Ventos do destino escrita por Olívia Ryvers


Capítulo 4
Capítulo 4




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​“Mais uma cerveja!” Isabelle ouviu a voz de Grief, um pouco mais elevada que o necessário e arrastada pela embriaguez. Era a quarta que ele pedia desde que ela começou a contá-las. Sabe-se Deus quantas outras ele já havia consumido, e isto começou a preocupá-la. O capitão sequer a cumprimentou quando viu-a chegando ao bar na companhia de Benjamin, ao contrário, ignorou sua presença e continuou a beber de forma doentia. Isabelle mal podia tirar os olhos dele, sentado de costas para ela usando sua conhecida camisa vermelha. Ela o julgava muito mais atraente quando a vestia, entretanto, naquela ocasião, não era a sua aparência viril que lhe prendia a atenção e sim a maneira estranha com que estava se comportando. Tal fato não passou despercebido por Benjamin, o que era pra ser uma tentativa de flerte tornou-se um jantar monótono e cheio de tensão. A bela dama mal ouvia o que ele lhe perguntava até que, por fim, ele decidiu ser direto.

​—Seu sócio parece não estar num bom dia.

​—De fato._respondeu ela um pouco constrangida.

​—Qual é, realmente, a sua relação com David?

​Isabelle se surpreendeu com a pergunta, não só pela indiscrição do médico como também por que não sabia o que responder. Seu rosto levemente corou e ela fez silêncio por alguns instantes até que evasivamente respondeu.

​—Você provavelmente não entenderia… somos amigos, sócios, e salvamos a vida um do outro, algumas vezes.

​—Salvar a vida de alguém é algo que o faz responsável pelo resto da vida._concluiu o médico.

​—Se você diz._ela completou graciosamente levando a taça com vinho do Porto aos lábios.

​—Você se importa com ele não é verdade?_insistiu Benjamin. Ele precisava saber se teria  alguma chance de conquistar seu coração.

​—É o que se espera de amigos, não? Que você se importe com eles._Isabelle começava a ficar um pouco incomodada com os rumos que a conversa estava tomando. Afinal, não queria ocupar todo o jantar falando de sua relação conturbada com Grief.

​—Não foi sobre amizade que eu me referi…

​—Se quer saber se eu e David fomos amantes, a resposta é não._disse com impaciência._por algum tempo eu achei que podíamos ser mais que amigos._usou de sinceridade._mas isso foi no passado. O mais seguro sempre foi deixar nossa relação no campo da amizade.

​—Entendo._Benjamin não estava convencido sobre os sentimentos que existiam entre Isabelle e David. Era óbvio que ela se importava muito com ele, e para o médico era impossível que Grief fosse indiferente a ela. Contudo, nem sempre isso é o suficiente. Na equação do relacionamento há muitos fatores interferentes, se mesmo havendo uma atração nítida entre os dois  ainda sim não estavam juntos era porque não compartilhavam dos mesmos ideais, e seria exatamente nesta janela de oportunidade que o Dr. Summerlee apostaria suas fichas para conquistar a linda morena.

​—Se você pretende continuar a falar do que eu e David sentimos um pelo outro sugiro que convidemos ele para se unir a nós._a irritação em sua voz era evidente.

​—Você tem razão, me desculpe. Não foi para isso que a convidei para jantar._ele tocou sua mão chamando a sua atenção e deixando-a surpresa._Isabelle, você é uma mulher encantadora em muitos sentidos. Na verdade, gostaria de saber mais sobre você porque me interesso e quero entender em qual terreno estou me aventurando.

​—Acho que terá que me acompanhar para descobrir._sorriu de forma irreverente.

​Naquele exato instante David espiou de relance a mesa que o médico e a sócia ocupavam. Foi o suficiente para ver a cena desagradável. Isabelle sorria, espetacularmente, para o médico que segurava sua mão e tinha um olhar repugnantemente apaixonado. Se estivesse condições de se segurar em pé, David jurou que esmurraria o rosto bem-apessoado de Benjamin. Entretanto, teria que deixar para outra ocasião, seu estômago começava a revirar e ele precisava sair dali antes que sua dignidade fosse posta a prova. Passou cambaleando pela mesa do casal e recusou-se a cumprimentá-los dado as suas condições. Assim que se afastou um pouco do estabelecimento sucumbiu ao desejo involuntário do seu corpo e despejou o conteúdo líquido que havia em seu estômago.

​—Isso me trará uma bela dor de cabeça amanhã._disse a si mesmo.

​—Você tem razão._Lavínia vinha logo atrás e presenciou toda a cena.

​—Sem sermões, por favor._conseguiu dizer quando se recuperou. Estava desgrenhado e seus cabelos longos se encontravam bagunçado.

​—Está péssimo, David._observou a bela nativa.

​—Sinto muito, o barbeiro estava de folga hoje, assim como o alfaiate._tentou não perder o senso de humor, mas Lavínia tinha razão. Ele não só estava péssimo como se sentia assim.

​—Quer conversar?

​A proposta lhe soou inesperada embora bem oportuna. Ele precisava conversar, falar com alguém sobre o que estava sentindo, talvez outra pessoa conseguiria lhe explicar porque estava agindo dessa forma estúpida. Em outros tempos recorreria a Mauriri, porém, sua relação com o amigo polinésio ainda não estava totalmente recuperada e a última vez que falou com ele sobre Isabelle, Mo lhe deu uma perspectiva indesejada da situação. Lembrou-se da conversa que tiveram um pouco antes do acidente no Rattler, Mauriri sugeriu que David estava gostando da companhia de Isabelle e por isso não tinha interesse em desfazer a sociedade. Absurdo, pensou. Ele não estava apaixonado por aquela mulher, apenas tinha seu orgulho ferido pela rejeição que sofrera. Por mais estranho que pudesse parecer, no momento, Lavínia era a amiga mais adequada para lhe ouvir, ela certamente concordaria que tudo não passava de um delírio passageiro e o convenceria que Isabelle só estava jogando com ele.

​Sentados em um longo tronco olhando para o mar, David contou a mulher a confusão de sentimentos que o atormentava. Com certa discrição mencionou o que aconteceu entre ele e Isabelle nos estábulos pela manhã. Lavínia o ouvia com atenção sem emitir nenhum julgamento. Quando finalmente achou que tinha terminado seu imenso discurso a encarou com olhos inquisitivos.

​—E então… o que você me diz?

​—Não há muito o que dizer. Você está apaixonado, David._concluiu com obviedade._Por mais que lute contra isso, sabe melhor do que ninguém que nunca foi indiferente a Isabelle e que a evitou exatamente por causa disso.

​—Você não sabe o que está dizendo._falou com impaciência.

​—Seria muito mais fácil se admitisse.

​—Escute… Isabelle sempre teve interesse, isto não é novidade. Se eu quisesse alguma aventura já teria tido inúmeras possibilidades. _tinha certo orgulho disso embora não admitisse._Agora, entenda de uma vez por todas: Eu não amo Isabelle!_gritou enraivecido consigo mesmo pois sabia que o que falava não era verdade. Porém a amplitude de suas palavras foram suficientemente altas para chamar atenção de um casal que passeava pela orla. Percebendo que tinha sido notado David virou a cabeça em direção as pessoas, tentando reconhecê-las, seus olhos encontraram o olhar magoado de Isabelle. Inferno! Pensou. Era óbvio que ela tinha escutado. Fez menção de ir atrás dela, mas recuou quando a viu virar o rosto e pedir que Benjamin a levasse para casa.

​Grief se sentiu o mais miserável dos homens. Não era sua intenção feri-la, tão pouco afastá-la ainda mais. Era um perfeito imbecil, refletiu. Incapaz de admitir o que sentia e covarde a ponto de machucar os sentimentos de todos os que amava.

​No dia seguinte ele a procurou na intenção de se desculpar. Isabelle ignorou o que ocorrera a noite. Tratou-o com profissionalismo e indiferença. Uma chicotada não teria doido menos que ver seus olhos cheios de tristeza e saber que tinha sido ele o responsável. Quando tentou pedir perdão ela apensas disse que ele não lhe devia explicações e que não era novidade para ela que não a amava. Envergonhado ele desistiu de argumentar. Teve medo de estragar ainda mais as coisas entre os dois.

​Benjamin sugeriu que Isabelle não esforçasse o braço por ao menos uma semana, e mesmo ela insistindo que David e Mauriri viajassem sem ela, os dois se recusaram. Ela fazia parte da equipe, o que era uma dupla fantástica tinha se tornado um trio. Uma viagem sem a srta. Reed seria entediante, ambos concordaram. Ela ficou emocionada quando Mo lhe disse que o Rattler sentiria falta dela e por isso esperariam até que se recuperasse totalmente.

 

****

 

​O dia estava lindo, era comum dias assim naquela parte do mundo, entretanto os ânimos do capitão Grief não estiveram tão nebulosos. Depois do que acontecera no bar aquela noite, Isabelle não lhe concedera nenhuma brecha para aproximação, ao contrário, estava cada vez mais próximo do jovem médico. Isto perturbava David que não tinha ideia do que fazer para que as coisas voltassem a ser como eram.

​A bordo do Rattler atracado, desde a última viagem, na Baia de Matavai ele observava a praia sem um foco determinado. Sua mente vagava entre as lembranças do sorriso adorável de Isabelle e o remorso por ter sido um idiota com ela. Teve a oportunidade de ter aquele sorriso unicamente pra si e o desperdiçou, agora lamentava como poucas vezes fez em sua vida. Um relinchar chamou sua atenção. Ainda que distante da areia, David pode identificar o galope de Dante, o cavalo favorito de Isabelle. Os cabelos dela se esvoaçavam a mercê do vento. “Era ainda mais linda quando cavalgava” concluiu. Seus lábios se curvaram num sorriso espontâneo enquanto a observava, contudo, seu encantamento durou pouco e sua expressão feliz tornou-se sombria quando notou que não estava sozinha. Logo atrás, montando um puro sangue negro, o indesejável Benjamin Summerlee tentava alcançá-la. Idiota, murmurou. Eles pareciam estar se divertindo com a corrida e isto mortificou David. Isabelle costumava se divertir em sua companhia, e agora encontrava alegria em outra pessoa. Não podia julgá-la por isso, tinha tentado de todas as formas afastá-la até que finalmente conseguiria, irônico que isto aconteceu bem no momento em que descobriu o quanto sua presença era fundamental para ele.

​David poderia desmoralizar Benjamin, mas seria inútil. Ele não era o primeiro homem a se aproximar dela, porém os outros tinham péssimos caráter e não precisou se esforçar para que ela mesma notasse que não valiam a pena. Dr. Summerlee era diferente, integro e gentil, era a pessoa perfeita, ele tinha que admitir. Mas que droga, lamentou.

​Bom ou ruim, Grief decidiu que daria um jeito de separar Isabelle de Benjamin antes que se apaixonasse verdadeiramente pelo Dr. Perfeição. Desceu com agilidade o bote e com remadas rápidas alcançou a praia. O casal estavam sentados na areia, cansados da disputa hípica. A conversa estava animada e David ouvia insuportáveis risos. Isto não o abalou, estava determinado.

​—Bom dia!_disse com falsa simpatia. Notou em Isabelle a tensão característica que exibia em sua presença. Era um bom sinal, pensou.

​—David… como vai?_cumprimentou o médico.

​—Muito bem, obrigada._respondeu sem entusiasmo._Vejo que se recuperou bem._dirigiu as palavras a Isabelle._Já podemos viajar?

​—Claro._respondeu sem intenção de se render ao desafio que David a propunha._Algum frete agendado?

​—Esta é a sua função, lembra?_provocou-a.

​—Você poderia ficar a cargo dela uma vez ou outra._retrucou estreitando o olhar com raiva.

​Percebendo que os sócios estavam disputando algum tipo de rivalidade, Benjamin se intrometeu.

​—Eu tenho uma sugestão.

​David e Isabelle o olharam com curiosidade.

​—O governo francês pretende fazer uma campanha de imunização contra varíola em todo o arquipélago, terei que alugar uma embarcação de qualquer modo, vocês poderiam fazer negócios comigo, o que acham?

​—Fantástico!_Isabelle se expressou animada.

​“As coisas não podiam ficar pior”, refletiu Grief com um suspiro resignado.


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