Segunda chance escrita por Laura Vieira, WinnieCooper


Capítulo 11
Capítulo 10




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A maior parte da vida de Catarina pode se resumir em uma série de imagens, que não fazem diferença nenhuma no andamento e em seu desdobramento. Passam por ela, como casas numa rua, sem marcar ou ficar para sempre em sua memória, são completamente esquecíveis. Mas algumas poucas vezes, um momento se congela, e algo acontece. Como quando ela teve seus filhos, ou quando se permitiu amar pela primeira vez, momentos que quando gravados e recordados, voltam com tudo, com imagens nítidas e detalhadas, com gosto e cheiro, com o coração preenchido ou marcado. E esse instante é mais do que uma imagem. Sabemos que esse momento, e todas as partes dele, irão viver para sempre. Assim era Petruchio em sua vida e tudo o que vinha atrelado a ele. 

 

Catarina sabia que desde o primeiro dia que viu Petruchio entrar em sua vida, ele havia se transformado em um desses momentos que se congelavam para sempre no tempo e espaço. Podia lembrar até hoje como era a sensação de ter alguém irritante que ficava para sempre em seus pensamentos, o gosto de seu beijo, a sensação de raiva se transformando em amor e felicidade. Passou a maioria dos anos de sua vida longe dele, convivendo com pessoas e em lugares que não faziam nenhuma diferença para si, completamente esquecíveis. Passou somente alguns meses ao lado do único homem para o qual entregou seu amor, todos os instantes que viveu com ele, durante a conquista, e na fazenda, ainda permaneciam com ela, para sempre. Como se aqueles meses tivessem durado e se eternizado em si mais que os anos que havia morado na Europa. 

 

Agora, no presente, parada em sua frente, era como se ver despida e indefesa, exposta em toda sua fragilidade a ele. Todas suas lembranças e emoções soterradas durante todos aqueles anos, estavam sendo expostas. Sentia-se sem ter para onde correr ou se apoiar. Queria fugir. 

 

— O que quer falar comigo? Não temos nada a conversar! - era mais fácil atacá-lo. Ela tinha sim muitas coisas para conversar com ele, coisas importantes demais para serem jogadas para debaixo do tapete novamente. Uma em específico estava trancada num quarto de castigo. 

 

Petruchio parecia admirar uma imagem que parecia irreal, aquele tipo de pessoa intocável, que você só escuta falar da história ao longe. Como aqueles reis e rainhas famosos. Ver Catarina materializada em sua frente, uma imagem que até então só aparecia em sua mente, só ascendeu sua raiva dela e de tudo o que havia feito com ele e seu filho. 

 

— Como é que ocê volta sem me avisar? - perguntou nervoso. 

 

— Não devo satisfação nenhuma da minha vida para você! - ela voltou a atacá-lo.

 

— ...Quinze anos Catarina! - ele a interrompeu continuando seu discurso, fingindo que não havia escutado o lamento dela. - Quinze anos sem nenhuma notícia d'ocê, sem uma carta sequer pro meu filho. Quinze anos Catarina, quinze anos… - Catarina engoliu em seco, queria gritar e o atacar, mas não conseguia. - ...E de repente ocê tá de volta, como se nada tivesse acontecido. 

 

— Muito fácil me atacar com palavras! Eu precisava partir…

 

— Ocê foi! - ele a interrompeu novamente. - Ocê foi, mas eu fiquei… eu fiquei… Aguentando e sustentando tudo o que ocê deixou pra trás. Na mesma fazenda, no mesmo lugar, com o filho largado sem remorso pelo ocê, com os restos de mim que sobrou quando ocê me esqueceu.

 

Catarina mordeu seus lábios, sabia que aquela conversa não seria fácil, queria gritar com ele, berrar que precisava fazer isso, para o bem do filho e da filha de ambos. Mas não podia, parecia que sua voz havia sumido em meio a confissão dos sentimentos de Petruchio escancarada no meio da calçada, com alguns curiosos assistindo. 

 

— Não foi bem assim! Esqueceu tudo o que fez comigo? Eu precisava partir! - sua voz estava falha, mas sua defesa finalmente havia saído de sua boca. 

 

Mas Petruchio não estava nem um pouco convencido. Ao contrário, tinha dor e rancor em seu coração. 

 

— E eu fiquei aqui, sustentando uma mentira… a pedido de seu pai. Seu pai! - apontou o dedo indicador em direção a ela.

 

— Que eu não pedi! - recuperou sua voz imperativa, estava tentando ter a razão novamente em toda situação. - Nunca pedi para você… 

 

— Fingir que tava casado com ocê? Pois eu menti e fingi pra te proteger, e proteger o meu filho também. Que não merece a mãe egoísta que têm. 

 

— Egoísta? - Catarina perguntou com uma voz sarcástica a ele, querendo rir. - Eu fui generosa demais com você Julião Petruchio lhe dando um filho meu! 

 

— ...Quinze anos dizendo ao Júnior que estava tudo bem em crescer sem uma mãe, tentando suprir todas as necessidades dele e ensinando como o mundo é injusto. Ele mentia na escola para não ser uma chacota, gritava que tinha mãe sim, que ela estava doente escondida em casa. Que ocê estava doente em casa. E eu via aquela cena e me cortava o coração Catarina, todas as vezes. Sabe o que é isso? Não ocê não sabe! Não tava presente!

 

Catarina sentiu seu coração se apertar e seus olhos se encherem de lágrimas pela narração da dor de seu filho que Petruchio lhe dizia. 

 

— Ocê se divorciou de mim, mas eu nunca me divorciei d'ocê. 

 

— Quer que eu faça o que? Te agradeça por fazer o mínimo a meu filho? Por protegê-lo? - tentava ainda ter a razão contra seu ex-marido, mas sentia-se abalada por dentro ouvindo ele contar como havia sido difícil a seu filho passar pelas más línguas. 

 

— Eu quero que ocê permaneça longe, bem longe! Não quero ocê perto do meu filho! - deu seu ultimato a ela.

 

xx

 

— O que ocê tá fazendo aqui moleque?! - Julião Júnior gritou quando viu Miguel entrar na loja.

 

— N-n-não sou mo-mo- leque. Te-te-mos a mesma i-i-i-dade. - Miguel tentou falar corajosamente, falhando pois sua gagueira era o suficiente para desbancar todo seu ato de coragem repentino ao entrar na loja. Coisas que só Clara o fazia ter coragem em realizar. - E-eu pr-preci-ci-so te entregar u-u-uma car-car-carta. 

 

— Ocê tava com aquela menina enxerida, tava sim! Onde tá ela agora? Fugiu depois de toda bagunça que fez na minha loja!? 

 

— E-e-estou a-a-aqui em nom-m-me de-l-la. 

 

— Então ocê admite que é um capacho daquela menina mimada. Mas que papel feito pra um homem feito ocê fazer. 

 

Miguel arregalou os olhos tentando pensar no que responder a ele, sem sucesso, estava escutando muito a palavra capacho ultimamente. 

 

— E-eu a-a-judo a C-Cla- r-r-ra.

 

— Então é Clara o nome dela? Lembrava que tinha me falado, mas não me atentei no nome. Pois diga a ela para parar de procurar minha loja! 

 

Júnior correu os olhos em volta da loja procurando algo para jogar nele. Miguel se abaixou protegendo o corpo com as mãos, pensou por um segundo em como todos os parentes de Clara tinham mania de jogar coisas, por fim, fechou os olhos dizendo tudo rápido e atropeladamente. 

 

— E-eu só pre-pre-c-ciso que ent-t-tre-g-gue essa car-car-carta pro seu p-p-pai. 

 

Miguel ergueu no ar sua mão com o envelope da carta a vista do irmão de Clara. Júnior estreitou seus olhos para o envelope e guardou na bancada o pote de doce de leite que havia pego para espantar o melhor amigo de Clara da loja. 

 

— Carta para meu pai? 

 

— J-J-Julião P-P-Pet-t-truchio, não é o n-no-m-me do seu p-p-pai? 

 

Júnior decidiu não responder essa pergunta dele. Esperou que Miguel se levantasse da onde estava agachado e se encaminhasse para perto dele, mais seguro de si e com menos medo de sua reação. 

 

— A-a-quele d-dia C-Clara q-q-queria f-f-falar com e-e-ele e v-v-você não di-disse a ela que t-t-tinha o-o-outro J-J-Julião P-P-Pet-t-truchio sem ser v-v-você. 

 

— Má educada do jeito que ela foi. Não merecia mesmo sabê que meu pai chama Julião Petruchio. - Júnior fuzilou Miguel com os olhos e chegou perto dele. - O que ela quer com meu pai heim? 

 

Miguel negou com a cabeça dando três passos para trás. Júnior foi mais rápido e pegou o papel da mão dele. Rasgou o envelope em busca da carta de Clara. 

 

— N-n-não é pra vo-vo-cê! N-n-não p-p-po-d-de ler! 

 

Foi em vão, Júnior passava os olhos pelas palavras de Clara e Miguel sabia que as coisas não iriam pro caminho que a amiga gostaria. 

 

xx

 

— O que está querendo dizer? - Catarina havia entendido perfeitamente o que ele quis dizer, mas não queria acreditar. 

 

— Pois eu te digo e repito, não quero ocê perto do meu filho, muito menos indo toda fantasiada encontra ele em segredo! 

 

Catarina engoliu em seco diante da fala dele, não podia e nem iria ficar calada diante daquele absurdo.  

 

 — Pois saiba que ele é nosso filho! - Catarina encheu sua boca para falar a ele. - Nosso! 

 

— Agora que interessa ocê, ele é seu filho não é? Não foi seu filho quando largo ele e partiu pras Europa. 

 

— Fui muito generosa em dar ele a você quando nasceu, uma parte de mim morreu quando eu fiz isso. - suas palavras eram duras, mas verdadeiras. Petruchio pareceu notar isso em sua voz. 

 

— Ocê sabia que eu não ia te deixar ir se embora com um filho meu, sei muito bem que fez tudo de caso pensado. 

 

— Foi pensando sim, mas também muito dolorida essa solução. - Catarina sacudiu a cabeça em negativa, como se espantasse pensamentos que iam e vinham todas as noites em pesadelos. - Ninguém sabe o quanto meu ato foi generoso com você, mas dolorido a mim.

 

— Foi dolorido porque ocê quis e só ocê. - Petruchio não facilitaria para ela, apesar de sentir a dor na voz dela. - Podia muito bem ter voltado pra fazenda comigo e a gente ter construído uma vida junto. 

 

Catarina suspirou e olhou para baixo evitando encará-lo. 

 

— Não quero ter esse tipo de conversa com você no meio da rua Petruchio. - disse calma pela primeira vez, observando que cada vez mais pessoas se aglomeravam em volta dos dois para assistir o "show". 

 

— Eu só quero que ocê entenda que não admito ocê perto do meu filho! Ocê não tava aqui quando ele teve febre, nem deu de mamar, não trocou suas fraldas e não sabe sequer um nada sobre sua vida. Não quero ocê perto dele. Não tem esse direito. 

 

— Como se atreve a dizer isso Julião Petruchio! É claro que tenho esse direito, sou a pessoa que mais tem esse direito no mundo! - tentava se defender a ele, mas sabia que tudo o que falava poderia sair da forma errada. - Eu sei algumas coisas dele. 

 

— Que jeito que sabe? Posso saber dona Catarina Batista? - perguntou frisando o nome dela, como ela havia feito com o dele. 

 

Catarina não podia confessar que havia visto o filho pessoalmente, que havia conversado com ele e se conectado de uma forma mágica e natural como se não tivessem se separado nenhum dia sequer. 

 

— Faço Bianca me contar. - limitou-se a responder. Olhou para baixo cansada, Petruchio não desgrudava seus olhos de todas as reações dela, queria entendê-la, apesar de tudo, apesar da raiva e de seu coração estar completamente partido. - Além disso! Sou mãe dele! Eu precisava conhecê-lo! - se defendeu com sua voz falhando um pouco. - De alguma forma. - completou vendo a besteira que havia dito. 

 

— Então admite que foi vê ele? 

 

Catarina negou com a cabeça ao mesmo tempo em que Petruchio aproximava-se dela. Ele queria provar um ponto. 

 

— O que está fazendo? - Catarina perguntou exasperada o empurrando enquanto Petruchio levava seu rosto em direção ao pescoço da ex-mulher a fim de cheirá-lo. 

 

Catarina sentiu suas pernas se bambearem ao mesmo tempo em que ele enlaçava sua cintura num abraço e colocava seu nariz no pescoço dela inspirando o aroma que vivia em suas lembranças. 

 

Ela não tinha mais forças para empurrá-lo, sentia seu coração pulsar descompassado em sua garganta. Queria gritar por socorro com medo do desenrolar da situação. Porque no fundo ela sabia que não resistiria a ele se por um acaso Petruchio decidisse lhe beijar no meio da rua. Mas ela não conseguia, quando viu estava completamente sem ação, jogada em seus braços, apenas esperando que ele virasse seu rosto e a beijasse. 

 

Petruchio ficou alguns segundos sentindo o cheiro da pele de Catarina misturado ao perfume doce que tanto lembrava e tentava aspirar todas as noites em segredo em seu quarto. Era um daqueles momentos que duravam segundos, mas significavam uma eternidade. Uma eternidade que ele queria guardar na memória e nunca esquecer para voltar o tempo todo quando precisasse. Queria completar o ato a beijando no pescoço, não achava que ela o empurraria, nessa altura ela já teria feito isso ou gritado por socorro. Mas não o fez. Catarina o sentiu se afastar deixando que sua barba raspasse em seu pescoço arrepiando sua pele. 

 

Estava completamente sem armas para ele, não atiraria um vaso em sua cabeça mesmo que tivesse ele em mãos. Só esperava que ele enfim selasse seus lábios em um beijo por mais de quinze anos guardado. 

 

xx

 

Os olhos de Julião Júnior passavam pelas palavras de Clara, mas ele não acreditava no que lia, tentava entender o que significavam aquelas palavras dizendo que ela era filha de seu pai e que queria conhecê-lo, parecia um enredo de uma peça de teatro trágica. Mas alguns fatos batiam com sua vida. O nome de seu avô Batista estava lá e também o de sua mãe. 

 

Júnior passou os dedos por cima das palavras de Clara que diziam "Catarina Batista". Não podia acreditar em tudo aquilo. Sentiu-se um idiota e todas as peças do quebra-cabeça que eram jogadas a ele não se conectavam. 

 

— Que história maluca é essa? Que brincadeira sem graça é essa?! - perguntou nervoso a Miguel ao mesmo tempo que amassava a carta em sua mão jogando ela no chão raivoso. 

 

Miguel piscou com medo e começou a dar passos devagares para trás. Se o irmão de Clara tivesse mesmo os mesmos genes que a amiga e a mãe dela, ele sabia bem o que poderia vir a seguir. E ele não queria estar por perto quando ele explodisse. 

 

— Não acredito em uma vírgula do que está escrito aqui. Deve ser algum tipo de piada d'ocê e de sua amiga doente! Suma da minha frente! 

 

Miguel não precisou de outro incentivo para sair correndo da loja deixando-o para trás com a carta, tão bem escrita pela amiga, que não seria entregue a seu destinatário. Clara teria que entendê-lo e esperar o tempo da mãe para contar toda a verdade. Ela nunca o entenderia. 

 

xx

 

— Saia de cima de mim! - Catarina de repente acordou de seu torpor e empurrou Petruchio com a maior força que conseguiu. - Pode passar os anos que for e você ainda insiste em me agarrar à força… 

 

— Não queria agarrar ocê não, sua onça brava! Queria provar um ponto! - ele tirou seus braços dela, que permaneciam pousados em sua cintura. 

 

— Suas desculpas não mudam! Grosseirão! - as bochechas da mulher estavam vermelhas e ele começou a rir dela. - Do que está rindo? Detesto que riem de mim! 

 

Ele não queria admitir, mas amava ouvir seus gritos e suas reações tão iguais a antigamente, como se quinze anos não tivessem passado. Catarina continuava a mesma. 

 

— Provei que ocê foi ver meu filho na loja, estava disfarçada! Reconheci seu perfume aquele dia que saiu correndo quando cheguei. Sabia que era ocê! 

 

Catarina estava chocada que ele havia a descoberto por causa de seu perfume. Não tinha como ela argumentar contra aquilo. 

 

— Para um cavalo, até que você tem um bom olfato! - ela cruzou os braços na frente de seu corpo. - Devia ter trocado meu perfume. Impressionante se lembrar do chei… 

 

— Eu nunca esqueci seu cheiro. Eu nunca esqueci nada sobre ocê… 

 

Catarina engoliu em seco diante do novo rumo que Petruchio estava dando na conversa.

 

 — Mas ocê não se importa. Nunca se importou. 

 

Petruchio se lembrou de repente de outro fato e precisava tirar a prova já que estava ali frente a frente com ela. Procurou as mãos dela com os olhos, estavam escondidas num braço cruzado. Levou suas mãos até às dela e as puxou para si. Para vê-las de perto. Precisava vê-la com o anel de casamento. 

 

— Grosseirão! O que está fazendo? - Catarina retrucou tentando se livrar dele novamente. 

 

— Cadê o anel? 

 

— Que anel? 

 

— O anel seu! Sei que casou de novo! Eu vi com meus próprios olhos ocê chegando com um marido e o anel brilhando no seu dedo anelar esquerdo. 

 

Catarina fez uma careta tentando entender o que ele dizia. 

 

— Está delirando?

 

— Eu provei pra mim naquele dia que ocê partiu pras Europa pra mudar sua vida. Sei que ocê casou de novo! Não negue! 

 

— Petruchio, já disse que não devo satisfação da minha vida a você, além disso… - Catarina tentava raciocinar rapidamente diante de toda confissão dele. - Foi me ver? Sabia o dia que eu desembarcaria no Brasil? 

 

Petruchio negou com a cabeça, não era o lado da conversa que queria ir com ela. 

 

— Não interessa. 

 

— Me julgou tanto por eu querer conhecer MEU filho e você fez a mesma coisa. - Catarina tentava se lembrar do dia na estação, mas não lembrava de nada anormal. Lembrava-se de usar o anel para evitar perguntas de outras pessoas durante a viagem. - Foi me ver na estação Petruchio? 

 

— Fui sim! Fui! Tinha o direito! Ocê partiu sem mais explicações por quinze anos. Eu tinha o direito de te ver. Nem se fosse de longe e escondido! 

 

Ela levantou suas sobrancelhas como se tivesse vencido uma das batalhas que sempre lutava contra ele. De repente se lembrou de Clara e ela lhe chamando de mãe. Sentiu seu coração gelar. 

 

— ...Sei que se casou de novo. Vi seu marido com cara de europeu almofadinha te ajudando com as mala. Por que resolveu voltar se tinha se casado de novo, heim? 

 

Catarina não respondeu, tentava pegar as pistas que ele lançava a ela, ele se atentou a um homem. Que homem era aquele? Catarina não se lembrava direito, mas parecia que um homem a tinha ajudado com as bagagens segundo o próprio ex-marido. 

 

— Nunca achei que ocê fosse se casar de novo. Nunca achei que justamente ocê ia provar no final que sempre foi uma interesseira. Casar justo com um almofadinha das Europa? 

 

Catarina quase podia ouvir o coração de Petruchio se partir dentro de si. Então ele não havia visto a Clara? 

 

— Que direito acha que tem sobre mim? Somos separados Petruchio! Separados! 

 

Não havia negado nada do que ele havia concluído. 

 

— Não estou vendo sua aliança. - ele apontou sua mão esquerda tentando entender aquela peça da história incompleta. 

 

— Levei para polir. - Catarina disse a primeira coisa que lhe veio à mente. 

 

Petruchio fungou chateado e virou seu rosto. Ela havia cutucado uma parte delicada de seu coração, não queria e não podia mais olhar ela nos olhos sem sentir dor e um nó em sua garganta. 

 

— Bom! Eu disse tudo o que tinha pra dizer pr'ocê! Fique longe do meu filho. Não admito ocê criando laços com ele, voltando depois de anos, como se nada tivesse acontecido! 

 

— É só isso que tem a dizer? Pois não me importo nem um pouco e não vou seguir nenhuma das suas instruções. 

 

— Não são instrução não. - ele voltou a olhar ela nos olhos. - É uma ameaça. Se insistir em ver Júnior, conto a ele toda a verdade sobre ocê, vou acabar com o coração do meu filho. Mas ele vai te odiar. 

 

Catarina abriu a boca chocada com o que ele havia lhe dito. 

 

— Como se atreve Julião Petruchio! Ele é meu filho. 

 

Petruchio ajeitou seu chapéu em sua cabeça e começou a andar para longe dela. 

 

— Está avisada. Passar bem! 

 

Catarina ficou observando ele sair de perto de si com passos fortes. O momento no qual havia acabado de viver parecia ter durado dias, não minutos. Eram muitas informações para processar e entender. Mas o que mais fazia seu coração doer era o fato de Petruchio saber que ela visitara o filho em segredo e que ele não permitiria que acontecesse novamente. Sua fonte de felicidade, seu elixir reconstrutor, não podia ser mais alcançado sem que verdades fossem escancaradas. E ainda tinha Clara. Ela precisava falar com ele sobre Clara. 

 

Ergueu suas mãos no ar, quase o chamando de volta. Lembrou-se, porém, dele achando que ela estava casada de novo. Talvez ela pudesse adiar a verdade sobre a filha de ambos mais uns dias. Quem sabe conseguisse segurar a língua de Clara e organizar toda sua vida, onde iria morar, seu emprego e colocar seu mundo em órbita novamente antes de chamar Petruchio para uma conversa definitiva e devastadora. 

 

xx

 

— Miguel! Miguel! - Clara obviamente estava na sacada esperando por ele. Quando entrou no portão da casa de  Batista achou que poderia se livrar do questionamento da melhor amiga. Mas agora, diante dos gritos insistentes dela, sabia que não teria escapatória. 

 

Miguel negou com a cabeça não olhando para ela e tentando andar até a entrada da casa. Foi quando ouviu ela berrar. 

 

— MIGUEL! Não ouse entrar sem conversar comigo! 

 

Ele parou de andar e olhou para ela. 

 

— N-n-não deu c-c-certo. - tentou dizer tudo de uma vez, corajosamente. Mas falhando novamente diante de sua gagueira incontrolável. 

 

— Não entendi nada! Trate de subir aqui e me contar tudo! - exigiu. 

 

Miguel deu de ombros derrotado. O que ele poderia fazer a não ser obedecer ela? Sentiu-se de fato um capacho enquanto subia o enfeite de plantas da sacada em direção ao quarto dela. 

 

— E então?! Mandou meu irmão entregar minha carta a meu pai? - foi direto ao ponto com ele. 

 

Ela poderia lhe perguntar sobre a escola, como ele havia se sentido no primeiro dia de aula sem ela, como era uma escola no Brasil. Mas nada disso parecia interessar a ela. 

 

— N-n-não se im-im-port-t-ta co-co-migo não é C-Clara? 

 

— O que está dizendo? O que você tem a ver com o assunto meu pai Miguel?! - estava impaciente. 

 

— N-nada, c-co-mo semp-p-pre. 

 

Clara estreitou seus olhos tentando entender seu melhor amigo. Estava diferente. 

 

— Você está estranho! - constatou. Ele se sentia diferente mesmo, como se a verdade estivesse enfim chegando a seus olhos. - Me conte de uma vez se entregou a carta. Minha mãe pode chegar e te ver aqui! 

 

Miguel suspirou derrotado. Só queria que ela lhe notasse, uma vez só. Somente uma vez. 

 

— E-ent-t-treguei. 

 

Clara bateu palmas empolgada. 

 

— Ah! - gritou comemorando feliz. - Meu pai quando ler vai vir me resgatar desse martírio que vivo. Sinto que vai! 

 

Miguel podia lhe contar que seu plano havia dado tudo errado. Que sua carta jamais chegaria a seu pai. Mas permaneceu calado. Não soube o porquê, mas permaneceu calado. Tentava decifrar as atitudes dela e se lembrou de algo. Poderia reivindicar seu prêmio. 

 

— V-v-você me pr-prome-t-teu uma re-re-compensa. - falou corajosamente. 

 

— Recompensa? - perguntou surpresa. Colocou seu dedo indicador em seu queixo pensando. 

 

— S-sim s-se eu entrega-s-s-sse sua c-car-t-ta vo-vo-cê… 

 

— Nossa Miguel! Você só pensa em fazer as coisas para mim visando ganhar uma recompensa? Que belo melhor amigo é você! 

 

— E-enten-d-di. 

 

E de fato ele havia entendido. Clara jamais iria olhar para ele com os mesmos olhos que ele olhava para ela. Começou a descer o enfeite chateado. 

 

— Está chateado comigo? Pois não te conto o que minha mãe resolveu fazer. Você acharia minha vida mais trágica do que nunca! 

 

Miguel chegou ao chão cabisbaixo, a palavra "capacho" eternamente em seus pensamentos, a falta de reconhecimento dela lhe dando uma bofetada no rosto o fazendo enfim acordar. 

 

— Miguel! Nós não terminamos de conversar! Miguel! MIGUEL!

 

Deixou ela gritando para trás e entrou na casa decidido a não ser mais um objeto nas mãos dela. Clara não sabia que seu pai jamais descobriria sua carta, não sabia que ele havia lido suas palavras e nem que seu irmão havia descoberto tudo da pior maneira. Resolveu não dizer nada a ela. Ela ficaria furiosa com ele e lhe culparia de algo que não estava em seu alcance para resolver. Deixaria que o destino indicasse o melhor caminho para a amiga e torceria para que ela começasse a olhá-lo com outros olhos, que não fossem o de capacho. 

 

xx

 

Júnior observou seu pai entrando na loja fungando nervoso. 

 

— Onde o senhor foi? 

 

— Resolver uns problema. 

 

A palavra problema começou a ecoar na cabeça de Júnior. Ele não conseguia esquecer tudo o que havia lido na carta de sua suposta irmã. 

 

— O pai, ocê se importa de eu volta pra fazenda mais cedo hoje? Não tô me sentindo bem. 

 

Petruchio o encarou preocupado, de fato estava um pouco pálido demais. 

 

— Ocê tá precisando de algum remédio? Podemos passar na drogaria e… 

 

— Não, eu só quero, volta pra casa. 

 

Petruchio concordou com a cabeça diante do pedido do filho. 

 

— Vá com minha carroça, Calixto passa aqui depois de buscar Mimosa na casa de Bianca e eu volto com ele. 

 

Júnior concordou com a cabeça agradecido e saiu da loja sem se despedir do pai. 

 

Havia mentido a ele pois sabia que o assunto sua mãe fazia mal ao pai. Decidiu ir até a casa de Batista, seu avô, e tirar essa história a limpo de ter uma irmã e de sua mãe estar de volta ao Brasil. 

 


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