Piper

Magia não era novidade. Hazel manipular a névoa era basicamente ilusionismo, mas com um pouco mais de substância. E meu próprio charme era magia de persuasão, fora as transfigurações do Frank, a necromancia do Nico, a hidrocinese do Percy, a pirocinese do Leo... Tudo isso era bem além da compreensão humana e em outros tempos se chamaria mágica.

Mas disparar jatos de luz com cores e efeitos diferentes usando um pedaço de madeira com alguma coisa de animal mágico dentro era bem esquisito. Quer dizer, como pêlo de unicórnio canalizaria toda a minha energia mágica, que já é bem forte sem varinha, em um feitiço?

Meu Deus, a convivência com a Annabeth provoca isso. Eu tô estudando magia com o Oráculo, e uma ex-feiticeira no tão misterioso sótão da Casa Grande, antes conhecido por abrigar Pítia, o antigo Oráculo.

— Ainda não entendi porque mandar Reyna e Clarisse numa busca por armas, isso é admitir uma guerra sem nem antes se deparar com os bruxos! - Calipso se manifestou depois de ler todo um pergaminho sobre feitiços de levitação. - Winguardium Leviosa! - Calipso pronunciou enquanto girava e sacudia a varinha em direção a um lenço que de longe eu reconheci como propriedade da minha mãe. O lenço flutuou um pouco, mas caiu dois segundos depois. - Argh! - A mulher exclamou esbravejada. - Agora eu tenho que depender de uma vareta pra fazer um lenço flutuar e nem isso eu consigo?

— Calipso, acalme-se, por favor. - Rachel pediu, apanhando o lenço do chão e colocando-o de volta na caixa de onde Calipso o tirou. - Você deve girar e sacudir levemente a varinha, não com essa violência toda, fora que você pronunciou errado. - Rachel a corrigiu educadamente enquanto pegava outra varinha da caixa de itens misteriosos. - É Leviôsa, não Leviosá.

— Por mais que a gente não queira guerra, a magia dos bruxos e muito mais prática, versátil e menos exaustiva que os poderes que herdamos dos nossos pais, então pelo sim, pelo não, já vamos pegar as armas. - expliquei pra Calipso, um pouco do meu charme convencendo-a a concordar com esse ponto de vista, mesmo não-intencionalmente. - Até porque, tenho o mal pressentimento de que alguma coisa vai dar errado nessa audiência do Nico. - confessei.

Enquanto olhava a caixa de varinhas da qual Rachel havia pegado uma nova varinha, percebi a sua reação ao pegar uma varinha em especial, que parecia ter sido feita no acampamento, por uma etiqueta que dizia:

Bosque de Dodona

Pena de Harpia

Protótipo Nº 3

AMS (Acampamento Meio-Sangue) - Patente Pendente

Rachel parecia determinada em manter a varinha que escolheu. Se é que foi ela quem escolheu a varinha e não o contrário. Senti algo parecido quando Quíron me entregou a varinha de macieira e mesmo Calipso reclamando da sua varinha de bétula, não a trocou.

Também me pergunto por que tem tantas varinhas guardadas aqui, sendo que em teoria, esses dois mundos não se encontraram antes de Nico ficar sob custódia do ministério. Parece que, por mais que Quíron e os deuses tenham tentado, alguns bruxos já descobriram o acampamento e de um jeito ou de outro, suas varinhas foram guardadas num lugar que nenhum semideus ficaria por tempo o suficiente pra reparar nesse objeto perigoso.

— Tente assim. - Rachel chamou a atenção de Calipso, que já estava quase rasgando o pergaminho de raiva. - Winguardium Leviosa! - A ruiva disse com mais clareza, pronúncia correta e movimentos leves e o lenço não apenas flutuou, mas se enroscou no seu pescoço.

— Exibida... - Calipso disse emburrada.

— Para com esse mal-humor, Calipso! - eu a repreendi, já enjoada daquele comportamento. - Ao invés de reclamar dos seus poderes estarem fracos, porque não se concentra em melhorar com o que você tem no momento?

— O que você sugere, filha de Afrodite? - Calipso desafiou-me, um brilho de maldade iluminou seus olhos. - Que tal tentar incendiar alguma coisa?

— Tenho uma ideia melhor. - Respondi, desfazendo essa ideia maluca de colocar fogo num lugar fechado. Um sorriso mal-intencionado apareceu no meu rosto, me fazendo ganhar um olhar de advertência de Rachel e fazendo Calipso perder a coragem de me desafiar.

Apontei minha varinha em sua direção.

— Rictumsempra*! - Apontei minha varinha na sua direção, desenhando uma pena no ar com a varinha e uma luz prateada a atingiu, fazendo a filha de Atlas cair da cadeira rindo. Parecia estar sentindo cócegas em todo lugar sensível de seu corpo, rindo com toda a força do mundo e em meio às risadas, pude ouvir um Você me paga, Piper! Da mulher de cabelos castanho-caramelados.

— Finite Incantatem! - Rachel apontou com a sua varinha para Calipso, descrevendo um escudo com a varinha enquanto as palavras saíam firmes da sua boca e uma luz vermelha cancelou o meu charme.

— Estraga-prazeres! - Disse de brincadeira enquanto Calipso segurava a barriga enquanto as risadas cessavam.

— Tem como vocês duas pararem? - Rachel disse ligeiramente irritada. - Precisamos aprender pelo menos vinte feitiços hoje, criar sete poções amanhã e transfigurar treze objetos depois de amanhã!

— Por ordens do Quíron? - Perguntei.

— Por ordens do Oráculo, McLean. - Rachel me disse, mirando seus olhos verdes nos meus. Mas esse olhar parecia vir de Delfos, não da Rachel. - Se não estivermos suficientemente avançadas em magia, vai ficar mais difícil se passar por bruxas na guerra e trabalharmos como espiãs do Acampamento.

— Porque o pensamento tão avançado, Dare? - Calipso perguntou. - A gente ainda tá esperando todo mundo voltar, você acha que nem isso vai acontecer?

— Eu tenho certeza. - a ruiva disse, seus olhos brilhando pelo sol, mas parecendo mais um aviso do Oráculo de Delfos do que uma afirmação da ruiva.

— Meus Deuses, então o Jason e o Leo... - começei, mas me interrompi antes que dissesse estão indo em direção a uma armadilha. Eu não precisava irritar e preocupar Calipso ainda mais. - Por que você não avisou antes?

— Porque eles precisam ir pra lá, ou o Nico vai preso para um lugar que vai deixar ele tão ruim quanto quando ele saiu do Tártaro. - Rachel respondeu ainda indiferente. Ela tem estado assim desde que o Oráculo se pronunciou no andar de baixo.

— Por um simples caso de magia sem autorização? - Calipso perguntou aflita. - Quanta severidade dos britânicos...

— Eles haviam abolido os dementadores até ano passado, mas a profecia os fez reconsiderar, com tantos bruxos das trevas acreditando se tratar do retorno do Lorde das Trevas. - Rachel disse enquanto organizava as caixas e tirava um ou dois objetos místicos de cada uma. - Acham que se Tom Riddle voltar, eles têm carta branca pra abalar o mundo mágico de novo. Logo, muitos criminosos arriscaram sair de Azkaban, prisão de segurança máxima para bruxos britânica sem medo de encontrarem aquela figura encapuzada que atacou a Reyna.

— Pera, então é por isso que eles a atacaram! - conclui. - Estão procurando tudo quanto é tipo de criminoso e ela tem um passado suspeito o suficiente pra alertar aqueles bichos esquisitos!

— Gente... - Calipso nos chamou, parando a conversa. - Que cavalo esquisito é aquele em cima do chalé de Hades?

Um cavalo esquelético com asas de morcego pairava em cima do chalé que Nico tanto tem habitado nesses anos. Talvez, por ser uma criatura mágica tão diferente e desconhecida (pelo menos pra mim e pra Calipso), tenha sido atraída pelo cheiro de morte que Nico já deve ter impregnado no chalé, ao contrário de outros cavalos, que fugiam do seu aroma de morte.

— Nico não vai gostar se vir cocô de cavalo em cima do seu chalé. - falei. - Vamos pôr em prática os feitiços?

Descemos e encontramos o cavalo tentando se manter parado no telhado, mas seus cascos não ajudavam. Olhando-o mais de perto, vi que sua cabeça tinha certa semelhança com a de um dragão e seus olhos era completamente brancos, sem íris, capilares ou pupila, como uma bola de gude opaca. Possuía crina negra longa e seu pêlo macio e escorregadio era quase transparente, permitindo-me ver todos os seus ossos. Era assustador, mas fascinante. Depois de anos convivendo com unicórnios e pégasos, esse parecia uma nova espécie, ainda mais curiosa.

— O que um testrálio faz no Acampamento? - Rachel perguntou para si mesma enquanto se aproximava do mesmo. - Esse deve ter sido enviado por alguém...

— Talvez ele queira alguma coisa com o Nicoooooo! - Calipso gritou quando o testrálio voou do telhado e pousou ao seu lado, chamando-a pra subir.

— Ele quer que você vá, Calipso. - Rachel lhe disse, assustando a garota.

— Na verdade, quer que vocês três subam. - Quíron corrigiu a ruiva, se fazendo presente sem sua cadeira de rodas. - Esse testrálio foi mandado por um colega meu pra localizar Nico di Angelo, mas ele está me dizendo que vocês precisam ir, pra ajudar com o que vai acontecer por lá.

— Ele não quer parar pra comer enquanto nós fazemos as malas e preparamos os pergaminhos pra estudar? - perguntei preocupada com o animal.

— Na verdade, vocês não precisam de tantos pergaminhos, tem alguns guias bem simples, apesar de estarem em inglês ao invés de grego, sobre feitiços, criaturas mágicas, poções e transfigurações que eu consegui resgatar. - Quíron revelou, entregando quatro livros de grossura média e aparência seminova para Rachel, que andou a passos longos para sua gruta, provavelmente procurando uma mochila para colocá-los, junto às roupas que levaria.

— Então também estamos na jornada pra impedir o tal Ritual do Renascimento? - Calipso perguntou, apontando a sua varinha para as plantações de morango perto da Casa Grande. - Accio! - ela gritou e vários morangos vieram na sua direção, acertando-a e melando seu vestido branco. - Não era isso que eu tinha em mente... - Ela resmungou enquanto ia pro Chalé de Afrodite.

Devia saber que os meus irmãos iriam ajudá-la. Calipso podia ser tão vaidosa e mimada quanto uma filha de Afrodite às vezes e talvez seja por isso que é tão fácil considerá-la uma irmã. Uma irmã chata que dá vontade de zoar toda hora, mas uma irmã muito querida.

Acompanhei a filha de Atlas até o chalé da minha mãe e nos arrumamos. Eu só tive tempo de mandar as roupas da última viagem pra lavar e pegar as roupas que ainda estavam limpas pra dividir com Calipso. Quando o testrálio estava prestes a partir, com a filha de Atlas nele montada, enquanto eu e Rachel fomos juntas em Blackjack, pégaso de Percy Jackson, Quíron nos entregou um cilindro cheio de varinhas, com uma nota colada na tampa dizendo:

Para os semideuses.

E vagamos rumo a Londres com uma única certeza: também estamos na jornada contra o Ritual do Renascimento.