Segunda chance escrita por Laura Vieira, WinnieCooper


Capítulo 23
Capítulo 22




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Se precisasse definir o que Petruchio era, do que era feito, seria lembranças do passado. Lembrava-se muito bem quando ficou doente, quando ficou impossibilitado de levantar da cama e fazer o que mais amava fazer, que era cuidar de sua fazenda e trazer o sustento do seu povo, lembrava-se de Catarina assumindo tudo, entendendo as dificuldades da fazenda, organizando as finanças, ajudando em absolutamente todas as etapas, desde a ordenha, a fabricação do queijo e as vendas das mercadorias. Além de tudo, e apesar da briga que tiveram, ela cuidou dele, ficava preocupada com suas oscilações de temperatura, fazia de tudo para que comesse e sempre dormia no chão, para cuidar de si durante a noite.

Quando Bianca lhe disse que a ex-mulher estava com pneumonia e que ele tinha uma dívida com ela, se sentiu mal.

— Ocê não têm o direito de me exigir isso. - respondeu chateado, sentindo seu coração se apertar em preocupação.

Bianca prosseguiu, porque entendeu que de certa forma tinha mexido com ele.

— Você tem uma história com Catarina Petruchio, seus filhos e tudo o que viveram, nada disso pode ser ignorado por causa de uma briga.

— Não é uma briga qualquer não Bianca, ela mentiu pra mim, a pior mentira que podia ter mentido. Durante quinze anos, quinze anos!

— Eu sei, ninguém está sofrendo mais do que ela com isso, acredite. Ela não dormiu a noite, está tendo pesadelos, diz que sua dor não é física e sim na alma e eu não me lembro de ver minha irmã tão frágil, nunca a vi assim. - Bianca implorava a ele e não se importava em dizer que assistia a irmã se desfazer na sua frente. - Pelo menos, vá conversar com ela. Vá ouvir sua versão da história.

Petruchio negou com a cabeça cansado de todo aquele assunto.

— Não há outra versão de história, nenhuma outra versão que não seja a verdade. E a verdade é que ela mentiu! - então ele partiu com a carroça deixando Bianca para trás desolada.

Seu cérebro estava explodindo, Catarina estava doente, mas ele não lhe devia nada, absolutamente nada, se ela havia cuidado de si no passado era porque eram casados, era sua obrigação de esposa cuidar de si e agora separados, por uma decisão dela e só dela, ele não era obrigado a cuidar dela. Não mesmo. Foi entregar os queijos com a cabeça fervendo feito uma panela de pressão.

xx

Clara se sentia perdida sem saber para onde ir, suas aulas do dia não passavam e ainda não tinha encontrado a mãe pela escola. Queria encontrar a mãe para confrontá-la e dizer tudo o que estava entalado em sua garganta. Na hora do intervalo foi atrás de Miguel, odiava o fato de não estudar na mesma sala que ele por ele ser um homem. Olhou por todos os lugares do pátio e não o encontrou, procurou perto do refeitório e não o achou, então se lembrou da biblioteca.

Assim que entrou no ambiente silencioso e grande, encontrou o melhor amigo debruçado numa mesa, conversava todo a sorrisos com uma garota, a mesma garota que havia espionado dias atrás. Sabia bem o nome dela.

— Elisa… - ela sussurrou com ciúmes.

Então era assim? Ela estava sofrendo, mudando sua vida radicalmente e Miguel ficava de conversinha com sua namoradinha? Ela não conseguia evitar, estava tão frustrada que começou a marchar para perto dos dois que conversavam amigavelmente e se esbarrou com tudo em Miguel.

— Desculpe, não vi que tinha um traidor no meio do caminho. - Ela falou entredentes e com os olhos marejados e saiu correndo de perto dele.

— C-C-Clara espe-e-e-re! - Miguel pediu olhando de relance para Elisa e pedindo desculpas com os olhos, mas indo atrás da amiga.

Encontrou ela sentada debaixo de uma árvore, escondia seu rosto, mas Miguel pode perceber que chorava. Tinha receio de se aproximar, não sabia se lhe era permitido. Mesmo assim chegou perto da amiga.

— V-v-você es-s-sta tris-s-s-te.

Clara se sobressaltou com a voz dele ao mesmo tempo em que negava com a cabeça com raiva.

— Não estou triste, estou com raiva! Raiva! - ela bufou pra ele enxugando o rosto com a mão.

— O q-q-ue aco-o-onte-e-ceu? - ele perguntou sem medo, preferia ver a amiga brava e brigando consigo do que longe como estava nos últimos dias.

— Você ainda pergunta Miguel? Eu mudei de casa, de vida, de rotina… e ainda fui te procurar porque achava que você era meu amigo, a única pessoa que poderia conversar sobre tudo o que está acontecendo na minha vida e te encontro com aquela. Ahhh! - ela ergueu os dedos no ar incapaz de falar o nome de Elisa.

— M-mas v-v-você encon-t-trou seu p-pai on-n-ntem não d-d-deu tem-m-po da gen-n-te conve-e-ersar. - ele tentou se justificar. Queria também dizer que achava que até então estivessem brigados e que ela ainda não estivesse falando com ele, mas achou melhor não.

— Sim, encontrei meu pai, o sonho da minha vida aconteceu. Pronto. Já pode dizer que tinha razão. Diga! - ela estava frustrada e lutando consigo mesma, lhe doía pensar que Miguel sempre teve razão.

— Raz-z-ão em q-q-ue?

Clara ergueu seus olhos o encarando. Poderia lhe dizer que ele teve razão em dizer que o pai não era rico e nem a solução de seus problemas, em meio ao encontro com o pai sem a mãe, se sentia mais submergida em problemas do que fora deles. Estava frustrada e lutando contra seus próprios sentimentos, contra seus próprios medos. Não queria gritar e brigar com ele, não queria descontar nele, era o único que lhe restava.

— Eu só estou me adaptando a minha nova vida. Só isso! - ela disse um pouco calma, enxugando o rosto com a manga de seu vestido.

— A ge-e-ente sem-m-m-pr-r-re foi-i-i ami-i-i-go C-C-Clara, v-v-você po-o-ode con-n-tar comi-i-i-igo. Pra t-t-tudo. - ele tirou uma coragem de si que não sabia existir e tocou no rosto dela, acariciando sua bochecha molhada.

— Pra tudo? Tudo mesmo? - ela perguntou com ideias borbulhando em sua cabeça, não desfazendo o gesto de carinho dele.

Miguel retirou a mão do rosto dela com receio, conhecia bem aquele olhar decidido que agora via em seu rosto.

— O q-q-ue tá plane-e-e-jando?

— Não estou planejando nada Miguel! Tudo tem que pensar no lado negativo quando se trata de mim… - sua paciência se esvaiu totalmente.

— M-m-mas eu n-não dis-s-s-se nad-d-da, eu só…

— Eu só nada Miguel, nada! Quer saber? Preciso gritar com minha mãe, é isso! Gritar com minha mãe! Onde ela está? Você agora morando com ela deve saber.

Miguel olhou para baixo, sem saber como lhe falar a informação que sabia.

— S-s-sua m-m-ãe tá do-o-en-n-te, pneu-u-umonia.

— O que? Doente? - Clara perguntou preocupada. - Pneumonia é sério.

— É s-s-sim, pa-a-arece q-q-ue e-e-ela pe-e-gou chu-u-uva onte-e-em pra fa-a-a-lar co-o-om se-e-eu pa-ai e aco-o-ordou ma-a-al.

Clara começou a pensar consigo mesma, estava com tanta raiva da mãe que não lhe passou em nenhum momento pela cabeça que ela poderia estar doente.

— Como vou brigar agora com ela doente?! - perguntou não esperando a resposta de Miguel, que veio em seguida.

— Po-o-or q-q-ue v-v-você bri-i-i-garia c-c-com e-e-ela? Es-s-sta c-c-com s-seu p-pai, rea-a-a-lizou s-seu so-o-o-nho. - Clara sentiu como se fosse uma bofetada de Miguel em si.

— Sim! Realizei meu sonho! - ela exclamou brava sem se conter e levantou da onde estava sentada empurrando Miguel com a maior força que reuniu para longe de si. Começou a marchar para longe dele.

Miguel olhou para as costas da amiga sem entender nada, não havia dito nada demais, e ela nem esperou para ele dizer que a mãe estava na casa da madrinha dela. 

— Clara! Clara! - Bianca chegou perto da sobrinha e afilhada.

Clara olhou pra ela ressentida, Bianca sabia de toda verdade do pai, é claro que sabia.

— Eu confiava tanto em você minha madrinha. - confessou chateada.

— Do que está falando?

— Você nunca me disse que meu pai era um pobre fazendeiro e que minha mãe tinha se separado dele porque simplesmente são de mundos opostos e era impossível eles ficarem juntos.

— Que história é essa Clara? Sua mãe não se separou de seu pai por causa disso. - Bianca negou com a cabeça diante da teoria da sobrinha.

— Ah é? - ela não conseguia controlar sua voz que saia rude e sarcástica ao falar com a tia. - Então me diga, como uma mulher rica, de poses como minha mãe, se casaria com um rústico, grosseiro, pobre e ainda se apaixonaria por ele?

— Não há regras pro amor, Clara. - Bianca se aproximou dela preocupada. - Você está bem?

— Ótima! Maravilhosa! Nunca estive tão bem em toda a minha vida! - gritou saindo de perto dela chateada.

— Espere! Sua mãe está preocupada com você, nunca dormiu longe dela e Catarina está doente, com pneumonia, por isso não veio trabalhar. - Clara não parava de andar e Bianca quase corria em seu encalço para lhe contar sobre Catarina. - Ela está ficando na minha casa para que eu possa cuidar dela até melhorar, mas ela gostaria de te ver… - Clara parou de andar e virou o rosto para tia ainda nervosa.

— Diga a ela que estou ótima, nunca estive tão feliz em toda a minha vida e que dormir longe dela é maravilhoso e que eu desejo melhoras, mas que não posso visitá-la agora. - virou o rosto para a tia e voltou a andar.

— Mas Clara! - Bianca ergueu os dedos no ar tentando fazer ela voltar a falar consigo. Não sabia o porquê, mas não acreditou em nenhuma das palavras que ela havia pedido para reproduzir à mãe.

xx

Petruchio foi até a feira entregar a partida de queijo de sua carroça e encontrou Calixto lá, que lhe olhava curioso. Mexeriqueiro como era começou a perguntar sobre a noite anterior, como havia descoberto tudo, como tudo se desenrolou para o fim dele com dois filhos a tiracolo e sem nenhuma esposa.

— ...O senhor sabe que informação contata pela metade nem é informação.

Aquele assunto lhe doía, parecia que todos faziam questão de lhe lembrar de Catarina. Clara em todas as suas atitudes e em seu jeito, Júnior e sua tristeza pela verdade da mãe, Bianca e sua cobrança de uma dívida que tinha com Catarina que nem sabia que tinha que arcar.

— Ah, quer saber? Ocê negocia na feira que vou pra loja! - ignorou Calixto. Era mais fácil e não lhe doía o coração.

Chegou na loja sozinho, apesar de lembrar de toda a descoberta quando entrava nela, começou a organizar os produtos que havia trazido nas prateleiras e abriu as portas. Poderia atender os clientes enquanto fazia as contas e quem sabe esquecer por alguns segundos Catarina.

Começou a passar os olhos por toda contabilidade que Júnior havia feito e percebeu o porquê o filho tinha ficado tão preocupado e abalado com o dia que Clara havia entrado no estabelecimento e acabado com todo o estoque. Eles estavam quase no vermelho. O dinheiro que entrava, mal dava para pagar a energia elétrica que vinha cara por causa da geladeira, e com aquele prejuízo todo de comida, poderiam ter que tirar dinheiro do sal das vacas para pagar as despesas.

Estava coçando a cabeça, distraído e pelo menos tinha até esquecido de Catarina uns minutos. Não viu um cliente indesejável lhe parar a frente.

— Onde está Catarina? Você deve saber! - Petruchio ergueu o rosto e encarou Serafim.

— Mas é muita presunção a sua aparecer aqui depois do que me fez ontem. - ele deu um murro na mesa e o que fez Serafim dar um passo pra trás.

— Eu quero saber de Catarina, bati na porta da casa dela e não apareceu ninguém. Onde ela está?! - Serafim ergueu os ombros tentando parecer maior do que era. - Trabalhar sei que não foi, tenho informantes que estão fazendo pressão na cabeça de Edmundo para que ela não vá trabalhar.

— Pressão? - ele perguntou a si mesmo tentando entender Serafim, por fim bufou nervoso. - Eu vou lá saber de Catarina, não quero ver ela nem pintada de ouro. Agora me admira o senhor, se rastejar até aqui atrás dela. Por que quer vê ela? - Petruchio estreitou os olhos curioso.

— Ela destruiu minha redação! Quebrou todas minhas máquinas de escrever, bagunçou todos meus arquivos, foram danos irreparáveis. - Serafim ergueu o dedo no ar lhe informando o ocorrido.

Petruchio começou a rir, sua risada sarcástica imaginando o caos na redação do jornalista à sua frente. Serafim lembrou da filha dele com a mesma risada dias atrás.

— Do que está rindo? Ela infringiu diversas leis com essa atitude!

— Como que tem tanta certeza que foi ela? - Petruchio estava se divertindo com a situação que imaginava em mente.

— Ela deixou um recado, escrito por batom no vidro, que uma mulher à frente do seu tempo havia passado por lá… Claramente uma referência ao artigo, muito bem escrito por mim, que foi publicado no jornal ontem. - ele cruzou os braços na frente do corpo bravo.

— Ah foi ela. - ele concordou com a cabeça com um sorriso no rosto, estava orgulhoso.

— Onde ela está? Quero exigir o dinheiro das máquinas de escrever, senão entrarei com um advogado contra ela!

Petruchio não gostou da palavra advogado saindo da boca dele e nem da ameaça que ouviu. Saiu de trás da bancada que trabalhava, agarrou ele pelo colarinho e prensou na parede.

— Não quero ver um verme como ocê ameaçando Catarina.

— Eu só quero saber onde ela está!

— Pra ameaçar ela! E se ela fez o que fez o que o senhor diz na sua redação foi mais que merecido pelo arquivo maldoso que publicou sobre ela e nossa família.

— Oras eu não fiz nenhum mal, só quis dizer que fico feliz e admirado o quão moderna a família de vocês pode ser…

Petruchio começou a empurrar Serafim para fora da loja.

— O senhor sabe que fez muito mal, fez sim e esse pouco que Catarina fez não é nada perto de tudo o que estamos passando. Ocê feriu meus filhos, se não quer que eu parta pra violência, é melhor sair da minha frente! - Serafim piscou duas vezes diante da fala rude de Petruchio e não pensou duas vezes antes de sair de perto dele.

xx

— Mas Catarina, você não comeu nada da sopa que lhe fiz. - Mimosa reclamou chegando no quarto que Catarina estava na casa de Bianca. Estava cuidando dela, já havia melhorado um pouco da febre, mas ainda suava muito.

— Não estou com fome Mimosa. - Ela respondeu simplesmente.

— Mesmo sem fome, se não comer não vai se recuperar. - Mimosa se lembrou dos tempos em que cuidava dela e de Bianca, Catarina estava parecendo a irmã mais nova e não com ela mesma. - Parece até a Bianca fazendo greves de fome.

— Não é greve de fome, é tristeza, tem um bolo de tristeza entalado na minha garganta.

Mimosa observou ela deixar uma lágrima cair, sentou-se na beirada da cama e segurou a mão dela.

— Queria tanto te ajudar, me corta o coração te ver assim.

— Me diga Mimosa, como Clara reagiu a tudo ontem? Ela nunca dormiu longe de mim. - quase implorou a informação.

— Sua filha dormiu no quarto de Petruchio…

— Ela não consegue dormir sozinha, ainda bem que o Petruchio cuidou dela… - Ela engoliu um choro que quase veio. Então criou coragem e perguntou do filho. - Júnior está como?

Mimosa engoliu em seco sem saber se podia contar tudo o que havia visto e ouvido sobre a noite anterior. Por fim decidiu dizer uma meia-verdade.

— Ele está bem triste, mas quando ele fica assim ele se joga no trabalho, parece até o pai. Acabou não indo pra escola com a irmã.

— Eu queria tanto falar com ele… - Catarina negou com a cabeça lembrando do dia que conheceu o filho, da conversa que tiveram. - Ele é tão especial não é Mimosa?

— É sim…

— Petruchio me deu um desenho dele, que ele fez da família quando era criança. E eu tô lá. Eu fazia parte da família dele. - Catarina não conseguiu mais segurar as lágrimas que vieram. - Quer ver?

Mimosa concordou com a cabeça e Catarina lhe mostrou o desenho que mantinha consigo o tempo todo. Ela sorriu pela lembrança de Júnior pequeno e ficou com mais dó da mulher a sua frente, era como ver um retrato de Catarina que nunca tinha presenciado. Estava tão frágil quanto um vaso em sua mão.

— Ele não quer falar comigo nunca mais. Nunca mais quer me ver. - Catarina voltou a chorar. Era fácil chorar para ela.

— Talvez, se tivesse algum presente, algo tão significativo para eu entregar para ele, quanto esse desenho. - Mimosa sugeriu com nenhuma ideia em mente, somente pensou que pudesse ajudá-la.

— As cartas Mimosa. - o rosto dela se iluminou em esperança. - Eu escrevi milhares de cartas para ele. Durante todos os anos. Será que se eu te pedisse para entregar algumas você entregaria?

Como ela diria não? Queria ver os dois bem imediatamente. Catarina pediu para o motorista de Bianca buscar sua caixa de cartas em sua casa e escolheu uma em específico para Mimosa levar naquele dia. Um fio de esperança entrou em seu coração e ela se agarrou a ele com todas as forças.

xx

Clara subiu na carroça de seu pai sem olhar para trás, ignorou Miguel que a chamava tentando conversar na saída da escola. Estava cansada, brava e cheia de dúvidas em seu coração. O pai levou ela até a fazenda e sentaram-se todos para almoçar. O cheiro do porco assado, do arroz com feijão e da salada de chuchu que Neca havia preparado lhe embrulhou o estômago.

— Quer que eu prepare seu prato? - Neca perguntou a ela com os olhos ansiosos, queria saber a impressão que ela teria de sua comida.

Clara fez uma careta e disse que não com a cabeça.

— Não vou conseguir comer essa comida.

Júnior estreitou seus olhos para ela nervoso. Odiava a forma que ela tratava com desdém todos da fazenda, principalmente Neca que nenhum mal havia lhe feito, pelo contrário. 

— O senhor não vai falar nada? - cobrou o pai pela última fala da irmã.

Petruchio que estava com a boca cheia de comida olhou para Júnior sem entender nada.

— Ela se veste como quer pra ir pra escola, desdenha de tudo o que Neca faz por ela, faz ocê deixar ela dormir no quarto e ainda fala mal da nossa comida. O senhor não vai fazer nada pai?

Clara bateu o punho na mesa olhando brava para o irmão.

— Não tem nada pra fazer a não ser reparar na minha vida?!

— Quem não tem nada pra fazer é ocê que não mexe um dedo nessa fazenda e ainda desdenha de tudo.

— Eu não estou desdenhando de nada! Só não quero comer!

— Porque tem nojo da nossa comida e nojo do que a gente é! Ocê não me engana com essa carinha de inocente!

Eles discutiam e Petruchio acompanhava os gritos como se estivesse numa partida de ping-pong.

— As caveiras de seu pai e de sua mãe devem de tá chacoalhando no cemitério diante de tanta discórdia entre os irmãos e o senhor aí sem fazer nada. - Calixto comentou em seu ouvido ainda com os gritos de Clara e Júnior ao fundo.

Ele bufou nervoso. Levantou bravo.

— Parem os dois de brigar! Ocê Júnior não tem que ficar reparando em nada, Clara acabou de chegar na fazenda, não tá tendo regalia nenhuma.

— Diga isso pro senhor até acreditar no que diz pra mim. - Júnior retrucou.

— E ocê Clara, se não tá gostando da nossa hospedagem e nem da nossa comida, vai ter que trabalhar pra conseguir algo melhor. Se quiser comer a partir de agora vai ter que cozinhar, ou pelo menos começar a ajudar na cozinha! - Júnior sorriu triunfante pelo o que ouviu.

— O que?! - ela gritou indignada pelo o que ouviu do pai. - Esse moleque que inventa uma história sobre mim e o senhor que acredita?

— E tem mais. Vai dormir no quartinho que Neca tá preparando pr'ocê. Até a noite ocê vai pra lá!

— Mas… mas eu… - ela começou a pensar na possibilidade de dormir num cômodo sozinha. Não conseguiria.

— Mas achou que aqui ia ser um hotel, uma fazenda chique como os casarão da Europa? - Júnior perguntou rindo pra ela.

Clara saiu correndo da mesa de almoço chorando. Entrou no quarto de Petruchio e se debruçou na cama. Lembranças do passado lhe vieram na mente e ela só queria sumir.

Catarina insistia em lhe colocar num quarto separado para ela aprender a dormir. Numa das noites ela teve um pesadelo em que lhe era arrancada da mãe e por mais que ela gritasse ela não conseguia fazer sua voz sair. Olhou para as paredes ao redor e elas pareciam estar se aproximando. Lhe engolindo, chorou dormindo e em algum momento ela começou a gritar. Logo estava a mãe lhe abraçando e dizendo que estava ali por ela:

— Estou aqui Clara, mamãe está aqui… - ela chorava ainda abraçada à mãe.

— Medo mamãe, eu tava sozinha… - uma Clara de cinco anos lhe respondeu em meio ao choro.

— Não precisa ter medo, não precisa chorar… venha cá. - ela ergueu sua mão e pediu pra filha lhe acompanhar até seu quarto. Ambas se deitaram no colchão e Catarina acariciou o rosto. - Vou proteger você de todo mal. Não precisa chorar.

Desde então a mãe esqueceu a ideia de fazer ela dormir sozinha. A possibilidade de ter que ficar sozinha num quarto estranho lhe fazia chorar de raiva, mas de medo também. Olhou pro lado e viu a galinha empoleirada no baú da cama. Não gritou com medo dela. Chegou perto de Carijó II e começou a conversar com ela.

— Minha vida tá tão trágica Carijó II, sinto falta e raiva da minha mãe o tempo todo. Meu irmão não me ajuda e meu pai… - conversar com a galinha parecia fazer seu coração se acalmar um pouco. - Eu não sei definir o que meu pai causa em mim ainda… Sinto que sou uma decepção pra ele. E ele de fato é uma decepção pra mim pelo o que idealizei em meus sonhos...

Ficou a tarde toda conversando com a galinha, sentiu-se melhor. Logo estava perdendo seu medo de tocá-la. A acariciava as penas enquanto a ave lhe dava bicadinhas de leve na mão.

— Pelo visto, você será minha melhor amiga.

xx

Mimosa chegou a noite na fazenda e ficou o caminho todo conversando com o marido sobre como Catarina estava:

— ...Eu nunca a vi assim, ela não comeu em nenhum momento, só chorava e parecia que ia se desfazer na minha frente. Ela precisava tanto conversar, esclarecer o que aconteceu com Petruchio.

— Mas o que ela fez foi muito errado, quinze anos de mentira, seu Petruchio não há de perdoar fácil não. E nem deve! - o pouco que Calixto soube da história do patrão, dava razão a ele por pegar e trazer a filha a fazenda.

— Mas eu não sei, tem alguma coisa muito estranha com Catarina, eu sinto que ela guarda algum segredo, algo dentro dela desde o dia que retornou. Algo que ela só contaria pro seu Petruchio.

Calixto absorveu a última informação que Mimosa havia lhe entregado, não custava nada ele ter uma conversinha com o patrão na manhã seguinte.

xx

— ...Bom, Neca arrumou a cama, eu trouxe uma cômoda de meu quarto pr'ocê arrumar suas roupas, é simples, mas a gente vai ajeitando conforme o tempo.

Clara estava abraçada a galinha quando se viu em meio a um cubículo, a janela ficava no alto, ela não tinha visão de fora, se sentiu sufocada, como se as paredes de seu pesadelo estivesse chegando para perto dela na vida real. Ela correu para perto do pai com medo.

— Eu nunca dormi sozinha. - disse a verdade, queria arranjar uma saída para o pânico que sentia.

— Sua mãe te mimou demais lá nas Europa heim… - Petruchio comentou.

— Eu posso ser mimada, egoísta e explosiva, eu sei, admito. Mas dormir sozinha eu não consigo. Papai, eu tô sentindo essas paredes me pressionarem. O senhor não pode me deixar aqui. - ela o agarrou pela cintura e Petruchio podia sentir ela tremendo.

Não queria que a filha se sentisse mal em morar na fazenda, queria que ela aprendesse, mas tortura não estava nos seus planos.

— Arriégua! - Petruchio começou a coçar sua barba em busca de uma solução. - Vamo fazer assim, ocê dorme no meu quarto, mas só dorme lá, esse continua sendo seu quarto, mas dê um jeito de Júnior não saber senão ele me enche a cabeça de minhocas.

— Ah! Obrigada! Obrigada! - ela o abraçou fortemente e lhe deu um beijo na bochecha emocionada.

xx

Mimosa estava com a carta de Catarina na mão, esperou todos se recolherem e se encaminhou a passos leves ao quarto de Júnior. Bateu na porta e o jovem, que considerava quase um neto, atendeu.

— ...Sua mãe quer que você a conheça, ela está muito triste e doente. Está com pneumonia, só pensa em você e na Clara, ela precisa de uma conversa...

Júnior odiou ouvir Mimosa falar sobre sua mãe.

— Ocê veio me azucrinar as ideia Mimosa?

— ...Ela têm um desenho seu, da época da escola infantil e você desenhou ela, numa família com você e seu pai. Esse desenho é como o ar para ela agora, não consegue respirar sem o olhar. - Júnior negou com a cabeça chateado pelas palavras dela, lembrava-se de um desenho que havia feito da mãe com ele o pai e a galinha, mas não fazia ideia que aquele desenho havia parado nas mãos dela. - Ela sabe e eu também, que o perdão, a dor que sente em seu coração, não pode ser curada de um dia para outro, mas ela quer lhe dizer de alguma forma, que você sempre esteve com ela.

Mimosa ergueu o envelope no ar e depositou a mão do garoto.

— Essa carta é sua. Não foi escrita agora, mas é sua. Dê uma chance para conhecer sua mãe.

Júnior observou Mimosa sair de seu quarto deixando o envelope consigo, seu coração disparava e ele não conseguia controlar suas mãos que tremiam. Como se a resposta de tudo estivesse em suas mãos, como se a solução de todos os problemas dependesse só dele.

Devia dar uma chance à sua mãe?


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