Segunda chance escrita por Laura Vieira, WinnieCooper


Capítulo 31
Capítulo 30




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— Acho um absurdo…

— O que? - ela sorriu enquanto colocava rapidamente uma boina em seus cabelos enquanto Petruchio abotoava seu vestido nas costas.

— Eu te ajudar a se vestir quando devia estar fazendo o contrário.

Catarina sorriu e se virou para ele tentando fazer uma feição brava.

— Responsabilidades Petruchio, preciso trabalhar. Preciso ganhar meu dinheiro, lutar sozinha em meio a esse mundo machista.

Petruchio negou com a cabeça sem deixar de sorrir e disse:

— Esqueceu que não tá mais sozinha? Ocê nunca vai tá sozinha enfrentando esse mundo, eu tô aqui, se ocê quiser nem trabalhar mais fora precisa. Eu tô aqui com os braços sempre abertos e prontos pra trabalhar por nois dois.

Catarina engoliu em seco diante da fala dele, seus pensamentos começaram a borbulhar em sua mente. Mordeu sua língua, abanou a cabeça e disse algo para não brigar com ele.

— Estou vendo os braços fortes para trabalhar bem preguiçosos ultimamente. Nem foi ver suas vacas esse fim de semana, elas devem estar morrendo de saudades de você.

— Mas eu sou chefe, não preciso trabalhar se eu não quiser.

— Mas eu não sou chefe, preciso chegar a tempo na escola. - focou que ainda trabalhava lá e gostava disso. - Se esqueceu que nossos filhos estudam lá?

Ele sorriu, adorava quando ela falava nossos filhos no plural, quando se referia aos dois filhos serem de ambos, era como ganhar uma batalha contra ela. Petruchio se aproximou dela, colocou suas mãos em sua cintura e encaixou seu rosto na curvatura do pescoço dela.

— É que tanto tempo longe… fim de semana não deu para compensar. - virou seu rosto e beijou seus lábios com paixão.

Ele ficava um carente quando o assunto era as carícias dela, mas Catarina gostava de ver esse lado dele, havia esquecido a maneira que ele ficava. Obcecado pelo cheiro de seu cabelo, o tempo todo querendo lhe beijar, os abraços constantes e as palavras doces ao pé do ouvido.

— Vai voltar aqui depois do trabalho, não é? - perguntou quando cessou o beijo.

Os olhos dele imploravam um sim e por mais que ela já tivesse garantido que voltaria não parecia ser suficiente. Catarina acariciou o rosto dele com suas mãos e respondeu que sim com a cabeça.

— Eu não quero mais adiar minha felicidade. Eu vou voltar.

Por mais que ela afirmasse a Petruchio que voltaria, que escreveria seu próprio destino, que não ia mais viver nas sombras das mentiras. Ainda tinha medo. E o medo foi o sentimento que a fez adiar sua felicidade por mais de quinze anos. E esse medo agora parecia querer a assustar novamente.

Catarina estava pensativa naquele dia na aula e Júnior parecia ter notado.

— Tá tudo bem mãe? - perguntou a ela quando viu que ela havia trocado o nome de um aluno por outro pela quinta vez naquela manhã.

— Estou sim.

Ela nem pareceu notar Ana, que entrou na sala atrasada, com os olhos fundos e escuros e com um casaco por cima de seu uniforme, mesmo fazendo calor naquele dia. Júnior ficou observando ela e pensou que poderia ficar de olho no intervalo pra entender um pouco mais sobre a garota "secreta" que estudava consigo.

xx

Clara decidiu mudar seu destino, talvez sua mãe tivesse razão ao falar que quando se é adolescente tudo é muito intenso e talvez ela estivesse exagerando quanto a Miguel, afinal ele sempre foi seu melhor amigo e tinha sido ela que havia o afastado, precisava o re-aproximar de si. Por isso, no domingo, pintou um pequeno quadro para o amigo, era único e com um significado que só ele entenderia, desenhou a cena dele abraçando seus ombros e a consolando em meio ao choro no dia que ela descobriu que a mãe havia mentido para si sua vida toda, no dia que descobriu que tinha um irmão gêmeo. Pintou a cena com cores fortes e vivas, esperou secar e passou o verniz, logo de manhã havia embrulhado num papel pardo. Passou o domingo todo fazendo aquele quadro, esperava ser suficiente para que Miguel a perdoasse.

No intervalo, procurou o amigo com os olhos pelo pátio, abraçada no presente como se ele fosse sua única chance de voltar a conversar com ele. Passando os olhos por todos os lugares se esbarrou com sua prima.

— É pra quem esse presente? - Laura perguntou com sua voz curiosa.

Clara revirou os olhos, ela sempre aparecia nas horas mais inoportunas.

— Para alguém. - Clara limitou-se a responder.

Ela passava os olhos ansiosa pelos lugares que Miguel costumava ficar durante o intervalo, havia decorado os lugares preferidos dele.

— Eu já sei pra quem é, seu amigo de Portugal, o Miguel. - Laura sorriu percebendo os sinais de ansiedade dela com os olhos pausados nos mesmo lugares que sempre pausavam anteriormente. - Ele está na biblioteca.

Clara olhou para ela intrigada.

— Como sabe?

— É que ele sempre fica lá na biblioteca quando quer um lugar com mais privacidade.

Clara começou a andar rápido até o lugar lotado de livros, não gostava da biblioteca, evitava entrar lá porque se lembrava sempre de Elisa a filha da bibliotecária e lembrar de Elisa fazia seu coração doer. Mas lá estava ela, quase correndo para encontrar com ele. Como se fosse sua última chance dele a perdoar e voltar a falar consigo.

Chegou e começou a andar entre as prateleiras, uma atrás da outra, procurando por todos os cantos. Laura estava em seu encalço e voltou a falar.

— É aniversário dele?

— É sim! - limitou-se a responder mentindo.

— Isso é tão legal. - ela parecia empolgada. - Assistir você indo atrás dele para lhe entregar um presente. Parece um filme.

Clara revirou os olhos e resolveu a ignorar. Ela estava ansiosa, seu coração batia muito rápido, parecia que corria atrás de algo urgentemente, se não fosse mais rápida a perderia. Foi quando viu ao longe, ele entre duas prateleiras, escondido num canto que quase ninguém o notaria, mas ela o notou, o notaria em qualquer lugar. Estava sorrindo, sozinho, como se a esperasse chegar.

Clara parou de andar e voltou a olhar para Laura. Não queria ela de testemunha.

— Laura, eu queria muito que você procurasse um livro de poesia para mim.

— Por quê?

— Porque eu quero muito ler e sei que conhece o melhor livro de poesia. Vá pegar pra mim? Vá Laura! Vá! - ela estava desesperada para que a jovem saísse logo de perto dela. Mas Laura parecia focada olhando Miguel.

— Ah! Eu sabia que ele estava namorando ela.

Clara ergueu seus olhos para onde a prima apontava agora e observou Elisa perto dele. Havia surgido como mágica ao seu lado. Suas mãos abraçavam seu pescoço, as mãos de Miguel posicionadas na cintura dela. Os pés dela esticados, a boca dela ia de encontro a boca dele lhe dando um beijo discreto, o sorriso tímido que não saia do rosto dele, as bochechas rosadas dela, formavam dois seres quase indivisíveis, tudo se juntando e acabando com a esperança e o coração de Clara.

Seus olhos se encheram de lágrimas instantâneamente, lhe faltou ar e ela soube que havia chegado tarde demais. Deixou o quadro cair no chão e saiu correndo, não suportou mais presenciar aquela cena. Laura observou ela sair correndo e pegou o quadro no chão.

Chegou ao banheiro feminino sem olhar para trás, sem ver se a prima estava atrás de si, não saberia o que lhe responder, só queria chorar a sua dor. Se trancou num box e ficou livre para chorar sem medo de ninguém a ver, seu coração doía, as lágrimas haviam virado soluços. Tinha confirmado, ela havia perdido Miguel para sempre.

Laura não achou justo o presente ficar perdido no chão da biblioteca, se aproximou do novo casal formado.

— Vocês são tão lindos juntos. - ela anunciou fazendo ambos pararem de se beijar e olhar a garota que os encarava curiosa.

— Laura? Esse é seu nome não é? - Miguel perguntou sem gaguejar a ela. A menina limitou-se a confirmar com a cabeça. - É prima da C-C-Clara.

Elisa entortou o pescoço encarando Miguel, ele só gaguejava quando falava o nome de Clara.

— Minha prima queria lhe entregar um presente pelo seu aniversário. - ela esticou o pacote. - Mas aí ela saiu correndo e deixou o pacote cair, acho que ficou com vergonha.

Miguel piscou sem entender, mas pegou o pacote da mão dela. Laura começou a saltitar para longe de ambos sem se despedir.

— É seu aniversário? - Elisa perguntou intrigada vendo o embrulho na mão de Miguel.

— Não. - ele negou com a cabeça observando Laura cada vez mais distante, imaginando se Clara estava por perto.

xx

No intervalo Catarina viu sua irmã chegar a seu encontro, com um olhar preocupado, apesar de perguntar primeiro como ela estava.

— Estou bem. - ela respondeu simplesmente.

— Pois eu soube que passou o fim de semana na fazenda. - Bianca emendou sua pergunta querendo mais detalhes.

— Quem te contou isso? - perguntou brava.

— Mimosa Catarina, se esqueceu que ela trabalha em casa?

— Aquela mexeriqueira, mas sim Bianca, passei o fim de semana na fazenda. - assumiu com um sorriso no rosto bem menos brava.

— Então quer dizer que se entendeu com o Petruchio? - ela queria mais detalhes, mas não sabia se a irmã confiaria nela para isso.

— Sim, me entendi com o Petruchio, ele me ouviu e de alguma maneira me compreendeu e enfim… nos entendemos como nunca nos entendemos nesses anos todos. Tive minha família completa pela primeira vez em toda minha vida nesse fim de semana e estou explodindo de felicidade. - Bianca se precipitou até ela e a abraçou feliz.

— Ah minha irmã, fico aliviada e feliz que esteja vivendo com seus filhos e com o homem que ama pela primeira vez depois de tanto tempo numa família completa.

Catarina sorriu em meio ao abraço.

— Eu nunca me senti tão completa, era como ter uma família que a gente nunca teve, viver uma segunda chance… - sua voz falhou.

Bianca saiu do abraço preocupada, ela não parecia convincente em sua fala apesar das palavras felizes. Parecia que tinha um "mas".

— Mas aconteceu alguma coisa?

Catarina não conseguia mentir por muito tempo para a irmã. Precisava desabafar.

— Ah Bianca, não conte pra ninguém por favor, mas Heitor está de volta e está me rondando morando no mesmo prédio em que estou morando. 

— Heitor? - Bianca ergueu as sobrancelhas tentando entender.

— E sabe com quem ele estava no passado. Você sabe, não é?

— Marcela, lembro quando Dinorá contou sobre o irmão no meu casamento, que ele havia partido para refazer sua vida com Marcela. - Catarina sentiu seu coração se apertar só de ouvir aquele nome em voz alta. - Você tem medo da Marcela?

Ela olhou para baixo não encarando a irmã. Ninguém sabia sobre as ameaças que havia sofrido por parte dela, somente Petruchio.

— Que tipo de receio tem com ela? Que ela roube Petruchio de você? Catarina ele te esperou por quinze anos, ela não pode fazer isso.

— Não. Não é isso. Eu só… - ela engoliu em seco sem saber o que lhe dizer. - Ah Bianca eu só… eu só vivi a plenitude da minha felicidade esses dias e de repente eu paro e penso que ela pode ser quebrada, que tudo pode se acabar novamente e eu não sei se consigo lidar com isso. Eu não sei… Eu não sei se consigo sobreviver a outra dor se por acaso tudo acabar.

— Mas o que poderia dar errado?

— Tantas coisas, tantas coisas… - ela suspirou lembrando das palavras de Petruchio a ela naquela manhã. - Eu entendo que Petruchio quer cuidar de mim, mas hoje eu me senti estranha. - Catarina sentou-se num banco pensativa.

— Estranha como? - Bianca se encaminhou para o lado dela, estava preocupada.

— Ele me disse que eu não estava lutando mais sozinha e que não precisava nem trabalhar mais fora que ele poderia lutar por nós dois.

Bianca olhou para ela sorrindo imaginando as angústias dela que para si eram tão bobas.

— E você não gostou dessa fala por que?

— Eu não quero depender de homem, agora que estou livre e ganhando a vida por mim mesma eu fico contente com isso e… isso me chateou Bianca.

— Ah Catarina ele só quis dizer que estava ali por você, não acho que Petruchio te impediria de trabalhar se você quisesse. - ela ainda não entendia as angústias da irmã. Para ela tudo se resolveria tão facilmente.

— Eu sei que não, mas é aquela tradição machista do homem trabalhar e a mulher ser do lar. Não sei se quero isso. Não sei se… - ela abanou a cabeça preocupada. - Ao mesmo tempo eu penso nos meus filhos e o quanto eles gostam da fazenda, até a Clara, Bianca, está gostando de alguma forma de morar lá. Ficar mais próxima deles me fez prometer que ia voltar a morar com Petruchio.

— Que bom minha irmã, que bom. - Bianca segurou a mão dela a apertando. - Você merece ter sua família e ter medo é natural. Você viveu tanto tempo sozinha, afirmava a si mesma que fazia o certo em viver longe que agora que voltou e viu que precisa de Petruchio, que precisa dos filhos, que precisa ser feliz, o medo caminha junto.

— Talvez. - ela ponderou com a cabeça sabendo que o medo era a razão de tudo.

Bianca se precipitou novamente até ela e abraçou.

— Vai dar tudo certo, você vai ver. Não fique pensando no que pode acontecer, só viva.

Catarina acariciou a irmã pelo ombro e esperou ela sair do abraço.

— Você parecia triste quando veio falar comigo. - confessou querendo mudar de assunto.

— Ah Catarina, eu não sei como te contar isso. - a feição feliz que lhe entregava segundos atrás havia virado preocupação e tristeza. - Papai internou.

— Internou? - ela pareceu preocupada.

— Ele estava dormindo demais, não ia no banheiro urinar e sua perna estava muito inchada que Joana se preocupou e foi atrás do médico de papai. Teve que internar.

A doença do pai para Catarina parecia inalcançável até então, como se fosse uma lenda que ela só ouvia falar e nunca havia presenciado. Ver a irmã lhe contar sobre tudo e ter seu olhar desesperado a encarando fazia tudo se materializar. Como se ela enfim visse o problema à sua frente.

— E o que o médico disse? - perguntou sussurrando, esperando o pior.

— Ele não tem muitos dias. - Bianca negou com a cabeça sentindo algumas lágrimas caírem de seus olhos. - Não há mais nada a fazer a não ser esperar que ele… que ele…

Bianca soluçou não conseguindo completar a frase. Catarina arregalou seus olhos e sentiu o fim perto. Tão perto que ela teve que abraçar Bianca se apoiando nela. Chorou abraçada nela diante do veredito que a irmã lhe trazia.

— Mas tem que ter algo que possamos fazer.

— Não há tratamentos suficientes. Não há mais nada a fazer. - Bianca respondeu ainda abraçada nela.

As duas permaneceram assim até que se acalmassem um pouco. 

— Papai já está em casa, o médico disse que era hora de ficar mais perto da família. Vá visitar ele, Catarina. Sabe que você é a maior preocupação do papai, talvez ele reaja um pouco.

Ela saiu do abraço e a encarou preocupada.

— De novo aquela história de eu não conseguir me sustentar sendo separada? - perguntou brava a ela.

— Ele foi até conversar com Petruchio dias atrás preocupado com você.

— Com Petruchio? O que papai disse a ele?

— Não sei. Mas Joana me contou que ele fez um esforço descomunal para conversar com Petruchio e voltou triste. Por favor, vá visitar o papai, conte a ele que está feliz, que estava na fazenda com seu marido e seus filhos. Talvez ele melhore, talvez ele reaja.

Parecia o último fio de esperança de Bianca. Catarina limitou-se a concordar com a cabeça, precisava ver o pai, e talvez a irmã tivesse razão.

xx

— Às vezes eu acho que ocê é uma vilã. - Júnior se aproximou de Ana que estava sentada num banco comendo um sanduíche.

— Uma vilã? Qual tipo de vilã? - ela perguntou mordiscando de leve a ponta do pão, estava sem fome.

— Daquelas que fingem ser boazinhas, mas que estão com a faca pronta para ser enfiadas nas costas.

Ana deu uma risada.

— Não sabia que poderia ser tão trágico. - ela voltou a mordiscar seu pão.

Júnior queria entender ela, mas Ana não se abria, parecia um segredo guardado a sete chaves.

— Ocê não tem muitos amigos na escola, não é? Não te vejo com ninguém.

— É que eu assusto todo mundo. Como disse, tenho ar de vilã. - se limitou a responder.

Júnior estava cada vez mais frustrado, todos os assuntos que puxava com ela, Ana dava um jeito de desviar. Ela voltou a mordiscar o pão, parecia que forçava a comida.

— Ocê não tá com fome. - não era uma pergunta. Ana negou com a cabeça.

— É que minha mãe fez para mim, ultimamente não ando comendo nada, não quero que ela se preocupe comigo se acaso eu desmaiar por simplesmente não comer. Tô tentando forçar a comida.

Era a primeira resposta dela mais aberta, havia descoberto alguns pontos sobre a garota secreta.

— E por que não tá conseguindo comer?

— Parece que tem um bolo na minha garganta. Sabe?

Ana o encarou, seus olhos pareciam suplicantes, como se dissessem que precisavam dele, mas ele não sabia identificar o porquê. Ele sabia qual era a sensação de um bolo na garganta, a vontade de chorar que vinha tão facilmente. Talvez ela estivesse se abrindo com ele nas entrelinhas. Júnior só esperava saber ler todas elas.

O intervalo logo acabou e ele passou a aula toda olhando de esguio para a jovem. Uma das coisas que mais lhe intrigavam era o fato dela não tirar seu casaco, mesmo fazendo muito calor lá fora. Até sua mãe havia reparado.

— Ana você está bem? Está com febre? - Catarina chegou perto dela e colocou sua mão em sua testa tentando entender o motivo do casaco de frio no dia quente.

— Estou sim! - Ana respondeu tentando parecer convincente.

Júnior não tirava os olhos dela, reparava em seus olhos fundos e vermelhos, nos lábios feridos das constantes vezes que ela os mordiscava, de suas unhas todas mordidas e sangrando nas laterais dos dedos. Foi quando reparou no pulso dela, que ficou descoberto por míseros segundos, estava vermelho, muito mais vermelho que o normal.

Júnior segurou as mãos dela e puxou a blusa dela sem autorização. Olhou as marcas vermelhas, pareciam dedos.

— O que é isso?

— Não é nada. - ela puxou seu pulso tentando esconder para que mais ninguém notasse, mas Catarina percebeu na hora o que estava acontecendo.

— Alguém te bateu, Ana? Por isso está escondendo seu corpo?

Ana arregalou os olhos preocupada, negou com a cabeça automaticamente, não sabia como responderia aquilo. Não sabia o que diria.

Não deu tempo de inventar nenhuma desculpa, a porta da sala de aula foi escancarada aos murros e ela sentiu seu coração gelar quando viu quem havia feito aquilo.

— Como teve a audácia de fazer isso?! - um homem alto, de cabelos pretos e bigodes, usando um terno caro, chegou perto de Ana e segurou seu braço. - Você me disse que não estava assistindo a aula dessa desfrutável!

— Aí! Pai! Está doendo! - ela reclamou sentindo seu pulso protestar, já estava dolorido, agora com a força que o pai segurava e arrastava seu braço tudo parecia piorar.

— Eu exijo que solte minha aluna! O que pensa que está fazendo invadindo minha aula? - Catarina gritou sem medo.

O homem olhou para a mulher com ódio nos olhos e começou a gritar com ela.

— A culpa é sua! Eu já disse a Edmundo que não admitia você dando aula aqui, quando descobri que minha filha estava atrás de você tudo piorou! Andou colocando ideias modernas na cabeça dela?!

— O que o senhor está dizendo? - Catarina perguntou tentando entender o jeito ofensivo com que se portava perto dela, observava ele apertando o braço de Ana, que fazia uma careta de dor.  - Está machucando sua filha.

— Ela merece, por ter mentido a mim. Além disso, não te devo explicações nenhuma, vou até Edmundo e exigir que seja demitida.

Ele vociferava contra ela, como se Catarina tivesse feito algo muito grave contra ele. Júnior estava assustado como ele segurava a garota, mas preocupou-se com sua mãe, se postou do lado dela tentando a proteger de alguma forma.  Não foi preciso, pois o homem saiu da sala puxando a filha pelo braço.

Os outros alunos olhavam a cena preocupados, Catarina ia fingir que nada havia acontecido, mas os sinais estavam tão claros, a blusa de frio que Ana usava para esconder as marcas de uma agressão, a carta que havia escrito como num pedido de socorro a ela, desejando a mãe coragem de se libertar. Agora ela sabia que era do pai. Ela não podia ignorar. Olhou seus outros alunos que pareciam assustados.

— Fiquem aqui, eu preciso resolver um problema, não saiam daqui.

Saiu em disparada para a sala de Edmundo, Júnior estava em seu encalço, não iria deixar a mãe sozinha.

— O que está acontecendo mãe?

— Eu suspeito do que esteja acontecendo, por isso não posso abandonar a Ana agora.

Ela parou de andar e percebeu os berros do homem a atingirem. Ele gritava com Edmundo e dava murros na mesa.

— …Quando estive aqui da primeira vez, fui bem cortês com o senhor, não aceito mulher separada dando aula na mesma escola que minha filha frequenta, mas o senhor jogou o problema para debaixo do tapete! A escondeu numa sala de aula, só que minha filha foi atrás dela como se ela fosse uma heroína! Descobri ontem que minha filha estava tendo aula com ela! 

— Senhor Assunção, sente-se por favor, vamos conversar com mais calma. - Edmundo pediu ao homem que estava impossível de lidar.

— Eu não quero ter calma, eu não vou lhe escutar. Eu já havia lhe ameaçado, precisa de mim para financiar essa merreca de escola que tem, meus funcionários colocam os filhos para estudarem aqui porque eu lhes ajudo a pagar, agora é assim que retribui os anos de contribuição?!

— Com todo respeito, isso é uma escola, não uma empresa. - Edmundo contestou a fala dele.

— Tudo é uma empresa, o senhor não notou ainda? Serafim publicou a matéria num jornal que eu apoio financeiramente. A matéria casa com as ideias que tenho na criação de minha filha, que casa com as ideias de meus colegas e a criação dos filhos, se o senhor não pode colaborar com minha simples exigência de não ter aquela mulher dando aula aqui, vai perder metade da clientela. Quero ver se sua escola vai continuar sendo uma escola e não uma empresa!

Edmundo engoliu em seco, não sabia o que fazer. Catarina ainda estava no ambiente e tinha compreendido tudo.

— Como pode ter tanta certeza que sou eu a mulher divorciada que está mexendo com as ideias de sua filha?! - o homem olhou para ela reparando que estava no ambiente pela primeira vez.

— Não lê o jornal, não é? - ele pegou sem cerimônia um jornal em cima da mesa de Edmundo e entregou a ela.

Catarina passou os olhos, era uma foto tirada dela em frente ao prédio da revista feminina, estava com livros na mão, uma foto tirada sem sua permissão. A manchete assinada por Serafim dizia. "Filha do importante banqueiro, Nicanor Batista, mostra a elegância da mulher divorciada que trabalha fora para se sustentar".

Catarina sentiu seu sangue ferver, a matéria havia sido publicada no domingo, parecia um lembrete depois dos dias que havia passado da primeira matéria. E agora tinha uma foto, todos conheciam seu rosto. Teve vontade de ir atrás de Serafim naquele momento para acabar lhe atirando o vaso que estava devendo. Mas precisava cuidar do homem prepotente em sua frente primeiro.

— São hipócritas como o senhor que movem esse país. - o homem olhou para ela nervoso. - Cospe no prato que alimenta sua filha há anos. Eu só queria ajudar ela. Ana me pedia socorro com os olhos e eu não sabia identificar sobre o que era. Agora eu entendi tudo, ela queria se livrar de você!

O senhor soltou a filha com tudo a jogando de lado, fazendo ela cair no chão, chegou a passos firmes frente a frente com Catarina. Júnior foi ajudar Ana a se levantar, preocupado com seus machucados que sabia que ela escondia por dentro da blusa.

— Você não tem o direito de falar de minha filha, sua mulher da vida.

Catarina fungou nervosa e pegou um vaso ao seu lado atirando ele em cheio na cabeça do senhor.

Ele deu dois passos para trás meio tonto, mas logo se recuperou avançando raivoso até ela.

— Não pode bater nela! - Edmundo gritou.

Júnior correu em direção a cena e se postou entre sua mãe e o homem.

— Ocê não encosta num fio de cabelo de minha mãe senão eu mato o senhor.

Ele estava furioso, Catarina sabia o que fazer.

— Eu não devia abaixar minha cabeça, mas eu não quero te prejudicar Edmundo. - Catarina olhou para o cunhado. - Agradeço pela oportunidade de trabalho, mas estou me demitindo.

— Nada mais justo que isso! Já vai tarde! Tentou parecer escondida na escola, mas te descobri. Suma daqui!

Catarina começou a andar para longe do homem, preocupada com Ana que a olhava chorando, não ia esquecer da jovem, mas se voltasse para a resgatar naquele momento tudo pioraria. Júnior a encarou com o olhar como se lhe dissesse para ir embora correndo, que ele ficaria de olho em Ana para que o homem não fizesse nenhum mal a ela. Voltou a sua sala para pegar seus pertences quando viu Clara chegar perto dela.

— O que aconteceu, mãe? Eu ouvi gritos e no fim um vaso quebrando. Aconteceu alguma coisa com você?

Catarina reparou na filha que tinha os olhos fundos e vermelhos, não podia explicar tudo agora, seus dois alunos permaneciam na sala assustados num canto. Ela se aproximou dos dois e os abraçou juntos.

— Eu amei dar aula para vocês.

Se despediu, pegou seu material e sua bolsa e começou a marchar para fora da sala. Clara a seguiu e ela ainda pode ouvir os gritos do homem ao fundo.

— Já vai tarde, sua destruidora de lares!

— Que homem é esse? - Clara perguntou observando ao longe. Ficou com medo.

— Clara volte para sua aula.

— Não, eu vou com você, não consigo mais ficar hoje nessa escola. Deixa eu ir com você.

Catarina segurou a mão da filha, deixou que viesse consigo, começou a correr para longe da escola, para longe daquele homem.


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