POV BUTTERCUP

Puta merda! Como pude ser tão descuidada? Ainda bem que eu vim correndo pro banheiro, antes de dar tempo de eles virem algo suspeito. Dentro de um dos cubículos, tiro a roupa e observo meu binder — estava tudo normal — mas a minha blusa estava toda ferrada, molhada e grudenta de suco. A minha esperança é que ninguém venha atrás de mim.

Tentei limpar a minha blusa com um pouco de água, mas parece que só piorei as coisas. Não ia sair assim tão fácil. Decidi ir voando até meu quarto e trocar por alguma outra roupa. Mas não contava que o senhor bisneto do fundador da escola estaria lá na frente da porta, parecendo que estava me esperando.

— Butch, sai da frente! — grunhi, furiosa. — Preciso colocar outra roupa!

— Mais respeito comigo… Tampinha! — tocou minha testa com o dedo indicador, parecendo me desprezar. — Pode se trocar sim, aliás, eu vim atrás porque sei que você não pode se molhar.

Olhei pasma para ele. Como assim, não posso me molhar? Será que ele descobriu? Ah, mas que m…

— Por que eu não poderia me molhar? — cruzei os braços, querendo logo uma resposta. E aproveito para esconder meus peitos também.

— Por que… É que… Ah, velho! Não enche! — resmungou ele, sem resposta. Salva pela falta de palavras do Jojo!

— Ui ui, estressadinho! — mostrei a língua, toda vitoriosa, adentrando nosso quarto e escolhendo uma roupa.

O cara nem ousou entrar, nem perguntar mais nada. Que coisa estranha. Mas é até melhor assim.

POV BUTCH

Caramba… Agora que sei que tem uma menina se trocando agora no meu quarto, eu fico meio… Meu coração fica agitado… Mais do que isso, estou irritado por ela estar amiga daquele idiota do Mitch. Ela merece um amigo melhor do que ele. O que eu faria se ele fizesse o mesmo que fez a mim no passado?

Flashback on

Todos estavam sentados cada um em sua carteira no jardim de infância. Era hora do recreio. Butch queria se aproximar das outras crianças, mas Mitch inventava histórias maldosas para eles, fazendo com que passassem a odiar ou ter nojo de Jojo. Butch nunca superou isso, principalmente no dia em que todos jogaram bolinhas de papel nele, chamando-o de “privilegiado”. Ele nem sabia que crianças daquela idade sabiam o que isso significava. Mas Mitch Mitchelson era sempre o líder das brincadeiras de mau-gosto e dos bullyings contra os mais fracos. Butch não era fraco, só tímido. Apenas queria fazer amigos.

Depois que se formou no jardim de infância, Butch mudou de escola. Mitch foi junto e continuou a atormentar sua vida. Até o 5º ano, Mitch o incomodou. Depois disso, o Mitchelson havia se mudado, mas ninguém sabia para onde. Butch estava feliz com isso, já que pelo menos agora podia fazer amigos normalmente, sem ter que olhar para a cara daquele “sardento ensebado”, como Butch o apelidou.

Flashback off

— Butch? Butch? — uma voz distante me tirou dos meus pensamentos perturbadores do passado. — Terra chamando Butch!

— Hã? Que foi, tampinha?

— Já me troquei. Bora pra aula, mano? — deu pra ver que ela estava forçando a voz e as gírias.

— Claro… — respondi, mas resolvi arriscar em perguntar mais uma coisa. — Vem cá, Drake…

O tampinha se virou para mim com uma expressão de dúvida.

— Você ficou amigo do Mitchelson?

— Hã… Do Mitch? Aham, ele é bacana. — ele, digo, ela concordou com a cabeça, me deixando possesso por dentro.

— Tá mais pra “sacana”... — murmurei, na esperança dele não escutar. — Olha, só tome cuidado com ele. O Mitch não é quem aparenta ser.

— Relaxa, bro! — ela me deu um tapão nas costas do nada, me deixando quase sem ar. — Nada assusta o velho Drake aqui! — concluiu sua fala, sorrindo.

Aquele sorriso brincalhão, mas ao mesmo tempo inocente. Essa tampinha é encantadora. E aquele sorriso a deixa ainda mais adorável. Espero não estar fazendo cara de tonto, olhando fixamente pra ela. Vou parecer um tarado. Porém, não nego que a tampinha é muito corajosa e forte. Adoraria tê-la na minha gangue. Ri com o meu último pensamento.

— Endoidou de vez, é? — indagou, rindo. — Do que você tá rindo?

— Lembrei de algo engraçado, só isso. Bora pra aula, tampinha. Você tem que comer muita colher de angu pra chegar ao nível do bonzão aqui! — me gabei de propósito, pois adoro brincar com ele/a.

— Convencido! Só porque é bisneto do fundador da escola, não quer dizer que seja uma espécie de Deus! Também sou muito bom nos esportes, tá?! — Drake cruzou os braços e fez uma careta.

Ela também fica bonitinha desse jeito. E eu fico mais maluco a cada segundo. Estou acobertando uma mentira que é um crime grave! Será que vou ser preso? De qualquer jeito, ninguém mais pode saber que a tampinha é uma garota! Ela precisa ser mais cuidadosa. Mas poxa, ela tinha que ser tão linda assim? Como eu vou conseguir fingir?

xxx

POV BUTTERCUP

Se alguém disser que fingir ser um menino é fácil, vou pregar a mão na orelha da pessoa. Meu Deus do céu, esse binder tá me machucando. Tá certo que eu não tenho um seio muito saliente, mas isso já é demais. E tá sendo difícil disfarçar, é muito esquisito ter que dividir o quarto com um cara. Vai que ele descobre? Mas acho que por enquanto, tô conseguindo lidar com a situação. É só uma questão de tempo para eu conseguir mudar esse colégio. É uma pena que um colégio bom desses tenha uma mente tão fechada.

Depois da aula, o Mitchelson me chamou para ir jogar bola com ele. E eu como uma boa esportista não neguei, óbvio! O Butch ficou olhando feio para o Mitch e eu estranhei, já que o cara era tão gente boa. Mas dei de ombros e fui para o campo com Mitch.

Já eram umas cinco da tarde e logo o sol iria se pôr. Ainda estava calor pra caramba e eu estava suando mesmo parada.

— Bora, Drake? — o sardento me chamou. — Só não vá chorar se eu ganhar.

O sorriso dele ficava engraçado com aqueles dentes levemente separados.

— Vai sonhando, Mitch. Vai comer a minha poeira! — sorri de volta, sentindo todo o meu corpo inundar de adrenalina.

Começamos o jogo, primeiramente na defensiva. Aí, eu comecei a ser mais agressiva e ansiando por um gol. Resultado: Ganhei de 10 X 5.

— Caramba — Mitch arfou, cansadão. — Tu manda muito bem, baixinho.

— Digamos que eu tenho um talento nato para os esportes. — acabei me gabando de leve, mas orgulhosa dos meus feitos. Já pensou se ele descobre que sou uma menina? Ia ser muito mais satisfatório.

O sol estava se pondo, colorindo o céu em tons de rosa e laranja, muito lindo. As luzes do campo se acenderam, nos surpreendendo. Rimos do nosso susto e ficamos nos olhando por alguns minutos. Eu fiquei um pouco envergonhada e quis quebrar o gelo.

— Caraca, eu preciso de um banho… — reclamei, notando que estava toda grudenta e suada. — Vamos voltar?

Mas ele continuava me olhando, ou melhor, me encarando. Comecei a me sentir um pouco desconfortável.

— Ô! Mitch! — estalei os dedos na frente dele. — Ainda processando sua derrota?

— Hã? Ah! Foi mal — ele riu, sem jeito. — Tava viajando aqui. Bora tomar banho e comer algo.

Eu sorri e nós rumamos para nosso bloco. Mas eu continuava curiosa do porquê ele estar me olhando tanto. Será que… ele descobriu meu segredo? Meu coração quase parou quando pensei nessa possibilidade.

POV MITCH

Acho que estou ficando maluco… Na hora em que joguei com esse tal de Drake, meu coração começou a acelerar. Tá certo que a gente ‘tava em um momento de adrenalina e tal, mas mesmo quando eu parei de jogar e comecei a olhar um pouco pra ele… Eu senti algo diferente. Não sei explicar. Mas não parecia normal. Mesmo marrento, aquele moleque… era delicado.

Talvez eu tenha tomado muito sol na cabeça para pensar nessas coisas. Onde já se viu eu pensar isso de um garoto? Talvez eu precise de um banho gelado para “esfriar” a cabeça.

POV BUTCH

Notei que a tampinha voltou muito felizinha pro quarto. Me senti um pouco incomodado, mas não sei explicar direito o porquê.

— Que foi, tampinha? Viu um passarinho verde?

 — Ah, é que eu ganhei do Mitch no futebol. Modéstia à parte, mas eu sou fodástico no futebol. — ela deu um sorriso convencido e eu não pude deixar de retribuir.

  — Que bom que está se enturmando — mesmo tendo dito isso, eu ainda me sentia incomodado, ainda mais sabendo que ela estava amiguinha do Mitch Mitchelson.

 — A única com quem não consigo me enturmar é com a Chatícia… Ops — me lembrei que não devia mencioná-la. — Foi mal. Vou tomar banho. Fui.

Eu dei risada quando ela entrou no banheiro. Sei que não deve ser fácil ser um cara e muito menos dividir o quarto com um, mas ela está indo muito bem. E eu vou ajudá-la a manter isso em segredo.

A porta do quarto abriu de repente e eu fiquei sobressaltado. Eram Brick e Boomer, rindo feito patetas.

— Eae, ‘qualé a boa, Butchzão? — indagou Brick, sentando na minha cama.

— Nada de mais. Vou ver se durmo bem hoje. — ao falar em dormir, automaticamente eu bocejei.

 — Isso não pode ser normal. — comentou Boomer, preocupado comigo. — Deve ser muita pressão e inveja pra cima de você.

— Deve ser — bocejei novamente.

— Aí, cadê seu colega de quarto? — meu amigo ruivo indagou de repente, olhando em volta. — Ele é ‘mó engraçado.

— Ah, ele tá no banho. — respondi.

— Vou fazer uma trollagem então… — Brick deu um sorriso maldoso e se aproximou da porta.

Meu coração quase parou ao ver que ele estava prestes a ver a tampinha pelada… Ele não pode descobrir o segredo dela! Tenho que agir rápido.

— NÃO! — no calor do momento, deixei escapar.

— Por que não? — quis saber o Brick.

— Porque só crianças fazem esse tipo de trollagem. — me saí bem dessa. — Vê se cresce, Brick Anderson. — dei um tapinha de leve no boné vermelho dele.

— Ui ui, ele tá preocupadinho que a gente mexa com o coleguinha de quarto dele! — agora foi a vez do Boomer me zoar.

— Peguem leve, ele é novato. Parem de pegar no pé dele, pô. — tudo isso estava começando a me irritar.

Os dois ficaram calados. Devem estar pensando que eu perdi a cabeça, mas não tô nem aí. Pelo menos, eles não vão descobrir o segredo dela.

— Beleza, então. Eu e o Boomer vamos lá pro centro de convivência. Quer ir? — convidou o ruivo, parecendo arrependido do que disse anteriormente.

— Vou sim. — me levantei da cama e acompanhei meus “manos”, deixando a tampinha tomar banho em paz.

Fiquei feliz pela minha boa ação. Apesar de que ela não vai saber que fiz isso por ela.

POV BUTTERCUP

Tum-tum… Tum-tum… Tum-tum…

É incrível, mas consigo ouvir meu coração bater tão alto e forte. Eu sei que meu rosto está vermelho, consigo ver pelo espelho do banheiro. Estou coberta apenas por uma toalha e por pouco não sou descoberta. Eu realmente devo ser mais cuidadosa. O Butch me salvou, sem saber. Brick ia entrar aqui e a porta estava estragada — não tranca. Eu fiquei realmente feliz pelo que o Jojo fez. Mesmo ele não sabendo que eu sou uma menina, ele me ajudou. E eu vou ser eternamente grata por isso.

Acabei de me secar e saí do banheiro. Olhei em volta. Butch não estava ali. Mas eu olhei para a foto dele, segurando uma medalha, involuntariamente, meu coração começou a acelerar.

O que é isso, Buttercup? Por que está ficando balançada por esse garoto? Ele é seu colega de quarto e você agora é um garoto, nada mais. — foi o que pensei para tentar afastar aqueles pensamentos incômodos da cabeça.

Mas no fundo da minha alma, eu sabia que eu não era. Eu era uma garota que podia estar desenvolvendo sentimentos pelo meu colega de quarto, sem saber.