Segunda chance escrita por Laura Vieira, WinnieCooper


Capítulo 10
Capítulo 9




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— Papai! - Catarina gritou nervosa, estava indignada diante do absurdo que tinha ouvido. - Eu já me casei uma vez, não pretendo passar por essa experiência novamente. Além disso… - Catarina bateu a mão na mesa e se encaminhou para ficar de frente ao pai. - Mulher separada não se casa novamente!

Batista sabia que assim que Catarina soubesse de sua cláusula seria a primeira a ficar brava com ele. Mas, apesar da fúria da filha lhe causar gastrite aguda, resolveu encará-la corajosamente.

— Me preocupo com você minha filha, com todos vocês… - confessou baixo, afastando o rosto que estava próximo ao dela.

— Se preocupa comigo? Então me deixe viver minha vida em paz! - rugiu bravamente pegando um vaso e arremessando no chão tamanha sua fúria.

Batista afastou sua cadeira para longe dela com medo. 

— Catarina, não grite assim com o papai, não vê o estado dele? - Bianca ponderou segurando a mão de Batista.

— Como posso parar de gritar se o único fato que preocupa o papai é se estou ou não casada?!

— Não só você minha filha, Fátima e Jorginho também.

— Sabe que eu estou noiva papai, não se preocupe comigo, mas escutar isso de você é um desaforo a gente, pois estamos construindo nossa vida, Buscapé e eu não queremos nos casar antes de termos algo estável. - Fátima exclamou.

— É claro, a modernidade. - Batista suspirou. - Mas sabe que ele receberá o dote. Pode ajudá-los a montar um restaurante.

Fátima balançou afirmativamente a cabeça considerando a ideia do pai.

— E eu sou independente pai, trabalho no banco, não terei problema com dinheiro, qual a diferença se estarei casado ou não? - Jorginho apesar de saber da cláusula por antecipação, não concordava com ela.

— A doença só pode ter afetado o cérebro dele. - Catarina exclamou ainda sem acreditar no absurdo que tinha ouvido. - Na verdade desde que me conheço por gente a única preocupação do senhor comigo é se estou ou não casada.

— Mas Catarina, de todos os meus filhos você é a que mais me preocupa, Bianca é mãe e dona de uma escola, Fátima está noiva e tem um emprego e pode muito bem montar um restaurante com Buscapé, Jorginho é homem e vai ser administrador de meu banco quando eu me for, está bem encaminhado. Agora você…

— Eu o que?! - Apesar de estar preocupada com a saúde de Batista, não conseguia controlar seu impulso de brigar com ele.

— Você não tem emprego, não tem família, se eu morrer amanhã estará na rua da amargura com uma mão na frente e outra nas costas.

— E sua solução brilhante é me tirar o dinheiro que seria para me ajudar depois de sua partida. - ela rosnava nervosa.

— Bom… desta forma eu estou… - Batista media suas palavras, mas sabia que a filha mais velha tinha entendido perfeitamente seu raciocínio.

— Me obrigando a casar! Porque com um marido meus problemas acabariam! Ou seus problemas acabariam! - ela pegou um vaso ao lado da mesa do pai. - Não caso nunca mais!

Batista gritou se encolhendo embaixo da mesa com Bianca e Fátima, Catarina jogou na parede ao lado o objeto que se espatifou.

— Catarina! Você tem coragem de jogar vasos no papai? Não vê o estado dele?! - Bianca disse a encarando.

— Papai não caso nem que tenha que pedir esmola na rua quando o senhor morrer! - ignorou sua irmã e voltou a rugir raivosa com Batista.

Ele se levantou de sua cadeira e sem medo da filha apontou o dedo indicador em seu rosto.

— Eu cuidei de você, durante todos esses anos que estava na Europa…

— Fazendo o que? Mandando parte da herança de minha mãe para me sustentar? - Catarina não se continha.

— ...Sim! Mandando sua herança, mas meu dinheiro também… era em parte meu dinheiro! Mas dinheiro que não é investido minha filha se acaba e eu vejo isso acontecendo com você quando eu partir.

Catarina negou com a cabeça, seu sangue corria por suas veias fazendo seu rosto ficar vermelho de ódio.

— Mas é claro que o problema do senhor sempre foi eu acabar com SEU dinheiro. Pois trate de o enterrar junto com o senhor quando estiver debaixo da terra! - ela se virou de costas a ele cruzando os braços.

— Catarina! - Fátima e Bianca exclamaram alarmadas.

— ...Cuidei de você lhe mandando dinheiro, mas também cuidei para que não fosse difamada pelas más línguas quando partiu. Isso você não reconhece. - Batista confessou cansado.

— O que?! - voltou seu rosto para ele novamente, falando entre dentes. - Está me dizendo que pediu a Petruchio para continuar a fingir o casamento para meu bem e quer que eu reconheça isso?

Batista engoliu em seco, podia imaginar labaredas de fogo saindo da cabeça de Catarina, tamanha a raiva da filha.

— Reconhecer seria muito para você, eu só quero que entenda que só faço o que faço pensando no seu…

— NA SUA REPUTAÇÃO! - berrou o interrompendo. - Quer saber?! Saio essa semana mesmo da casa do senhor. Não vou viver mais nenhum dia de minha vida com SEU dinheiro!

Começou a caminhar a passos longos e pesados até a porta, mas Batista perguntou em alto e bom som antes que ela saísse de suas vistas.

— E posso saber o que vai fazer para se sustentar? Não quer voltar a seu marido, não tem mais a herança de sua mãe. Vai sustentar sua filha como? Morar aonde?

Catarina virou seu rosto pela última vez ao pai.

— Isso é problema meu! Só meu! Engula seu dinheiro senhor Batista! Eu não preciso dele!

Batista observou a filha subir as escadas rapidamente, não imaginou um cenário tranquilo quando Catarina soubesse de sua condição, mas sabia que ela precisava de um choque de realidade. Não esperava que a filha se casasse tão facilmente, mas torcia para que quando ela entendesse o quanto é difícil para uma mãe sozinha criar uma filha e manter uma casa, que ela voltasse para seu marido e fosse feliz.

— Só queria garantir que ela fosse feliz. Mas a irmã de vocês é muito teimosa. - comentou com os outros filhos.

— Calma papai, vou conversar com ela. Garanto a você que vou ajudá-la. - Bianca garantiu.

— Não entendo porque ela foge tanto da fazenda, era um lugar que ela amava viver, lembro bem disso na minha infância. - Fátima comentou.

— Catarina morre de medo de perceberam que ela tem um coração. Não se abre para ninguém. - Batista confessou. - Mas lembro bem do dia em que ela confessou que amava Petruchio e queria o ajudar a fazer a fazenda progredir.

— Pai, talvez vendo o quanto é difícil lidar com tudo isso que o senhor apontou, ela aprenda. - Jorginho falou.

— Tomara meu filho, tomara.

Batista agradeceu o apoio dos três filhos, todos sabiam que a maior preocupação do pai era Catarina. Decidiram ficar o resto da manhã em seu escritório conversando e aproveitando o tempo que ainda tinham com o pai ao lado.

Catarina por outro lado continuava raivosa. Entrou em seu quarto e observou a filha na sacada olhando o movimento lá fora.

— Pensando em fugir? - perguntou com a voz brava. - Achei que tivesse medo de altura.

Clara virou seu rosto a ela, Catarina não esperou a resposta da filha e começou a procurar um vestido no guarda-roupa.

Clara deu dê ombros. Poderia lhe responder e retrucar, mas estava cansada de brigas. Além disso, seu dia estava ótimo e se tudo desse certo e se Miguel entregasse logo sua carta, seu pai apareceria antes do sol se pôr na casa de seu avô. Tudo daria certo.

— Está nervosa? - Clara perguntou observando a expressão carrancuda da mãe enquanto trocava seu vestido, ela tinha ouvido barulho de vasos sendo quebrados também, logo supôs que ela havia brigado com seu avô, já que havia descido para conversar com ele.

— Nervosa? Essa é minha feição natural. Sempre estou nervosa!

— Óbvio! Não sei porque tentei uma trégua com você. - Clara cruzou os braços na frente de seu corpo. Reparou que a mãe além de trocar de roupa, retocava a maquiagem rapidamente. - Vai sair?

Clara não conseguia fazer sua língua e nem sua curiosidade se acalmar.

— Vou arranjar um emprego. - respondeu calmamente enquanto escolhia um lenço. - Sairemos da casa de seu avô ainda essa semana.

Clara arregalou os olhos pensando no pior.

— E vamos morar aonde?

— Vou ver alguma pensão, nada muito caro no começo. Não tenho nem emprego e nem salário ainda, não posso contar com o ovo no… - Catarina parou de passar seu perfume em seu pescoço e olhou para a filha. - Você entendeu.

— Mãe… eu não consigo ser pobre! Você não pode…

— Lógico que posso viver do meu salário, sou nova, sã e com vontade de trabalhar! Vou conseguir me sustentar e te sustentar.

Clara engoliu em seco já imaginando o pior cenário. Se o seu pai não acreditasse em suas palavras da carta e não viesse a buscar, ou pior, se fosse de fato um homem que não ligava para si e não se importasse com nada do que ela havia escrito, ela estaria fadada a morar com a mãe em um muquifo.

— O vovô te disse sobre o acordo de você só receber sua herança quando voltar a se casar? É isso? - lembrou momentâneamente que a mãe tinha ido falar com o avô e também lembrou da ideia que tinha tido e de sua condição. Sabia que a mãe jamais ficaria contente quando soubesse.

— Hum, então confesse que todo seu teatro em descobrir sobre seu pai tem um quê de interesse. Já sabia da cláusula, Clara? - perguntou nervosa.

Clara mordeu sua língua para não lhe responder nada ofensivo, não podia brigar com a mãe.

— É definitivamente um complô contra mim! - Catarina reclamou.

Clara se ajoelhou aos pés dela e segurou suas pernas implorando.

— Mãe, volte para meu pai. Ainda é tempo. Resolveria todos os nossos problemas e além de tudo eu te perdoaria por anos de mentira. Juro que te perdoo.

Catarina dispensou as mãos da filha.

— Levante-se, vai ficar com calo nos joelhos.

— Você precisa usar o raciocínio mãe! Não vai conseguir se sustentar e me sustentar!

— É o que veremos!

— Mas mãe! - ela reclamou diante da mãe teimosa, levantou-se. - E Filomena e Miguel? Vai dispensá-los e deixar eles na rua, sem ter como fazer para não morrerem de fome!?

Era sua última moeda de troca com a mãe, talvez pensar em sua amiga que ajudou a criá-la a fizesse repensar em tudo.

— ...A solução é simples...

— Sim, simples. Voltar para meu pai. - Clara completou sua fala com um sorriso no rosto.

— ...Vou arranjar dois empregos hoje. - Catarina terminou sua fala como se não tivesse sido interrompida pela filha.

Dizendo isso saiu do quarto trancando-a novamente no aposento.

— Meros dias no Brasil e minha vida está mais trágica que nunca! - Clara reclamou deitando-se frustrada na cama. - Mais do que nunca minha única solução está em Miguel entregando minha carta ao meu pai.

xx

...Miguel, meu filho, essa escola não é barata, não desperdice sua chance de ser um excelente aluno… ganhamos uma bolsa porque Bianca é irmã de dona Catarina. Jamais poderia pagar para você…

As palavras de sua mãe ficavam ecoando em sua cabeça como se fosse um mantra. Não poderia falhar, um mísero passo fora da linha poderia lhe custar caro e fazer sua mãe ficar triste consigo. Todos os sonhos e planos que ela fizera com o filho jogados fora.

Por isso andou pelos corredores da escola com os olhos brilhantes achando tudo encantador, por isso tentou responder todas as perguntas de todos os professores que tinha encontrado naquele dia. Tentaria ser o orgulho de sua mãe. Mas mesmo que negasse e adiasse o seu dilema, a carta que Clara tinha lhe entregado faiscava em seu bolso, parecia pegar fogo lhe chamando a atenção. Havia prometido que a ajudaria, mas quando pensava em sua mãe.

— Por tudo o que é mais sagrado Miguel, não ande perto da Clara durante uma semana, fique longe de confusões, precisamos resolver nossa vida e não quero dar mais motivos para dona Catarina dispensar meus serviços.

Ele gostava de Clara e como gostava, muito mais que uma amiga, sentia carinho em seu coração quando estava perto dela, sempre queria a ajudar em qualquer situação e em qualquer circunstância. Queria que ela se sentisse assim com ele também, por isso vivia a ajudando em seus planos de encontrar o pai, por isso estava sempre ao seu lado para o que desse e viesse. Mas, diante daquele impasse entre Clara, sua paixão platônica e sua mãe, não tinha outra escolha, o pedido da mãe falava a seus ouvidos mais alto. Desta forma, precisava ler a carta para enfim saber o que faria.

Engoliu em seco e durante o intervalo, resolveu ler o que a amiga havia escrito.

"Olá papai, tudo bem?

Sou sua filha, me chamo Clara, você não me conhece, mas eu te conheço, não na minha frente, feito de carne e osso e nem de relatos e lembranças de minha mãe, mas da minha imaginação. Eu sempre estive ao seu lado papai.

Estivemos lado a lado quando eu era apenas um bebê e você me embalou em seus braços acalmando meu choro me fazendo dormir. Estivemos lado a lado na minha infância, enquanto segurava minha mão me ensinando a andar, impedindo-me de cair e me frustrar ou machucar. Estivemos lado a lado durante meus primeiros anos, quando aprendi a falar: papai e você me segurou no colo me rodando no ar em pura felicidade e alegria. Estivemos lado a lado naquela vez em que cai e ralei o joelho e você me colocou um curativo falando que tudo ia passar e logo eu estaria curada, porque o joelho ralado doía momentaneamente, não era como um coração partido. Estivemos lado a lado durante minha adolescência, quando me consolou quando eu me pus a chorar justamente por um coração partido, me disse que a vida tinha dessas coisas e que infelizmente não funcionava como o joelho, colocando um simples curativo, só o tempo poderia me curar.

O tempo papai… ele não volta mais…

Eu odeio minha mãe por me fazer perder tanto tempo longe de você e ter que imaginar todos esses momentos nunca vividos, nunca sentidos, nunca eternizados. Mas nós ainda temos tempo.

Descobri há pouco tempo seu nome e desde então não consigo parar de imaginar seu rosto, sua voz e seu jeito. Minha mãe nunca contou que teve gêmeos na minha gestação, guardou esse segredo e o senhor nunca soube que eu existia. Estou momentaneamente de castigo e não posso sair da casa de meu avô, mas eu não podia esperar, tinha que lhe contar tudo o que descobri.

Sei que tudo está confuso, mas procure me entender, eu também estou confusa, venha conversar com minha mãe na casa de meu avô Batista?

Sim, sou sua filha com Catarina Batista. Ela nunca falou de mim para o senhor.

Estou aqui lhe enviando essa carta com a esperança que o senhor possa me entender e que queira acabar com o nosso tempo perdido, para que possamos recuperar todo esse tempo vivido apenas em meus sonhos.

Meus cumprimentos, Clara Batista".

Miguel arregalou os olhos diante de tudo o que havia lido. Toda a verdade estava escancarada na carta dela para seu pai, além de todos os sentimentos de frustração e tristeza que levava dentro de si durante todos os quinze anos que passou longe dele.

Não conseguiria dizer não a ela, como poderia voltar a casa de Batista com a carta consigo e fingir que entregou? Era incabível depois de ler todo seu desabafo.

Precisaria encarar o irmão de Clara.

xx

— ...Sabe vender? - um senhor de cabelos brancos perguntou com as sobrancelhas levantadas.

— Nunca trabalhei como vendedora, mas posso aprender rapidamente. - ela foi sincera.

— Infelizmente não estamos contratando.

Catarina saiu bufando nervosa da pequena mercearia que tentou arranjar emprego. Claramente o dono queria alguém com experiência.

— Como posso ter experiência se não me dão chance?

O próximo lugar que entrou foi um escritório que tinha uma placa na fachada dizendo que estavam contratando.

— ...Olha não estou pedindo muito, só uma chance para mostrar que sou ótima. - ela falou nada modesta.

— Ótima? Sabe ser simpática ao telefone? Organizar papéis? - um homem de bigodes pretos perguntou a Catarina não acreditando muito em sua convicção ao dizer que era ótima.

— Nunca trabalhei como secretária, mas mexer com papéis e atender telefone não tem segredo.

O homem concordou com a cabeça.

— Tudo bem senhora, podemos fazer um teste amanhã. Qual seu nome inteiro? - ele pegou papel e caneta para anotar.

— Catarina Batista Pet… - Catarina parou por um momento de falar arregalando os olhos percebendo o que diria. - Só Catarina Batista. Aliás… - ela esticou seu dedo indicador. - Senhorita, não sou casada.

— Senhorita com essa idade? - disse surpreso sem papas na língua.

— Algum problema com minha idade? Sou separada se quer saber!

O homem estreitou os olhos diante de sua nova descoberta, Catarina pareceu não perceber problemas em sua fala.

— Infelizmente já tenho quem contratar. - ele automaticamente riscou o nome dela que havia escrito no papel.

— Não está me contratando porque sou velha para o emprego? - sua voz saiu alta demais para uma conversa amistosa.

— Sim! - ele automaticamente concordou com a cabeça. - Esse é o motivo: sua idade.

Catarina bufou nervosa e saiu do escritório jogando vários papéis que estavam em cima da mesa no chão.

— Passar bem!

Tentou emprego em outros lugares, no hotel estavam contratando camareiras, mas ela não tinha experiência em limpeza, não sabia passar roupa.

— ... Só contratamos aqui no hotel pessoas que sabem o que fazem, por isso teria que fazer um dia de testes trabalhando de graça para nós.

— De graça? - ela perguntou indignada. - Nem relógio trabalha de graça!

— Regras do hotel. - o gerente voltou a dizer. - Apareça amanhã para o teste.

Achou melhor nem ir no dia seguinte para um dia de trabalho de experiência, não iria passar.

Numa loja de doces teria que ser decoradora de bolos, além de cobrir o confeiteiro quando este se ausentava por doença (o que estava acontecendo com frequência), o dono do estabelecimento até que gostou dela, mas ela sabia que seria um desastre completo, não levava jeito para cozinhar, era capaz de trocar o açúcar pelo sal quando fosse tentar seguir as receitas.

— Pode começar a trabalhar imediatamente. - o dono do lugar parecia desesperado para achar alguém para a vaga.

— Só porque sou mulher o senhor não fará testes culinários comigo? - perguntou curiosa ao dono.

— Ora o mínimo para uma mulher é saber costurar e cozinhar. Vai me dizer que não sabe fazer bolos?

Catarina queria era jogar aqueles bolos na fuça do homem, fungou nervosa e resolveu sair do estabelecimento sem responder.

Lembrou-se de Filomena, ainda precisava achar trabalho para ela, e sabia que sua antiga ama de leite era ótima cozinhando. Não queria que o senhor ficasse traumatizado com ela e recusasse a oferta de trabalho para a amiga.

— ...A arte de fazer sapatos é simples, mas não para mulheres. - todos os estabelecimentos comerciais que parava ou não a aceitavam como uma mulher pedindo emprego, ou achavam que ela era ideal justamente por ser mulher. Isso só deixava ela cada vez mais nervosa.

— Todos os trabalhos realizados por homens são melhores? - Catarina perguntou esticando as sobrancelhas para o sapateiro no qual havia perguntado sobre a vaga de emprego de engraxate. - Qual é o mistério de se engraxar sapatos?

— É um trabalho que reservo para garotos, novos, com músculos ótimos para deixar sapatos brilhantes! - ele parou um segundo de montar um sapato que estava fazendo e olhou de rabo de olho para ela. - Conheço você. É Catarina Batista.

— Sou eu mesma. - ela sorriu tentando parecer meiga.

— Pois sei muito bem como você é, nervosa, para não dizer coisa pior. Conheço seu pai, é meu cliente. Sempre deixou seu Batista sem vasos. Não quero correr o risco de perder meus materiais quando você resolver jogar todos pela janela numa crise de nervosismo.

Catarina estreitou seus olhos chocada com a audácia dele.

— Saiba que todos os vasos que atirei foram por razões muito boas.

— Acredito. - ele concordou com a cabeça parecendo sarcástico. - Além disso, sei muito bem que seu pai a mantinha na Europa, escondida, porque é separada.

— E o que isso tem a ver? - perguntou nervosa colocando as suas mãos na cintura.

— Mulher separada é sinônimo de mulher da vida.

— O que?! - sua voz saiu fina, perplexa e alta demais.

— Logo estarão falando que esse não é um estabelecimento familiar.

— Como ousa me dizer tudo isso?! Como ousa dizer esses absurdos para mim?!

— É o que as más línguas falam e pensam. - ele disse quase num sussurro próximo dela. - E eu vendo sapatos para as más línguas.

— Errou o verbo! Vendia sapatos!

Catarina começou a jogar todos os pares de sapatos que brilhavam nas diversas prateleiras porta a fora.

— Saia da minha loja antes que eu chame a polícia!

Catarina deixou que sua raiva saísse de dentro de seu corpo acabando com o estoque dele, mas logo em seguida, já na rua tentando se ver longe da confusão que virou aquela loja de sapatos, o peso de suas novas decisões se apoderou de seus ombros.

Estava triste. Sentou-se num banco de uma praça cansada. Era inútil e frustrante ser mulher, ainda por cima uma mulher separada na sociedade machista na qual vivia.

Pensou em seu pai, que havia lhe oferecido ajuda, um trabalho no banco, que jamais aceitaria por seu orgulho ferido por tudo o que o pai havia feito e todos as artimanhas que havia elaborado para ela se casar novamente. Lembrou de Bianca, poderia pedir ajuda a irmã, um emprego na escola dela e de Edmundo. Mas não sabia se tinha paciência para educar crianças, nunca foi uma boa tutora para Buscapé e seus irmãos quando tentou os ensinar a ler e escrever na infância, havia abandonado a ideia rápido demais.

Ao mesmo tempo, sabia que não trabalharia num primeiro momento, num lugar em que ela se sentisse bem em trabalhar. Se assim fosse, queria ser jornalista, adorava escrever, ainda queria fazer a diferença no mundo com suas palavras diante de todas as injustiças que assistia contra as mulheres.

Lembrou-se, porém, que era separada, mulher separada era mal vista pela sociedade.

Sentiu uma lágrima descer de seu rosto quando lembrou da solução fácil da filha para ela. Voltar para Petruchio seria o caminho mais fácil, ainda se lembrava dos tempos bons que passou na fazenda, amava comandar o lugar ao lado dele e também tinha seu filho…

— Júnior… - sussurrou lembrando da face dele, de sua voz e de como a conversa que teve com ele havia sido reconstrutora. - Preciso te ver meu filho.

Talvez se visse seu filho e tivesse uma conversa com ele, reconstruiria seu coração e pensaria numa solução melhor para seu desespero em conseguir se sustentar sozinha.

Abriu sua bolsa, tirou um lenço de lá e seus óculos de sol, iria para a loja de Petruchio.

xx

— … Às vezes eu acho que era melhor eu volta pra escola. - Júnior disse chateado depois de uma manhã e início de tarde sem grandes vendas na loja.

O pai tinha ficado de olho nele o dia todo, estava sempre cabisbaixo, frustrado todas as vezes que via o pouco estoque de laticínios que tinha restado.

— Filho… - Petruchio relou em seus ombros com suas mãos. - Nossa fazenda já foi a leilão por dívidas, já dei ela como garantia para empréstimos. Não vai ser uma falta de estoque que vai acabá com a gente.

— É que eu fico frustrado por eu ter permitido isso acontecê. Sei que não foi minha culpa, foi aquela menina enxerida, mas comida desperdiçada desse jeito eu não gosto. - Júnior negou com a cabeça cansado.

— Vai dar certo. Tô aqui com ocê pra te ajuda.

Júnior concordou com a cabeça ao mesmo tempo em que aceitava o abraço de consolo do pai.

Petruchio levantou seu pescoço com os olhos em direção a porta de entrada ao mesmo tempo em que via uma mulher de lenço e óculos de sol entrando no estabelecimento.

Ela ficou estática quando o viu, deu meia volta e começou a andar de volta para a rua.

— Eu… Eu… vou ali e já volto.

Avisou o filho saindo rapidamente de seu abraço e correu ao encalço da mulher que achava ser Catarina.

Ela andava rápido, mas não conseguia correr devido ao salto que usava, o seu jeito de se portar era igual ao da ex-mulher. Tinha que ser ela.

— Catarina eu sei que é ocê! - ele falou tentando quebrar a distância entre eles. Ela não fez menção de o ouvir, só andava rápido tentando fugir.

Petruchio conseguiu alcançá-la depois dela prender seu salto nas calçadas esburacadas. Ele segurou seu braço e obrigou ela o olhar nos olhos.

— Ocê tá indo atrás do Júnior, eu sei que era ocê ontem falando com ele!

Catarina fungou nervosa diante da acusação dele.

— Me solte! - gritou tentando se livrar das mãos dele inutilmente.

Petruchio sorriu ao ouvir a voz dela.

— Só se ocê parar de tentar se disfarça e parar de fugir. Precisamos conversar.

Ela revirou os olhos derrotada, retirou o lenço de seus cabelos e os óculos de sol. Petruchio via ela frente a frente depois de quinze anos sem vê-la. Seu coração saltava do peito da mesma forma que o dela estava no momento. A conversa não seria fácil, mas precisava acontecer.

 


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