugerir que nós nos casassemos — eu expliquei com diversão.

 

Foi quando avistamos André Dragomir em meio a multidão.

 

— Se esse é o caso, eu tenho a solução perfeita, você deveria se casar com André Dragomir, ele está ajudando o senhor Dragomir com os negócios da família e você seria irmã da Vasilisa — minha mãe sussurrou, parando de caminhar para que pudéssemos observá-lo melhor.

 

Eu não podia negar a beleza do rapaz e o fato de me ligar a minha melhor amiga para sempre seria um benefício adicional.

 

— Eu vou conversar com a Rhea, eles já estão buscando uma esposa adequada para ele, não sei como não pensei nisso antes — minha mãe prosseguiu.

 

Foi quando eu notei o motivo de nunca ter pensado na possibilidade, uma pequena figura de cabelos loiros e traços delicados se aproximou do rapaz.

 

— Mãe, isso não daria certo.

 

— Como não? É a situação perfeita, Vocês se conhecem há muito tempo, nossa família são íntimas, e, apesar de nossa situação desfavorável nós somos da mesma classe social, seria uma honra para ele ter uma Mazur como esposa — Janine garantiu com um sorriso satisfeito no rosto. 

 

É claro que ela não compreendia, ela não tinha visto o que eu tinha, ou pelo menos ainda não tinha notado os sinais.

 

— É um bom plano, mas eu tenho quase certeza que em breve ele pedirá a senhorita Rinaldi em casamento.

 

Aquela informação surpreendeu minha mãe, ela imediatamente me lançou um olhar alarmado parecendo descrente do que eu havia acabado de lhe contar.

 

— A senhorita Rinaldi? Você deve estar enganada, André Dragomir jamais se envolveria em um relacionamento tão imprudente — minha mãe garantiu em um tom baixo.

 

— Não acho que esteja, basta observá-los bem, os dois estão sempre juntos e na última reunião na casa da senhora Petrov, eles dançaram duas vezes — eu insisti.

 

Minha mãe voltou sua atenção para o jovem casal, arregalando os olhos após alguns segundos.

 

— Por Deus, Rhea precisa ser avisada, isso não pode acontecer!

 

Eu revirei os olhos, pegando seu braço e a puxando para longe dos dois.

 

— E por que não? 

 

— Rose, a senhorita Rinaldi não é adequada para desposar um Dragomir!

 

— Mãe, ela é uma boa garota, teve uma boa educação, não possui modos vulgares…

 

— E possui uma origem obscura, Rose. Pouco se sabe sobre sua família, na verdade, nada se sabe, apenas que ela foi deixada sob cuidados da escola de moças da senhora Spencer quando ainda era um bebê com todos os custos da sua educação quitados — Janine sussurrou enquanto caminhávamos de volta para casa.

 

— Isso deve significar que ela é filha de um cavalheiro...

 

— Nesse caso, a filha rejeitada de um cavalheiro, no mínimo é fruto de um caso extraconjugal — minha mãe avisou.

 

Aquilo era ridículo, a possibilidade de felicidade de uma jovem não deveria ser atrapalhado por conta de um erro que seus pais possam ou não ter cometido.

 

— Podem existir muitos outros motivos para sua situação, e se eles estiverem apaixonados por que a senhora impediria a felicidade de ambos? A herança que ele receberá será o suficiente para não precisar depender de um casamento vantajoso financeiramente, e para ela não haverá desvantagem alguma! 

 

Minhas palavras a levaram a um estado pensativo, enquanto continuávamos nosso caminho.

 

— Além disso, não devemos interromper um possível casal, sendo que eu não estou apaixonada por ele, a senhora pode priva-lo de um casamento por amor para cair em um casamento por conveniência, eu não gostaria de saber que meu marido tem sentimentos por outra dama — eu insisti.

 

Eu enlacei nossos braços enquanto andávamos, ela me lançou um olhar carregado de compaixão.

 

— Eu sinto muito querida, sei o quanto esse assunto pode ser um peso para você, mas eu te garanto que no que depender de seu pai e eu, você terá um casamento por amor, como o nosso — ela garantiu, deixando de lado o suposto envolvimento de André e Mia Rinaldi.

 

— Mãe, eu conheço a minha situação, e não me iludo pensando que não me casarei por conveniência, apenas desejo me casar com um homem bom e honesto, isso será o suficiente para mim — eu garanti.

 

Antes de retornar para casa, fizemos uma visita para Alberta Petrov, que ficou extasiada com a possibilidade de saber mais sobre a mais recente adição à comunidade de Wilmslow.

 

Nós chegamos em Mazur House no meio da tarde, Janine me fez companhia na sala de música enquanto eu praticava minha habilidade no piano.

 

— Você está melhorando nessa melodia — ela comentou enquanto trabalhava em um bordado. 

 

— Eu tenho praticado bastante — expliquei, olhando pela janela que ficava logo à frente do piano, vendo meu pai chegar montado em seu cavalo.

 

— É o seu pai? — ela perguntou sem desviar o olhar do trabalho em suas mãos.

 

Eu me limitei a acenar com a cabeça, voltando a dedilhar as teclas do instrumento à minha frente.

 

— Espero que ele tenha boas notícias, ele demorou bastante para voltar — ela comentou.

 

— Eu gostaria de aprender a tocar harpa — mudei completamente o assunto.

 

Àquele comentário surpreendeu minha mãe, que deixou o bordado de lado imediatamente.

 

— Você perdeu o juízo? Harpa não é um instrumento adequado para uma jovem dama.

 

Eu deixei de tocar, a encarando com uma expressão decepcionada.

 

— Mas…

 

— Rose, o piano é adequado para mulheres, sua figura fica bela e graciosa sentada à frente do instrumento, você não conseguirá o mesmo efeito com a harpa.

 

— Mas eu quero aprender por gostar de música, e não para ficar graciosa — eu insisti, apesar de saber que aquela era uma batalha perdida.

 

— Jovens rapazes buscam uma esposa que toque bem o piano, não alguém que toque harpa — ela balançou a cabeça, voltando a bordar.

 

Eu suspirei de maneira audível, observando as partituras à minha frente. 

 

— E quanto a flauta? Eu poderia tentar aprender flauta doce — eu sugeri outra opção, eu poderia manter minha figura elegante enquanto tocava.

 

Aquela opção parece tê-la alarmado ainda mais.

 

— Querida, uma dama de respeito não pode ser vista com um instrumento na boca! Isso seria vulgar!

 

— Onde está a vulgaridade em tocar um instrumento, mamãe? 

 

— As pessoas pensariam coisas terríveis sobre você, Rosemarie! 

 

Eu pude notar sua paciência por um fio, mas eu não poderia desistir do assunto sem compreender qual era o problema que me impedia de aprender tantos outros instrumentos.

 

— É um instrumento, mamãe. Que tipo de coisas poderiam pensar?

 

Aquela pergunta a pegou de surpresa, eu assisti minha mãe corar, desviando o olhar antes de me responder.

 

— O tipo de coisas que você compreenderá apenas quando for casada, e isso não acontecerá a menos que você se aprimore no piano e deixe de lado esses pensamentos tolos — ela murmurou.

 

— Mas…

 

— Nós já encerramos esse assunto, Rosemarie — ela foi enfática.

 

Com um suspiro derrotado eu voltei a tocar o piano, me sentindo frustrada por estar presa às mesmas coisas de sempre. Eu sei pintar, bordar, fiz aulas de caligrafia, sei falar um pouco de francês, e sou muito boa no piano. Eu domino todas as coisas que deixam uma dama atrativa para o matrimônio. Mas nada disso é o que eu realmente gostaria de aprender!

 

Nós passamos alguns minutos em silêncio, até que meu pai entrou na sala. Minha mãe deixou o bordado de lado imediatamente, dedicando sua atenção ao marido, que se sentou em uma poltrona próximo a ela, eu interrompi minha melodia, mas ele logo se manifestou.

 

— Continue a tocar, minha querida Rose, eu gosto de ouvir o quanto você tem evoluído. 

 

Eu acenei afirmativamente com a cabeça antes de voltar a tocar, ignorando a conversa de meus pais sobre seu dia, até que uma frase em particular chamou minha atenção.

 

— Senhora Mazur, nós temos algum compromisso para jantar nos próximos dias?

 

— Não, talvez os Dragomir nos convide para jantar em algum dia da semana, mas…

 

— Se isso acontecer, recuse. Nós jantaremos em Northwich hall pelas próximas semanas — ele declarou, nos surpreendendo.

 

Eu parei de tocar e minha mãe o encarou boquiaberta por alguns segundos, antes de se recuperar.

 

— Todos os dias? Meu caro senhor Mazur, isso seria inadequado, não podemos sobrecarregar a família dessa maneira, ou podem se cansar de nossa companhia — Janine tentou trazê-lo de volta à razão.

 

— Não se preocupe, a família Hathaway não se cansará de nossa companhia, fará muito bem para Charles.

 

Minha mãe tentou outra abordagem para mudar a mente de meu pai.

 

— Senhor Mazur, vocês são amigos e acabaram de renovar uma amizade, mas para sua esposa e filhos pode ser extremamente cansativo, nós deveríamos dar a oportunidade de outras pessoas visitarem a família e não…

 

— Não existe Família, Janie — meu pai suspirou, usando o apelido que poucas vezes usava com minha mãe.

 

— Eu não compreendo.

 

— A família Hathaway foi acometida por uma febre há muitos anos atrás, Charles foi o único sobrevivente, mas ficou com a saúde fragilizada, isso o transformou em um homem recluso.

 

Aquele relato fez com que os protestos de minha mãe cessassem imediatamente.

 

— Eu prometi ao meu velho amigo que ele teria a nossa companhia enquanto estivesse aqui, ele não planeja sair de Northwich, se em algum momento outra família desejar visitá-lo, nós lhe daremos privacidade, mas por enquanto, ele será nossa prioridade.

 

Nós não poderíamos discutir com meu pai um compromisso que ele havia assumido, tudo o que nos restou foi acatar sua decisão.

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Então, o que acharam? Se gostarem, não deixem de comentar e favoritar, me deixem saber o que esperam dessa história. Um beijo



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