Segunda chance escrita por Laura Vieira, WinnieCooper


Capítulo 22
Capítulo 21




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Catarina estava livre e feliz, nadando em um rio, flutuando e olhando pro céu. Tudo parecia em ordem, a vida lhe sorria. Seu destino encaminhado, sua família bem e feliz ao seu lado. O céu estava azul e ela podia brincar de descobrir desenho em nuvens. Tudo estava bem. De repente as nuvens ficaram pretas, e uma tempestade começou a cair provocando ondas gigantescas. Ela começou a nadar em direção à margem, dava braçadas e mais braçadas, mas a costa parecia cada vez mais distante, mesmo ela lutando muito para chegar até lá. Olhou pro lado desesperada, engolindo água, quando viu Petruchio, estava a olhando e o rio à sua volta não estava tempestuoso.

— Petruchio, me ajude, estou afogando… - o rio não dava pé, ela submergia na água e subia recuperando o fôlego.

Mas Petruchio pareceu não se importar. Ele deu dê ombros, envolto no rio calmo e respondeu:

— Eu não posso salvar ocê, o que te afoga não é a água, são suas mentiras. Todas elas lhe puxando para baixo.

Catarina olhou para o lado e percebeu que não estava mais num rio, estava na areia de uma praia, uma areia que a sugava para dentro como se fosse movediça. Clara ia em sua direção e lhe gritava:

— Você sempre soube que eu ia morar com meu pai, se mentiu para ele a culpa é sua. Nunca mais vou morar com você!

Catarina se submergia cada vez mais fundo na areia, estava na cintura e ela não conseguia subir, viu seu filho se aproximar, ergueu as mãos lhe pedindo socorro. Júnior chegou do outro lado e lhe gritou:

— Você mentiu para mim! Nunca mais quero te ver, nunca mais me procure!

Sentia a areia em sua garganta, quando reparou na imagem de Marcela aparecendo ao seu lado:

— Eu não te disse que iria ter seu dinheiro de volta, mas que arruinaria sua vida?

— Sim, aquele dinheiro, engula seu dinheiro, viva sem sua família. - Petruchio gritou de repente surgindo num último flash de imagem antes dela se afogar na areia que entrava em seus poros e fazia ela ficar sem ar.

Agora não estava mais numa areia, mas em notas de dinheiro, o dinheiro que ela havia recuperado, o dinheiro que havia levado ela para longe de São Paulo, o dinheiro que havia feito ela separar sua família e arruinar sua vida. Estava ficando cada vez sem ar, sua garganta estava queimando e ela só queria que a dor cessasse. Fechou os olhos esperando… Esperando tudo acabar… esperando ela enfim parar de respirar e a dor enfim cessar.

Catarina abriu os olhos, estava respirando forte, chorando e suando frio. O medo invadia seu coração.

Um pesadelo.

Tinha acabado de acordar de um pesadelo.

— Dona Catarina, a senhora estava se debatendo na cama, vim checar se está tudo bem. - Filomena chegou no quarto observando ela chorar encolhida na cama. Suava e ainda vestia o vestido vermelho da noite anterior.

— Um pesadelo Filó, tive um pesadelo. - respondeu em meio aos engasgos do choro, ela também tossia.

— A senhora está com as bochechas vermelhas. - Prevendo o que poderia estar acontecendo, Filó chegou perto dela esticando sua mão colocando em sua testa. - Está queimando em febre. A senhora não tomou banho depois da chuva que tomou ontem?

— Eu acordei de um pesadelo… mas a minha realidade é pior do que viver em um pesadelo... - Catarina parecia não ouvir a amiga e antiga babá de sua filha, olhou pro lado percebendo que Clara não estava com ela. Lembrou-se de tudo, estava sozinha, estava se afogando nas mentiras, estava se afogando nos reflexos do dinheiro de sua herança. - Eu estou me afogando nas minhas mentiras, estou me afogando nas minhas próprias decisões, no dinheiro que recebi de minha mãe. Isso nunca vai ter fim. Não tenho ninguém para me socorrer. Eu vou morrer afogada.

— Não vai, estou aqui. - Filomena levantou observando o relógio na parede. - A senhora vai tomar um banho que vou lhe preparar um chá antes de ir trabalhar. Vou avisar dona Bianca que não tem condições de ir trabalhar hoje.

— Trabalho? Meu Deus, eu não posso faltar do meu trabalho. Que horas são? - perguntou afobada a Filó, ainda tossindo muito em meio as palavras.

Demorou tanto para conseguir sua liberdade financeira, seu trabalho digno, que tinha quase esquecido de ser segunda e as responsabilidades lhe batendo a porta.

— É hora da senhora tomar um banho… está queimando em febre… vá antes de sofrer um ataque epilético!

— Mas eu quero ir trabalhar! Eu preciso trabalhar! - implorou como se fosse uma criança.

— Precisa então se recuperar… - Catarina negou com a cabeça, sentia sua garganta queimar de dor, sua cabeça latejava e sentia frio, muito frio. - Tome um banho, estou aqui para ajudar a senhora, prometo.

Filomena conseguiu convencer ela a entrar no banho ao mesmo tempo em que ligava para Bianca explicando o que estava acontecendo, mesmo sendo tão cedo, antes das 5 da manhã, a irmã de sua patroa falou que iria passar lá.

xx

Clara demorou para dormir, além de não conseguir relaxar a mente por estar num lugar diferente, ainda tinha o ronco do pai, ela não estava acostumada a dormir com roncos. Quando enfim conseguiu relaxar e embalou seu sono tranquilo, foi acordada com bicadas no seu nariz.

— Ahhhhh o que é isso?! - ela gritou exasperada observando uma galinha a cutucar no nariz, ela havia pulado na cama.

Petruchio tinha acabado de se levantar e tirava seu pijama se preparando para o dia cheio de trabalho.

— Que bom que acordou cedo minha filha, nois do campo acordamo cedo mesmo. - comentou fingindo que não tinha ouvido o grito dela.

Clara sentia seu coração bater em sua garganta de desespero, tamanho o susto que levou.

— Por que tem uma galinha na minha cama?! - só havia uma pergunta a fazer.

— É Carijó II, ela tá acostumada a dormir no quarto, deve de ter pulado a janela. Tá só te conhecendo.

— Pois já conheceu! Arranque ela daqui! - ordenou ao pai.

Petruchio não gostou da voz dela mandona, nem do fato dela ter falado "minha cama" anteriormente, mas foi atrás de Carijó e tirou ela de cima da filha acariciando a galinha. Apesar de tudo, era afeiçoado àquela galinha, apesar da raiva de Catarina que sentia e do fato que toda vez que olhava aquela versão dois do bicho de estimação da ex-esposa lhe fazia sofrer, ele ainda assim, não gostava que destratassem a galinha.

Ele colocou a ave no beiral da janela e se sentou na cadeira para calçar suas botinas observando a filha voltar a deitar na cama e cobrir sua cabeça com o lençol.

— Como eu ia dizendo… bom ocê já ter acordado. Aqui nois levanta cedo. Vou tirar leite das vacas com seu irmão enquanto ocê vai ajudar Neca e Mimosa na cozinha.

Clara revirou os olhos debaixo dos lençóis fingindo que não havia o escutado.

— Eu tenho escola! Hoje é segunda-feira. - foi a única desculpa que conseguiu arranjar em meio ao argumento do pai.

— Mas é por isso que levantamo três horas antes. Ocê ajuda na cozinha, tem broa de fubá pra fazer pra levar na loja fresquinha, ajuda a passar café e volta pro quarto pra se arrumar pra ir pra escola, enquanto isso eu tiro o leite das vacas e carrego a carroça de queijo. Nois nos encontremo na sala sete e meia e da muito tempo de chegar na escola antes das oito…

Clara bufou nervosa debaixo do lençol ainda evitando encarar ele.

— Papai… - ela sentou-se na cama olhando pra ele com os olhos baixos. - Tantos acontecimentos na minha vida, uma casa diferente, conhecer o senhor, conhecer o pessoal da fazenda... eu nem consegui dormir direito, será que só hoje, eu não posso dormir até mais tarde?

Petruchio coçou a cabeça meio sem saber como reagir a ela. Clara já havia se mostrado autoritária e um pouco esnobe com o pessoal da fazenda. Mas ainda estava a conhecendo, não podia julgar a filha assim e ou se vingar de alguma forma dela.

— Tá bem… só hoje, ouviu bem? Só hoje.

Clara prontamente concordou com a cabeça.

— Nessa casa todo mundo tem que trabalhar de alguma forma, nois não vive de brisa e o dinheiro não vêm fácil… - Clara voltou a concordar com a cabeça. - Vou trabalhar, mas sete e meia na sala esteja pronta pra ir pra escola.

Clara concordou com a cabeça pela terceira vez vendo seu pai sair do quarto. Deitou-se com tudo no colchão e soprou a franja da testa com raiva.

— Minha vida está mais trágica que nunca!

xx

— Diga A… Vamos repita comigo: A!

— Vai querer que eu fale o alfabeto inteiro?

— Pare de retrucar contra o médico Catarina, por favor, obedeça! - Bianca implorou a irmã.

Assim que Filó avisou Bianca do estado da irmã, ela ligou para o médico de anos da família e ambos se encaminharam para a casa de Catarina, ela recebeu ele com cara de desdém e já foi logo implicando, dizendo que não havia necessidade daquilo tudo. Mas Bianca viu o estado em que ela se encontrava, olhos fundos de tristeza, uma febre incessante e tosse, muita tosse.

— … É bem o que suspeitava, está com pneumonia. - o doutor falou com um estetoscópio em suas costas.

Catarina olhou o médico com os olhos estreitos, começou a negar com a cabeça inconformada.

— Desde que me conheço por gente, o senhor só sabe dar o laudo de pneumonia pras pessoas. - falou brava lembrando-se de Petruchio, da fazenda, da época em que ele ficou doente e ela teve que tomar conta de tudo.

— Pois muito bem, lembro de cada paciente meu, e jamais me esqueci da senhora, por acaso estava errado quando disse que seu marido estava com pneumonia?

— Ex-marido! - ela o corrigiu em meio a uma crise de tosse. - Mas não, não estava errado.

— Por acaso eu estava errado quando lhe informei que estava grávida e ainda por cima de gêmeos?

— Não, não estava errado. - admitiu meio que sem outras opções.

— Pois eu tenho absoluta certeza que a senhora está com pneumonia.

— Senhorita! - Catarina voltou a corrigir em meio a outra crise de tosse.

— Ah Catarina, tinha que tomar chuva ontem a noite? Já não basta tudo o que passou minha irmã? - Bianca a repreendeu preocupada.

— Eu não tomei chuva nenhuma, quem tomou chuva foi o asno do seu ex-cunhado. Eu só estava tentando explicar as coisas para ele… - Catarina podia estar doente, mas continuava a mesma.

— Bom… - o médico retirou um papel de sua maleta e começou a escrever a receita. - É imprescindível que a senhorita não saia da cama, tome caldos quentes e os remédios que irei lhe passar.

— Como não sairei da cama doutor? Eu preciso trabalhar! - reclamou tentando parecer como sempre era, brava. Levantou-se da cama. - Eu estou ótima. - logo sentiu tudo girar e começou a tossir, sua cabeça latejava de dor. Sentou-se frustrada.

— Catarina fique tranquila, não precisa trabalhar essa semana… - Bianca segurou ela pelos braços preocupada. - Além disso vou te levar pra minha casa para que Mimosa e eu cuidemos de você enquanto Filó estiver no trabalho.

Catarina sacudiu a cabeça frustrada e triste. Ia retrucar com a irmã, mas estava sem forças até para isso, deixou que ela falasse com o médico sobre os medicamentos que precisava tomar. Deixou que todos saíssem do quarto até se ver a sós com Bianca.

— Se eu estou assim, será que Petruchio não está pior? Ele pegou mais chuva que eu, bem mais chuva que eu... - Bianca se aproximou dela e acariciou seu rosto, que ainda estava vermelho e quente por causa da febre.

— Se faz de durona, mas se preocupa com ele.

Catarina suspirou cansada e abanou a cabeça negativamente, apesar da raiva não podia deixar de pensar nele.

— Esqueça tudo o que falei, ele é um casca grossa. Além disso, vaso ruim nunca quebra! Tomara que esteja pior do que eu! - ela tentou parecer desinteressada, mas seu coração doía ainda e não conseguia não pensar em Petruchio com seus filhos, como estariam todos na fazenda.

— Vou te levar pra casa, depois vou até a farmácia encomendar seus remédios, então vou na escola avisar Edmundo que você não está bem e que terá que se ausentar essa semana.

Catarina resmungou negando com a cabeça.

— Não quero te dar trabalho.

— Não têm escolha.

Bianca organizou uma mala para a irmã com peças de roupas enquanto ela olhava para a janela tristemente, pensando ainda nos acontecimentos recentes de sua vida.

— Queria ver como Clara está, nunca dormi longe dela. Nunca. - confessou baixinho, estava com tanto sono.

— Eu converso com ela para você.

— Preciso tentar conversar com Petruchio também, e com meu filho… preciso correr atrás do meu filho…

— Se não se curar não conseguirá. Por isso precisa se ausentar por um tempo, pra cuidar de você. Pra se curar da pneumonia.

Catarina negou com a cabeça, sentindo lágrimas caírem de seus olhos, apesar do sol quente que brilhava em sua visão do céu pela janela, suas lágrimas não secavam.

— A minha dor não se cura com remédio nenhum. Minha dor é na alma.

Bianca não soube o que lhe responder, sabia que dia menos dia, sua irmã iria sofrer as consequências de suas mentiras e de suas decisões erradas. Ajudou ela a descer do apartamento e a levou até sua casa, a acomodaria no quarto de visita e se tivesse sorte a convenceria a dormir um pouco. Precisava ir até a escola falar com Edmundo.

xx

Petruchio observava o filho sentado perto do açude da fazenda, ele tinha acordado antes de si, já tinha ordenhado suas vacas e observava o sol nascendo no horizonte, estava concentrado, com algo na mão que ele não conseguia definir muito bem o que era a distância.

Observou o filho conversar com o que tinha na mão, ao mesmo tempo em que lhe fazia carinho. Quando deu mais alguns passos, percebeu ser um pequeno pássaro.

— Ocê precisa voar Kiwi, já consertei sua asa. - o passarinho entortou o pescoço e piou para ele. - Tá é com medo de enfrentar a natureza né? Ficou mais de uma semana com eu lhe dando comida e água. Mas a vida é assim memo, a gente vai, levanta e aprende. Não podemos ficar o tempo todo protegidos numa caixa.

Petruchio observava o filho conversar com o pássaro em silêncio, não queria perder aquele momento, Júnior nunca lhe falava nada, nunca se abria consigo, era quase como assistir um milagre na frente de seus olhos.

— Eu sei… da medo, mas a vida é assim memo! A gente precisa ter coragem… e coragem é agir memo na presença do medo. - o pássaro entorno o pescoço, deu um último pio, bicou levemente a mão dele, como se tivesse compreendido tudo o que ele havia dito e saiu voando, sem medo.

Júnior riu e começou a abanar a mão se despedindo do pássaro. Era a deixa para Petruchio conversar com ele.

— Bom dia filho.

Júnior se sobressaltou de susto, não tinha notado o pai atrás de si.

— O senhor tava me espionando.

— Tava não, eu só não consegui atrapalhar a sua conversa com o passarinho. Bonitas as palavras que ocê disse.

Petruchio sentou-se ao lado dele, Júnior entortou o pescoço para encarar ele.

— Dizer é fácil pai, o difícil é ter atitude.

— Tá falando de eu ou d'ocê?

Ele negou com a cabeça cansado, observando o lago à sua frente.

— Tô dizendo sobre tudo… era fácil pra minha mãe chegar e conversar comigo escondida, inventar uma história, mas ela assumir que errou e tomar uma atitude, é bem mais difícil…

— Ainda pensando na sua mãe?

— E como não havera de pensar? Eu sonhei todos os dias em abraçar ela, em conversar com ela e quando fui fazer isso, descobri que já tinha acontecido e todas as mentiras vieram juntas.

Petruchio engoliu em seco, não sabia o que falar, não queria destratar Catarina na frente do filho porque sabia que tudo pioraria e ele ficaria mais ressentido, deixou que ele desabafasse.

— Por que ela mentiu? - perguntou encarando o pai. Petruchio negou com a cabeça sem saber uma resposta. - Ocê deve de tá pior que eu…

— Eu tô ótimo já, a Clara ocupa metade da minha cabeça, a outra tá n'ocê, nem lembro de Catarina.

Júnior revirou os olhos lembrando da irmã.

— Falando em Clara, Calixto me disse que ocê deixou ela dormir no seu quarto pai. Ocê que nunca deixou eu dormir no seu quarto, nem quando eu era criança e tinha pesadelo durante a noite.

— É diferente.

— Diferente como?

— Ela disse que nunca tinha dormido sozinha, nunca tinha ficado sem a mãe dela… eu só deixei ela dormir lá hoje. Já tava tarde e eu quis evitar mais trabalho…

Júnior deu de ombros, não se importava com Clara dormindo lá, só não queria que o pai a tratasse como uma princesinha, que ele sabia bem que Petruchio era capaz de fazer isso e Clara adoraria.

— Achei que pelo menos o senhor ia pôr ela pra trabalhar na cozinha com Neca.

— Foi só hoje, tudo muito diferente pra ela meu filho. - Petruchio não sabia que o filho observaria o tratamento que ele daria a Clara logo pela manhã.

— Pois lhe digo, essa semana não irei pra escola. - deu seu veredito ao pai.

— Mas é importante ocê estudar de novo. A gente já tinha combinado.

— Não me sinto pronto em ver minha mãe assim, sabendo que ela vai tá lá e… - ele negou com a cabeça evitando encará-lo. - E se Clara têm direito de dormir até tarde e não ajuda na casa. Eu tenho direito de falta da escola.

Petruchio suspirou cansado, sabia que as comparações entre a criação dos dois viriam, mas não esperava ter que lidar com tudo tão cedo.

— Tá bem meu filho, mas não uma semana inteira. Amanhã Clara já começa a ajudar na casa. Logo ocê tem que ir pra escola.

— Se e quando ela começar a ajudar na casa, eu começo a ir pra escola. - respondeu ao pai sem medo de bronca.

Petruchio ficou se perguntando se era bom ter dois filhos por um momento.

xx

Clara não conseguiu dormir mais, a galinha insistia em lhe fazer companhia no quarto, em certo momento ela parou de ter medo do bicho e começou a aceitar a presença dele, já que tinha medo e nojo de tocar nela para espantá-la do ambiente. Logo estava se arrumando para ir pra escola. Colocou um vestido de festa azul e um sapato de salto, quando foi pentear os cabelos se lembrou da mãe. Ela sempre lhe penteava os cabelos de manhã, era o momento raro de carinho entre as duas e enquanto fazia o ritual sozinha pela primeira vez, se deu conta que pentear seus cabelos longos dava muito trabalho.

— Ah mãe! Por que você fez tudo errado?! - ela bufou nervosa tentando desfazer um nó que insistia em permanecer em suas madeixas. - Se não tivesse mentido tanto nem arruinado sua vida, podia estar penteando meus cabelos agora.

Demorou longos minutos para conseguir terminar de se pentear, pensou nas inúmeras mentiras da mãe e a que mais lhe doía era o fato do pai não ser um fazendeiro rico. Pensou em chegar na escola e repreender ela de alguma forma, logo lembrou de Miguel lhe dizendo que ela era interesseira e que só queria encontrar o pai porque achava que ele era rico.

— Isso é mentira! - gritou pro espelho, tentava se convencer de que não era interesseira, mesmo seus pensamentos lhe dizendo o contrário.

Foi pra sala afirmando a si mesma em pensamento que amava o pai do jeito que era, foi quando descobriu que teria que ir de carroça pra escola.

— De carroça? Mas o senhor não tem carro? - perguntou com a voz esganiçada. Não conseguia evitar.

— Nem se tivesse, nunca que vi fazendeiro entrega queijo de carro e não carroça! Eu sou um homem do campo, não um almofadinha da cidade.

Clara suspirou tristemente, que dedo sua mãe teve de lhe dar um pai rude e tão grosseiro. Não combinava em nada com ela. Não lhe admirava que haviam se separado.

— Trouxe pr'ocê uma broa com manteiga. Nem foi tomar café. - Neca apareceu na sala lhe dando um pão.

— Parece tão gorduroso. Não obrigada. - entregou rudemente a Neca sem se conter.

— Então aceite um pedaço de queijo. - Neca insistiu. - Vai ficar fraquinha se não comer.

— Queijo? Esse queijo mal-cheiroso?

— É o queijo que nois faz, e é o melhor queijo da região. - Júnior entrou na sala a tempo de ver a irmã desdenhar do sustento da fazenda. - Não desdenhe. Tá vendo a má agradecida que ela é?

— Não estou desdenhando e não sou má agradecida.

— Vamo pra escola de uma vez. - Petruchio decidiu dar um basta na briga de Clara e Júnior.

— Olha a roupa que ela vai pra escola pai, o senhor vai deixar? - Júnior questionou.

— Ele não tem que deixar nada. A roupa é minha e o corpo é meu! - Clara retrucou com o irmão.

— Achei que a escola de sua tia tinha uniforme. - Petruchio comentou.

— E tem, minha mãe que não comprou ainda. - Clara cruzou os braços na frente do corpo. - E eu não vou trocar de roupa.

— Vamo! Que resolvo essa história do uniforme é hoje!

Petruchio já estava cansado de lidar com adolescentes e não gostou da maneira como Clara desdenhou da comida da fazenda. Teria que lidar com essa questão mais tarde.

xx

— Edmundo, Catarina não poderá vir trabalhar pelo menos durante uma semana.

— Confesso que é melhor, será um tempo a mais para pensar. Não sabe a pressão que estão fazendo em mim. - Edmundo confessou a esposa, estavam na sala da diretoria da escola, mesmo cedo, Edmundo já havia recebido diversos telefonemas e alguns pais de alunos influentes na sua sala.

— Que tipo de pressão? Do que está falando? - Bianca perguntou preocupada.

— Aquele artigo do jornalista Serafim que foi para o jornal, que lhe mostrei…

— Sim! Aquele artigo maldoso que acabou com a vida de minha irmã, ela está doente praticamente por causa dele. - Bianca o interrompeu com raiva na voz.

— Pois esse artigo já repercutiu na boca dos pais, e eles sabem que ela está dando aula na escola…

— Como assim?

— Estão exigindo que eu a demita, porque não querem as ideias modernas dela sobre casamento e criação dos filhos recaia nos filhos deles.

— O que? Eles não podem exigir isso.

— De fato exigir eles não podem, mas eles pagam. E estão ameaçando tirar os filhos da escola, e são mais da metade da clientela.

Bianca colocou a mão na boca, espantada diante das informações que Edmundo lhe entregava.

— Catarina não pode saber disso, pelo menos por enquanto, ela já está tão mal. Imagine se descobrir que… que…

— Que ela vai ficar sem emprego? - Edmundo perguntou querendo o aval da mulher para que possa fazer isso em caso extremo.

— Ela já perdeu tudo, a única coisa que a deixa feliz por agora é esse emprego. Eu não posso dar mais essa apunhalada em seu coração. - implorou ao marido que coçou a cabeça sem saber quais seriam seus próximos passos.

— Vamos aguardar essa semana que ela não poderá vir, vamos tentar acalmar os pais de alunos e depois vemos o que faremos.

Bianca concordou com a cabeça sem muita esperança. Se encaminhou para o pátio, queria encontrar Clara ou com sorte Júnior, quem sabe se falasse algo aos sobrinhos os convenceriam a visitar a mãe e ela poderia melhorar.

Clara estava chacoalhando na carroça, havia esquecido de pegar uma almofada, sua bunda doía e ela só queria gritar para extravasar suas frustrações.

— Pode parar uma rua antes, eu termino de chegar a pé. - exigiu quando viu a esquina da escola. Seria trágico demais se Miguel a visse chegando de carroça, não queria nem imaginar o prazer supostamente estampado no rosto do ex-melhor-amigo.

— Mas eu faço questão de levar minha filha na porta do colégio. - Petruchio não queria esbarrar com Catarina, mas queria ter o prazer de deixar sua filha na escola pela primeira vez.

Estacionou a carroça no portão da frente pro desgosto de Clara.

— Isso é no mínimo trágico. - ela bufou nervosa levantando para descer da carroça, sem conseguir sozinha.

Petruchio observava a filha sem saber o que fazer, desceu da carroça e a ajudou a alcançar o chão.

— Esteja aqui na frente na hora da saída. Eu venho te buscar.

Clara revirou os olhos sem saída e lhe deu um breve beijo no rosto.

— Está bem, bom trabalho. - Petruchio ficou sem fala diante do beijo no rosto que recebeu da filha. Demorou uns instantes observando ela entrar no colégio e sentiu um leve orgulho, apesar da história torta dos dois.

Bianca viu a sobrinha entrando no colégio, mas observou Petruchio ao longe vendo ela, não podia deixar a oportunidade passar, podia conversar com Clara outro dia. Precisava falar com o ex-cunhado.

— Petruchio, que bom que te encontrei. - Bianca o alcançou quase correndo, ele já se encaminhava para a carroça.

— Bom dia Bianca… - ele a cumprimentou tirando o chapéu.

— Preciso falar com você sobre minha irmã.

Petruchio amarrou o rosto e se encaminhou para carroça.

— Petruchio, por favor, precisamos conversar.

— Me admira ocê Bianca, eu que lhe confiei meu filho como madrinha, esconder de mim esse tempo todo que sua irmã tinha uma filha minha abafiada nas Europa. - ele retrucou nervoso. Apesar da amizade e o carinho que sentia pela ex-cunhada, ainda não lhe descia todas as mentiras que haviam lhe contado por quinze anos.

— Era um pedido de Catarina, eu não podia descumprir um pedido de minha irmã.

— Um pedido mais sem pé nem cabeça, onde já se viu brincar de Deus Bianca? Onde? - ele bufou nervoso subindo na carroça, Bianca se postou na frente do cavalo.

— Pois eu concordo com tudo isso, concordo que Catarina fez muito mal a você, a Júnior e a Clara, mas quem mais está sofrendo com essa história toda agora: é ela.

— Pois ela que sofra! - exclamou nervoso erguendo as rédeas da carroça.

— Ela está doente Petruchio, pegou chuva na noite tentando falar com você e está com pneumonia. - Bianca soltou a informação, não sabia se a irmã queria que ele soubesse, mas precisava fazer alguma coisa.

— E o que eu tenho a ver com isso? - perguntou ainda nervoso. Não suportava saber da ex-mulher parecia que lhe feria cada vez mais. Era como uma faca enfiando no peito.

— Até onde sei, minha irmã cuidou de você quando teve pneumonia. Não pode desampará-la agora.

Petruchio, que até então evitava encará-la, ergueu seu rosto a olhando, sem saber o que falar ou como agir. Bianca havia quase o esbofetado com a última frase.


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