Segunda chance escrita por Laura Vieira, WinnieCooper


Capítulo 30
Capítulo 29




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Ele sorria vendo ela sorrir. Tantos fragmentos que nunca havia vivido com ela estampados naqueles minutos. Ela perdida em seus desejos, não freando sua felicidade e ele a assistindo liberta, constante e única.

Queria parar o tempo, de alguma forma ficar naquele instante para sempre. Ele ainda não sabia ela decor, não sabia sobre aquelas reações que ela apresentava a ele, felicidade completa, sem ameaças de vasos ou Marcela. Sem interrupções, sem pudores, sem contra ataques. Havia tantas coisas para aprender.

— Queria poder parar o tempo… - confessou em voz alta.

Catarina se aninhou em seu peito, seu ouvido pousado em cima de seu coração. Podia ouvir as batidas fortes e rápidas que dava somente por ela. Abraçou ele e fechou os olhos querendo parar o tempo também.

Era mais fácil estar lá, se sentindo protegida e completa em seus braços, estar de volta para aquele quarto, para aqueles ares, sem mentiras, sem segredos, não estar mais fugindo.

— … Tanto tempo que fiquei sonhando com isso acontecendo de novo. - ela deixou escapar. Petruchio acariciou seus cabelos e deu um beijo de leve em sua cabeça.

— Tinha esquecido?

Ela levantou a cabeça o encarando. Sorriu reparando em seu olhar preocupado.

— Jamais esqueci. - subiu seu tronco em direção a ele e lhe deu vários beijos leves no lábio. Seus dedos passando por sua barba tirando qualquer tipo de dúvida que Petruchio ainda podia carregar em si.

A felicidade era tão tocável que ele tinha medo dela cair no chão e se quebrar de alguma maneira. Mesmo vivendo aquilo tudo, quase parecia um sonho. Por isso tinha medo, por isso perguntava de minuto a minuto se tudo era real.

— Ocê vai morar aqui de novo, não é? Vai, não vai?

Seus olhos estavam suplicantes e Catarina não sabia o que lhe falar.

— Eu não sei mais respirar sem ter você do meu lado. - Catarina entortou seu pescoço sorrindo com os olhos diante da carência dele.

— Vamos aproveitar esse fim de semana como uma família. Dar um passo de cada vez.

Petruchio anotou mentalmente, enquanto ela voltava a lhe beijar, que Catarina não havia respondido suas súplicas em forma de pergunta. Deixou o questionário para outro momento, não queria brigar com ela.

Catarina voltou a se aninhar em seu peito e reparou no baú da cama.

— …Só está faltando uma coisa nesse quarto. - Petruchio enrugou a testa tentando pensar no que estava faltando, tudo estava perfeito para ele. Não faltava absolutamente nada. - …Carijó.

Ele começou a rir, muito alto. Tão alto que Catarina sentou-se na cama e tampou a boca dele com suas mãos.

— Pare de rir alto desse jeito! - ordenou quase gritando mais alto que sua gargalhada. - As paredes tem ouvido nessa fazenda! As crianças podem acordar.

— Como se eles tivessem seis anos… - ele respondeu ainda rindo, resolveu lhe contar a história da Carijó e seu quarto. - …Eu expulsava e colocava Carijó II nesse quarto ultimamente o tempo todo. Da vez que a gente se reconciliou mandei colocar ela de volta, depois quando eu descobri que havia mentido pra mim sobre Clara, mandei expulsar a galinha. Só que aí ela voltou pro quarto e Clara a conheceu e se apegou. Tá andando pra tudo quanto é canto com a galinha. Dorme com ela agora.

Catarina concordou com a cabeça lembrando da filha com a ave debaixo do braço.

— …Clara é igualzinha a ocê, sem tirar nem pôr. Acho que por isso me apeguei tanto a ela. - ele confessou. Catarina lembrou da cumplicidade que havia assistido de manhã dos dois como pai e filha, o que a fez se sentir completa. - A gente começou errado, mas sinto que agora a gente tá se dando bem.

— Eu sei que estão. - ela sorriu por fim lembrando que a filha havia lhe dito que de fato ele era um ótimo pai. - Tantas coisas a gente perdeu, não é?

— O que tá dizendo? - ele perguntou notando o olhar triste dela.

— O meu orgulho de afirmar que não sentia nada por você e prosseguir com o divórcio, o meu medo de uma ameaça por vingança, sabendo hoje que a verdade é o melhor caminho. - ela se ajeitou sentada na cama e Petruchio se colocou na frente dela. - eu atrasei tudo, meu orgulho atrasou tudo, minhas mentiras adiaram tudo.

Petruchio negou com a cabeça sabendo que Catarina se culpava e ele não queria isso.

— Era pra ser assim… a gente acontecendo antes como a gente aconteceu. Nossos filhos nos conhecendo agora, como tem que ser. A gente se reencontrando agora e formando nossa família, tinha que ser assim. Nada vai dar mais errado. Eu prometo pr'ocê. - ela sorriu e acariciou o rosto dele.

Queria lhe dizer naquele momento de seus outros medos, de Heitor morando no mesmo prédio que ela, lhe vigiando, mas não quis naquele momento. Ergueu seu tronco e o beijou carinhosamente.

Petruchio a abraçou apertado assim que ela tirou seus lábios de sua boca. Sussurrou no ouvido dela.

— Obrigado Catarina por confiar em mim, por me contar toda verdade mesmo com anos de atraso.

Ela suspirou de olhos fechados agradecida retribuindo o abraço apertado, dizendo a si mesma que podia adiar a conversa que lhe afligia mais um pouco.

Dormiram abraçados como deveria ser. Acordaram num pulo com Clara adentrando o quarto feito um furacão.

— Pai! - ela berrou fazendo ambos quase saltarem da cama na qual ainda permaneciam abraçados. - Você precisa dar um jeito nesse seu filho! Foi me perturbar logo cedo dizendo que não poderia mais ficar com a Carijó no MEU quarto porque a galinha é DELE! Pegou a galinha e levou pro galinheiro! EU ESTOU SEM A CARIJÓ!!!

Catarina sentiu sua cabeça latejar de dor até se situar do que estava acontecendo, seu coração disparado pelo susto.

— Clara isso é jeito de entrar no nos… no quarto do seu pai? - deu uma bronca nela ainda acordando em meio ao susto.

— Estou vivendo um drama! Estou sendo ameaçada de ficar sem a única galinha que me apeguei por aqui! Isso é trágico! Eu não sei entrar no galinheiro e pegar ela de volta. VOCÊ PRECISA FAZER ALGUMA COISA PAI!

Catarina quis rir diante do drama exagerado da filha, mas se lembrou que ela mesma tinha se apegado a uma galinha quando morava lá.

— Pai! Eu não me importo se essa galinha é dele. Júnior não se importa com ela, de repente quer tomar a guarda? EU NÃO ACEITO ISSO! - voltou a gritar para o pai reagir, já que ele ainda permanecia deitado tentando entender o que acontecia.

— Eu vou falar com ele. - limitou a responder também sentindo sua cabeça doer. Ainda estava deitado na cama tentando entender o que estava acontecendo.

— AGORA! - ela bateu o pé desesperada. - Carijó deve estar apavorada naquele galinheiro.

— Clara, eu quero pentear seus cabelos hoje. - Catarina disse fazendo a filha revirar os olhos e cruzar os braços.

— Ah não mãe! Hoje não! - ela sabia bem que o código "pentear seus cabelos" era sinônimo de conversa.

— Vá para seu quarto que eu e seu pai vamos fazer o toalete e já te encontro lá.

— Só saio com a garantia de ter Carijó de volta! - olhou para o pai de braços cruzados.

— Eu prometo que vai ter sua galinha de volta. - Petruchio finalmente sentou-se na cama respondendo a ela.

Clara saiu do quarto batendo os pés juntamente com a porta atrás de si.

Catarina olhou para Petruchio sorrindo, cúmplice.

— Então é assim que é ter filhos gêmeos que se odeiam?

Ele sorriu chegando perto dela e lhe dando um beijo de bom dia.

— Esse é o exemplo de problema que vamo ter que lidar a partir de agora.

Ela sorriu para seu presente e voltou a beijá-lo o acariciando no rosto. Ambos se trocaram e foram atender os filhos antes mesmo de irem tomar o café da manhã. Catarina foi direto para o quarto de Clara enquanto Petruchio foi atrás de Júnior que naquela altura da hora devia estar tirando leite das vacas.

— …Meu filho, por que ocê foi pegar a galinha da menina?

Júnior olhou para o pai nervoso enquanto fazia a ordenha.

— Lá vem o senhor todo besta pro lado dela. Clara envenenou sua cabeça, só pode.

Petruchio coçou sua barba pensando no que lhe responder.

— Ela só quer a galinha no quarto dela. Custa levar pra ela e pedir desculpas?

— Hahaha! - ele riu sarcástico. - Só pode tá de brincadeira comigo pai. Eu só quis deixar a galinha respirar. Ficar muito tempo debaixo das asas dela, trancada naquele quarto, não faz bem ao animal.

— Pode ser. Mas a Clara precisa da galinha. Ela é igualzinha à mãe d'ocê. Talvez um dia ocê entenda.

— Ela sabe muito bem que Carijó tá no galinheiro, é só pegar.

— E ocê sabe muito bem que ela sequer entrou num galinheiro na vida. Ela tem medo.

— Cada coisa besta pra ter medo. Ela não tem medo de ter calo na língua. Não tem medo de ninguém quando fala e enfrenta todo mundo. Vai ter medo de um galinheiro?

Petruchio deu dê ombros e finalizou sua conversa com o filho:

— Eu podia até pegar a galinha pra ela, mas ocê inventou essa história e ocê tem que consertar ela. Além disso, eu vou é dar risada quando ela vier atrás d'ocê com um vaso na mão arremessando na sua cabeça.

Júnior estreitou seus olhos nervosos para o pai e saiu pisando alto do estábulo.

xx

Clara bufou nervosa deitada em sua cama quando viu a mãe entrar no quarto. Imaginou o sermão vindo, as duas voltando a brigar. Catarina reparou em seu quarto, menor que qualquer lugar em que ela já tinha dormido, as janelas altas deixavam tudo mais pequeno, tinha uma única cama de solteiro e uma cômoda. Uma cadeira de canto com uma mesinha com seus pertences finalizava os móveis. Achou ela mudada só de vê-la deitada naquela cama, ficou tentando imaginar como a filha havia dormido lá sozinha sem se apavorar. Reparou no olhar triste e bravo de Clara e resolveu tentar não brigar com ela. Pegou a escova de cabelo na mesinha e pediu com gestos para que a filha sentasse na cadeira.

E foi o que ela fez, apesar de estar prevendo uma briga com a mãe, Clara sentia falta desse momento único que tinha com ela. Catarina começou a passar a escova de cabelo nela e decidiu começar a conversa:

— …Nunca pensei que um dia dormiria sozinha num quarto assim…

Tentou parecer displicente em seu comentário, mas Clara não poupava palavras quando o cerne era discordar de sua mãe.

— Há muitas coisas que não sabe sobre mim… Digamos que sua bronca naquele dia deu certo.

Catarina se lembrou da pior briga que ambas tiveram, de todas suas frustrações e palavras jogadas nela, de seu pedido para não ser hostil nem com Petruchio nem com ninguém da fazenda.

— Eu não quis te fazer crescer a força eu só…

— Eu sei mãe, eu sei… - Clara a cortou chateada. - Você já esteve no meu lugar.

— Sim eu já estive no seu lugar, eu sei exatamente o que você está sentindo. Precisava passar por tudo isso para ver que seu pai é uma ótima pessoa, apesar de ser pobre. Isso eu sou diferente de você.

— Diferente como?

— Eu nunca desdenhei de ninguém por ser pobre. - Clara revirou os olhos diante da sinceridade da mãe. Não sabia o que lhe responder.

Catarina continuava a escovar os cabelos dela enquanto Clara travava uma luta interna com seus sentimentos eclodindo e lhe sufocando.

— Eu sei… eu era interesseira… ou eu sou interesseira. - ela confessou triste o que fez a mãe parar de pentear seus cabelos e prestar atenção em suas palavras. - Você e Miguel me disseram isso e eu jurei que não era.

— Ainda brigada com Miguel? - Catarina perguntou sabendo a falta que ela sentia do amigo.

— Ele tem com quem conversar agora… - ela deu dê ombros virando seu rosto para encarar a mãe. - Você acha que eu tratava ele muito mal?

Catarina ergueu as sobrancelhas sem saber o que dizer a ela.

— Vocês cresceram juntos, como amigos, ele conhecia seu jeito, se você o tratasse mal ele…

— Ele se afastou de mim, quer dizer, eu afastei ele e acho que Miguel se acostumou a viver sem mim. - ela confessou. Apesar de ter atingindo uma cumplicidade com o pai, sobre esses assuntos era mais fácil falar com a mãe. - E isso dói.

Apesar de não ser melhor amiga de sua mãe, e de estar se confessando muito com uma galinha ultimamente, ter a opinião de alguém era importante para ela. Por isso, resolveu se abrir com ela.

— Sinto que perdi o Miguel. Ele está com a Elisa agora.

Catarina estava feliz com ela se confessando e se abrindo para ela. Nunca haviam dialogado sobre os sentimentos dela tão abertamente.

— Ah minha filha, quando se é adolescente os sentimentos são muito intensos, tudo parece que vai acabar drasticamente. Lembro de sua tia Bianca quando não via o Heitor, parecia que ia morrer só de pensar que não poderia casar com ele se eu não me casasse, me ameaçou com greves de fome por causa desse amor fulminante.

— Mas o meu caso é diferente. - Clara reclamou do caminho que sua mãe estava dando a conversa.

— É diferente, mas ao mesmo tempo não é. O amor não tem regras, e não acaba com o tempo. Tudo parece muito intenso agora que está bem no olho do furacão, mas no fim nem era tão fulminante assim. Veja eu e seu pai, nosso amor perdurou apesar do tempo e da distância.

Clara olhou para baixo chateada, mas perguntou.

— Fica mais fácil quando você vira adulto? Deve ser, senão você e meu pai não tinham se entendido.

— Eu não tenho todas as respostas, mas não acho que fica mais fácil, a única coisa que sei é que a verdade é sempre melhor.

Ao mesmo tempo em que dava o conselho a filha pensava em si mesma, contando toda a verdade de sua ida a Europa a Petruchio e sabendo naquele momento que lutar juntos era um fardo mais fácil de carregar.

— Mesmo que eu seja verdadeira com meus sentimentos, agora é tarde demais. - Clara terminou de falar ao mesmo tempo em que Júnior entrava em seu quarto sem cerimônia com Carijó em seus braços.

— Está aqui sua chorona. Só levei ela para ciscar um pouco lá fora, faz mal pros bichos viver entre quatro paredes. - ele entregou rudemente a galinha a ela.

— Veja como trata minha Carijó! - berrou com ele segurando a galinha em sua mão que sacudia as asas cacarejando.

— Mãe, ocê não quer dar uma volta na fazenda?

Clara entortou os olhos no ar diante do convite de Júnior a Catarina.

— Estou conversando com sua irmã agora.

— Pode ir mãe, sei que está morrendo de vontade de passear com seu gêmeo preferido.

— Clara!

Clara deu dê ombros diante da bronca da mãe, ambas sabiam que a conversa havia terminado, de uma forma surpreendentemente calma. Catarina acompanhou Júnior, mas prometeu a si mesma que ia ficar de olho na filha nos dias seguintes na escola.

A fazenda parecia exatamente igual há quinze anos, a única diferença era que Petruchio havia comprado mais vacas leiteiras e eles tiveram que construir outro curral. A parte de fabricação de queijos havia duplicado de tamanho também, agora eles não faziam só queijo. Passou a manhã toda andando com o filho pelos pastos, ouvindo ele contar sobre o que fazia, como amava aquele lugar, adorou perceber seus olhos brilhantes enquanto narrava seu dia a dia. Tantos detalhes que ela queria guardar para sempre em si com aquele passeio.

— …A fazenda está muito bem com você e seu pai no comando, fico admirada o quanto cresceram nos negócios e o quanto tem de você nisso tudo. - ela disse orgulhosa a ele.

Júnior pensou consigo e perguntou a dúvida que tinha em seu coração.

— …Ocê vai morar aqui com a gente agora, não vai mãe? - estava tão feliz de ter a mãe tão próximo de si que não queria perdê-la. - É que eu tô acostumando a ter ocê por perto e se ocê continuar a morar na cidade… eu não consigo sair daqui pra morar com ocê.

Catarina sorriu diante da angústia dele, parecia uma criança querendo muito um doce.

— Uma vez que nos reencontramos eu jamais vou ficar longe de você. - foi a única coisa que conseguiu responder, nem ela sabia se ia morar na fazenda novamente, poderia fazer promessas?

Passou o almoço e a tarde com Neca, ela lhe contava sobre o filho pequeno, como conheceu seu marido, de como tudo era triste na fazenda no começo, que Petruchio não sorria e só sabia dar broncas, como tudo foi se ajeitando porque Júnior foi crescendo e recuperando o brilho no olhar do pai. Ela também lhe contou de sua vida na europa, sobre seus dias de estudo e glamour em teatros e restaurantes, como não conseguiu ficar nenhum dia sem pensar sobre esse lugar que para ela ainda era o melhor lugar do mundo.

— …É como se aqui eu recuperasse o fôlego, como se aqui me desse alimento e ar para viver. Passei muito tempo no luxo, na modernidade, nunca senti tanto a falta da simplicidade e da modéstia de uma vida como estou levando hoje.

Neca gostou de ouvir ela confessar sobre o tanto que sentia falta da vida simples na fazenda. Viu o brilho no olhar dela enquanto falava sobre lá, o que não viu quando ela falava sobre a Europa.

— A senhora vai voltar a morar aqui agora não vai?

Não conseguiu lhe responder. Aquela pergunta estava a rondando o dia todo.

No final da tarde, Petruchio a chamou para um piquenique na beira do açude. Clara não queria sair do quarto de jeito nenhum, mas Petruchio deu a sugestão de que ela poderia pintar. Júnior foi também, e diante do retrato dos filhos em sua frente e da sua família pela primeira vez completa e sem a interferência de terceiros, ela se sentiu plena. Amava ver os detalhes, o detalhe deles implicando um com o outro pelo jeito que ambos comiam.

— Vê se mastiga com a boca fechada! - Clara gritou quando viu o irmão se aproximar de si abrindo a boca e mastigando fazendo o maior barulho possível.

— Vê se come feito gente, não como galinha, tá andando tanto com a Carijó que tá virando galinha. - implicou com a irmã quando viu toda delicadeza dela para comer, comendo tudo muito devagar.

Catarina amava o detalhe do braço de Petruchio sempre estar em volta de si, a abraçando pelas costas, do detalhe de sua mão fazendo pequenos movimentos acariciando seus braços, o detalhe dele sempre se curvar e cheirar seus cabelos tentando não ser notado, mesmo assim nada discreto, o detalhe dele chamá-la de "favo de mel" a cada cinco minutos na conversa.

Júnior foi para a beira do açude jogar alguns pedaços de pão para os patos e gansos da fazenda enquanto Clara montou seu cavalete e seu quadro para enfim começar a pintar.

O céu estava uma mistura de cores: o azul se transformando em laranja, que se transformava lentamente num azul mais escuro. Era o retrato de uma vida feliz cheia de detalhes que ela não queria se desfazer.

— Favo de mel, ocê lembra da última vez que a gente veio fazer piquenique aqui? - ele sussurrou em seu ouvido aproveitando mais uma vez para cheirar seu perfume.

Foi então que Catarina se lembrou. Ela tinha uma ótima memória e aquele raro momento ela jamais conseguiu esquecer.

Seu pai havia acabado de sair da fazenda, tinha lhe entregado o valor referente ao dote, ela estava explodindo de felicidade, mas viu insegurança no olhar do Petruchio quando a viu guardar o dinheiro.

Ele pediu para abraçá-la e mesmo realizando seu pedido e o beijando em seguida sentiu que precisava de mais. Pediu a Neca para preparar a cesta de guloseimas e foram naquele fim de tarde sozinhos para perto do açude. Tudo estava banhado em detalhes. O detalhe dele a abraçar pelas costas, o detalhe das carícias que ele fazia em seu braço num vai e vem, o detalhe dele cheirando seu cabelo o tempo todo como se precisasse daquele cheiro para respirar. O detalhe dele chamando-a de "favo de mel" a cada frase que proferia.

O sol estava se pondo e eles admiravam o céu mudando de cor, no começo um azul claro, mesclado com um laranja, por fim ficando azul escuro. O retrato perfeito de sua felicidade bem a frente de seus olhos.

Repararam em um casal de patos que discutiam na beira da água. O macho grasnava bravo com a fêmea, como se ela tivesse lhe acusado de algo muito sério.

— Por que eles estão brigando? - Catarina perguntou.

Petruchio resolveu inventar uma história.

— O macho tá dizendo: Ocê tá me acusando de algo que não fiz. Eu sou inocente.

Catarina riu pelo nariz enquanto a fêmea grasnava em resposta. Resolveu entrar na brincadeira:

— Ela está dizendo: Se estou te acusando é que tem culpa.

— Eu sei muito bem que ocê adora armar contra mim.

— Eu? É você que é o culpado. Pare de fugir do assunto.

Por fim a pata deu uma bicada na cabeça dele nervosa e começou a ir para a água. O pato ficou momentaneamente desorientado e foi atrás dela na água. Logo estavam nadando juntos como se não tivessem brigado segundos atrás.

Petruchio e Catarina riram diante da cena que assistiram. Catarina não deixou de comentar.

— Eles são como nós.

Petruchio sentiu seu coração se encher diante do comentário dela. Não pôde deixar de dizer.

— Seriam nossos filhos daqui uns meses.

— Filhos no plural? - ela virou seu rosto para ele encarando.

— Eu quero um Petruchinho e uma Catarininha. - pediu a ela como se fosse um pedido simples e qualquer.

— Então teremos muitas dores de cabeça se eles se parecerem com a gente. Irão brigar o tempo inteiro.

— Seria o futuro perfeito.

Ela sorriu e acariciou seu rosto o beijando em seguida. Catarina descobria diversas sensações depois da noite que teve com o marido. Ela queria se permitir amar e ser amada de todas as formas. Não tinha mais receio e medo do amor. O amor que entregava e recebia.

— Sabe que dizem que devemos ter cuidado com o que desejamos que pode se tornar uma realidade.

— Então eu vou desejar com todo meu coração que isso se torne real.

E lá estavam os dois, vendo o casal de patos no presente. Que na verdade não era um casal de patos e sim gêmeos que se odiavam e só brigavam. Clara gritava com o irmão que fazia muito barulho na beira da água dando comida aos gansos, não conseguia se concentrar para desenhar. Ele implicava com a irmã que não era ele que fazia o barulho e que ela era muito fresca. Logo Júnior estava jogando água nela molhando parte da tela que pintava e manchando seu desenho.

— Nosso casal de patos nunca foi tão real. - Catarina comentou sabendo que Petruchio entenderia perfeitamente a referência. - Ouviram seu desejo e fizeram ele se tornar realidade. Como se sente?

— Pleno. - ele respondeu automaticamente sorrindo vendo Clara jogar tinta no cabelo do irmão gritando raivosa.

— Mesmo que ele tenha se tornado realidade tão tardiamente?

Ela ainda tinha dúvidas em seu coração, dúvidas se ele havia mesmo lhe perdoado.

— Tudo aconteceu no tempo certo.

Catarina virou seu rosto e o encarou sorrindo. Acariciou sua barba e o beijou sem vergonha de que os filhos estivessem de testemunha. Estava recordando tudo como anos atrás. Com gosto, cheiro, e um mesmo enredo, que agora ela faria de tudo para que Marcela não atrapalhasse eles novamente.

— PAI! Olhe o que seu filho fez com minha roupa! - Clara gritou ao longe. - PAI! Ele estragou uma tela de pintura! Isso não é justo!

Júnior ria do estado da irmã toda molhada e furiosa.

Catarina e Petruchio continuavam a se beijar, quando foram interrompidos pelo berro de Clara.

— ISSO É HORA? MÃE! PAI! EU QUERO JUSTIÇA! ISSO É TRÁGICO!

Ambos desgrudaram os lábios rindo diante do presente em que viviam.

— Quem vai agora resolver nossos problemas? - Petruchio perguntou.

— Você que queria tanto um casal de patos. Lide com eles. - ela respondeu tentando parecer brava, mas falhando porque o sorriso não saia de seus lábios.

Petruchio desgrudou de Catarina a contragosto e foi resolver outra briga dos filhos.

xx

Aquele fim de semana estava passando tão rápido que Petruchio parecia perto de perder tudo. O tempo não havia atendido seu pedido e não havia parado. Por isso ele tentava prolongar todas as sensações antes adormecidas.

Ele adorava cair nas armadilhas dela. De saber exatamente onde posicionar seus braços e o que fazer com suas mãos. Parecia quase impossível respirar quando se separava dela entre beijos e abraços. Os olhares dela, junto com seu sorriso, devoravam seus sentidos, todo seu juízo estava jogado de lado. Ele não se importava consigo. Deixava ela ganhar o que ela quisesse ganhar, numa discussão boba sobre como ele estava mimando Clara mais do que ela, ou na cama, quando ela queria dominar o tempo e as carícias do amor que faziam, ele deixava que ela ganhasse qualquer disputa contra ele. Catarina tinha um ótimo plano, queria que ele guardasse em si cada pedaço dela, queria que seu cheiro ficasse impregnado do lado direito da cama, grudado no travesseiro. Queria que ele decorasse o seu gosto, como ela decorava o dele. Trilhavam caminhos através do tato um no outro, encontravam tesouros secretos. O mundo poderia esperar mais um pouco, eram tantos mapas para serem descobertos um no outro.

Ela parecia em outra realidade. Esqueceu de tudo e viveu em toda plenitude seu fim de semana na fazenda, mas diante do adiantar da hora no domingo e pensando na segunda-feira que quase chegava, lembrou-se. A imagem de Heitor voltou à sua frente, ela precisava conversar com Petruchio. Havia prometido ser sincera com ele, não queria omitir nada. Ao mesmo tempo pensava se estava na hora de estragar o momento perfeito em que vivia, com uma  angústia e um medo pelo incerto. O que ela faria?

Catarina que antes estava relaxada deitada sobre seu peito depois de outra noite de amor, agora mantinha-se rígida de tensão.

— Ocê vai ficar aqui não vai? - ele perguntou.

Petruchio estava inseguro, parecia que tudo ia se acabar mais rápido do que como começou. E ela não havia lhe respondido aquela pergunta ainda.

— A gente viveu como família, que por tanto tempo ficou separada, nesse fim de semana, e não quero que isso acabe… ocê vai voltar a morar aqui, não vai?

Catarina ergueu seu olhar para ele. Ela estava com medo e receio, ele também. Ele precisava de uma confirmação de que o amor deles ia perdurar, ela também precisava.

Foi então que respondeu, com palavras certas e precisas, a resposta para a dúvida de Petruchio e a sua também.

— Eu vou… Vou morar na fazenda, não vou viver mais nas sombras.

Ele sorriu aliviado, o mesmo sorriso que ela lhe entregava. Catarina voltou a deitar em seu peito enquanto Petruchio enfiava seu nariz em seu cabelo respirando seu cheiro. Estavam juntos, no melhor lugar que poderiam estar. Nada daria errado.


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