Segunda chance escrita por Laura Vieira, WinnieCooper


Capítulo 21
Capítulo 20




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Clara idealizou tanto seu pai, desde o dia que conseguiu arrancar de sua mãe que ele era um fazendeiro o imaginou rico, fino e com muito dinheiro, ela não podia impedir-se de pensar assim, afinal fazendeiros tinham pedaço de terra e animais, impossível ele ser pobre. Logo criou suposições em sua mente do porquê a mãe se separar e ir pra Europa, ela se recusava a falar do passado, apesar de tudo sabia que o pai não era mal e sempre desejou o conhecer. Sendo assim, não estava em seus planos andar de carroça para ir até a fazenda de seu pai.

— Uma carroça? Eu vou ter que andar de carroça?

Estava frio e ventando muito, a chuva havia cessado, mas uma vez que estava decidida a viver sua vida ao lado do pai ela poderia encarar uma carroça. Certo? Petruchio a ajudou a subir e partiram.

Petruchio sentia seu coração num misto de emoções, as descobertas do dia e sua briga com Catarina ainda ecoavam em sua mente, mas não conseguia parar de admirar a filha ao seu lado, gritando em cada buraco que a carroça encontrava pelo caminho. Ela era real, uma filha que ele não sabia que existia e com o nome de Clara, o nome que ele havia sugerido quando ela ainda estava na barriga de sua mãe. A filha era real.

— Ocê parece muito a sua mãe. - ele não queria admitir, mas não conseguia evitar. Clara era quase uma cópia de Catarina, seu jeito de sentar era igual ao dela, além de sua aparência.

— Dizem que sim, inclusive no gênio forte. - ela lhe sorriu de lado. - Dizem que é por isso que não me dou muito bem com ela. A gente briga demais.

— Ah sua mãe sempre gostou de brigar.

Clara concordou com a cabeça.

— Ainda bem que você me entende papai.

Vieram o resto do caminho conversando, Clara lhe contou como vivia na Europa e como a mãe sempre se recusou a falar sobre ele e só dizia que ele era um...

— Fazendeiro ri... - ela parou de falar momentaneamente reparando nas roupas do pai, encharcadas e velhas. - Um fazendeiro.

— A gente produz queijo, mas também outras coisas vindas do leite. Temo até uma loja na cidade. Um pequeno comércio.

— Eu sei, foi lá que fui e... enfim... conheci meu irmão. - Petruchio sabia que havia sido ela que destruiu todo o estoque da loja naquele dia, típico de Catarina jogar coisas quando não conseguia o que queria, outra característica que o fez pensar que a filha lembrava a mãe. - Ela não mentiu só para você, ela mentiu a mim também, nunca soube, nunca passou pela minha cabeça, que eu tinha um irmão.

— E como ocê reagiu quando descobriu tudo? - ele estava curioso, mas também preocupado, ainda bem que a filha era permissiva e contava seus sentimentos, ao contrário do filho que não dizia nada.

— A gente teve a pior briga de todas. Eu disse coisas horríveis, e ela também retribuiu, disse que foi ver o Júnior e que se conectou com ele como nunca havia se conectado comigo...

— Ah ela foi disfarçada vê ele...

— E disse também que tinha feito a escolha errada dos gêmeos, que se arrependeu de ter ficado comigo. - Clara ainda ficava chateada com esse assunto, ele lhe doía no coração.

— Sua mãe quis brincar de Deus e isso só machucou ocê e seu irmão. Mas agora tudo vai ficar bem, nois vamo recuperar o tempo perdido.

Clara sorriu para ele aceitando a mão do pai que apertava a dela em compaixão. Ela passou o resto do caminho ignorando a dor na bunda por andar na carroça e com a esperança de que tudo daria certo. Foi quando ela viu a fazenda, que na cabeça dela não era uma fazenda, estava mais para um sítio, era tão pequena e desarrumada, logo na entrada com a placa com o nome: Fazenda Santa Clara estampado num pedaço de madeira que se sustentava apenas de um lado.

— ...Eu nunca parei para pensar do porquê que minha mãe escolheu meu nome. - ela comentou displicente, ignorando o aspecto velho da entrada da fazenda.

— ...Eu escolhi seu nome. - Petruchio respondeu. - Esse nome têm um grande significado pra eu e não sei como sua mãe teve a coragem de usar ele e me esconder sobre ocê.

Clara concordou com a cabeça, tentando imaginar os motivos.

— Minha mãe é muito fechada, nunca me contava nada de seus verdadeiros sentimentos. Eu nunca soube o seu nome pai, até chegar no Brasil e descobrir tudo o que tinha direito. Eu fui atrás da verdade e a encontrei.

— É... sua mãe sempre foi muito fechada com seus sentimento. Sempre... - Petruchio suspirou recordando de outros tempos.

— Às vezes eu acho que ela esconde alguma coisa. - Clara confessou. - Mais do que essas mentiras todas, eu não sei, acho minha mãe muito triste.

Petruchio não perguntou mais nada, apesar de estar curioso, estacionou a carroça e percebeu que a de Júnior estava lá na fazenda, lembrou-se do filho e ficou preocupado. Eram tantas emoções e tantos acontecimentos ao mesmo tempo que ele se esqueceu momentaneamente do filho frustrado que estava sofrendo talvez mais que ele pelas mentiras de Catarina.

Ajudou Clara a descer da carroça ao mesmo tempo que notava uma careta da filha observando o barro em seus pés, presentes nos seus sapatos de salto.

— ... É que choveu tanto, deve de sujar um pouco seus sapatos. - ele desceu as duas malas dela e indicou a escadaria para que ela prosseguisse.

Clara observava com desdém a fachada da casa, parecia que o telhado estava se desfazendo, vários lugares do cimentado estavam faltando e a pintura não existia, era um branco manchado de terra vermelha. Ela respirou fundo e odiou o cheiro de estrume de vaca que sentiu, entortou o nariz.

— Já tá gostando do cheiro do campo? Melhor que o da fumaça da cidade. - Petruchio lhe deu uma piscadela sem perceber a careta dela. Seguiram para a porta de entrada.

— Seu Petruchio, que bom que o senhor chegou, Júnior está trancado no quarto e não sai de lá. Ele veio muito triste guiando a carroça, não falou nada comigo, mas chorava, acho que...

— Mimosa já irei falar com ele. Quero apresentar pr'oceis minha filha. - ele esticou a mão e mostrou Clara entrando aos tropeços pela porta de entrada da sala.

Calixto, Vincenzo, Neca e Mimosa olharam para ela.

— Filha? Como o senhor me arranjou uma filha moça da noite pro dia? - Vicenzo exclamou.

— As caveiras de seu pai, mais as caveiras de sua mãe não devem de ter gostado dessa ideia de uma filha fora de casamento. Já é mal falado porque é separado, agora com uma filha de mulher da vida?

Clara, que até então estava reparando em como os móveis eram velhos na sala de entrada, virou o rosto e encarou Calixto furiosa.

— O que está falando?!

— Para de zurrar Calixto, Clara é minha filha com Catarina.

Calixto arregalou os olhos para ele entendendo menos ainda. Neca se adiantou próxima da jovem e sorriu meio encabulada para ela.

— Mas ocê parece tanto sua mãe, eu descobri d'ocê esses dias atrás e quase num acreditei, mas olhando assim... - ela esticou sua mão quase a tocando. - Tão bonita seu Petruchio. - Neca olhou o patrão quase orgulhosa. - Posso abraçar ocê?

— Abraçar? - Clara concordou com a cabeça um pouco receosa e sentiu os braços de Neca a envolverem. Eram quentes e calorosos e ela sentiu-se acolhida.

— Mas como ocê sabia Neca? - Calixto perguntou chateado.

— A sua esposa assanhada me contou. Descobriu por Bianca.

— Não me chame de assanhada...

— Mas o que? Ocê sabia e não me conto?! Ah mas as caveiras de sua mãe e de seu pai tão se revirando no cemitério por esconder verdades de seu marido.

— Respeite a memória de meus pais! E não podia contar, Catarina pediu segredo.

— Como que Neca ficou sabendo?...

Calixto e Mimosa discutiam no aposento e Clara acompanhava tudo com os olhos arregalados, Neca demorou para desfazer o abraço e quando fez a jovem sentiu-se estranha, como se lhe faltasse um chão para pisar, foi se encaminhar para o sofá para sentar, pois estava se sentindo um pouco tonta diante de tantas revelações e apresentações, quando reparou no estofado e começou a berrar:

— Papai! Têm titica de galinha no sofá!

— Claro que têm, as galinhas vivem aqui... - ele parou de explicar de repente se lembrando de algo. - Neca! Carijó tá em meu quarto?

— Haverá de tá, o senhor pediu pra colocar ela lá.

— ...Mas então ocê há de ir no meu quarto e tirar aquela galinha e bota no galinheiro.

— O que?! - Calixto falou indignado ignorando a discussão que até então travava com a esposa. - Esse negócio de tira põe tira põe galinha de galinheiro não faz bem não! O senhor tá é ficando doido?

— Shiu! - Petruchio levantou a mão bravo. - Não pedi sua opinião! Neca, tira a galinha e prepara um banho pra Clara na banheira de meu quarto. Vou ver Júnior.

Clara permaneceu na sala sem grandes reações, estava melindrosa e com certo nojo do ambiente hostil em relação ao da sua imaginação que não tinha nem chegado perto daquilo. Sempre imaginou o pai vivendo num palacete, não num casebre caindo aos pedaços. Lembrou da mãe lhe gritando no dia da briga de ambas: " Você só pensa no seu próprio umbigo! Não pensa um segundo nos outros. Só quer encontrar seu pai porque pensa que ele é rico e por ser rico poder te sustentar em meio aos luxos... Eu odeio admitir, mas sei que criei uma filha gananciosa".

Clara sentiu sua garganta se fechar, ainda ouvia os gritos de Calixto e Mimosa aos fundos e podia ver Neca a observando de perto, mas seu cérebro só pensava na briga com a mãe.

"Você não pode me impedir de encontrar meu pai! E eu vou morar com ele pra ficar bem longe de você!"

"Vai sim! É bom! Vai aprender colocando a mão na massa, assim como eu!"

Ela havia enfim encontrado seu pai, então por que não se sentia aliviada? Por que sentia que as coisas só iriam piorar?

— Vem que te ajudo no banho... - Neca a chamou e ela obedeceu, talvez um banho quente a acalmasse.

xx

Catarina ainda chorava em sua cama, Bianca havia partido e tinha pedido para Filomena ficar de olho na irmã e que qualquer coisa para para avisá-la. Desta forma, Filó estava parada na entrada do quarto observando a patroa se afogando em dor e desespero.

— Dona Catarina, a senhora tá bem? - era claro que ela não estava bem, mas ela não conseguia começar uma conversa com uma pergunta que não fosse aquela.

—... Filó... eu... perdi... - soluçava entre uma palavra e outra, a amiga chegou mais perto de si e ergueu um copo de água com açúcar, previu que ela precisaria.

— Tome dona Catarina, vai se sentir melhor.

Ela tomou sem relutar pois queria que a água com açúcar fosse como um remédio que lhe tirasse o sufocamento que sentia.

— Eu perdi tudo Filó, você viu o que meu filho falou para mim? Meu filho! Aquele que viveu dentro de mim! Você viu? Ele nunca mais quer me ver! Meu filho!

Filó mordeu os lábios e engoliu em seco sem saber o que responder.

— Ele não quer me ver nunca mais...

— Ah dona Catarina, ele devia de estar chateado, quando a gente está chateado diz coisas da boca pra fora, não vê a senhora brigando com Clara? São tantas brigas tão terríveis e vocês sempre voltam a se falar.

Catarina limpou o rosto banhado de lágrimas com a palma de sua mão ao mesmo tempo em que negava com a cabeça.

— Eu perdi a Clara também... a Clara... eu nunca sequer dormi nenhum dia longe dela. Eu sempre brigo muito com ela, eu sei, mas é como se as duas partes de meu coração tivessem ido embora hoje. Não paro de pensar nos dois.

Filó a abraçou sem ter uma resposta e deixou que ela apertasse seus braços em si, sentiu lágrimas caírem em seus ombros e não sabia o que dizer para arrancar a dor dela.

— Petruchio estava confiando em mim, nós estávamos nos entendendo... parecia que ele ainda me amava Filó...

A amiga e empregada de anos nunca tinha ouvido ela falar de seus sentimentos tão abertamente, era como se a tragédia pessoal tivesse lhe despertado outro lado. Ainda a abraçando, Filomena deixou que ela lhe confessasse.

— ...E eu o amo, eu o amo com todo meu coração... eu sei que nunca falo sobre isso. Mas eu perdi todo meu futuro essa noite. Tudo por causa daquele Jornalista e seu texto maldoso. - ela disse entre um soluço e outro, mas com muita raiva na voz.

— Jornalista? Que história é essa? - Filomena saiu do abraço e encarou a patroa.

Catarina lhe explicou o que Serafim havia feito e como Petruchio havia descoberto tudo através de uma carta de Clara que havia chegado até ele, ela não sabia como, na loja.

— ... Certeza que foi Miguel, ele fazia tudo por Clara. Mas vou conversar com meu filho e dar uma dura nele.

— Não faça isso, quero tanto que Miguel volte a falar com ela para me manter informada sobre a vida de minha filha a partir de agora.

Filó concordou com a cabeça apressadamente e perguntou novamente sobre o artigo no jornal.

— ...Depois de ler a carta ele ainda confirmou tudo da pior maneira com o Serafim, a matéria no jornal dizia o quanto nossa família era moderna, pela forma como dividimos a guarda dos filhos.

— Ah dona Catarina, vai me dizer que é esse jornalista que tem a revista aqui embaixo. Aqui nesse prédio.

— Ele mesmo.

— A senhora sempre tão explosiva quando fica com raiva, por que não vai lá e destrói a redação dele? - Filomena comentou tentando parecer displicente, Catarina olhou a amiga surpresa.

— O problema é entrar lá. - explicou seu dilema. De fato não havia pensado nisso antes, mas agora lhe parecia a coisa ideal para fazer.

— Eu particularmente sou ótima com grampos e portas.

Logo estavam as duas, Miguel com uma lanterna, um grampo e um batom vermelho - que Catarina pretendia usar depois - tentando arrombar a porta.

— M-m-ãe não sa-a-abia que sa-a-abia ar-r-rombar po-o-o-rtas. - Miguel comentou com medo olhando para os lados.

— Ah meu filho, há tantas coisas que você não sabe sobre mim... Consegui. - Filomena destrancou a porta empurrando ela para a patroa e amiga entrar.

— Venha você também me ajudar Filó, Miguel fique aqui na porta e qualquer sinal avise. - Catarina ordenou observando os dois a obedecerem.

Entraram, tudo estava organizado, várias máquinas de escrever em diversas mesas, armários com arquivos em vários cantos, diversos livros nas prateleiras.

— Isso é por ter afastado minha filha de mim! - Catarina pegou com certo esforço uma máquina de escrever e arremessou no chão fazendo ela se amassar. Voltou a pegar a mesma máquina de escrever e levantou ela no ar mais segura de si. - Isso é por ter feito meu filho me odiar da pior maneira. - Algumas teclas se soltaram com o impacto desta vez. Pegou ela novamente e levantou no ar sem esforço algum, como se fosse uma bola leve. - Isso é por ter feito Petruchio descobrir da pior maneira acabando com o possível recomeço de minha vida que estava tentando ter com ele. - A máquina acabou de se destruir com o último impacto. - Vamos Filó! Me ajude! É relaxante destruir as coisas. - disse um pouco sem fôlego, mas empolgada por estar fazendo algo proibido e descontando tudo no covarde do Serafim.

Ela e Filomena destruíram todas as máquinas de escrever, derrubaram todos os livros da estante e jogaram no chão todos os armários com arquivos. Por fim, Catarina pegou o batom vermelho que havia levado e escreveu no vidro que separava a sala do dono da revista de seus repórteres.

"Uma mulher a frente de seu tempo, passou por aqui"

xx

— Aqui tá nossa melhor toalha, deixei a banheira quentinha pr'ocê... - Neca anunciou a Clara.

— Tá, eu gosto de shampoo com aroma de rosas, pode me trazer?

— Aro...ro aro o que? - Neca fez uma careta a ela não entendendo nada.

— A-ro-ma! Cheiro... de rosas.

— Ahhhhhhh! - Neca sorriu lhe dando um tapinha no ombro. - Tua mãe tinha dessa também. Igualzinha sua mãe. - Clara bufou impaciente. - Aqui nois só toma banho com sabão de banha de porco. Eu mema que faço.

— Sabão de banha de porco?! Isso faz bem?

— Claro que faz, sente minha pele como é lisinha, sente. - pegou a mão da garota e passou por seu braço.

Clara estreitou seus olhos querendo gritar e chorar. Por fim falou para Neca sair de uma vez para ela tomar seu banho.

— Qualquer coisa ocê me chama.

Clara concordou com a cabeça esperando que o banho lhe ajudaQsse a relaxar.

xx

— Filho é eu, seu pai, abra a porta... - Petruchio batia na porta do quarto de Júnior quase implorando por uma resposta dele.

O jovem estava triste num canto entre o guarda-roupa e a cômoda, sempre ficava lá quando o pai lhe colocava de castigo ou quando sentia-se mal pelos outros lhe xingarem ou falarem palavras horríveis por simplesmente não ter uma mãe. Ele sentava-se no chão, encolhia as pernas para perto de sua cabeça e balançava de um lado para o outro até a dor passar.

Era o que fazia agora e por mais tempo que estivesse ali tentando fazer sua dor passar, ela não cessava. Sentia-se cada vez mais mergulhado na angústia e nos dilemas de sua vida. Em seus pensamentos só ecoavam tudo o que havia visto e ouvido minutos atrás.

— Filho... por favor... - Petruchio insistia na porta trancada.

O abraço que o jovem tanto ansiou e sonhou durante sua vida inteira havia acontecido em segredo, a mãe havia o visto disfarçada e conseguido o que queria dele tirando-lhe o direito de sentir a emoção da primeira vez que a viu.

Lembrou-se de Clara no dia que tinha ido visitar o avô, o dia em que a irmã estava de castigo num quarto.

"Acha pouco o que ela fez com a gente?! Ou ainda não parou para pensar no que ela fez? Reflete um pouco! Fomos separados quando bebês! Ela nunca contou da existência de um pro outro. Meu pai nunca ficou sabendo que teve uma filha! Acorda!"

Ele estava acordado e refletindo sobre o ato da mãe.

— Júnior! Tô quase arrombando essa porta! - a voz do pai ecoava no fundo, mas em seus pensamentos só tinham o rosto da mãe lhe olhando e lhe tocando.

"Nós temos uma conexão forte, parece que nunca nos separamos".

Mas Júnior sabia que tinham ficado separados, longos quinze anos, pensou no porquê da mãe não ter escolhido ele e sim sua irmã. O que ele havia feito de errado para não o escolher? O que Clara tinha que ele não tinha?

Começou a bater sua cabeça no guarda-roupa se culpando ao mesmo tempo em que Petruchio pulava a janela e ia ao encontro dele o abraçando e impedindo de se machucar mais.

— Meu filho não faça isso... não faça isso... eu tô aqui... eu tô aqui... - Petruchio tentava o consolar ao mesmo tempo em que via sua testa vermelha, seus olhos inundados de lágrimas e a dor transpassada em seu semblante.

— A culpa é só minha, é só minha, ela não me escolheu, eu fiz algo de errado. Eu...

Ele retrucava enquanto o pai sentia seu coração doer de ver o filho nesse estado.

— A culpa nunca foi e nunca será sua, é sua mãe a culpada, por isso não gostava de fala dela pr'ocê, por isso não queria que a conhecesse. Sua mãe foi brincar de Deus e acabou atingindo as pessoas que não podiam sair prejudicadas nessa história. Ocê e sua irmã.

Júnior negava com a cabeça inconformado, com medo de encarar o pai. Nunca tinha ficado nesse estado, tinha vergonha dele o achar fraco ou menos homem por isso.

— Desculpa pai, não queria que tivesse me visto assim. Desse jeito desarrumado, desse jeito torto.

— Ocê não tem que pedir desculpa de nada, se tá doendo tem que chorar, chorar as vezes faz bem, tira tudo de ruim dentro da gente, depois disso tudo se renova, e chorar não te faz menos homem.

Júnior concordou com a cabeça agradecido ao pai.

— Ainda bem que ela me deixo com o senhor, eu digo a que me teve na barriga por nove meses que não consigo nem chamar mais de mãe, mesmo que ela não tenha me escolhido pra ficar ao lado dela, ainda bem que ela me deixou com ocê que é o melhor pai que eu podia ter.

Petruchio sorriu com os olhos marejados diante das palavras dele.

— A gente sempre conseguiu fazer de tudo junto, e vamo nos unir mais ainda agora. Ocê vai ver.

Petruchio colocou a mão no ombro direito dele apertando. O agradecia por ser o filho maravilhoso que era para si e mostrava ao mesmo tempo que estava ali por ele.

— Nois tamo junto, haja o que houver.

— AHHHHHHHHHH SOCORRO! - um grito invadiu o quarto fazendo os dois se sobressaltarem.

— Arriégua! Quem tá berrando assim?

— PAPAI! ME AJUDE! SOCORRO!

— O senhor trouxe essa menina pra cá? - Júnior perguntou indignado ao pai, bem menos triste.

— É sua irmã e também vítima nessa história toda...

— Vítima? Vítima? Foi ela que acabou com o estoque da loja naquele dia, só pro senhor saber. - ele disse emburrado.

— PAPAI! SOCORRO!

— Eu sei, mas não podia deixar ela com sua mãe... enfim... vou ver o que tá acontecendo. Durma que amanhã a gente continua conversando. Ocê vai ficar bem não vai? - Petruchio perguntou realmente preocupado ignorando os gritos de Clara ao fundo.

— Eu tô melhor já. Pode ir tranquilo.

— Tá bem, qualquer coisa me chame.

Júnior concordou com a cabeça vendo o pai sair do quarto apressado, sabia que a culpa não era do pai, nem dele e nem da irmã, mas também não conseguia culpar a mãe. Mesmo diante de tantas dores em seu coração, diante de toda a decepção, ele não conseguia culpar a mãe. Naquela noite desejou que a dor e sobretudo o rancor, sumissem de seu coração, para que um dia, com a coragem que não sabia da onde viria, pudesse enfim ouvir a mãe e tentar entendê-la.

xx

— Mas arriégua, o que tá acontecendo? Por que tá gritando desse jeito? - Petruchio adentrou o banheiro de seu quarto e observou a filha embrulhada numa toalha, encolhida num canto.

— Um lagarto, horrível! Ali no canto. - Clara apontou tremendo para o canto direito.

Petruchio acompanhou com um olhar onde a filha apontava e começou a rir quando viu do que ela tinha medo.

— Lagarto? Lagarto? Isso aqui é uma lagartixa! Olha o tamaninho dela. - Petruchio foi até o bicho e segurou ele entre os dedos. - Está vendo? Pequeno demais pra ser um lagarto.

— Ainda é um monstro horrível! Tire daqui! Tire daqui! - ela fechou os olhos com medo enquanto o pai aproximava o bicho para perto de si para que ela visse melhor que era apenas uma lagartixa indefesa.

— Mas cada vez vejo que se parece mais ainda sua mãe.

Petruchio virou as costas e saiu com a lagartixa deixando que ela terminasse o banho. Clara se trocou colocando sua camisola e foi até o pai, que estava sentado na cama, com ar cansado e abatido.

— A Neca também falou que eu era igualzinha minha mãe, em menos de uma hora aqui já escutei que sou mais parecida com ela do que nos últimos anos. - Clara confessou. - Seria uma ofensa pro senhor eu ser parecida com minha mãe?

Petruchio negou com a cabeça um pouco pensativo.

— Às vezes vai ser bom ocê morar aqui. Aprender um pouco da vida real.

Dos poucos minutos que havia convivido com a filha, tinha achado ela melindrosa demais, também achou ela um pouco esnobe, mas resolveu ignorar essa sua impressão.

— Pedi pra Neca preparar uma cama pr'ocê num quartinho, tá entulhado de coisa lá, mas amanhã memo eu arrumo pra ser seu quarto. Não tem outro lugar.

— Eu vou dormir sozinha? - Clara perguntou preocupada.

— Mas é claro. Onde mais ocê havera de dormi?

Clara estreitou os olhos reparando no quarto do pai, era grande e espaçoso e a Neca podia muito bem acomodar um colchão por lá pra ela.

— É que... eu nunca dormi sozinha... por mais que eu brigasse com minha mãe... e a gente já teve muitas brigas feias, muitas mesmo... inclusive a última briga foi a pior de todas... eu ainda dormia no mesmo quarto que ela. - Clara tentava explicar ao pai meio atropelada nas palavras que usava - Me deixa dormir aqui com o senhor?

Como Petruchio lhe negaria aquele pedido? Logo estava deitado no chão enquanto a filha ocupava a cama de casal.

Clara observava o teto do quarto pensativa e aflita com o futuro que lhe aguardava. Ouvia o pai roncar e não conseguia relaxar, não conseguia dormir. Em seus pensamentos estava a mãe, que devia estar arrasada nesse momento, também estava dentro de seu coração a raiva por ela ter mentido, claramente seu pai não era um rico fazendeiro. Lembrou-se de Miguel, do dia que lhe falou para pensar na possibilidade do pai não ser rico e ela lhe jurando que não se importava, que não era interesseira.

Afinal, ela não era interesseira. Era?

Teria uma resposta nos dias que se seguiriam e todos os desafios que teria que enfrentar.


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