Segunda chance escrita por Laura Vieira, WinnieCooper


Capítulo 19
Capítulo 18




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Matéria extra oficial de domingo: Catarina Batista e sua modernidade na maternidade.

 

 

Catarina Batista sempre foi uma mulher à frente de seu tempo. Era uma das principais feministas de São Paulo na década passada, liderava passeatas pedindo igualdade salarial, direito ao trabalho digno e divisão de tarefas domésticas entre homens e mulheres. Lutava pelo direito do voto a todas as mulheres e por sempre lutar por direitos absurdos aos olhos de homens machistas era conhecida como "fera", prova disso é que nunca quis se casar, espantava todos seus pretendentes. 

 

 

Catarina nunca quis se casar, mas resolveu colocar suas algemas atreladas a Julião Petruchio, acredito que a pior opção para ela. Ele era seu completo oposto. Ela, uma fina mulher da elite, elegante e deslumbrante. Ele, um rústico do campo, com roupas gastas e ar grosseiro. Uma feminista com um machista, era de se prever que o casamento não daria certo.

 

 

Mas ela se viu grávida e mesmo nessa condição impensável de se pedir um divórcio decidiu se separar de Petruchio e ir para Europa viver sua vida deixando o filho com seu ex-marido. Uma atitude completamente moderna a qualquer ver, em qualquer lugar do mundo.

 

 

Caros leitores, dei toda essa volta e expliquei toda a situação para chegar ao principal assunto que cerne essa pequena reportagem. Pois Catarina não só se separou grávida e entregou o filho ao ex-marido, ela teve na verdade gêmeos e ficou com a garota para si. Uma maternidade completamente diferente e impensável para qualquer outro membro do sexo mais frágil.

 

 

Catarina e Petruchio não dividem mais uma união conjugal, mas dividem os filhos pela metade! Se isso não é ser uma família diferente eu não sei mais qual é. Catarina, uma mulher a frente de seu tempo até mesmo na forma que constrói sua família e cuida de seus filhos. Qual será nosso futuro? 

 

 

Jornalista Serafim Amaral Tourinho, editor chefe da Revista feminina.


xx

Petruchio sentia-se outra pessoa, uma pessoa alegre, feliz e esperançosa com a vida que se abria à sua frente e resolveu, naquela manhã de domingo, não esconder mais nada do filho.

— Tenho algo pra te dizer meu filho.

Júnior o olhou assustado em meio a ordenha. Calixto e Vicenzo estavam cuidando das vacas do outro galpão enquanto eles se encarregavam de um. Júnior não esperava uma boa notícia, estava acostumado com o ruim. Logo pensou que era dinheiro a questão que o pai queria conversar.

— Eu já sei, o prejuízo na loja foi maior que o esperado? Vamo precisar vender alguma vaca leiteira?

Petruchio sorriu com a cabeça dizendo não.

— ...Eu e sua mãe nos encontramo ontem.

— Minha mãe?

O tabu do nome "mãe" era como um fantasma naquela fazenda, se alguma pessoa falasse sobre a mãe dele teria que ser às escondidas para o pai não ouvir. Júnior podia contar nos dedos as vezes que Petruchio conversou consigo sobre Catarina, das vezes apenas uma vez foi sendo franco, das outras sempre dizendo mal dela, com o rancor falando mais alto.

— Eu e sua mãe estamos tentando uma segunda chance.

Petruchio engoliu em seco, sentiu sua mão tremer um pouco ao falar aquilo ao filho, não queria que ele criasse esperanças, ao mesmo tempo ele criava suas próprias expectativas em relação aquela segunda chance e estava tão feliz que queria que  mundo soubesse de sua felicidade.

— Mas como isso aconteceu tão rápido? Até ontem o senhor não podia ouvir sequer o nome "mãe" rondando a fazenda, já ficava nervoso e jogava o que tivesse na frente.

— Até esses dias atrás eu não tinha parado pra conversar com ela. - ele confessou ainda não encarando o filho. - Sabe filho, a vida é mais dura com sua mãe que comigo. E eu julguei ela muito mal, de certa forma ver ela de volta no Brasil me fez pensar e… E eu não aguentei ver ela sozinha nesse país preconceituoso e… ficamo pensando na família que a gente não teve.

Petruchio finalmente levantou o pescoço e o olhou.

— Eu não quero te dar esperança e nada do tipo, mas eu sei o quanto conhecer sua mãe e conviver com ela é importante pr'ocê. Quem sabe essa nossa família vai aparecer meio tarde, mas vai acontecer.

Júnior ficou impossibilitado de falar, apenas concordou com a cabeça e começou a imaginar seu reencontro com sua mãe, imaginou seu jeito, sua voz, seu cheiro e teve medo. Muito medo.

— ... Ocê pode deixar que acabando as vacas eu vou pra cidade arrumar a loja pra amanhã a Neca cuidar. Amanhã memo ocê volta pra escola e quem sabe consegue se entender com sua mãe.

— Eu vou pra escola amanhã? Minha mãe? O que tá dizendo? Ela vai saber que tô na escola?

— Sua mãe tá é trabalhando na escola, dá pra acreditar? Ela vai ficar muito feliz em te ver retornar os estudos e ao mesmo tempo estar presente.

Júnior começou a suar de nervoso. Seu coração pulava na garganta e ele nunca ficou com medo de um desejo seu, aquele desejo que ele pedia todos os anos em seu aniversário, se realizasse, se concretizasse, se materializasse na sua frente. O tangível estava tão perto de acontecer que ele achou que poderia dar tudo errado. Precisava falar com Mimosa.

xx

Catarina acordou feliz como há quinze anos não acordava, observou a filha dormindo na cama ao lado da sua e sentiu-se completa, como nunca se sentiu. Ainda lembrava-se do calor dos abraços e dos beijos de Petruchio no dia anterior, lembrava-se dos carinhos e das juras de amor ao pé do ouvido. Ficou sorrindo com os olhos fechados ao segurar seu colar feito da antiga aliança que agora significava "eterno", observou seu anel na mão direita que significava agora "recomeço". Estava feliz, como nunca.

Clara estranhou ao abrir os olhos e ver a mãe tão sorridente, ela tinha os olhos brilhantes enquanto penteava seus cabelos de frente ao espelho da penteadeira e cantarolava uma música.

— Não lembro de te ver assim tão feliz mãe.

Catarina sorriu para ela, poderia negar que estava assim tão radiante, mas não tinha a capacidade de fazer isso pois estava mesmo muito feliz e queria que todos soubessem de seu novo estado de espírito.

— Ah filha… tantas coisas aconteceram e ainda irão acontecer. Eu só…

— Só? - Clara perguntou levantando as sobrancelhas desconfiada.

— Sente-se aqui, para eu pentear seus cabelos.

Clara estranhava a mãe assim, tão permissiva, nada na defensiva, mas aproveitaria desses relances de felicidade e jamais negaria esse pedido dela. A mãe sempre tinha o ritual de lhe pentear os cabelos de manhã, era parte das duas. Foi sentar-se no banco da escrivaninha, assim que Catarina passou a escova nos cabelos longos de Clara, se lembrou.

Sua mãe sempre lhe penteava os cabelos de manhã, era um ritual das duas, dizia a Catarina que os cabelos dela eram mais fáceis de lidar do que os da irmã pequena que não parava sentada direito, Catarina era a filha que tinha esse momento tão importante e único com ela. Bianca nunca tivera nenhum tipo de cumplicidade tão significativa com a mãe, era tão pequena, não deu tempo de conhecer sua mãe apropriadamente, ter momentos como o de Catarina com ela, logo veio a doença em que ela ficou de cama e nunca mais saiu. Mesmo fraca, um dia ela chamou a filha mais velha para lhe pentear os cabelos, Catarina passou a valorizar cada passada de escova que sua mãe dava.

— Sabe minha filha, a vida nos ensina tanto, é como pegar limões e não só fazer uma limonada.

A Catarina de doze anos de idade não entendia direito. Mas a mãe prosseguia.

— Quando crescer eu quero que você sinta esse amor que sinto ao pentear os seus cabelos.

Amor? Catarina não entendia como a mãe poderia falar de amor se ela detestava os homens.

— Mas você me disse que os homens não prestam.

— Os homens não prestam, nenhum homem, mas o amor existe, e ele não é só um momento, um estado de espírito, ele é constante e tem cheiro, gosto e é feito de momentos que duram por uma eternidade.

Catarina olhava os olhos de sua mãe, que pareciam tanto com os de sua irmã pequena, tentava entender a vida em meio as meias palavras dela.

— A vida me deu limões, vários deles, tão azedos e difíceis de lidar. Mas ao invés de fazer uma limonada qualquer, eu fiz as mais diversas sobremesas com ele.

Sua mãe sorriu com a feição confusa da filha.

— Eu espero que, mesmo com os limões que sua vida possa lhe dar, você não faça só a limonada, faça as mais diversas sobremesas também.

— Eu odeio cozinhar mamãe. - ela respondeu fazendo sua mãe rir.

— Saiba que o amor que sinto por você e sua irmã, me fizeram superar todo o azedume de minha vida e pensar que no fim tudo valeu a pena. E que aquela torta de limão que não estava nos planos, na verdade era tudo o que precisava.

Catarina revirou os olhos não entendendo nada, estava se cansando da conversa de limões, limonadas e toda culinária que envolvia a fruta azeda.

— Sinta esse amor um dia minha filha, em sua plenitude, não só em um momento, mas sinta esse amor de que tudo valeu a pena, o amor que sinto por você e sua irmã e como esse simples pentear os cabelos para mim, vale como tudo.

No presente Catarina sentia lágrimas caírem de seus olhos ao recordar a mãe e visualizar a filha a sua frente, ao pensar que agora entendia toda a metáfora dos limões e da vida não ser simples ao ponto de só fazer uma limonada e o quanto ela era feliz e plena em sua felicidade agora, com os filhos com saúde e finalmente se entendendo com Petruchio. Podia sim afirmar que o amor, tinha cheiro, voz e que ela não vivia só de momentos de amor, mas do amor completo.

— Você está chorando? - Clara estranhou, primeiramente estava irradiando felicidade. No momento seguinte chorava.

— Lembrei de sua avó, ela sempre penteava meus cabelos. - Catarina confessou.

— Você nunca fala de sua mãe para mim. - Clara disse querendo que a mãe se abrisse um pouco com ela. - Normalmente a gente só briga e nunca conversamos.

— Somos tão parecidas minha filha, na personalidade e nesse jeito difícil de lidar que acho que às vezes brigamos demais por causa dessa nossa similaridade, mas eu vou te contar sobre a sua avó, e sobre limões e como a vida não é só pegar esses limões e fazer uma limonada.

Catarina estava tentando uma cumplicidade nunca alcançada com a filha. Eram sempre gritos e vasos entre as duas, cobranças por ela sempre querer saber de seu pai, todo o trauma do "filha de mãe separada", entendia sua filha, mas queria que ela lhe entendesse um pouco também.

Enquanto penteava os cabelos de Clara e contava sobre sua mãe e toda a analogia dos limões, a filha sorria, pois era uma coisa que sempre quis ter com a mãe, uma intimidade.

— ...Minha avó devia ser única.

— Era sim, foi por causa dela que nunca quis me casar, dizia que os homens não prestavam. Dei tanto trabalho para seu pai me conquistar. - ela sorriu se lembrando de outros tempos e de como fora terrível com Petruchio no começo do relacionamento de ambos. - Teve uma vez que fiz ele vestir um avental. Mas também seu pai só queria se casar comigo por causa do dote… E depois de casada também não foi nada fácil, ele queria que eu cozinhasse e uma vez estava com tanta raiva dele que lhe fiz uma torta de capim.

— Mãe! - Clara começou a rir.

Não atrapalhava as narrações dela e as lembranças que a mãe lhe dizia, era como encontrar um oasis no deserto e toda preciosidade do momento de ter a mãe tão permissiva. 

— …Fomos muito felizes, apesar de vários momentos difíceis, você e seu irmão foram desejados e vieram do amor. Esse amor novo-antigo que queremos renovar. Eu e seu pai.

— ... Então é só pegar os limões e fazer uma perfeita torta de limão. - Clara completou se levantando da cadeira e abraçando a mãe. - Fico feliz de me contar tudo isso mãe.

Catarina a abraçou de volta emocionada, a apertou em seus braços feliz, não lembrava a última vez que tinha abraçado à filha. Estava quase chorando de felicidade diante de novos caminhos se abrindo e de sua nova cumplicidade alcançada com Clara.

— Depois dessa conversa toda de torta de limão me deu até uma vontade de comer uma torta dessas.

— Vamos à confeitaria. Há tantas outras histórias para lhe contar que nunca te contei minha filha. - Catarina não se desfazia do abraço, conversava e quase implorava um momento maior com Clara sugerindo o passeio. - Você me ajuda a escolher um lenço novo para ir ao cinema com seu pai e a gente passa na confeitaria.

Clara levantou o rosto encarando a mãe e concordou com a cabeça sorridente. Catarina estava emocionada com os olhos marejados e as duas sabiam que tinham atingido um novo tipo de intimidade nunca alcançado no relacionamento de ambas.

xx

— Mimosa, ocê há de me levar pra ver minha mãe hoje! - Júnior esperou que o pai saísse da fazenda de carroça e correu atrás de sua avó postiça e exigiu que ela cumprisse sua promessa.

— Hoje? - Mimosa arregalou os olhos enquanto bebia uma xícara de café. Neca estreitou seus lábios e balançou negativamente a cabeça.

Os maridos de ambas ainda trabalhavam tirando leite.

— Ocê prometeu levar Juninho pra ver dona Catarina?

— Oras Neca! Ocê sabia que minha mãe tinha voltado também? Então ocê vai me levar até ela também!

— Eu? Não tenho nada a ver com sua conversa e a promessa dessa velha assanhada.

Mimosa olhou brava para Neca, já ia retrucar quando Júnior interrompeu.

— Meu pai quer que eu volte a escola, e quero voltar memo, mas sabem quem tá trabalhando lá? Minha mãe! Como posso encontrar minha mãe pela primeira vez em uma escola? Eu preciso sentir ela, conhecê ela e abraçá ela…

— Mas ocê já fez tudo… - Neca parou de repente de falar se lembrando que Júnior não sabia que tinha encontrado a mãe.

— Eu já fiz tudo o que tinha que fazer mesmo Neca! E está na hora de eu conhecer ela. Me leve! Me leve enquanto meu pai está fora.

Mimosa respirou fundo sem saber o que lhe dizer. Por fim concordou com a cabeça.

— A primeira coisa que deve saber é que não será fácil, sua mãe te ama, mas ao mesmo tempo ela cometeu vários erros ao esconder diversos segredos.

— Eu já sei que tenho uma irmã gêmea Mimosa.

— O que? - Neca e Mimosa exclamaram juntas diante da revelação dele.

— É ela a garota que acabou com o estoque da loja. Mandona, mimada e bastante nervosinha. Aparentemente ela está de castigo e vive correndo atrás para dizer pra meu pai que é filha dele. De um jeito muito torto.

— Você já conheceu a Clara? - Mimosa tinha que reiterar a pergunta. Não acreditava que após essa informação ele continuava calmo e querendo conhecer a mãe. - Não está com ódio de sua mãe?

— Eu quero conversar com ela Mimosa, quero entender ela. Tudo oceis me falam que ela me ama, meu vô Batista garantiu isso, agora ocê também. Eu quero ouvir ela. - Júnior segurou a mão de Mimosa quase implorando. - Eu sei que ela há de ter as razões dela de ter me abandonado. Eu preciso falar com ela antes de ir pra escola.

Mimosa suspirou concordando com a cabeça.

— Está bem, eu te levo. Mas se tudo der errado eu…

— Ocê não vai levar culpa nenhuma, meu pai tá tentando se reconciliar com minha mãe, ele me garantiu hoje que quer voltar a ter uma família com ela. Vai dar tudo certo.

Mimosa e Neca queriam acreditar nisso e serem tão esperançosas quanto Júnior em relação as mentiras de Catarina reveladas a Petruchio, mas sentiam que o pai do garoto não ia aceitar tão bem uma filha de quinze anos escondida como ele aceitou a irmã.

xx

As ruas estavam estranhas naquele dia, Petruchio cumprimentava enquanto ia de carroça até a loja as pessoas e todas viravam o rosto sem lhe responder.

— De certo tão é de mal humor com a vida. Não posso fazer nada se a vida minha é perfeita.

Seu dia estava ótimo e nada poderia o estragar. Começou a varrer a loja, ainda tinha respingos de iogurte escondidos no canto, lixo de dias sem serem recolhidos. Mas ele não se importava em limpar sozinho e nem achava que era menos homem por fazer o serviço destinado a mulheres.

— Catarina, se me visse, teria orgulho de mim.

Foi recolhendo os papéis no canto que começou a reparar num envelope, ele estava amassado, mas não deixou de desdobrá-lo, podia ser alguma correspondência importante. Não reparou no remetente e nem no destinatário, senão teria visto que era para ele. A letra era toda desenhada e impecável, não eram os garranchos de Júnior e nem os seus. Começou a ler curioso:

"Olá papai, tudo bem?

Sou sua filha, me chamo Clara, você não me conhece, mas eu te conheço, não na minha frente, feito de carne e osso e nem de relatos e lembranças de minha mãe, mas da minha imaginação. Eu sempre estive ao seu lado papai…

Petruchio parou a leitura, não estava entendendo nada. Pegou o envelope e se atentou enfim ao destinatário.

Para: Julião Petruchio, meu pai.

— Isso só pode ser uma piada. - Ao mesmo tempo que havia começado a leitura continuaria, precisava entender o que estava acontecendo.

...Estivemos lado a lado quando eu era apenas um bebê e você me embalou em seus braços acalmando meu choro me fazendo dormir. Estivemos lado a lado na minha infância, enquanto segurava minha mão me ensinando a andar, impedindo-me de cair e me frustrar ou machucar. Estivemos lado a lado durante meus primeiros anos, quando aprendi a falar: papai e você me segurou no colo me rodando no ar em pura felicidade e alegria. Estivemos lado a lado naquela vez em que cai e ralei o joelho e você me colocou um curativo falando que tudo ia passar e logo eu estaria curada, porque o joelho ralado doía momentaneamente, não era como um coração partido. Estivemos lado a lado durante minha adolescência, quando me consolou quando eu me pus a chorar justamente por um coração partido, me disse que a vida tinha dessas coisas e que infelizmente não funcionava como o joelho, colocando um simples curativo, só o tempo poderia me curar.

O tempo papai… ele não volta mais…

Eu odeio minha mãe por me fazer perder tanto tempo longe de você e ter que imaginar todos esses momentos nunca vividos, nunca sentidos, nunca eternizados. Mas nós ainda temos tempo...

Pensando na história maluca que lia, uma filha em carta, quem seria sua mãe? Petruchio começou a rir diante dos absurdos que passavam por sua cabeça.

...Descobri há pouco tempo seu nome e desde então não consigo parar de imaginar seu rosto, sua voz e seu jeito. Minha mãe nunca contou que teve gêmeos na minha gestação, guardou esse segredo e o senhor nunca soube que eu existia. Estou momentaneamente de castigo e não posso sair da casa de meu avô, mas eu não podia esperar, tinha que lhe contar tudo o que descobri.

Sei que tudo está confuso, mas procure me entender, eu também estou confusa, venha conversar com minha mãe na casa de meu avô Batista?

— Batista? - Petruchio parou de rir e não estava mais achando graça nenhuma na carta.

...Sim, sou sua filha com Catarina Batista. Ela nunca falou de mim para o senhor.

Petruchio começou a sentir sua cabeça girar, estava lhe faltando ar nos pulmões, sentou-se no chão com sua respiração irregular. Voltou a ler o final da carta.

...Estou aqui lhe enviando essa carta com a esperança que o senhor possa me entender e que queira acabar com o nosso tempo perdido, para que possamos recuperar todo esse tempo vivido apenas em meus sonhos.

Meus cumprimentos, Clara Batista".

— É mentira, só pode ser mentira!

Ficou sentado minutos no chão, repassando as informações da carta, relendo trechos. Foi quando ouviu batidas na porta.

— Petruchio sei que está aí, estou vendo sua carroça.

Só podia ser brincadeira a voz que ouvia do outro lado da porta. Sua cabeça devia estar delirando, não podia ser o…

— Sou eu, jornalista Serafim.

Bufou nervoso, limpou sua testa e percebeu que suava frio, seus olhos estavam ardendo.
Abriu a porta depois de ouvir o jornalista do outro lado batendo de novo.

— Como vai? - ele sorriu a Petruchio.

— O que ocê quer? Não tô com paciência pra esse seu papo de almofadinha.

— Só quero lhe dar meus cumprimentos sinceros. Honestamente um rústico como o senhor, ser tão cabeça aberta, manter um relacionamento com Catarina assim? É de se admirar.

A cabeça de Petruchio latejava de dor, não conseguiu entender as meias palavras dele.

— Do que ocê tá falando?

— Sobre a forma que você e a Catarina dividiram os filhos. Você ficou com o menino e ela com a menina na Europa. Realmente nunca vi um relacionamento tão moderno.

Outra pessoa lhe dizendo que Catarina tinha uma filha com ele.

— ...Quando a vi quase não acreditei. Tão parecida com Catarina e você ao mesmo tempo, tem sua risada acredita? Vocês esconderam dos amigos próximos? Eu achei uma modernidade tão sublime que tive que escrever sobre isso.

— Ocê escreveu sobre isso? - Petruchio pegou ele pelo colarinho e o prensou na parede. - É bom me explicar direito pois minha paciência com essas meias palavras e essa sua ironia tá me irritando.

— Eu trouxe o jornal para ler. Achei que já tinha visto. - Serafim ergueu o exemplar a altura dos olhos do Petruchio.

Ele o soltou e pegou o exemplar em mãos. Serafim continuou a falar.

— ...Meu amigo, dono do jornal, às vezes me dá a coluna de opiniões para escrever, falei para ele que era uma matéria imperdível. Afinal, quem tem uma família como a de vocês? Nem na Europa e nos Estados Unidos que as coisas são mais modernas vemos isso...

Petruchio respirava forte enquanto passava os olhos na coluna específica que o jornalista tinha se referido. Serafim continuava falando, mas ele não escutava mais nada. Seu cérebro refletia as palavras que lia. Elas pairavam na frente de seus olhos.

"Feminista e um machista... obviamente se separaram"

"...os filhos também separados, a menina com ela na Europa e o menino ficou com o pai"

"Relacionamento moderno…"

— Fora daqui! Suma da minha frente! FORA DAQUI!

Petruchio começou a empurrar Serafim para fora de sua loja em meio as reclamações dele.

— Eu só quis ajudar… não achei que seria tão rude… vai me dizer que não sabia da filha?

Ele tinha um sorriso sínico na face quando Petruchio bateu a porta no rosto dele. Sentou-se no chão arfando e com lágrimas nos olhos. Sentia-se tonto diante de todas as informações novas. Na mão direita estava a matéria do jornal e na esquerda a carta que leu minutos atrás, as duas diziam a mesma coisa. Quis gritar e brigar com todos, começou a gritar e puxar seus cabelos, depois sucumbiu às lágrimas. O que estava acontecendo? Ele não entendia direito. Apesar da raiva e dos fatos entregues em sua mão, precisava entender tudo pela boca de Catarina.

Precisava se encontrar com Catarina naquela tarde no cinema, precisava ouvir da boca dela a verdade.

xx

— Está linda! - Clara anunciou sorrindo para a mãe, Catarina usava um vestido vermelho e um lenço preto com pedras vermelhas que ela havia ajudado escolher na cidade naquela manhã.

As pessoas na rua estavam especialmente estranhas naquele dia. Viravam o rosto quando viam ela se encaminhar com a filha de braços dados, cochichavam em segredo. Catarina logo ralhava com todos.

— Sou separada mesmo, e estou caminhando com minha filha na rua como qualquer outro cidadão!

Uma mulher até lhe fez o sinal da cruz depois que ela gritou que era separada para ela.

Escolheram o lenço, depois comeram a torta de limão na confeitaria. No final, ainda recebeu de Clara o comentário de ser o melhor dia da vida da filha em anos.

Estava tão feliz que nada poderia abalar sua felicidade. Estava terminando de passar seu perfume no pescoço, aquele que vivia nos pensamentos de Petruchio e que ela sabia que ele jamais tinha esquecido, quando ouviu um pio de coruja.

— Uma coruja, piando… - exclamou preocupada virando o rosto em direção a janela do quarto. - E está de dia!

Correu até a janela e procurou pelo animal.

— O que tem a coruja mamãe? Ela pia onde quiser.

Catarina sentia seu coração bater muito forte e um nó em sua garganta quase lhe sufocava.

— ...Um pio de coruja assim, tão perto, não é um bom sinal.

Clara começou a rir e balançar a cabeça.

— A senhora deu para acreditar em superstições? Justo você?

Mas Catarina lembrava bem da última vez que se sentia completa e feliz e ouviu um pio de coruja, tudo se desabou no dia seguinte. Uma tempestade apareceu em sua vida e na de Petruchio e ela tinha medo de uma nova vir.

Viu um relâmpago cortar o céu ao mesmo tempo em que sua pele se arrepiava.

— A coruja está anunciando a chuva, está vendo mamãe? Não há nada com o que se preocupar.

Clara chegou perto da mãe que ainda não estava convencida de que tudo estava bem.

— O importante é que hoje você encontrará meu pai, vai conversar com ele sobre mim e enfim seremos uma família. Vai dar tudo certo.

Ela queria acreditar nisso e ser tão otimista quanto Clara, mas o pio da coruja e o clarão anunciando chuva no céu, pareciam lhe dizer o contrário.


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