—  C-como é, Kyouka-chan? —  a Uraraka pergunta, confirmando que não foi só ele que ouviu o absurdo que a Orelhuda acaba de falar.

—  Eu sei que… eu sei que é repentino, e que vocês dois talvez nem sejam um lance sério ainda, mas… eu não vejo como esse encontro com o Kaminari daria certo se formos só nós dois, acho que se tiver mais um casal junto, então… eu ficaria mais tranquila. —  Katsuki nem escuta tudo que ela fala, travando na primeira parte. De que caralhos essa menina tá falando?

—  De que caralhos você tá falando? —  ele questiona, notando como ela recua por um segundo, mas só por um segundo. 

—  Qual é, Bakugou, eu não sou boba. —  ela dá um meio sorriso sinistro —  Vocês dois tavam agindo de um jeito muito suspeito ontem à noite.

Ele franze o cenho, será que essa doida percebeu que tinha mais gente na sala ontem à noite? A individualidade dela serve justamente pra identificar sons no ar e tal, mas porra, em qual hora ela percebeu? E como nem ele nem a Uraraka notaram? Deu pra ouvi-la conversando e respondendo o Pikachu naquela lenga lenga interminável dele, não é possível que ela tenha plugado um desses trecos da orelha na parede, notado a presença dela e da Cara de Lua, e ainda mantido foco na conversa bizarra que tava tendo com aquele idiota.

E mesmo se tivesse, então por que caralhos ela tá falando de encontro duplo e não tá mandando os dois à merda por terem ouvido o que ouviram? Isso é um tipo de chantagem? Que porra é essa?

—  Kyouka-chan, eu sinto muito mesmo! —  a Uraraka abaixa a cabeça —  Nós não… não é o que parece, eu juro!

—  Ei, ei, calma, Ochako! —  a Cara de Lua choramingando parece fazê-la recuar de verdade —  Eu não tô julgando vocês dois, pode ficar tranquila! O que vocês fazem juntos, ainda mais quando não tem ninguém olhando, não é da minha conta. Eu só… achei curioso e pensei… bom… eu pensei… se vocês dois, que são tão diferentes, estão… hã… se dando bem, então… talvez eu e o Kaminari não seja assim uma coisa tão absurda. —  ela explica, sem graça. Tem que ficar sem graça mesmo, porque não explicou merda nenhuma, Katsuki tá entendendo menos ainda.

—  Hã… Kyouka-chan…

— Orelhuda, que porra você tá achando que eu e ela estávamos fazendo ontem à noite? —  ele pergunta, percebendo que é daí que essa merda tá começando a não fazer sentido.

—  Ah, bom… é que… eu fiquei na cozinha por mais ou menos meia hora e não vi vocês, mas aí voltei pra pegar meu carregador e vocês tavam lá, e desculpa falar, mas você com o cabelo molhado e a alça da blusa caindo e você com a camiseta molhada… é meio óbvio que vocês tavam ficando ou lá na frente dos dormitórios ou no corredor que dá pra lavanderia, gente.

—  O QUÊ??? —  Katsuki e Uraraka perguntam, ele em indignação, ela em choque a julgar pelo tom de voz.

— K-Kyouka-chan, você… de onde você… por que você… Eu e o Bakugou-kun… a gente não-

— VOCÊ TÁ MALUCA?! QUE PAPO É ESSE DE QUE EU TAVA FICANDO COM A CARA DE LUA? —  ele se vira para a Uraraka, furioso. É tudo culpa dela! —  TÁ VENDO?! OLHA O QUE VOCÊ ARRUMOU PRA GEN- PRA MIM, SUA IDIOTA!!!

—  Eu já te pedi desculpa! Não tem porque você gritar comigo assim!—  ela retruca, levantando-se do banco e… crescendo pra cima dele? Essa menina perdeu a noção de com quem ela tá falando?

—  Ei, vocês dois, calma aí! Eu não chamei vocês aqui e falei do que eu sei pra fazer vocês brigarem! —  a Orelhuda leva uma mão ao ombro da Uraraka e a puxa pro lado dela —  Eu não tinha intenção de descobrir que vocês tão… enfim… não precisam brigar só porque tão tentando manter segredo…

—  Orelhuda, cala essa boca e para de falar o que você não sabe!

—  Não fala assim com ela! —  a Uraraka devolve, olhando-o com puro ódio —  Kyouka-chan, me desculpa mesmo, mas você entendeu tudo errado e isso tá criando um mal-entendido ainda maior. Eu… eu e o Bakugou não estamos… hã… nós não somos isso que você pensou e… sobre a gente estar na cozinha ontem à noite… —  aqui ela vacila, olhando rapidamente pra ele. Tsk, ela não disse que ia assumir toda a responsabilidade? Só falta arregar agora! 

A cara dela tá muito vermelha, parece que vai explodir a qualquer momento. Katsuki não consegue entender como essa menina faz isso! Quando fala com ele, ela fica toda valente, retruca tudo que ele diz e até faz gracinha, há pouco mesmo parecia disposta a pular no pescoço dele por ter gritado com a Orelhuda. Agora fica aí com essa cara, parece até que vai chorar, que inferno! 

— Entendi… —  a Orelhuda diz e sorri. Hã? Entendeu o quê se a Uraraka não terminou de falar? —  Desculpa sair presumindo assim, eu realmente achei que vocês dois tavam ficando e queriam ser discretos. E mesmo se fosse isso, nada a ver eu vir aqui chamar vocês pra um encontro duplo, né? Sei lá, acho que eu só tô muito nervosa e desesperada, foi mal.

—  Tsk, se você não quer sair com o idiota, é só falar “não”. —  ele resmunga.

—  Ah, bom… não é que eu não queira. É só que… é estranho, né? Você vê a pessoa todo dia, conversa com ela, e de repente ela solta que gosta de você. Eu nunca vi o Kaminari desse jeito, e agora… tá impossível de olhar na cara dele porque só consigo lembrar do que ele falou. Mas sabe… é “o” Kaminari! Ele é tão…

—  “Tão”? —  Katsuki questiona.

—  Ele é… olha, mesmo ele sendo um idiota, eu gosto muito dele, muito mesmo. Mas sei lá, vocês olham pra ele, e olham pra mim, a gente não… eu não… consigo imaginar alguém como ele interessado em mim. —  ela dá uma risada seca —  Eu não… acho que eu seja o tipo de menina que atrai meninos.

—  Kyouka-chan… a gente já conversou sobre isso… —   a Uraraka diz em um tom quase sussurrado —  Você é uma garota incrível e muito bonita.

—  Não, Ocha, a Yaomomo é muito bonita. Eu sou… sei lá. Eu sou eu. E tem essa parte em mim que acha que o Kaminari tá só de zueira, sabe? A gente vai num encontro e eu descubro que ele só queria rir da minha cara.

—  Ele nunca faria isso. —  Katsuki diz, resoluto —  O Pikachu pode ser um idiota, mas ele não é escroto desse jeito. Se você gosta tanto dele como disse, saberia disso.

—  S-sim, eu não… não quero duvidar dele, essa insegurança é mais minha mesmo. —  ela admite, e Katsuki não se lembra de já ter visto essa garota tão triste.

A Orelhuda às vezes anda junto do Pikachu, que anda junto do Kirishima, que anda junto dele, então vez ou outra Katsuki a vê por aí. De todos esses bobões, ela é uma das menos piores, sempre tirando uma com a cara do Pikachu e falando pra Rosinha parar de escândalo quando se empolga demais com alguma coisa idiota. Eles não conversam muito, mas das poucas vezes em que ficaram sozinhos, Katsuki talvez possa dizer que curtiu, ela também não parece ser totalmente de acordo com as bobeiras dos outros, mas não sabe mais como impedi-los ou meio que não se importa o bastante pra tentar, assim como ele próprio. É bom saber que não tá sozinho nessa.

Então, sendo alguém com quem ele até consegue se identificar um pouco, é surpreendente ouvir essa menina que nunca parece estar nem aí pra nada choramingando porque não se acha boa o bastante… pro Pikachu. É de foder!

—  Eu acho que você tá se auto sabotando, Kyouka-chan. —  a Uraraka parece recuperar a própria voz —  Desculpa, mas me parece que você quer dar uma chance e tá com medo, não do Kaminari-kun, mas de si mesma.

Pois é, esse tempo todo ele achou que a Orelhuda não queria saber do idiota por achar que tem alguma coisa errada com ele, mas na verdade o problema é ela? E o problema é na verdade, coisa da cabeça dela? Katsuki não consegue se imaginar tendo qualquer interesse nessa menina além da individualidade dela, ela não faz bem o tipo dele, mas… a garota falou como se fosse uma monstrenga, e com certeza não é bem por aí.

— O Pikachu tá enchendo o saco já tem uns três meses pra se confessar pra você. —  Katsuki diz em um tom enfastiado —  Então não sei o que você acha que tem de tão errado com você, o Pikachu tá cagando pra isso aí, ele é mesmo a fim de você.

—  Bakugou-kun! —  Uraraka o olha em leve surpresa, mas também em repreensão —  O que ele tá querendo dizer, Kyouka-chan, é que-

—  É que você tá vendo problema onde não tem, e esse encontro de vocês vai ser uma merda se você começar com essas bobeiras-

—  Bakugou-kun!

—  Me deixa terminar, Cara de Lua. —  ele se vira de novo pra Orelhuda —  E é por isso que eu e a Uraraka vamos com vocês.

Ele evita olhar pra Uraraka, sabendo que aqueles grandes olhos brilhantes dela estão encarando-o em todas as emoções que variam de confusão a raiva.

Tsk, que se foda! Ela começou essa confusão e arregou pra terminar, então Katsuki tá assumindo a partir daqui.

***

—  O quê? —  a Kyouka pergunta antes que Ochako possa, erguendo uma sobrancelha de um modo que poderia ser considerado debochado não fosse pelo fato de que a amiga acaba de se abrir com os dois de uma maneira muito sincera —  Mas você- vocês disseram que não estão-

—  Você e o Pikachu vão sair juntos e não tão ficando, eu e a Cara de Lua podemos sair juntos sem ter nada desse tipo também. —  ele fala como se isso fosse perfeitamente lógico. E de certa forma é, mas depois do chilique que tanto ele quanto ela mesma deram, acaba não tendo lógica nenhuma —   Não é? 

—  Ah, bom, eu… —  tendo a decisão voltada para si, Ochako não sabe o que responder, então ela olha pra Kyouka, observando-a tão atentamente quanto o Bakugou, porém com algo a mais: expectativa. E seria bem difícil não se sentir uma pessoa horrível ao dar uma resposta negativa —  Claro, Kyouka-chan. Se você quer mesmo ir, mas não se sente confortável só com ele, a gente vai estar lá pra quebrar qualquer… gelo?

—  Muito obrigada! Muito, muito obrigada! Eu sabia que podia contar com vocês dois! —  a Kyouka suspira tão profundamente que os ombros dela até afundam em alívio —  Então, eu vou avisar o Kaminari, ele disse que queria decidir pra onde a gente vai, acho bom ele saber caso queira levar isso em consideração. —  ela sorri, e então hesita mais uma vez —  Vocês acham que… ele pode ficar magoado por não sermos só nós dois?

—  Ele vai é dar graças a Deus. —  o Bakugou responde sem nem pensar.

—  Haha, sabe que eu também acho? Ele me parecia tão nervoso falando com você, acho que se ficar parecendo mais uma saída em grupo do que um encontro, ele pode se soltar mais, e aí vocês dois vão se divertir!

—  Ah, você… você acha que ele parece nervoso falando comigo? —  a Kyouka pergunta, e só aí Ochako percebe que falou besteira. Ela tava falando do nervosismo do garoto ontem à noite quando se confessou, coisa que não era pra ela ter ouvido, mas ouviu. E não contou pra Kyouka nem se desculpou. Droga…

—  Nunca reparou? Ele fica ainda mais tonto, nem precisa se fritar todo pra ficar com aquela cara de idiota. —   o Bakugou responde por ela, causando uma surpresa dupla em Ochako, não só ele deu cobertura pra ela como também… fez a Kyouka rir! É a primeira vez que ela vê a amiga rindo e agindo com um pouco mais de tranquilidade desde que essa loucura toda começou.

—  Haha, é só o jeitinho dele… enfim, muito obrigada, Ochako! Muito obrigada, Bakugou! —  ela se curva diante deles, o que deixa a ambos um tanto desconfortáveis —  Ei, Ocha, tô indo pra biblioteca encontrar a Yaomomo pra estudar, quer vir comigo?

Ela adoraria, tanto pra estudar de verdade quanto pra fugir de uma conversa com o Bakugou que inevitavelmente será desagradável de diversas maneiras. 

Ochako se acovardou, ela jurou que ia assumir a besteira que fez e acabou falhando tanto com a Kyouka quanto o garoto à sua frente, não tem desculpa nenhuma pra isso, ela só ficou apavorada em magoar a amiga que já está cheia de dúvidas e inseguranças e não precisa se decepcionar com alguém que considera ser de confiança. No fim, ela vai acabar se decepcionando de toda forma, Ochako vai ter que contar a verdade.

E ele com certeza tem muitas coisas a dizer sobre isso. O mínimo que ela pode fazer pra começar a consertar essa burrada é ouvi-lo.

—  Ah, eu adoraria. Quem sabe eu não apareço depois? Só preciso resolver uma coisinha antes.

—  Ah, ok… —   ela concorda, jogando o olhar rapidamente para o Bakugou e de volta pra ela, com certeza juntando os pontos e sabendo que Ochako está ficando pra trás porque o Bakugou é a “coisinha” a ser resolvida. A garota de cabelos arroxeados não pareceu totalmente convencida de que não tem nada entre os dois, mesmo das negativas um tanto veementes, na verdade, ela só parece ter certeza de que Ochako e Bakugou têm um lance complicado demais para explicarem. O que… acaba sendo verdade, de certa forma. —  Então te vejo depois! —  a Kyouka sorri e acena para ambos, retirando-se.

Ochako mantém seu melhor sorriso até perder a garota de vista, soltando a respiração que ela nem percebeu estar segurando até o momento e lançando um longo olhar para o Bakugou, que, surpreendentemente, não parece estar a ponto de entrar em combustão pela raiva.

Ele só parece muito exausto, compreensível, ela também está.

—  Eu- Obrigada por me salvar aquela hora. —  o garoto a olha como se Ochako tivesse uma terceira cabeça, duas não seriam o bastante para fazê-lo parecer tão confuso —  Quando eu falei que o Kaminari-kun parecia nervoso, ela não entendeu que eu tava falando de ontem à noite.

—  Porque é outra idiota, ela e o Pikachu são o par perfeito mesmo. Tsk… e eu achando que ela tinha percebido tudo e tava tentando me arrastar pra esse encontro pra se vingar por eu ter ouvido… sendo que nem era minha vontade. —  ele faz questão de ressaltar novamente. E Ochako poderia até apontar que a Kyouka nunca seria tão ardilosa assim, mas a verdade é que talvez ela pudesse, sim, dependendo das circunstâncias. Porém, há um questionamento mais importante a ser feito.

—  Por que você decidiu que a gente vai no encontro? Você podia só ter falado a verdade sobre o que eu fiz e se livrado disso.

—  E ver as duas dando chilique e chorando? Nem fodendo. —  ele cruza os braços. E isso gera outra questão.

—  Você… ficou com pena dela… e de mim?

—  Você tava patética.

—  Eu sei. —  ela admite —  Eu não queria magoá-la. M-mas eu vou contar pra ela! Vou encontrá-la na biblioteca e falar a verdade, prometo!

—  Tsk, você é burra ou o quê? Não vai falar nada pra ela, Cara de Lua, aquieta o rabo!

—  O quê? Por que não? É a coisa certa a se- —  então ela percebe: se falar a verdade agora, vai estragar o encontro ao qual a Kyouka já está cheia de inseguranças para ir. Foi bem triste ouvi-la falar daquele jeito sobre si mesma, ela é uma garota bem bonita, estilosa e inteligente, o fato de não se ver assim fez o coração de Ochako se apertar, ir nesse encontro talvez não mude como ela se sente, mas pode lhe dar um pouco de confiança. E se sua presença lá pode ajudar de alguma forma, então Ochako quer ajudar —  Não dá pra dar pra trás agora que a gente já concordou.

—  Hum. —  ele parece concordar. E ela quer muito comentar que acha bem legal o fato de ele se importar com os sentimentos de seus dois amigos, mas é melhor deixar quieto. Pelo menos agora.

—  Bom, então… acho que a gente se vê no sábado, né?

—  Experimenta se atrasar pra você ver.

—  Como eu poderia me atrasar? A gente vai sair do mesmo lugar, a gente- ugh, até sábado, Bakugou-kun. —  Ochako decide não ir na onda dele e dá as costas, retirando-se antes que eles entrem em outra discussão boba que terminaria com os dois sem ter razão.

Ela tem o pressentimento de que sábado já terá o suficiente dessas discussões. Mas bom… ela se enfiou nessa porque quis.