A biblioteca da escola pegou fogo! escrita por Fane


Capítulo 17
Interrogatório surpresa




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No dia seguinte, depois de todo aquele surto, eu estava pronta para encarar Gabriel e mandar toda a real para ele. Na sutileza, claro. Mas nada estava indo ao meu favor.

Logo quando cheguei, fui espiar a sala dele, que ficava ao lado da minha, e percebi que ele ainda não estava lá.

Logicamente, voltei para minha própria sala só pra reparar que Emily estava ao pé da porta, espiando Giselle como um cachorrinho perdido. Até suspirei, pensando em como aquilo também me deixava frustrada.

Giselle ainda estava estranha, estática, como se uma nuvem escura pairasse ao seu redor. Era até meio triste de se ver.

Já no intervalo, corri até a sala de Gabriel mais uma vez, mas o danado não estava lá. Pensei até que ele soubesse dos meus planos e decidiu faltar de propósito — claramente os discursos de ódio contra Gabriel que Dennis sempre fazia estavam me afetando bastante.

As últimas aulas foram dolorosas. A mesa vazia ao meu lado me deixava agoniada, as pessoas cochichando sobre mim também não ajudava a minha situação. Giselle se mantinha quieta, inexpressiva. Além do conteúdo da aula que se tornou tão chato que eu já nem conseguia mais prestar atenção.

Até que, Giselle se virou para mim e me encarou por alguns milésimos de segundo.

— Oi? — falei, nervosa demais, percebi que estava prendendo o ar e soltei tudo de uma vez, torcendo para que Giselle não tenha sentido meu bafo de queijo com atum.

— O grêmio foi convocado pra ajudar na coleta de livros da biblioteca depois da aula, você vai?

Aquela voz. Aquele cheirinho de melancia. Aquele rosto. Giselle estava bem ali, na minha frente, falando comigo!

Eu até quis perguntar logo se ela estava bem, perguntar o que havia acontecido, se ela precisava de um ombro para chorar (só por curiosidade), até assimilar o que ela tinha me perguntado.

— Ah... o Gabriel vai? — perguntei, tentando não parecer suspeita. Não funcionou.

— Acho que sim. Ele que deu a ideia pro diretor Paiva — respondeu, com a voz ainda mais baixinha.

— Ah, então eu vou sim, ajudar e tal...

— Beleza — ela disse, quase se virando pra o quadro.

— Gi... — chamei, por pura vaidade. — Tá tudo bem entre a gente, né?

Ela voltou a olhar pra mim. Por um segundo, achei que fosse ver aquele sorriso de sempre, mas não foi o que aconteceu.

Giselle sorriu, sim. Mas não era o mesmo sorriso.

— Claro que sim, Mia — respondeu, com o sorriso forçado tremendo no canto dos lábios.

Eu não tinha tempo para me preocupar com meus assuntos com Giselle, ainda mais porque ela deve estar triste por causa de Emily e não por minha causa, — não posso bancar a trouxa e me oferecer como tapa buraco, né? —, mas, mesmo assim, minha cabeça focou somente naquele assunto pelo restante da aula, quase me deixando num estado crítico de incapacidade cerebral.

Quando o sinal finalmente tocou, eu não saí correndo. Guardei tudo com calma, mas levantei com calma e apenas observei todo mundo sair da sala de aula como um bando de zumbis famintos.

Já com a sala vazia, me levantei, esperando que Gabriel já estivesse na biblioteca quando eu chegasse.

Mas assim que saí da sala, Emily estava encostada na parede, roendo as unhas.

— A Gi te falou alguma coisa? Vocês conversaram?

Tomei um susto daqueles. Como ela sabia disso se ela estudava em outra sala?

— Como...?

— Eu passei pra ir ao banheiro e vi ela falando contigo — respondeu, simples. — Foi uma coincidência, eu não fiquei espiando ou algo do tipo, só passei e vi. Ela disse alguma coisa sobre mim? Me xingou?

O meu choque durou mais algum tempo, já que era completamente estranho pra mim ver Emily agindo como um ser humano comum. Geralmente a aura dela irradiava um brilho intocável, mas ali, desesperada, ela só era mais uma adolescente apaixonada comum. E eu até simpatizei com isso.

— Não, ela não te xingou. Só me avisou que o grêmio vai ajudar a separar os livros na biblioteca...

— Eu posso ajudar? — perguntou com os olhos pretos brilhando.

Pisquei um pouco. Talvez Emily estivesse treinando piadas para se tornar comediante.

Você quer ajudar?

— Não, credo — respondeu, com a cara de nojentinha de sempre, — mas quero falar com ela. Posso?

— Vai por sua conta e risco, não precisa me pedir — dei de ombros, sem querer me comprometer com mais nada.

— Mas... e se ela achar ruim? E se ela me mandar ir embora igual na última vez?

Emily estava mesmo preocupada, e isso me deu uma pontinha de dó por mais que eu soubesse que era tudo exagero.

— Ela só disse isso porque você não tava fazendo nada, esqueceu? — resmunguei.

— Mas...

— Vem cá, as câmeras da biblioteca ficam aonde? — perguntei, justamente para desviar a minha curiosidade de um assunto novo para o assunto que eu realmente preciso focar.

— Tem câmeras na biblioteca?

Suspirei. Claro que Emily não seria de grande ajuda.

— Deixa pra lá...

— Que eu saiba, não tem câmeras na biblioteca, — ela voltou a falar, com mais clareza — mas acho que tem duas no corredor, perto da entrada. Bem ali.

Ela apontou para uma das pilastras, pertinho da porta de entrada da biblioteca.

— E elas funcionam? — perguntei, mas não esperava uma resposta sucinta.

— Talvez... ninguém tem acesso às imagens além do diretor Paiva, e já faz um tempo que foram instaladas. Por quê?

Respirei fundo, tentando encontrar alguma lógica, algum ponto cego, mas sem ver o ângulo exato que a câmera pega, era impossível dizer com certeza.

— O diretor Paiva disse que eu e Dennis fomos as últimas pessoas a saírem da biblioteca, mas você e a Giselle estiveram lá depois... apagaram as luzes depois que saímos?

— Não. Ainda estavam acesas...

— Então talvez elas não funcionem mesmo — concluí. Até que algo bizarro se passou pela minha cabeça. — Ou... alguém pode ter feito algo com as gravações.

— Tipo?

— A Giselle me disse que o Dennis foi suspenso uma vez porque colou numa prova, mas que, na verdade, quem roubou as respostas da sala dos professores foi o Gabriel!

— Sim, o que tem isso?

— Como ele não foi punido por isso? Como ele tem acesso livre à sala dos professores e à sala do diretor?

— Cê acha que foi ele quem botou fogo na biblioteca? — Emily me perguntou e eu imediatamente me lembrei do jeito que Dennis falava sobre Gabriel.

— Não, — respondi — mas acho que foi ele quem mexeu nas gravações.

 

— Eu odeio ver esse tanto de livro ser queimado — falei, juntando uma pilha de livros aparentemente intocados pelo fogo.

— Eu também. Mas poderia ter sido pior, ainda bem que o fogo não se espelhou muito — Gabriel respondeu, arrumando sua pilha de livros inteiros.

Já estávamos ali há algum tempo, a montanha de cinzas já tinha sido limpa pelo restante do grêmio e a tarefa de juntar os livros bons, separando-os dos estragados, ficou com Gabriel, Giselle e eu — Emily obviamente não aguentaria pôr as mãos em livros sujos e parcialmente carbonizados.

E mesmo que eu quisesse esperar Giselle ir embora para confrontá-lo, ela estava tão quietinha no canto dela que talvez eu pudesse começar logo aquela afronta.

Afinal, eu estava morrendo de fome e com uma dor horrível nas costas, precisava terminar aquela missão logo para ir pra casa almoçar.

— Gabriel... eu ouvi dizer... um boato aí meio doido, mas... é verdade que você fuma?

Joguei de uma vez só. E só depois percebi o quanto aquilo tinha sido tosco. Quis enfiar minha cabeça no chão, morrendo de ódio do meu cérebro incapaz de ser sutil quando eu mais preciso.

Gabriel, por outro lado, não pareceu surpreso. Ele suspirou um pouco (talvez por causa das cinzas) e soltou uma risadinha.

— Foi ele, né?

Ele me pegou de surpresa.

— Ele quem? Tô perguntando se você fuma, garoto...

Tentei disfarçar, mas aquilo só fez com que ele risse ainda mais.

— Foi ele quem pegou meu maço de cigarro, não foi? Eu já sabia, só podia ter sido ele...

— Não muda de assunto, não — revidei, só pra fingir que não estava morrendo de medo dele me pegar no pulo. — Todo mundo sabe que vocês se odeiam, você tá no topo na lista de suspeitos.

— Eu tô no topo da lista? — ele se levantou, colocou os livros na mesa num baque só e me encarou numa indignação que me deu medo. — Pois ele tá no topo da minha!

Opa. Gabriel ficou um pouquinho nervoso. E minha missão não era essa.

Pra tentar deixar as coisas um pouco mais calmas, respirei fundo, dei uma olhada em Giselle que estava calmamente limpando as cinzas da capa de alguns livros — aparentemente, sem perceber nada estranho já que tinha os fones plugados nos ouvidos — e decidi ser mais diplomática.

— Eu não quis dizer isso, desculpa — engolir o orgulho foi o primeiro passo. — É que... vocês têm essa relação conturbada e... pra vocês dois é natural sempre esperar o pior um do outro.

— É natural porque ele sempre me mostra o pior — ele rebateu.

— Olha, de verdade, eu sei que você não tá fazendo nada disso por mal, é que-

— O que eu tô fazendo? — ele me interrompeu, quase derrubei uma estante com o susto que levei assim que ele se virou pra me olhar. — O que ele disse que eu tô fazendo?

Talvez falar sobre as câmeras, o incidente com o pendrive com a respostas das provas ou qualquer outra coisa que envolvesse Dennis, não fosse uma boa ideia.

Mas, o mais surpreendente daquilo tudo foi ver Gabriel agindo daquela forma. Normalmente ele era bem-humorado e tranquilo, até meio pomposo, mas eu nunca havia o visto com raiva.

— Ele não disse nada. É sobre essa desconfiança que eu tô falando! Querendo ou não, vocês são família, precisam conversar. Ao menos pra esclarecer as coisas.

— Eu não vou conversar com alguém que se acha melhor do que todo mundo — ele respondeu, seco. Pude notar uma forte energia de Dennis quando ele falou aquilo. — Sabe de uma coisa? Eu odeio ele. Odeio ele porque não tem um dia na minha vida em que meu pai não me compare a ele.

— Oi? — interrompi, confusa com todo aquele papo. Só podia ser piada.

Mas Gabriel não estava com cara de humorista no momento.

— Não interessa se minhas notas são melhores, se eu sou presidente do grêmio, se ganho medalhas e concursos, meu pai sempre vai preferir o Dennis. Ele diz que Dennis é o filho que ele nunca teve. O espírito livre que faz o que bem entende... e sabe por quê? Porque eu sou gay. Parece que essa merda de cidade anda pra trás.

Fiquei em choque por alguns minutos. Meu cérebro tentava a todo custo absorver todas aquelas informações, mas era um trabalho complicado.

Olhei ao redor para espairecer e percebi que Giselle já não estava mais ali, então voltei o olhar para Gabriel novamente, que continuava olhando para a estante de madeira carbonizada.

— Poxa... que merda, né?

— Esquece. Desculpa por gritar contigo, tudo isso tá me deixando ainda mais estressado.

— Tudo bem... já parou pra pensar que o Dennis pode sofrer essa mesma pressão da mãe dele?

— Como? Se ele é hétero — respondeu, e eu precisei me esforçar para não rir.

— Cara... cês precisam conversar urgentemente — falei.

— Nah, não vai acontecer.

Ai que moleque teimoso.

— Sério, Gabriel. Olha só pra você, tem notas incríveis, é presidente do grêmio, é bom em esportes, ganha prêmios sempre e ninguém nunca fica surpreso, porque é você. Já esperam o melhor do você. Já o Dennis tá sendo acusado de incendiar a biblioteca, e ninguém se surpreende com isso porque sempre esperam o pior dele. Cê não acha que ele sofre se achando insuficiente?

— Não, ele não liga pra essas coisas — respondeu, num fio de voz. — Sempre faz tudo que quer sem se preocupar com ninguém.

— Talvez seja o jeito dele de lidar com isso. Enquanto você sempre tenta ser o melhor e causar uma impressão boa pro seu pai, Dennis faz o que pode pra chamar atenção da mãe dele... então ele some, falta aula, perde trabalhos... ele se esconde numa armadura intocável, mas eu tenho certeza de que ele se sente sozinho, às vezes.

Gabriel ficou em silêncio, absorvendo tudo o que eu havia dito (ou ignorando tudo, não tinha como eu saber), e eu tirei um tempo para absorver também. Tudo aquilo que eu falei foram coisas que saíram automaticamente. Dennis realmente parecia solitário. E eu nunca tinha prestado atenção no fato dele precisar chamar atenção.

— Por mais que vocês sejam diferentes, eu sei que têm mais coisas em comum do que vocês pensam — completei, pronta para ir embora.

Arrumei o restante dos livros e coloquei sobre uma das mesas, Gabriel ainda estava de pé, em silêncio, parecendo atordoado. Não tinha mais nada que eu pudesse fazer naquela situação, então peguei minha mochila e decidi continuar com a investigação num outro dia.

Até que Gabriel decidiu falar.

— O que ele fez com o meu maço de cigarro? — perguntou.

Àquela altura do campeonato, eu já tinha desistido.

— Nada. Ele planejou uma pegadinha horrível, mas no fim não foi pra frente... — respondi, aproveitando para continuar com o interrogatório. — Mais alguém foi pra biblioteca depois que você e a Giselle saíram?

Ele enfim se virou para me olhar, já que estava evitando contato visual nesse tempo todo. Estava mais calmo, pelo menos.

— Não que eu lembre. A chave principal sempre fica na diretoria, mas eu tenho uma cópia e nunca empresto pra ninguém no fim de semana.

Suspirei. Voltei ao início, sem nenhuma pista para seguir em frente.

— Cê sempre tem acesso à diretoria? — voltei a perguntar, dessa vez de uma forma não acusatória, para que Gabriel não ficasse na defensiva.

— Não... mas o diretor Paiva esquece de trancar a porta, às vezes-

Arregalei os olhos.

— Então alguém pode ter editado as imagens? — olhei para ele, buscando alguma informação ou confirmação que fosse, mas Gabriel apenas olhou na minha cara e soltou um sorrisinho malandro.

— Gosta dele, né?

— Ah, não. Você também não! — resmunguei.

— Não tô te zoando, é que sua empolgação pra limpar a barra dele é bem fofa — revirei os olhos, pronta para realmente ir embora dessa vez. — Mia.

Quase ignorei. Quase.

— Quê?

— Tem certeza de que ele é inocente?

— Absoluta — assegurei.

— Tem alguma prova? — ele pediu e eu já fui revirando os olhos. — Não pra mim, pro diretor Paiva. Já sei o que a gente pode fazer.

Aquilo também me pegou de surpresa, mas agi com naturalidade. Talvez as coisas realmente melhorassem com a ajuda do gênio do colégio.


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