Segunda chance escrita por Laura Vieira, WinnieCooper


Capítulo 20
Capítulo 19




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Petruchio ficou sentado no chão durante horas tentando assimilar as novas informações e controlar sua respiração. Ele sabia que a vida poderia lhe dar bofetadas, já havia recebido várias delas, seus pais morrendo cedo deixando a fazenda para ele cuidar e dar conta desde muito jovem, o desafio de salvar seu povo, de não deixá-lo passar fome quando as dívidas o afogavam e o desafio de esquecer Catarina depois que ela havia partido deixando o filho com ele. Mas ele não se lembrava de sentir o desespero. Aquele desespero absoluto que chegava quando sentia o mundo desabar e os passos que viriam a seguir não eram claros. Todas suas dores do passado se curaram, mas quando a nova dor chegava não havia como descobrir o que fazer para tirá-la de seu coração. Uma filha que não conhecia, uma filha que lhe foi tirada de sua vida sem dó ou remorso. Uma filha!

Bufou nervoso sentindo o desespero invadir seu coração. Como recuperaria a esperança de seu relacionamento, de sua família depois de descobrir tudo aquilo? Depois de repassar toda a carta da filha inúmeras vezes e saber que a mãe mentiu a ela o tempo todo? A mãe? Catarina!

Decidiu enfrentá-la, precisava confrontá-la. Esperou dar o horário combinado e foi ao cinema a esperar na porta. Catarina desceu de um carro de aluguel deslumbrante, estava linda de arrancar o fôlego de qualquer homem, mas ele não conseguia mais enxergar essa beleza nela.

Catarina decidiu esquecer o pio da coruja e seguir seu coração, afinal era só uma superstição. Desceu do carro e reparou em Petruchio a esperando, ele estava lá, tudo estava bem. É claro que resolveu também ignorar a roupa gasta de trabalho na fazenda e seus olhos fundos e vermelhos - "Estava tudo bem, estava tudo bem" - repetia em sua mente.

— Você está aqui… - suspirou aliviada indo o abraçar sem receios. Enlaçou seu braço forte em seu pescoço e colocou o rosto no peito dele. - Passei o perfume que tanto gosta e comprei um lenço novo só para essa noite.

Catarina esticou seu pescoço e olhou Petruchio nos olhos, ele estava impassível. Pousou suas mãos na barba dele e esticou os pés com a intenção de beijá-lo nos lábios. Petruchio negou com a cabeça e segurou suas mãos a afastando de si.

— Ocê é falsa.

Ela piscou engolindo em seco, um relâmpago cortou o céu ao mesmo tempo em que ela lhe perguntava com medo.

— Por que está me chamando de falsa?

— Ocê mentiu pra mim, a pior mentira que podia mentir! - ele estava nervoso ao ponto de não controlar mais sua voz. - Ficou me beijando, me abraçando, fingindo que queria construir uma família comigo. Que queria conquistar a mim de novo pra conquistar meu filho…

— Eu não menti! - Catarina gritou tentando se defender, no fundo de seu coração sabia que não era mentira, que queria mesmo construir uma família consigo como não tivera a oportunidade antes.

— ...E eu caí, feito um idiota nessa sua encenação. Como sempre caio quando o assunto é ocê e suas mentiras.

— Que mentira?

Era como estar cega diante dele. Ela sabia que seu mundo estava prestes a desabar, ela sabia que a avalanche ia cair em sua cabeça. Mas não esperava pelas palavras cortantes que recebeu dele a seguir.

— Pare Catarina, sabe muito bem a mentira que mantém de mim durante anos. Ou mente tanto, tanto, tanto que finge que não é mais mentira? Acredita que é mesmo verdade?

Ela sabia do que ele falava, mas ao mesmo tempo não queria acreditar que ele sabia o que achava que ele soubesse por outra boca sem ser a dela.

— Petruchio, vamos sair daqui? Vamos conversar em outro lugar? - começava a pingar e o céu do crepúsculo do fim da tarde ficava cada vez mais escuro, mas as pessoas que estavam no cinema pareciam não se importar mais em assistir ao filme no qual compravam o ingresso, estavam de olho nos dois. Um espetáculo particular.

— Pra que ir pra outro lugar? Ta é com medo das pessoas descobrirem que ocê tentou agir como Deus nas minhas costas?!

— Não grite, por favor. - Ela se aproximou dele devagar, querendo lhe acalmar e ao mesmo tempo com medo de tudo. Tentava abraçá-lo mas ele negava com a cabeça e se afastava furioso. - Vamos embora daqui, vamos para um lugar calmo conversar, sem ninguém ao redor, talvez na loja, na loja é um ótimo lugar para eu lhe explicar que…

— Explicar o que? Que eu tenho uma filha? Eu tenho uma filha com ocê!

Catarina começou a sentir sua garganta fechar, seu peito subia e descia, mas não conseguia mais respirar. Então ele havia mesmo descoberto tudo, seus olhos se apertaram quando ele afastou ela novamente para longe de si.

Os pingos de chuva estavam mais fortes e Catarina se abrigou debaixo de um toldo, com frio e medo.

— Quem te disse isso? - sua voz saiu fraca.

— Vai negar? Tô esperando! - ele esticou os braços no ar cansado, estava cada vez mais encharcado da água da chuva.

Catarina sacudiu a cabeça sentindo que as lágrimas inundavam seu rosto.

— Quinze anos! Quinze anos! Quinze anos Catarina! E eu aqui achando que pior coisa que poderia vir d'ocê era ter sumido da vida de meu filho sem explicações!

Ele urrava bravo, Catarina não sabia como se defender e o que dizer a ele, observava as pessoas na fila para comprar ingresso do cinema assistindo os gritos dele, alguns compraram até pipoca para acompanhar tudo como se estivessem na própria sala de cinema.

— A gente precisa conversar. - foi tudo o que conseguiu dizer tentando chegar perto dele, Petruchio deu vários passos para trás fugindo dela. - Vamos para outro lugar. Um lugar mais reservado. A loja. Por favor, Petruchio.

— Por que? Está com vergonha? Está de repente com vergonha da sua grande ideia de ser Deus e dividir a guarda dos filhos comigo? Quem te autorizou a ser Deus heim?!

— Eu tive que fazer isso! Você se esqueceu que você também me ameaçou?! Você Petruchio me ameaçou! VOCÊ! Você que me disse que jamais ia me deixar partir com seu filho! - ela gritava uma defesa indefensável entre lágrimas.

— …Mas é claro, é claro que a culpa é minha. Ocê sempre quis partir. Sempre quis pegar o seu dinheiro… aquele maldito dinheiro e fugir pras Europa. - ele negava com a cabeça em meio a chuva, parecia mais calmo, mas as palavras dirigidas a ex-esposa a feriam cada vez mais. - Eu que fiz de um tudo para achar esse dinheiro que era seu por direito, levei o que em troca? Não só uma apunhalada nas costas, mas várias, e cada vez que escuto e vou a fundo nessa história, mais ferido saio dela.

— Petruchio não era para ser assim! - ela não escondia suas lágrimas observando ele completamente encharcado na calçada. - Eu não tive escolhas.

— Ocê teve várias escolhas Catarina, ocê e só ocê quis o divórcio. Ao mesmo tempo eu fico pensando nesse dinheiro, se ele não tivesse aparecido em nossas vidas, se ele não tivesse sumido, a gente podia tá em paz agora na fazenda, criando nossos filhos, nossos dois filhos, em meio as galinhas e as vacas numa vida simples, mas feliz. Mas agora pensando que essa vida simples nunca foi pr'ocê, ocê sempre quis mais. Muito mais. Ocê com toda sua ganância. Eu devia saber.

— Eu? gananciosa? E você que casou comigo por causa do meu dote! Se esqueceu? - ela perguntou brava. - Parece até que se esqueceu que lhe dei um filho meu!

— O que?! Quer que eu lhe agradeça por isso?!  Pode deixar! Obrigado Catarina por ser tão generosa comigo e mentir pra mim por QUINZE anos!

— Não fale só seu lado da história! Soa como se eu fosse culpada por partir! - estava nervosa com ele e também desesperada.

— Eu sempre tive medo d'ocê partir pra europa, desde sempre eu sabia que um dia ocê partiria. Eu sempre vivia dizendo a Calixto que um dia ocê ia partir e ele falava que não. Mas olhe aí o que o destino me deu, não só ocê indo gastar seu dinheiro na Europa, mas com uma filha a tiracolo. Uma filha minha!

— Não foi bem assim. Eu tive minhas razões.

— Quais?!

Catarina negou com a cabeça sem saber o que dizer a ele, seu segredo mais profundo, nunca dito a ninguém, ainda estava guardado dentro de si.

— ...Como foi tomar essa decisão? Ocê olhou os gêmeos e falou que ficaria com a menina que me entregaria o menino, ou tirou na sorte?

— O que está insinuando? - ela perguntou nervosa e incrédula.

— Tô só curioso pela sensação do que é ser Deus.

— ...Foi a decisão mais difícil de toda minha vida. Eu nunca sequer fui capaz de olhar o Júnior, eu nunca segurei ele nos braços. Nunca foi uma escolha!

Ela estava ficando furiosa com ele, como Petruchio ousava falar que fora tudo armado? Catarina pegou um pacote de pipoca na mão de uma pessoa que assistia a cena.

— ...Mas pra você é fácil falar! Não conhece meu lado da história, é mais fácil me apedrejar! - Catarina começou a jogar pipocas nele. - Não quer sequer me ouvir!

—  Atira, isso atira. Grita comigo! Vai! Assim ocê mostra quem realmente ocê é!

Ela negou com a cabeça jogando o pacote de pipoca no chão.

— Está tudo errado Petruchio, vamos ir para outro lugar conversar? Eu lhe explico tudo.

— Pra que? Eu descobri tudo através de uma carta. Uma carta de minha filha, me pedindo socorro. Sabe o que é isso? Ler uma carta de uma filha que eu nem sabia que tinha em que ela me narrava histórias do que tinha vivido comigo em sonhos, porque ocê e só ocê nunca permitiu ela viver? Sabe o que é isso?

— Clara te mandou uma carta? Foi assim que descobriu?

Ela estava em prantos, mas também indignada, havia pedido à filha para não estragar tudo.

— Clara! Como teve a coragem de colocar o nome dela de Clara?

Como dizer a ele que queria sempre lembrar de si todas as vezes que olhava a filha e que Clara, mesmo a distância, tinha muitas coisas dele, que pensou sim nele quando colocou o nome dela. Mas não disse nada. Não teve coragem.

— Mesmo que eu não acreditasse nessa carta, tudo foi logo confirmado. - Petruchio negou com a cabeça já cansado de discutir e brigar com ela. Estava inconformado por toda situação e exausto emocionalmente.

— Confirmado? Como?

— Todo mundo já sabe da sua grande ideia de transformar sua maternidade, numa experiência única e moderna. Foi estampada no jornal.

— O que? - ela exclamou chocada quando viu Petruchio levantar o exemplar que o jornalista serafim havia lhe entregado naquele dia, estava todo amassado porque ele havia lido e relido diversas vezes a mesma página, e também molhado por causa de sua insistência em permanecer na chuva.

Catarina segurou o papel na mão e passou os olhos rapidamente no artigo que Serafim havia escrito.

— ...Aquele covarde! - ela exclamou nervosa.

Catarina não conseguia acreditar que Petruchio havia descoberto e confirmado tudo por causa de Serafim, devia ter sido logo depois que ele viu Clara, quando a filha fez questão de dizer que era filha de quem ela era filha ele correu e contou de forma covarde e desumana a informação a toda população de São Paulo.

— ...Ah, você é a famosa Catarina a fera? - uma mulher na fila perguntou.

— Então é verdade que você teve gêmeos e dividiu a guarda se separando de seu marido? - o guarda do cinema perguntou curioso.

— Santo Deus! Esse mundo está perdido. - uma idosa fez o sinal da cruz.

Foi a deixa para Petruchio começar a sair andando para longe dali. Começou a procurar sua carroça em meio a chuva que caia.

Catarina estava assustada olhando todas aquelas pessoas, quando deu por si viu o ex-marido quase subindo na carroça.

— Petruchio espere! Não vá!

De repente as lembranças de cenas do passado lhe vieram à mente e ela recordou de um dia em que ele estava encharcado da água da chuva, a última vez que isso havia acontecido...

— … Petruchio você precisa se secar, da última vez que ficou na chuva ficou tão doente. - ela corria atrás dele em meio a chuva, ele não a escutava. - Aonde vai?!

— Vou buscar minha filha, foi isso que ela pediu em carta.

Catarina viu ele partir de carroça e correu atrás de um carro de aluguel para ir atrás do ex-marido. Sabia que ele estava a caminho de sua casa.

xx

—… Madrinha Bianca, não quero lhe cobrar nada, mas ocê me deve isso.

— Eu, Júnior?

Júnior tinha ido com Mimosa até a casa de sua tia e madrinha Bianca, afinal sua avó de consideração não sabia onde Catarina estava morando exatamente e precisava da ajuda de Bianca para encontrar a casa.

— ... É claro, a senhora nunca disse quase nada de minha mãe e ainda escondeu que ela tinha voltado.

Bianca estreitou os olhos tensa, como lhe explicar que ela não podia contrariar Catarina em meio a tantas mentiras e como lhe explicar que não poderia contrariar seu pai em meio a tanto ódio da ex-esposa?

— Mas confesso que não acho a melhor das ideias te levar na casa de sua mãe nessa hora.

— Se for por causa da Clara eu já sei de tudo.

Bianca arregalou os olhos surpresa pela informação que ele havia soltado.

— Você sabe que ela é sua…

— ... Irmã gêmea? Sim, ela tentou enviar uma carta pro meu pai contando do jeito mais torto possível isso e eu acabei descobrindo. - Júnior negou com a cabeça chegando perto de Bianca. - Madrinha eu só quero conhecer minha mãe. Me leve na casa dela?

Bianca olhou para Mimosa cúmplice, por fim confirmou com a cabeça, enfim aceitando levar ele até o apartamento dela. Quando estavam indo em direção ao carro, Bianca chamou Mimosa num canto e sussurrou no ouvido dela.

— Catarina apareceu nos jornais hoje, é melhor mesmo a gente ajudar ela a começar a contar as verdades hoje! Daqui a pouco essa avalanche vai cair…

Mimosa arregalou os olhos curiosa, mas não perguntou nada sobre o artigo do jornal. Logo se encaminharam para a casa de Catarina.

xx

Petruchio chorava e mal enxergava o caminho que o levava a casa de Catarina. Em meio a tudo o que descobriu e o que sentia só queria ver sua filha. Desceu da carroça aos tropeços e subiu as escadas de dois em dois degraus.

— Filha, eu vim te buscar! Filha! - começou a bater na porta desesperado. - Filha! Vim te buscar! Filha!

Catarina estava logo atrás, a demora para conseguir um carro de aluguel de imediato a fizera chegar quase ao mesmo tempo que ele. Escutava os berros dele lá debaixo e se perguntava o que faria a seguir. Começou a correr, chegou na porta da frente de seu apartamento a tempo de ver Clara abrir a porta com um ar de questionamento no rosto e Petruchio a olhar pela primeira vez.

— Filha?

Ela era tão perfeita, cabelos longos e pretos com leve enrolar nas pontas, os olhos tão incisivos e seu queixo fino como o de Catarina.

— Quem é você? - ela empinou seu corpo e perguntou com o nariz torto.

Estava achando ele muito diferente da imagem do que um dia imaginou ser seu pai, para ela seu pai quando a conhecesse iria estar de terno, cabelo arrumado e bigode aparado. Estava diante de um pai todo desajeitado com roupas gastas, além de estar encharcado de chuva e com seu cabelo mais bagunçado que sua barba.

— Sou Julião Petruchio, seu pai.

Ela estreitou suas sobrancelhas e então se lembrou das dele. Reparou no seu olhar ao mesmo tempo em que Petruchio dizia:

— Eu vim porque ocê me mandou uma carta. Lembra? Ela chegou até mim.

Clara não estava o escutando, passava as mãos pela sobrancelha dele e sentia seus dedos irem num vai e vem, então relou nas suas próprias e pôde entender tudo.

— Pai é você! - não se importou dele estar todo molhado, o abraçou num abraço forte com quinze anos de atraso.

Catarina assistia tudo calada, incapaz de atrapalhar o momento ou fazer qualquer coisa para impedir que o curso de seu mundo mudasse.

Petruchio chorava abraçado a ela, havia reconhecido Catarina em Clara assim que bateu os olhos nela, os traços eram tão iguais, a voz hiperativa era tão igual.

— Ocê desculpa a demora, é que só soube de tudo agora…

— Minha mãe te contou e explicou tudo? Vamos poder enfim ser uma família completa e feliz? - ela sorria ainda no abraço tentando entender o rumo das revelações.

— Clara, venha aqui, precisamos conversar. - Catarina tentou chegar perto da filha, mas Petruchio arrumou seu corpo e segurou as mãos dela puxando a filha para perto de si.

— Ocê não se meta que eu tenho que tirar quinze anos de atraso com ela.

— Clara é minha filha não sua, não se meta você! - Catarina segurou a mão da filha e puxou ela para perto de si.

— Veja bem como fala comigo Catarina Batista! Não fui eu quem menti por quinze anos! Ocê não tem razão nenhuma nessa história. - puxou Clara para perto de si novamente.

— Oras Julião Petruchio. Você que não tem o direito de chegar achando que pode mandar em alguma coisa! - Puxou a filha para si novamente.

Quando Clara viu que o pai ia retrucar novamente, resolveu gritar e tirar a mão dos dois de si.

— Parem! Querem me rachar no meio?! O que está acontecendo? Achei que tinham se entendido.

— Como posso me entender com esse homem das cavernas que é seu pai se ele nem ao menos me escuta! - Catarina cruzou os braços brava.

— Filha, eu te encontrei por sua carta, fiquei muito comovido e queria saber se quer viver aqueles momentos nunca vividos comigo, agora. Mesmo que seja atrasado, ainda não é tarde demais pra nois dois.

Clara sorriu para ele, lembrando-se do que havia escrito na carta, ela concordou com a cabeça esquecendo-se da mãe que estava emburrada e sem ação num canto.

— Isso significa que vou morar com você?

— Morar? Do que está falando? - Catarina perguntou diretamente à filha.

— Lógico, se ocê quiser. - Petruchio respondeu ignorando a ex-esposa.

— É claro que eu quero papai, sempre sonhei com isso! - ela respondeu emocionada. - Eu tenho algumas malas que não desfiz quando mudei pra cá. Vou buscar! Isso não é nada trágico! Minha vida não é nada trágica!

Assim que Clara entrou, Catarina logo começou a protestar.

— Você não têm o direito de tirar a Clara de mim!

— Por que? Só ocê pode brincar de ser Deus?! Eu posso e vou ficar com minha filha na fazenda! - ao mesmo tempo que gritou com ela sentiu sua cabeça doer e deixou que um espirro escapasse.

Catarina estava desesperada pelo caminhar de toda situação, mas não podia deixar de se preocupar com ele, ainda mais quando se recordava da última vez que o viu doente por causa de ter pego uma chuva. Caminhou a passos lentos para perto dele e tentou o tocar no rosto, queria ver se ele estava com febre.

— Petruchio, entre… você está começando a ficar resfriado, não pode ter febre, eu lhe dou uma toalha e podemos conversar. - ela estava realmente preocupada com ele, mas Petruchio estava irredutível.

— Depois de tudo ocê continua fingindo. - disse chateado tirando as mãos dela de si. - Eu quero ocê bem longe de mim, bem longe!

Catarina não controlava suas lágrimas que caíam incessantemente de seu rosto, pensou que nada podia ser pior que aquele cenário que vivia: a maneira como tudo foi revelado e a perda da filha que estava quase acontecendo. Foi quando viu Júnior chegar ao lado de Bianca na frente de sua porta e pensou como o destino gostava de lhe pregar peças.

— Mãe?

Ela descobriu como tudo podia piorar.

A essa altura, diante de todas as conversas e vozes alteradas, Filomena e Miguel assistiam assustados, vizinhos nada discretos apareceram e conversavam entre si conforme as cenas se desenrolavam, Mimosa estava de boca aberta e quase desmaiava e Bianca nunca se arrependeu tanto de ter dado ouvidos a seu afilhado e ter o trazido no lugar errado, na hora errada.

— Ela não é sua mãe. - Petruchio segurou ele pelos braços e puxou para perto de si.

— Ele é meu filho sim Petruchio! Você não pode me negar isso! - Catarina exclamou com a voz chorosa e olhou desesperada para seu ex-marido.

Petruchio abaixou a cabeça arrependido e soltou Júnior que se encaminhou para perto da mãe, Catarina segurou ele em seus braços e o abraçou como se dependesse daquele gesto para respirar. Era como aprender mesmo a respirar novamente, em meio ao furacão em que vivia, aquele abraço era um vento suave que lhe tocava o rosto e lhe acalmava.

Júnior sempre sonhou em abraçar sua mãe. Estava em seus desejos de aniversário, todos os anos, mesmo que não tivesse mais velas para assoprar, ele desejava abraçá-la. Estando agora ali, realizando seu desejo, ele começou a achar tudo muito familiar, nada tão especial quanto em seus sonhos. Nada tão grandioso.

Júnior se lembrava daqueles braços, se lembrava também daquela voz e  se lembrava sobretudo daquele perfume. Enquanto passava a mão nos cabelos da mãe que chorava em seus braços, ele sabia que não era a primeira vez que a abraçava.

— Eu te conheço. - ele confirmou olhando-a nos olhos.

— Nós temos uma conexão forte, parece que nunca nos separamos. - Catarina o acariciava no rosto, emocionada.

— Não é disso que tô falando. Parece que abracei ocê antes.

— Ah! Tá descobrindo que nossa mãe não é a santa que vestiu querido irmão? - Clara voltou até a cena arrastando duas malas pesadas consigo.

— Sua mãe foi disfarçada te ver. - Petruchio soltou tentando evitar mais mentiras para o filho, se tivesse que lhe ferir que dissesse toda a verdade de uma vez.

— Disfarçada? - ele questionou diretamente para Catarina. - Aquela mulher de xale e óculos de sol, era ocê?

Catarina não sabia o que dizer. Começou a passar a mão no rosto de Júnior novamente tentando fazer o momento durar mais tempo.

— Eu passei nove meses com você na minha barriga e todo o resto de sua vida longe de você. Me perdoe filho, eu precisava te conhecer.

Júnior deu três passos para trás saindo das mãos dela.

— Te disse que o que ela fez era imperdoável. - Clara foi ao encontro do ouvido do irmão e sussurrou muito alto para toda plateia escutar. - Se serve de consolo, ela gritou em alto e bom som que tinha feito a escolha errada dos gêmeos, que preferia você no meu lugar morando com ela.

Catarina olhava para o filho e negava com a cabeça tudo o que Clara dizia.

— Ah mãe! Não seja hipócrita ao negar a nossa briga do século! Eu me recordo de cada palavra daquele dia. Ainda me machuca saber que nunca me conectei com você como no dia que viu Júnior disfarçada.

— Minha filha, achei que finalmente estávamos nos dando bem! - Catarina voltou seu olhar para Clara. - Como pode?... - Ela não conseguia completar seu raciocínio.

— Como ocê já conhece sua irmã? - Petruchio perguntou a Júnior percebendo uma quase intimidade dos dois.

— ...Ela foi na loja procurando um Julião Petruchio e quando disse ser eu ela destruiu tudo jogando aquele tanto de comida fora e…

— Resumo da ópera: Eu descobri tudo, mandei uma carta para o senhor e esse mexeriqueiro leu! Foi assim que ele descobriu que minha mãe teve gêmeos.

— ...A carta que eu li hoje… Eu encontrei ela na loja. - Petruchio podia enfim ver várias das peças faltantes de seu quebra-cabeça particular se encaixando.

— Temos tanta coisa para vivermos juntos papai. - Clara voltou a abraçar Petruchio de lado, enquanto seu irmão puxava os próprios cabelos e chorava nervoso.

— Minha vida é uma mentira! - ele batia de soco em sua própria cabeça raivoso. Catarina tentou se aproximar para o impedir de fazer aquilo, mas não conseguiu, não sabia se lhe era permitido.

— Agora que descobriu? Agora que entendeu tudo o que lhe disse daquela vez? - Clara dizia sem medo, apontou Catarina com o dedo indicador. - A culpa é toda dela.

Catarina negou com a cabeça e finalmente cedeu ao seu impulso de o abraçar.

— Saia de perto de mim! Saia da minha vida! - Júnior gritou desesperado para a mãe. - Ocê nunca mais me procure!

Catarina sentiu seu chão a engolindo em dor e desespero, viu ele sair correndo para longe de si, para longe de tudo.

— Júnior espere! - Mimosa gritou indo atrás do jovem, sentia-se culpada de trazê-lo ali.

— Ocê tá vendo? Tudo que ocê toca, destrói. Tudo o que aquele maldito dinheiro tocou, foi destruído. - Petruchio disse rancoroso para ela. - Suma da minha vida e da vida de meus filhos.

Ele começou a caminhar para longe dela em direção as escadas com Clara ainda abraçada a si, foi então que Catarina percebeu que ia perder tudo naquela noite, inclusive sua filha.

— Clara não… Clara você não pode sair de perto de mim. Clara! - ela gritou quando viu que a filha não se importava.

A filha olhou a mãe e balançou a cabeça negativamente.

— Você sabia mãe que a partir do momento que eu encontrasse meu pai eu ia morar com ele. - ela negou com a cabeça nem um pouco comovida. - Eu sinto muito.

Foi então que Catarina se viu sozinha e perdida, pela primeira vez em sua vida não sabia o que fazer. Saiu correndo do hall de entrada não se importando com nenhuma pessoa ao seu redor e se jogou em sua cama, chorando uma dor muito aguda que lhe corroía por dentro e não deixava ela respirar.

Bianca parou no batente da porta assistindo a irmã, ela não sabia se podia se aproximar, mas diante de tudo o que havia assistido, achava que Catarina precisava de um ombro amigo. Sentou-se na beira da cama e puxou a irmã pro seu colo que se aninhou em seus joelhos.

— Eu li a reportagem no jornal. - foi tudo o que Bianca conseguiu falar. Catarina sabia que tudo havia saído do controle por causa daquilo. - Eu só trouxe Júnior até aqui porque pensei que era melhor ele saber de toda história por sua boca e não por um artigo maldoso.

Não conseguiu responder a irmã, deixou que ela lhe acarinhasse nos cabelos.

— Eu sinto muito.

— Eu perdi tudo essa noite Bianca. Eu perdi tudo.

Em meio aos soluços, Catarina sabia que teria que descobrir a luz em meio a escuridão que lhe cegava, o pior de tudo é que a única certeza que tinha, era de estar sozinha nessa nova caminhada.


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