CATS - Filhotes em sua cabeça escrita por Lino Linadoon


Capítulo 5
Formando decisões




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   Munkustrap não interrompeu sua conversa com Alonzo, mesmo depois de notar Tugger se aproximando do palco no meio do ferro-velho; o Maine Coon estava sozinho, sem seu grupo de fãs ou seu companheiro. O gato cinzento observou seu irmão sem se voltar totalmente para esse, notando como, mesmo que Tugger andasse com aquele seu típico gingado, era como se cada passo fosse difícil de dar.

   Tugger parou perto do pneu.

   “Munku... Posso falar contigo?”

   Munkustrap finalmente se voltou para seu irmão, olhos azuis bem abertos e confusos. Tugger não usava aquele apelido desde seus anos de filhote e, julgando por seu estado, olhos baixos e orelhas curvadas, isso queria dizer que havia algo incomodando o gato maior, algo sério.

   “Claro.” Munkustrap lançou um olhar para Alonzo que apenas assentiu, tão curioso quanto ao estado de Tugger quanto ele. O gato malhado se aproximou do irmão, apertando a cabeça contra a desse amigavelmente, sentindo o Maine Coon retribuir o contato de modo fraco, hesitante. Ele fez sinal para que Tugger o seguisse e os dois se dirigiram para uma área mais privada. “Está tudo bem?”

   “Eu preciso de ajuda.” Tugger disse de modo automático.

   “Certo... Com o que exatamente, Tugger?” Munkustrap perguntou, ainda mais preocupado após ouvir o tom de voz de seu irmão.

   Tugger respirou fundo, seus olhos presos em nada em particular. Ele tomou mais alguns segundos antes de falar.

   “Misto.”

   “O que há com ele?” Munkustrap ergueu uma sobrancelha, inclinando a cabeça para o lado enquanto processava todas as informações que tinha, mesmo sendo tão poucas. “As coisas não estão indo bem entre vocês?”

   “Não, não. Tá tudo bem entre a gente, é só que--” Tugger hesitou e não terminou a frase, como se não soubesse se estava certo ou não. Seus dedos brincaram com o cinto cravejado que sempre usava, e ele continuava sem fazer contato visual com seu irmão. “Misto... Ele... Ele tá grávido.”

   Uma pausa.

   “O que...?”

   “Foi a magia dele, ela deu filhotes para ele.” Tugger continuou explicando, fazendo uma careta ao notar como sua voz estava ficando mais aguda a cada palavra que dizia. “Bem, eu também tive parte nisso, mas não era como se eu soubesse que Misto poderia acabar grávido de verdade!”

   “Opa, espera, espera, Tugger. Pare e volte um pouco.” Munkustrap interrompeu o tagarelar de Tugger. “O que você quer dizer com ‘Misto está grávido’?”

   “Eu acabei de descobrir, bem, ele acabou de descobrir.”

   “E foi a magia dele que fez isso acontecer...?”

   “É.”

   Munkustrap assentiu. Ele não compreendia mágica muito bem, embora tenha crescido cercado por ela, e ele definitivamente não tinha a mínima ideia de como reagir à uma gravidez mágica. Tugger tinha mais afinidade com o tema, tendo sido mais próximo de Macavity quando jovem e agora tendo um gato mágico como seu companheiro, mas uma vez que ele não sabia como reagir àquilo, Munkustrap se sentia um pouco mais confortável em sua posição.

   “E esses filhotes são seus também?” Ele perguntou.

   “Com quem mais Mistofolees faz sexo?!” Tugger disse exasperadamente.

   “Tá bem, tá bem...” Munkustrap respirou, balançando a cabeça, ainda se sentindo um pouco perdido. Ele encarou seu irmão, erguendo uma sobrancelha. “Então... O que você espera que eu faça? É melhor você tomar responsabilidade pelo que fez, ao invés de deixar todo o trabalho para Mistofolees!”

   Os olhos de Tugger se arregalaram com aquelas palavras.

   “O que?! Não! Não!” Ele grunhiu, lançando um olhar irritado para o mais velho. “Eu só quero falar sobre isso! Eu quero...” Ele parou, passando uma pata por sua cabeça e desviando os olhos. Sua voz soava baixa e suave quanto voltou a falar. “Eu quero ajuda…”

   As orelhas de Munkustra se abaixaram ao ver a reação do irmão. Tugger raramente mostrava seu lado mais vulnerável e Munkustrap sabia que ele era um dos poucos que já tinha o visto em tal posição; e, embora ele ficasse feliz de saber que seu irmão confiava nele o bastante para aquilo, ele sempre sentia um aperto no coração ao ver Tugger daquele jeito, livre da faixada relaxada e brincalhona.

   “É claro... Desculpe, Tugger, eu não quis--” Ele suspirou, decidindo deixar aquilo de lado e seguir para o que era mais importante no momento. “Bem, é uma grande surpresa, não é...? Digo, é uma surpresa, certo? Ou vocês estavam tentando...?”

   “Não, a gente não tava tentando nada.” Tugger balançou a cabeça. “Eu só... Eu não sei como lidar com isso...” Seus olhos ambares pareciam tão confusos quanto o tom de sua voz. “Ele é um gato macho... Um gato macho mágico, sim, mas...”

   “Tugger, calma, você está hiperventilando.” Munkustrap se aproximou de Tugger, pousando suas patas nos braços desse para dar-lhe suporte. Os dois ficaram em silêncio, enquanto gato maior tentava se acalmar, mesmo que só um pouco.

   Tugger respirou fundo.

   “Eu não sei o que fazer, Munku...” Ele finalmente disse, seu tom baixo, soando mais como o choramingo de um gatinho perdido.

   Munkustrap sabia que devia estar esperando tal coisa.

   Tugger sempre teve mania de fugir de suas responsabilidades, ele tinha dificuldade em lidar com coisas do tipo e preferia mais dar de ombros e ignorar tudo, por razões que Munkustrap não gostava de lembrar. Ele sabia que seu irmão não estava tentando fugir da responsabilidade porque não queria lidar com ela, mas sim porque estava é com medo.

   Por um momento Munkustrap pode ver a si mesmo em seu irmão mais novo, no dia em que Demeter anunciou sua gravides, ou até mesmo ainda mais cedo, quando sua mãe ainda estava presente. E, quanto mais ele pensava nisso, mais ele notava que não tinha muito a fazer por Tugger.

   “Eu acredito que você e Mistofolees são os únicos que podem decidir o que fazer quanto a isso, Tugger.” Ele disse, segurando o queixo do irmão com os dedos e o forçando a levantar o olhar. “Se vocês não planejaram isso e se, bem, se vocês não quiserem filhotes, tudo o que tem que fazer é entrega-los para a Jenny ou para alguém mais que gostaria de se tornar pai ou mãe.”

   Tugger encarou Munkustrap por alguns segundos, seu olhar era difícil de decifrar, antes de puxar seu rosto para longe das patas de seu irmão, desviando os olhos.

   Munkustrap estudou a expressão de Tugger, reconhecendo o modo como as sobrancelhas desse se juntavam e seu queixo se projetava para frente, coisas que fazia quando se encontrava perdido em pensamentos sérios; ele não precisou pensar muito para ter uma boa ideia do que se passava na cabeça de seu irmão.

   “Tugger... Você quer ter esses filhotes?” Munkustrap perguntou.

   Tugger hesitou. Estava ficando inquieto, chutando pedrinhas no chão e brincando com seu cinto reluzente como que para ter algo com que se ocupar.

   “Eu... Não sei...” Ele disse finalmente, sua voz tremula. Munkustrap assentiu, mesmo que Tugger não estivesse olhando. “Eu estou... Com medo...? Eu não sei se é a palavra certa.” Tugger rosnou, irritado consigo mesmo.

   “Eu acho que sei o que está se sentindo...” Munkustrap lhe ofereceu um sorriso. “Eu lembro quando a Demeter ficou grávida. Eu também fiquei com medo... Você sabe, aquele medo típico... Tipo ‘eu posso ser um bom pai’?”

   Tugger bufou.

   “Que surpresa.” Ele disse, lançando um olhar de soslaio para o irmão e sorrindo torto. “Você age mais como um pai do que como um filhote desde que tinha três meses de idade.”

   “Tá, claro.” Munkustrap revirou os olhos, antes de ficar sério mais uma vez. “Ouça, Tugger. Não tem problema ter medo, especialmente se isso não foi planejado.” Ele disse, suavemente, tendo certeza de que seu irmão estava ouvindo. “Mas, é como eu te disse: você e Mistofolees são os únicos que podem tomar uma decisão quanto a isso.” E então sorriu, mesmo que pouco. “Você tem o meu apoio, Tugger, no que quer que decidam.”

   Tugger encarou Munkustrap por um momento antes de assentir. Munkustrap estudou seu irmão. Tugger podia ter se mantido calado, mas Munkustrap sabia o que lhe pensava os ombros, uma vez que já tinha sentido a mesma coisa.

   “Posso te dizer uma coisa?”

   “O que?” Tugger bufou, aparentemente mais interessado nas correntes prateadas que enfeitavam seu cinto.

   “Eu acho que você vai ser um ótimo pai.”

   Tugger congelou por um momento, antes de se recompor.

   “Sério? Eu? Um ótimo pai?” Ele perguntou com aquele seu conhecido sorriso torto, mas era fácil notar como ele não só não esperava por um comentário como aquele, mas como também não acreditava nele.

   “Porque não seria?” Munkustrap deu de ombros. “Você sempre foi um ótimo tio, sempre cuidou bem da Jemima e da Sillabub, então porque não?”

   Tugger encarou seu irmão, antes de balançar a cabeça, ainda mantendo o sorriso.

   “Você sabe que essas coisas são diferentes, Munks...”

   “Bem, acredito que sejam...” Munkustrap admitiu. Cuidar dos filhotes de outros e cuidar de seus próprios filhotes eram coisas completamente diferentes – mesmo que Munkustrap afirmasse amar todos os filhotes, seus ou não, igualmente, só para ter certeza de que ninguém ia ficar triste. “Se você ainda não tem certeza do que fazer, porque não vai visitar o pai?” O gato malhado ofereceu uma ideia. “Eu aposto que ele vai ter muito mais para falar do que eu. E, de qualquer jeito, todo mundo sabe que você ouve mais o pai do que eu.”

   “Você está certo quanto a isso.” Tugger riu levemente.

   Munkustrap ficou ao lado de Tugger, tentando entender que passo seu irmão daria em seguida. E uma vez que teve certeza de que não tinha mais nada a oferecer para Tugger, Munkustrap apertou sua cabeça contra o gato mais novo uma útlima vez, antes de se dirigir para seu posto no grande pneu. Alonzo, que ainda estava sentado lá, com Cassandra agora ao seu lado, o lançou um olhar curioso, antes de se virar e observar Tugger enquanto esse se afastava do palco.

   Munkustrap educadamente não dividiu a conversa que havia tido com seu irmão com os outros gatos, e silenciosamente se pôs a decidir se devia ou não falar com o companheiro de seu irmão.

—o-

   Tugger não sabia no que pensar.

   Mistofolees estava grávido. Seu companheiro estava carregando seus filhotes.

   Ele sabia que devia esperar coisas mágicas vindas de Mistofolees, é claro que sabia. O gato de smoking era um gato mágico, e tudo o que podia ser dito impossível, ele podia fazer; como por exemplo trazer seu pai de volta depois que esse foi raptado, ou como quando ele multiplicou sete gatinhos de pelúcia, ou como ele agora... Havia criado gatinhos de verdade, gatinhos feitos por eles, juntos.

   Tugger não fingia compreender totalmente como os poderes de seu companheiro funcionavam, o simples fato de que ele não entendia era o que os tornava mais interessantes! Mas... Filhotes...?

   A conversa com Munkustrap o deixou mais confuso e ele se perguntava se sequer deveria ir falar com o Bom Deuteronomy. Talvez ele só devesse voltar para sua toca, falar com Mistofolees sobre aquilo e resolver as coisas...

   Ainda assim, enquanto revirava aqueles pensamentos, suas patas o guiavam pela rua velha que levava para a pequena “vila” em que seu pai morava.

   Ele não tinha mentido para Mistofolees quando havia dito que estava aberto à ideia de ter filhotes, de fato ele realmente gostava de cuidar de pequenos gatinhos. A maioria de suas memórias com Jemima e Sillabub quando essas eram menores eram boas memórias; ele até se lembrava das vezes em que Mistofolees se unira à ele em dias que ele ficava de babá, o gato de smoking claramente tendo um pouco mais de medo e cuidado com os filhotes.

   Mas Tugger não estava esperando ter seus próprios filhotes assim tão cedo. Ele não estava pronto.

   Ele se perguntava se Mistofolees se sentia pronto para aquilo...? Mistofolees não era lá muito bom com filhotes, ele sempre agia de modo nervoso perto desses, até mesmo com seus próprios sobrinhos, mas não demorava muito para ele se deixar relaxar na presença desses. Tugger se lembrava do modo como Mistofolees sorria quando Jems e Bubs tentavam pegar os brilhos que ele soltava, e como ele não ligava de ter um filhote subindo sua perna, ou empoleirado em sua cintura.

   De repente Tugger se pegou imaginando Mistofolees com filhotes, e dessa vez não eram suas sobrinhas ou os filhotes de Victoria e Plato. Era fofo, adorável... Mas estariam eles prontos para a responsabilidade? E se não estivessem? E se todo esse estresse afetasse sua relação?

   Criar seus próprios filhotes era diferente de servir de babá de vez em quando para a ninhada de um conhecido.

   Tugger grunhiu, incomodado com as perguntas e os argumentos que rolavam por sua mente, mas sendo incapaz de fazê-los desaparecer. Ele continuou seu caminho, andando com passos apressados, mas sem correr. Ele não queria passar mais tempo que necessário com seus próprios pensamentos.

—o-

   Victoria havia se despedido com Miangellica em seus braços ao notar que seu irmão estava ficando cansado de ter companhia. Ela pressionou seu rosto contra o desse e lhe deu um abraço antes de ir embora, prometendo manter se segredo à salvo.

   É claro que ele havia contado tudo para sua irmã, ele sentia a necessidade de contar para mais alguém além de Tugger. Mistofolees só esperava que Jenny e Jelly também mantivessem silêncio, assim como ele havia pedido. Victoria gostava de tagarelar e fofocar, mas ela era sua irmã, e ela entendia quando era melhor manter algo apenas entre os dois; pelo menos por enquanto.

   Já fazia um bom tempo desde que Tugger havia partido para pensar sobre tudo aquilo e Mistofolees estava ficando preocupado.

   Suas orelhas estavam atentas para todo e qualquer som que vinha de fora da toca, esperando poder captar os pesados e rítmicos passos do Maine Coon, mas até agora nada. O gato mágico não conseguia se impedir de erguer uma pata até sua orelha, coçando com a ponta das garras cada vez que ele se voltava para a entrada da toca; ele tentou se forçar a parar, antes que acabasse arrancando sangue.

   “Tugger prometeu que vai voltar...” Mistofolees disse para si mesmo. “Ele sempre mantém sua palavra.”

   Ele confiava em Tugger e iria esperar por ele o tanto quanto fosse possível, rolando pelos panos que ainda exalavam o cheiro de seu companheiro – o que o fazia desejar com ainda mais forças que o Maine Coon estivesse ali.

   Com um suspiro, Mistofolees deitou a cabeça sobre seus braços e fechou os olhos, tentando acalmar sua mente barulhenta.

   Ele pensou nas coisas que Jenny e Jelly haviam lhe explicado.

   Depois que o fato de que Mistofolees estava realmente grávido havia finalmente se fixado, Jennyanydots trouxe à tona seu lado mais maternal, querendo saber de todos os detalhes para ter certeza de que o gato de smoking estava em boas condições para ter filhotes.

   Mistofolees se sentiu um pouco desconfortável, respondendo as perguntas da gata e permitindo que essa examinasse sua barriga ainda lisa. Jenny lhe deu uma estimativa quanto à sua gestação, se baseando nas poucas informações que Mistofolees tinha para dar, e sorriu docemente enquanto explicava como era a sensação de ter gatinhos rolando dentro de sua barriga. Pensar naquilo fazia o gato preto e branco se arrepiar.

   Durante todo o processo, Jellylorum ajudou sua irmã cá e lá, fazendo alguns comentários e algumas perguntas, mas se mantendo calada durante a maior parte do tempo, perdida em pensamentos. Seus sérios olhos azuis examinavam Mistofolees com tamanha intensidade que o gato mágico desejou poder se esconder dela de vez em quando.

   Foi só quando Jenny anunciou que estava terminando de “examinar” o gato monocromático, que Jelly se pronunciou novamente.

—-

   “Você me surpreende...” Ela disse.

   “O que?” Mistofolees piscou uma ou duas vezes, confuso.

   “Uma gata ficando grávida para poder prender um macho não é uma das coisas mais honoráveis de se fazer. E eu não esperava tal coisa vindo de você.” Jellylorum deu de ombros, os braços cruzados frente ao peito. “Mas não me surpreenderia saber que esse acabou se tornando o seu único modo de manter Tugger sob suas rédeas.”

   As orelhas de Mistofolees se abaixaram com a acusação.

   “O-o que?”

   “Jelly!” Jennyanydots sibilou para sua irmã, que apenas lhe lançou um olhar sério, sua cauda se movendo rapidamente.

   “Eu não fiz isso de propósito! E não fiz por esse motivo!” Mistofolees se defendeu rapidamente, se sentindo ao mesmo tempo ofendido e envergonhado. “Tugger e eu estamos muito felizes com a nossa relação!”

   “Tem certeza, Quaxo?” Jellylorum disse. Ela não soava irritada, nem sequer rude, soava mais como uma mãe “protetora e severa”.

   Ainda assim, Mistofolees se sentiu desconfortável, tanto com o tom de voz quanto com a menção a seu velho nome Jellicle. Era como se fosse um filhotinho novamente, sendo repreendido pela gata mais velha – algo raro até mesmo quando era novo – e ele se sentiu encolher em baixo do olhar potente dessa.

   “Jelly, já chega.” Jenny disse, se colocando entre sua irmã e o gato mágico, ela sorria como se nada tivesse acontecido. “Não se preocupe com essas coisas, meu bem. Gravidez acidentais acontecem o tempo todo!” Ele fez uma pausa, antes de soltar uma risadinha nervosa. “Até mesmo gravidez mágicas aparentemente...!”

—-

   Mistofolees ficou ruminando tudo aquilo em sua cabeça.

   Ele não havia ficado grávido deliberadamente e ele não tinha feito aquilo para “prender” Tugger. Assim como ele tinha dito, ambos estavam felizes com sua relação atual, e já se sentiam assim fazia um bom tempo.

   Jellylorum tinha sempre julgado Tugger com mais peso do que outros gatos, desde que seus anos de filhote até sua idade adulta. Mistofolees ainda se lembrava do modo como ela havia ficado surpresa e descrente quando as noticias de que o gato mágico e o grande galã do ferro-velho haviam começado uma relação séria. E o fato de que Tugger ainda se encontrava com outros gatos, apenas ajudava a fazê-la acreditar que Rum Tum Tugger nunca, jamais seria capaz de se prender a só um gato; mesmo sabendo que Mistofolees concordava com esse arranjo para sua relação – era até algo bom, uma vez que ele não tinha tanto interesse em sexo quanto seu companheiro.

   Mistofolees não ficaria surpreso em saber que Jelly pensava que Tugger nunca desejaria ter filhotes, ou a responsabilidade que vinha junto com eles; e que o único motivo para alguém ter filhotes com ele seria para poder controla-lo.

   Mas Mistofolees não estava fazendo aquilo. De fato, não era ele quem tinha feito aquilo, era a sua magia... Certo?

   Mistofolees balançou sua cabeça. Mas é claro que tinha sido culpa de seus poderes sendo influenciados por outras coisas! Ele nunca faria uma coisa dessas deliberadamente, não sem pedir pela opinião e o consentimento de seu companheiro. Como Jellylorum podia sequer pensar que ele faria tal coisa?

   O som de passos arrancou Mistofolees de seus pensamentos e suas orelhas se ergueram. Mas logo ele notou que aqueles não eram os passos de Tugger, mas sim os de outro gato, quase tão grande quanto o Maine Coon. Mistofolees se sentiu nervoso de ter outro gato ao invés de seu companheiro ali com ele, mas ele rapidamente se recompôs, arrumando sua pose.

   Ele ouviu um leve arranhar no lado de fora da velha gaveta e a cabeça de Munkustrap surgiu na entrada.

   “Mistofolees?” Ele disse calmamente. “Posso entrar?”

   “Claro.” Mistofolees assentiu, observando o gato malhado enquanto esse entrava. Seus passos eram lentos e calculados, como se ele não soubesse se devia ou não se aproximar do gato menor. Mistofolees tentou não revelar sua leve irritação com aquilo. “Você viu Tugger em algum lugar?”

   “Sim, nós tivemos uma conversa.” Munkustrap assentiu, finalmente se sentando não muito longe de Mistofolees, mais precisamente na madeira e não nos panos coloridos. O gato monocromático notou aquilo, sentindo como se o outro estivesse tentando respeitar seu espaço.

   “Oh.” Ele devia saber que Tugger iria atrás de seu irmão, era o que ele normalmente fazia quando Mistofolees ou Bombalurina não estavam disponíveis. Mistofolees coçou sua orelha, sabendo que o segredo estava sendo divido por mais gatos do que ele gostaria. “Ele te contou, não contou?”

   “Sim.” Munkustrap disse.

   Mistofolees coçou a orelha mais uma vez, examinando o maior sem tentar ser muito obvio. Era mais difícil ler Munkustrap do que Tugger, embora ele fosse do tipo que mostrava mais seus sentimentos e pensamentos. Ele estava preocupado e claramente tinha muito em sua cabeça, mas parecia estar estudando a atmosfera entre os dois, para ter certeza de quando e sobre o que deveria falar.

   Mistofolees notou como Munkustrap o examinava de cabeça à cauda, procurando por alguma coisa, provavelmente algo que indicasse sua atual situação, assim como Tugger havia lhe informado. O gato magico se encolheu, desconfortável, e colocou as patas entre as pernas, escondendo a maior parte de seu tronco do olhar do outro gato. Ainda assim, ele se forçou a manter uma postura ereta.

   “Okay...” Ele suspirou, a ponta de sua cauda se movendo. “Por favor me diz que ele não contou pra mais ninguém...”

   “Eu duvido.” Munkustrap deu de ombros, sorrindo levemente; um sorriso que desapareceu quando tudo o que o gato de smoking fez foi soltar um som baixo. “Você está bem?”

   “Estou bem. Onde ele está agora?” Mistofolees mudou de assunto, sem desejar falar sobre si mesmo no momento.

   “Eu o mandei falar com nosso pai.” O Protetor Jellicle explicou. “Eu acho que isso pode ajudar.”

   “Ah, sim.” Mistofolees assentiu.

   Bom Deuteronomy. Ele se perguntou o que o velho gato pensaria sobre aquilo. Ele era um gato tão bom, doce, amoroso, e Mistofolees gostava de imaginar que ele não teria problema ao saber de uma gravidez mágica. Mas saber que Bom Deuteronomy estava se juntando ao grupo de gatos que sabiam sobre sua atual situação, apenas fazia o gato monocromático se sentir ainda mais nervoso.

   “Então… Você realmente está…?” Munkustrap o tirou de seus pensamentos.

   “Jenny e Jelly confirmaram e eu acredito que elas são as maiores autoridades quanto à gravidez neste ferro-velho.” Mistofolees disse sem tom.

   “É claro.” Munkustrap assentiu, suas sobrancelhas se apertando. “Tugger me disse que não foi planejada...?”

   “Como poderia ser? Eu não posso engravidar naturalmente.” Mistofolees manteve seu tom vazio, forçando seus sentimentos a ficarem quietos. “Minha magia fez todo o trabalho.”

   “Só sua magia?”

   Mistofolees se surpreendeu com a pergunta, ou melhor, com a mensagem nas entrelinhas da pergunta. Sua cauda se moveu para frente e para trás com movimentos rápidos e suas orelhas se abaixaram levemente.

   “Sim. Só a minha magia.” Ele reafirmou, sério. “Eu não tenho controle sobre meus poderes o tempo todo.” Adicionou. “Estive pensando sobre filhotes por bastante tempo, pensando demais sobre isso, então meus poderes decidiram que isso queria dizer que eu queria ter alguns também.”

   “Tudo bem, eu entendo. Só queria ter certeza.” Munkustrap assentiu.

   “Ter certeza de que não estou me aproveitando de seu irmão?”

   O gato malhado não respondeu e Mistofolees não se virou para encará-lo, mantendo a cabeça inclinada para o lado e coçando uma orelha de vez em quando. Ele não conseguiu se impedir de se sentir ofendido com aquele comentário.

   “E-eu... Não, eu não diria isso...” Munkustrap falou de modo cuidadoso, sua voz suave. “Eu conheço você Mistofolees, você é um bom gato. Mas Tugger é meu irmão mais novo, eu não posso deixar de me preocupar sobre esse tipo de coisa.”

   “Nós estamos felizes.” Mistofolees disse.

   “Eu sei, eu sei, eu não estou te acusando de nada.” Munkustrap disse rapidamente, erguendo as patas de modo a incitar paz. “Eu só me preocupo com o Tugger...”

   Mistofolees finalmente se voltou para o outro.

   “O que ele disse?”

   “Ele estava bem... Perdido, bem confuso com tudo isso. Não sobre como você ficou grávido, é claro, mas sobre todo o resto.” O gato cinzento explicou. “Ou, como ele disse, ele está com medo.”

   As orelhas de Mistofolees se abaixaram.

   “Com medo…”

   “Eu disse para ele não se preocupar com isso, é normal. Ele devia se lembrar de como eu agi quando soube sobre as gêmeas.” Munkustrap continuou falando, sorrindo levemente. “E é fácil de entender porque ele se sentiria assim, vocês não conversaram sobre isso, nem tomaram tempo para se preparar para tal coisa. Não é culpa dele estar com medo. Eu tenho certeza de que você está tão nervoso quanto ele, não?”

   “Sim...”

   Mas o que quer que Munkustrap tinha para dizer depois daquilo se tornou nada mais que estática para Mistofolees.

   Tugger estava com medo. Com medo do que, exatamente? De ser um pai, da responsabilidade ou de alguma outra coisa? Mistofolees entendia, ele mesmo estava com medo, talvez com mais do que seu companheiro, uma vez que era ele quem estava crescendo filhotes dentro de si mesmo.

   Mas e se aquilo não fosse o que assustasse Tugger, e se ele estivesse com medo do que tudo aquilo poderia causar na relação entre os dois? Mistofolees segurou um choramingar ao pensar que, talvez – só talvez – Tugger pensasse que ele estava fazendo o que Jellylorum havia insinuado. E se Tugger sentisse como se Mistofolees estivesse o forçando a acabar naquela situação.

   Não, ele não devia pensar assim. Tugger o conhecia bem, sabia que ele nunca faria tal coisa...

   Mistofolees queria pedir para que Munkustrap descrevesse em detalhe tudo o que havia conversado com seu irmão, mas ele se conteve.

   “Você sabe o que você quer dessa situação?” Munkustrap perguntou. “Mistofolees?”

   “Eu...” O gato preto e branco hesitou. “Eu prefiro esperar por Tugger. Pra gente decidir juntos.”

   Ele tinha uma ideia do que queria fazer: Ele queria ficar com aqueles filhotes.

   Mas e se Tugger não quisesse?

   Mistofolees não queria colocar nenhum tipo de pressão sobre seu companheiro e ele não queria forçar Tugger a criar filhotes se aquilo não era o que ele queria no momento. O gato de smoking se sentiu desapontado ao pensar naquilo, mas sua opinião não era a única naquela situação e ele não iria deixar sua relação sofrer por causa de algo como aquilo.

—o-

   Perdido em pensamentos, Tugger quase nem prestou atenção ao mundo ao seu redor enquanto suas patas o levavam até a casa do vicário. Ele escalou um dos muros de pedra, mas seu pai não estava deitado no lugar de sempre. Do outro lado do muro, Tugger finalmente encontrou o velho gato sentado em um dos bancos do jardim, conversando calmamente com uma velha gata Persa, enquanto um pequeno filhote de Ragdoll brincava com a cauda laranja da gata mais velha.

   Como esperado, Bom Deuteronomy foi o primeiro a notar o Maine Coon, muito antes desse pular do muro para o banco.

   “Ah, veja quem decidiu dar uma visita.” O velho patriarca Jellicle proclamou, sorrindo para seu filho.

   “Oi, Tugger!” O ragdoll sorriu, apertando a cabeça contra o braço de Tugger e recebendo uma coçadinha entre as orelhas.

   “E aí, filhote...?” O sorriso de Tugger tremeu levemente ao falar aquela palavra e ele se voltou para o gato mais velho, sério. “Pai, eu posso falar com você? Isso é, se eu não estiver interrompendo...” Ele disse rapidamente, se voltando para a Persa.

   “Não, não se preocupe. Já está na hora de nosso lanche da tarde de qualquer modo.” A velha gata disse, se remexendo no lugar enquanto arrumava suas patas em baixo de seu pelo alaranjado. Ela estendeu uma pata para seu neto. “Fiddlewink.”
   Fiddlewink colocou um braço ao redor da cintura de Adellaide, lhe dando apoio para que a gata pudesse se levantar.

   “Tchau, Bom Deuteronomy! Tchau, Tugger!” Fiddlewink sorriu para Tugger enquanto Adellaide se despedia de Bom Deuteronomy com uma reverência e um leve toque de patas. “Diz ‘oi’ pro Carbucketty e pro Pounce pra mim!”

   “Pode deixar.” Tugger acenou enquanto o ragdoll ajudava a gata persa, até os dois saírem do jardim, deixando pai e filho sozinhos.

   Bom Deuteronomy se reposicionou no banco com um suspiro, pousando as patas sobre as pernas de modo descontraído e sorriu para o filho. Tugger tentou corresponder o sorriso, mas não tinha certeza se conseguiu convencer seu pai. Ele se deixou cair de modo deselegante ao lado do gato mais velho.

   “Algo sério o traz até aqui.” Bom Deuteronomy afirmou.

   “Sim.” Tugger assentiu, ele já devia esperar aquilo, seu pai sempre sabia quando algo estava acontecendo.

   “É algo a ver com Mistofolees?”

   Tugger se voltou para seu pai, mais surpreso por ouvir o nome de seu companheiro do que qualquer outra coisa. Ele se encontrou encarando olhos doces e sábios de uma coloração dourada idêntica à sua.

   “S-sim.” Ele disse, puxando o pelo de sua juba. “Como soube...?”

   “É fácil adivinhar.” Bom Deuteronomy deu de ombros com uma risada leve, ele sorriu para seu filho. “Você o ama muito.”

   Tugger se sentiu corando levemente. Sua mente se encheu com imagens de Mistofolees; ele se lembrou da expressão de seu companheiro quando esse pediu para que “voltasse para ele” uma vez que tinha tomado um tempo para refletir; e então se lembrou do motivo por estar ali, visitando o velho gato.

   “Eu... Eu amo.” Ele murmurou.

   Bom Deuteronomy assentiu e o silêncio reinou entre os dois por alguns momentos.

   “Então o que o preocupa?”

   “Mistofolees está grávido.”

   Bom Deuteronomy assentiu mais uma vez.

   “Bem, são ótimas noticias, não acha?”

   Tugger hesitou, piscando uma ou duas vezes. Seu pai ainda sorria, sentando ao seu lado de modo relaxado e descontraído, como se eles estivessem simplesmente conversando sobre o tempo.

   “Eu... Eu acho que sim, mas...” Tugger balançou a cabeça, sua perna pulando no lugar enquanto ele tentava segurar a vontade de se levantar e andar para lá e para cá, como costumava fazer. “Okay, primeiro, ele é um macho! Como é que um macho pode acabar grávido? D-digo, um macho como ele!”

   “Você é o último gato que eu esperaria ver julgando os feitos incríveis de seu mágico Mr. Mistofolees.” Bom Deuteronomy mencionou.

   Tugger se surpreendeu com o comentário. Suas orelhas caíram.

   “Eu...” Ele hesitou, como se as palavras não quisessem sair. Ele sabia que seu pai não estava o acusando de nada, mas ele ainda sentiu como se aquele comentário tivesse feito exatamente aquilo. “Sim, mas... Eu sei que a magia dele fez todo o trabalho e que não foi uma decisão feita tanto por ele quanto por mim, mas porquê? Porque ele iria querer ter filhotes, e comigo?!”

   “Eu não sei. Porque alguém iria querer formar uma família com alguém que ama?”

   Tugger não sabia como responder àquilo.

   Ele pensou em todas as conversas que havia tido com Mistofolees, sobre filhotes e sobre formar uma família. O modo como os olhos do gato monocromático brilharam quando Tugger mencionou que estava aberto para aquela ideia, pelo menos algum dia, de algum modo... Talvez.

   “Mas não é isso que o preocupa.” Bom Deuteronomy disse, tirando Tugger de seus devaneios.

   Tugger suspirou.

   “Eu não sei como ser um pai...”

   Bom Deuteronomy não se pronunciou por um tempo e Tugger podia sentir os olhos de seu pai caindo sobre ele, estudando-o até a alma. Ele não encontrou o olhar desse.

   “Tugger, meu filho...” Bom Deuteronomy disse, sua voz suave a amorosa Tugger sentiu uma pata tocando sua cabeça e não conseguiu se impedir de derreter sob o toque de seu pai, se apertando contra os dedos enquanto esses afagavam uma orelha. “Ninguém sabe como é ser um pai. Isso é algo que se aprende.” E Tugger podia praticamente sentir o sorriso na voz de seu pai. “Eu já vivi muitas vidas e tive muitos filhotes, eu demorei para aprender o que eu sei agora.” E então o sorriso diminui, mesmo que só um pouco. “E ainda tenho muito a aprender...”

   Tugger franziu cenho, não por causa das palavras, mas por causa do modo como a voz de seu pai quebrou por um segundo. Bom Deuteronomy tomou a pata de seu filho na sua docemente.

   “O fato de que você se preocupa com isso e está pensando em como pode ser o melhor pai e companheiro já mostra o seu potencial.” Ele disse, sábio como sempre. “Não que eu tivesse dúvidas de tal coisa. Nunca duvidei de você, meu filho, nem nunca duvidarei.” Adicionou com um sorriso que Tugger tentou retribuir, mas não sabia se tinha tido muito sucesso. “E se você precisa de ajuda, há muitos pais e mães no ferro-velho prontos para ajudar.” Bom Deuteronomy riu de levinho. “Eu sei que você tem... Uma ‘reputação’ para manter... Mas você nunca dever ter medo de pedir ajuda ou conselho, meu filho, você sabe disso. Não há fraqueza alguma em reconhecer seus próprios limites.”

   Tugger processou as palavras, assentindo levemente.

   Filhotes eram normalmente criados dentro da comunidade, embora, é claro, a maior parte do trabalho ainda recaísse sobre os ombros dos pais. Ele mesmo podia dizer que havia sido criado por três mães diferentes durante seus anos de filhote e juventude.

   Tugger podia deixar sua “reputação” de lado por seu companheiro e seus filhotes, não era como se ele sequer se preocupasse com aquilo de verdade – não era como se aquilo sequer tivesse sido tão importante para ele, não é? Bem, talvez um pouco. Ele podia não gostar da ideia de receber ajuda dos gatos mais velhos da tribo, mas ele sabia que eles só desejavam o melhor tanto para ele quanto para todos os demais gatos da tribo, mesmo que mostrassem tal coisa do modo que faziam. Talvez agora Tugger recebesse mais respeito? Não que ele se importasse com tal coisa.

   Tugger sabia que não estava sozinho naquela situação, ele nunca esteve, ele sempre teve Mistofolees ao seu lado.

   Porque ter medo quando se tinha o Fantástico Mister Mistofolees consigo?

   Quanto mais ele pensava naquilo, mais ele se acostumava com aquilo. Ser um pai, cuidar de um filhote ou dois – ou quantos filhotes forem. E se Mistofolees andava mesmo pensando tanto em ter filhotes, porque não? Eles podiam trabalhar juntos, assim como sempre haviam feito desde seus anos de filhotes.

   Logo Tugger se pegou desejando que Mistofolees quisesse aqueles filhotes tanto quanto ele queria. Se não, bem, Tugger respeitaria seus desejos.

   O Maine Coon havia se afastado do ferro-velho para dar a ambos um tempo para pensar e decidir... Mas ele não podia fazer aquela decisão sozinho.

   “Eu...” Ele suspirou. “Obrigado, pai.” E finalmente sorriu para o gato mais velho. “Eu... Vou pensar nessas coisas.”

   Bom Deuteronomy assentiu, afagando a bochecha de seu filho, que se inclinou contra o toque. Os dois ficaram em silêncio, absorvendo o momento por alguns segundos.

   “Eu deixei o Misto me esperando.” Tugger mencionou, decidindo que já tinha passado muito tempo com seus pensamentos.

   “Então vá até ele, meu filho.” Bom Deuteronomy sorriso, afagando o rosto do filho uma última vez. “Eu sei que seu irmão vai me trazer noticias quando tomarem uma decisão.” Tugger assentiu e o velho gato deu uma risada. “Vamos ver se eu vou ter motivos para visitar o ferro-velho em breve.”

   Tugger assentiu, sabendo o que seu pai estava tentando implicar com aquelas palavras, e desceu do banco com um pulo.

—o-

   As orelhas de Mistofolees se levantaram, atentas, ao reconhecer o som dos passos de seu companheiro. Ele se reposicionou, se inclinando para frente só para ter certeza de que Tugger estava vindo na direção da toca.

   Logo, a forma grande e peluda do Maine Coon se espremeu pela abertura pequena da toca e lá ele ficou.

   Tugger ergueu seus olhos, encontrando os de Mistofolees, e os dois se encararam.

   “Você voltou.” Mistofolees disse, sentindo a necessidade de quebrar o silêncio que se instalou entre os dois.

   “Eu disse que ia te encontrar na toca...” Tugger afirmou.

   Mistofolees assentiu e o silêncio reinou mais uma vez. Ele examinou a expressão e postura de seu companheiro. Tugger estava tenso, sua cauda se movendo de um lado para o outro e a mandíbula apertada, o que queria dizer que ele ainda estava pensando, talvez se perguntando o que falar para dissipar o ar estranho entre eles.

   Pelo jeito Tugger não havia formado uma decisão quanto à gravidez. Ou talvez estivesse pensando em como dizer para Mistofolees que não estava pronto para ter filhotes com ele. Mistofolees entendia e aceitava se essa fosse sua decisão. Mas pelo jeito quem estava tendo problema com aquilo era seu companheiro e não ele.

   “Tugger...” Mistofolees disse de modo tímido, tentando se manter calmo e coleto. “Se você não quer isso, talvez... Talvez eu possa fazer algo sobre isso.”

   “O que?” Tugger piscou uma ou duas vezes, sendo arrancado de seus devaneios.

   Mistofolees estava sentado com a costa ereta, encarando Tugger sem expressão, sua face estranha e séria, e seu peito cheio. Era sua típica pose “educada e respeitável”, a pose que o gato de smoking havia adotado desde seus anos de jovem adulto e que ele usava para falar com os gatos mais velhos, para se apresentar como um gato mais sério, mais responsável, e não como um gatinho qualquer. Era o tipo de pose e tom de voz que Mistofolees usava com qualquer gato com quem não tinha muita afinidade, mas que ele nunca usava com Tugger.

   “Afinal, eu fiz isso. Eu posso desfazer, não é mesmo?” Sua voz soava calma, simpática e automática.

   “Mistofolees, o que você está dizendo...?” Tugger murmurou, suas orelhas abaixadas.

   “Eu não quero que você tenha que lidar com algo que não queira só por minha causa.” Mistofolees disse, desviando os olhos. Ele lutou contra o instinto de coçar a orelha, inclinando a cabeça contra o ombro para acalmar aquela vontade. “Eu estive pensando sobre isso enquanto você estava fora. Eu não sei como fiz isso, mas eu acho que posso criar alguma magia de reversão para cuidar disso...”

   Demorou um pouco mais para Tugger processar o que estava ouvindo.

   “Misto, não!” Ele praticamente gritou, se arrastando até Mistofolees e agarrando-lhe os ombros. Mistofolees o encarou, sua fachada séria perdendo um pouco de força com a reação de seu companheiro. “Você está falando de--?”

   “Aborto...?” O gato de smoking disse, sua voz suave, sem emoção.

   “Não! Não!” Tugger disse, praticamente incapaz de controlar o tom de sua voz ao ouvir aquilo. As orelhas de Mistofolees se encolheram. “Não diga isso—Nem sequer pense nisso!”

   Uma pausa.

   “Tugger, está tudo bem se você não quiser fazer tudo isso, ser um pai, eu--”

   “De todos os gatos nesse ferro-velho, eu esperava que você fosse o último a pensar que eu não poderia aceitar uma responsabilidade dessas...” Tugger não permitiu que o menor terminasse, soando magoado de um modo genuíno que Mistofolees não esperava ouvir.

   As orelhas de Mistofolees se prenderam contra sua cabeça e o mágico se sentiu perdido, ao mesmo tempo ofendido e confuso com o tom de Tugger.

   “Tugger, eu te conheço melhor que qualquer outro gato nesse ferro-velho.” Ele disse, talvez um pouco sério demais. “Eu sei que você é mais do que a sua reputação faz parecer--”

   “Então porque você acha que eu quero tanto me livrar dessa situação...?” O Maine Coon balançou a cabeça, sua voz novamente suave, um leve choramingar soando por entre as silabas.

   Mistofolees se surpreendeu.

   “Porque...” Ele começou e as palavras pesavam em sua garganta. “Eu pensei que...” Ele piscou seus olhos heterocromáticos, estudando a face à sua frente; as sobrancelhas unidas e os olhos bem abertos, bigodes finos tremendo levemente; Tugger parecia prestes a chorar. “A fachada simpática de Mistofolees caiu por completo. “Tugger, você quer isso...?”

   Tugger suspirou, se sentando de modo mais relaxado e soltando os ombros do outro gato. Mistofolees tentou ignorar como havia se incomodado com a perda do contato.

   “Eu conversei com o Munkustrap.” O Maine Coon disse e o gato de smoking apenas assentiu, decidindo deixar que seu companheiro continuasse falando sem ser interrompido. “Ele já é um pai e é meu irmão então...”

   Mistofolees se lembrou da conversa com Munkustrap, e como ele não havia pedido mais informações sobre aquilo, respeitando a privacidade de seu companheiro.

   “Por favor me diz que ele não te ‘forçou’ a aceitar isso...”

   Tugger bufou alto.

   “Desde quando eu faço o que o meu irmão me diz?” Perguntou com um sorriso torto. “Eu fui falar com o pai também... É por isso que eu demorei tanto. Desculpe.”

   Mistofolees assentiu em relação ao pedido de desculpas.

   “Bem... Isso ainda não responde a minha pergunta...”

   “Eu respondo se você me responder também.” Tugger ergueu os olhos deu seu cinto brilhante para os olhos de Mistofolees. Sua voz era séria, mas sua expressão ainda era gentil. “Você quer isso?”

   Mistofolees hesitou.

   “Eu... Não sei...” Ele coçou atrás da orelha. “Ter e criar filhotes... É bastante trabalho...”

   “Você não estava pensando nesse detalhe enquanto sonhava com nossos filhotes?”

   “Quem disse que eu sonhava--?” Mistofolees fechou sua boca assim que notou que Tugger não falava sério.

   “Você fez isso? Digo, sonhou com isso...?” Tugger tentou se impedir de rir com a reação de seu companheiro.

   Mistofolees lançou um olhar irritado para o maior, antes de suspirar.

   “Sim, veio à minha cabeça de vez em quando, como eu te contei.” Ele desviou o olhar, de repente envergonhado. “Eu menti pra você. Eu imaginei como seria ter filhotes com você algumas vezes, antes mesmo das nossas conversas... Antes mesmo da Victoria ter sua ninhada.” Ele manteve o olhar baixo, mas pode ouvir Tugger fazer um som, mostrando que estava acompanhando. “Você é meu melhor amigo e nós já estamos juntos há tanto tempo. Eu esperava que algo do tipo acontecesse algum dia... No futuro.”

   Tugger continuou em silêncio, como se soubesse que Mistofolees tinha mais a dizer. O gato monocromático agradeceu silenciosamente pela chance de parar e pensar. Ele suspirou antes de continuar.

   “Eu pensei que seria... Legal.” Mistofolees sorriu timidamente. “Demeter e Munkustrap são tão felizes com a Jemima e a Sillabub. Victoria e Plato com o trio...” Ele pensou em todos os vários casais que havia visto crescendo no ferro-velho. “Todos sempre cheios de amor e orgulho de suas ninhadas.”

   “Você queria fazer parte disso?” Tugger adivinhou.

   “Eu gostava de imaginar nós dois sendo felizes do mesmo modo.” Mistofolees assentiu, erguendo a pata para a orelha e coçando uma, duas vezes. “Não que eu não... Esteja feliz agora...”

   Tugger segurou a pata de Mistofolees, interrompendo o movimento. Mistofolees desviou os olhos para suas patas, uma descansando na palma da outra, antes de se voltar para seu companheiro. Tugger ainda mostrava uma expressão gentil, seus olhos ambares eram doces e observavam seu pequeno companheiro com uma ternura tão potente que o próprio gato de smoking parou por um segundo, antes de conseguir se recompor.

   “Mas eu sou só uma parte dessa relação.” Ele disse. “E eu não quero que você pense... Que eu fiz isso de propósito, pra te forçar a ficar comigo ou coisa assim...”

   “Porque eu sequer pensaria algo do tipo?” Tugger disse, genuinamente surpreso, e Mistofolees decidiu não mencionar o que Jellylorum havia dito. Tugger esperou por alguma resposta. “Mistoffelees, eu te conheço, e você não é esse tipo de gato.” Ele sorriu, trazendo a pequena pata branca até seu peito. “Eu sei que você perde controle da sua mágica de vez em quando. E eu sei que você não tem a mínima ideia de como conseguiu fazer isso.”

   Mistofolees assentiu, novamente deixando seus olhos se desviarem para suas patas; ele podia tocar a juba de Tugger com a ponta dos dedos e o calor que radiava de seu companheiro ajudou a acalmar seu corpo e sua mente. Ele suspirou, curvando a cabeça para frente e deixando-a lá. Tugger se inclinou, apertando suas cabeças juntas por um momento, antes de se afastar.

   “Mas o que mais a gente devia esperar, não é?”

   “O que?” Mistofolees piscou, erguendo a cabeça e se encontrando encarando um sorriso torto.

   “Você. O verdadeiro gato mágico!” Tugger disse, sua voz havia voltado ao normal. “De todos os gatos mágicos do mundo, é claro que você seria o único capaz de fazer algo do tipo.”

   “Eu não pretendia fazer isso...” Mistofolees corou, se remexendo no lugar.

   “Mas ainda assim aconteceu!” O sorriso de Tugger se alargou. “O quão poderoso alguém tem que ser para poder criar filhotes do nada? Fazer filhotes surgirem dentro de si mesmo?”

   “Eles não ‘apareceram do nada’.”

   “Claro que não.” Tugger ofereceu-lhe uma piscadela. “Mas eu sempre fui seu grande assistente, não é~?”

   “Tugger...” Mistofolees revirou os olhos com um tom exasperado. Mas também não conseguiu deixar de sorrir quando Tugger se inclinou para mais perto, seus bigodes tremendo levemente. Ele sempre podia contar com Tugger para acalmar a atmosfera com piadas e insinuações.

   Mistofolees deixou que Tugger se aproximasse, também se movendo na direção do maior até os dois estarem com os rostos quase grudados. Ele suspirou, sentindo o cheiro forte de seu companheiro, de que ele tinha sentido saudade.

   “Então... Você aceita tudo isso?” Perguntou, tímido, encarando aqueles olhos ambares que nunca se desviaram de seu rosto nem um centímetro.

   “Sim, é claro que sim, Misto.” Tugger sorriu ainda mais, envolvendo Mistofolees com um braço e o puxando para perto. O gato de smoking suspirou ao sentir o calor de seu companheiro o envolver, enquanto Tugger apertava o rosto contra seu pescoço; não de modo sensual, mas de modo reconfortante, bigodes delicados fazendo cócegas em sua pele. “Honestamente, eu não estava esperando esse tipo de evolução da nossa relação, mas... É, aconteceu.”

   “Nós ainda podemos decidir não ser os principais criadores. Podemos oferecer o trabalho pra Jenny, ou para quem quiser--”

   Tugger se afastou e Mistofolees se calou.

   “É isso o que você quer fazer?” O Maine Coon perguntou gentilmente, com uma sobrancelha erguida. O gato de smoking suspirou, balançando a cabeça e escondendo o rosto contra a juba felpuda do outro. “É, foi o que pensei.”

   Tugger levou uma pata para a cabeça de Mistofolees, arranhando suavemente o espaço entre as orelhas desse, fazendo o gato mágico ronronar. O calor e o contato era muito bem vindo e ambos podiam sentir tanto corpo quanto mente aos poucos relaxar. Mistofolees se sentiu contente, se apertando contra Tugger como se tentasse ter certeza de que, ao saírem da toca, ambos estariam cobertos com o cheiro do outro.

   Em algum momento, Mistofolees notou uma das patas de Tugger pousada sob sua coxa, e era como se seu companheiro estivesse educadamente pedindo por permissão, hesitante e incerto. Mistofolees sabia pelo que ele pedia e corou levemente.

   Ele pegou a pata muito maior e a levou até sua barriga. Ela ainda estava lisa e não havia nada para se sentir, mas se seu companheiro queria experimentar aquele toque, Mistofolees não se importava em deixa-lo fazer tal coisa.

   “Eu não sei se vou ser um bom pai...” Mistofolees admitiu enquanto Tugger acariciava seu estômago com movimentos lentos, deliberados. O toque era confortável e bem-vindo.

   “Olha, tecnicamente falando você é a mãe...” Tugger disse, rindo quando um olho azul e um amarelo o encararam com seriedade. “Ouça, Faíscas.” Ele tomou sua pata de volta – seu sorriso se alargou com o leve choramingo de seu companheiro – e segurou a pata de Mistofolees na sua mais uma vez. “Ninguém nasce sabendo como ser um pai, isso é algo que você aprende... Eu também não tenho a mínima ideia do que fazer com um filhote, bem, um filhote meu, mas... Eu posso aprender. Podemos aprender juntos. O que me diz?”

   Mistofolees sorriu.

   “Aposto que isso foi algo que Munkustrap ou o seu pai disse...”

   Tugger revirou os olhos.

   “Tá, foi o meu pai.” Ele admitiu. “E daí?”

   Mistofolees riu. Ele olhou de seus dedos entrelaçados para sua barriga.

   “Se você está dentro... Eu também estou...” Ele assentiu, sorrindo para seu companheiro.

   “Vai ser como a sua magia.” Tugger disse, levando a pata de Mistofolees para seus lábios e plantando um beijo doce sobre os dedos delicados. “Algo que a gente vai aprender a controlar e conviver, juntos.”


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