CATS - Filhotes em sua cabeça escrita por Lino Linadoon


Capítulo 6
Deixando o segredo escapar




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   Mistofolees contou para Tugger tudo o que Jenny e Jelly haviam lhe dito. Exceto pelo comentário que Jelly havia feito; tudo o que ele menos queria era que seu companheiro tentasse fazer alguma coisa sobre aquilo – como ele sabia que Tugger faria.

   “Duas semanas então?” O Maine Coon disse.

   “Exato.” O gato de smoking assentiu. “Elas também disseram que o enjoo pode ficar pior na terceira semana.”

   “Valeu o aviso.” Tugger riu e Mistofolees sorriu para ele.

   Ambos se sentiam surpreendentemente confortáveis tendo aquela conversa, o fato de que iriam se tornar pais em algumas semanas finalmente se assentando em suas mentes.

   “E o que você quer fazer agora?” Tugger disse, tanto sua voz quanto sua expressão agora mais sérias do que antes. “Você quer contar pra tribo, ou...?”

   Mistofolees hesitou.

   Ele sabia que não poderia esconder sua gravidez para sempre, especialmente do resto de sua família e de seus amigos mais próximos. Mistofolees não queria pensar nas reações que iria receber, afinal, ele era um macho grávido; e ele não sabia se teria resposta para todas as perguntas que viriam depois da revelação.

   Mistofolees adorava ser o centro das atenções quando mostrava seus talentos de dança e mágica, mas a ideia de ter todos os olhos presos nele por causa de algo como aquilo – que, de um modo ou de outro, ainda era relacionado à sua magia – não era algo realmente agradável.

   “Eu não sei...” Ele admitiu.

   “A gente pode esperar... Tipo, até sua barriga começar a crescer...” Tugger disse, sua voz doce. “Apenas uma porção da nossa família sabe por enquanto. Eu sei que eles vão manter segredo até a gente estar preparado para contar.”

   Mistofolees assentiu. Isso queria dizer que ele ainda tinha uma semana e alguns dias para tentar planejar um modo menos desconfortável de dar as notícias para os gatos do ferro-velho.

   E para gatos de fora do ferro-velho...

   O gato monocromático havia tido um rápido e silencioso ataque de nervos ao pensar em como dar as notícias para Bustopher Jones. Ele sabia que seu tio o amava, mas Bustopher já não era muito fã de Tugger. Mistofolees não ficaria surpreso caso o gato mais velho não ficasse muito feliz com tudo aquilo, embora já não houvesse nada que ele pudesse fazer.

   A não ser que ele tentasse intervir, como já tinha tentado fazer vez ou outra.

   Mas Mistofolees já tinha impedido seu tio de o separar de Tugger antes, ele não teria problema em impedi-lo novamente.

   “Misto? Tá tudo bem?” Tugger chamou, inclinando a cabeça para o lado e encarando seu companheiro com preocupação.

   “Ah, sim...” Mistofolees riu levemente para tentar acalmar o maior. “Só estava pensando em como eu vou contar para o tio...”

    Tugger riu com ele.

   “Ele vai ficar bem surpreso.”

   “Você sabe que ele não gosta muito de você...” Mistofolees mencionou, erguendo uma sobrancelha.

   “Ora, que pena, porque agora não tem volta.” Tugger deu de ombros, cruzando os braços de maneira desafiadora.

   Mistofolees riu.

   “Você tem razão...” Ele balançou a cabeça, sorrindo afetuosamente para seu companheiro.

   Por um tempo, Mistofolees tinha imaginado como seria criar filhotes com Tugger, seu melhor amigo desde quando era um filhotinho, e agora, em dois meses ou algo assim, os dois teriam sua própria ninhada.

   Tudo graças à sua magia.

   Ele tinha muito em sua cabeça, perguntas que precisavam de respostas, todas relacionadas à essa estranha e repentina gravidez mágica. Tudo aconteceu tão rápido, mas agora ele finalmente tinha tempo para sentar e pensar com mais calma.

   Mistofolees não tinha uma boa ideia de como eles iriam se virar com aquilo, mas sempre que sua mente era invadida por pensamentos intrusivos que tentavam deixa-lo nervoso, ele se lembrava de que Tugger havia decidido ficar ali com ele e acompanha-lo naquela “pequena aventura”; assim como ele sempre havia feito.

   Nada havia mudado. Eles ainda eram a mesma dupla de gatos que gostava de criar problemas juntos.

   Mistofolees finalmente se focou em um simples sentimento que o fazia se sentir quente por dentro. Ele reconhecia aquela sensação, sendo a mesma que tinha sentido quando ele e Tugger haviam oficialmente se tornado um casal.

   Ele estava feliz. Mais do que feliz!

   “Misto...” A voz de Tugger e o toque suave de patas sobre os braços de Mistofolees tiraram o gato preto e branco de seus devaneios. “Você está brilhando.”

   Mistofolees baixou os olhos para si mesmo, notando os brilhos que havia repentinamente coberto todo o seu pelo monocromático, o fazendo brilhar nas cores do arco-íris. Ele balançou a cabeça, rapidamente passando as patas pelos braços, tentando fazer os brilhos sumirem; não importava quantas vezes aquilo acontecesse, ou quantas vezes Tugger dissesse que gostava de ver, Mistofolees não conseguiu se impedir de se sentir envergonhado naquelas situações.

   Tugger pegou suas patas, impedindo que continuasse com o que fazia.

   “Você me disse que estava pensando nessas coisas...” Ele disse com um sorriso, o tipo de sorriso gentil que fazia Mistofolees derreter – mesmo quando ele tentava ao máximo não demonstrar tal coisa. “Mas eu não sabia que era algo tão importante assim pra você...”

   Mistofolees sentiu suas bochechas se esquentarem consideravelmente.

   “Não é por causa da gravidez ou dos filhotes...” Ele admitiu. E tentou erguer uma pata para coçar a orelha, mas Tugger manteve suas patas presas em seu aperto; então ele simplesmente inclinou a cabeça para o lado, a esfregando contra o ombro. “É toda essa experiência... E saber que você quer fazer parte disso comigo.”

   O sorriso de Tugger se esticou um pouco mais.

   “Uau, você está sendo todo meloso, Faíscas. São os filhotes fazendo isso?”

   Mistofolees lançou um olhar irritado para seu companheiro, que apenas riu, desviando de uma patada.

   Os dois fizeram como planejado, mantendo tudo em segredo, que foi dividido apenas entre eles e alguns outros gatos. Jenny e Jelly mantiveram sua palavra de não fazer fofoca, assim como Mistofolees havia pedido; Munkustrap foi educado o bastante para não contar para Demeter uma vez que Tugger pediu que não o fizesse, embora ele quisesse claramente fazer tal coisa; e Victoria também manteve sua boca calada, contando para Plato que era algo de família e que ela explicaria mais tarde, pedindo para que não mencionasse nem mesmo aquilo para ninguém.

   Mistofolees, é claro, contou para Alonzo e Cassandra, sabendo que, assim como Victoria, ambos manteriam o segredo.

   Alonzo ficou bem surpreso com as notícias e encarou Tugger com seriedade até ambos os gatos afirmarem que iriam tomar responsabilidade sobre aquilo. Depois disso Alonzo relaxou, dizendo que seu segredo estava seguro com ele e Cassandra.

   Tal gata sorriu e lhes deu parabéns com a mais pura sinceridade, mas Mistofolees pode ver como seus lindos e pálidos olhos pareciam desconfortável, algo raro de se ver. E o gato de smoking sabia porque ela se sentia assim, mas ele tentou não tocar no assunto, sem saber como aquilo a faria se sentir.

   Mas, antes mesmo que Mistofolees pudesse sequer pensar sobre aquilo, Alonzo o puxou de lado.

   “Quando você vai contar pro tio?” O macho mais velho perguntou.

   “Eu não sei.” Mistofolees admitiu. “Mas ele vai vir visitar na próxima semana. Eu já vou estar na minha terceira semana.” Ele deu de ombros. “Eu posso contar pra ele então. Porque?”

   “Eu não acho que ele vá ficar surpreso caso você diga que tudo aconteceu por causa de seus poderes mágicos...” Alonzo disse. “Mas eu não acho que ele vá ficar contente.”

   “É...” Mistofolees deu de ombros. “Deixe que ele reclame. Ele já não gosta do Tugger...”

   “Misto, eu sei que você admira ele...”

   “Alonzo, a desaprovação dele não vai arruinar a minha vida.” O gato mágico interrompeu.

   “Eu sei que não vai te arruinar, mas vai doer.” Alonzo disse simplesmente.

   Mistofolees assentiu. Seu irmão tinha razão, ia doer, assim como quando Bustopher negou dar sua benção para a sua relação com Tugger; ele deixou aquilo de lado sem problemas, afinal, era só algo bobo que ele não precisava de verdade, ele só queria ser incluído como seu irmão e irmã.

   Mas ser rejeitado por seu tio por causa de sua gravidez e de seus filhotes? Aí era outra história.

   Mistofolees sabia que não devia pensar em seu tio como essa figura “tirânica” em sua vida, mas o medo do gato mais velho tentando intervir ainda vivia em sua mente. Bustopher podia ser bem rigoroso e severo de vez em quando e Mistofolees sempre dava o seu melhor para fazer seu tio orgulho, sobre qualquer coisa; ele tentava ser educado e respeitável, sério, mas amigável, raramente criava problemas e era o tipo de filhote que todos os gatos mais velhos adoravam. Ou pelo menos ele tentava ser, mas é claro que ele não podia esconder sua personalidade verdadeira o tempo todo.

   De um modo ou de outro, ter filhotes com Tugger quase simbolizava um ato de rebeldia.

   Pensar que Bustopher Jones não iria gostar de seus filhotes o deixava desconfortável, mas mesmo não sendo um pai e mesmo sem ter a mínima ideia de como cuidar de filhotes – ele tinha entregado seus sobrinhos para serem cuidados pela tribo quando sua irmã não pode mais tomar tal responsabilidade, afinal – Bustopher ainda assim sabia como ser gentil com filhotes e adorava os mais jovens integrantes da tribo.

   Ele nunca iria odiar os filhotes de Mistofolees só porque eles também eram filhotes de Rum Tum Tugger, não é?

   “Eu só quero que você saiba que eu estou do seu lado, não importa o que o nosso tio faça.” Alonzo disse com um sorriso.

   “Valeu, ‘Lonz.” Mistofolees retribuiu o sorriso, apertando o rosto contra o do irmão.

   Alonzo balançou a cabeça e bufou.

   “Quem iria imaginar que os meus dois irmãos mais novos teriam filhotes antes de mim?”

   Ele comentou com um sorriso que Mistofolees tentou imitar. Ele conseguia ler entre as entrelinhas daquelas palavras, mas decidiu não mencionar, assim como Alonzo havia pedido para que ele não fizesse, há um bom tempo atrás.

—o-

   Mistofolees decidiu que esconder a gravidez era uma experiencia estranha. Uma experiencia estranha e estressante.

   O gato mágico não conseguia deixar de se sentir nervoso cada vez que interagia com o resto da tribo. A lembrança de como Plato e Cassandra haviam notado a diferença em seu cheiro com tanta facilidade o fazia se perguntar quanto tempo mais ele tinha até que o resto dos gatos descobrissem.

   Ele não se surpreenderia caso Tumblebrutus ou Pouncival ou qualquer um dos filhotes de Jelly acabasse reconhecendo o cheiro em algum momento, uma vez que já tinham presenciado várias das gestações de sua mãe.

   Mistofolees e Tumblebrutus eram bons amigos, mas o mágico decidiu não contar o segredo para esse. Não que ele não confiasse em seu amigo, mas ele temia que Tumblebrutus acabasse deixando escapar acidentalmente – algo que ele tendia fazer, mesmo sem notar.

   “Está tudo bem, Faíscas.” Tugger tentou o acalmar enquanto os dois tomavam banho de sol no topo de sua toca, sorrindo para o gato de smoking com a cabeça descansando em seu colo. “É só a gente viver cada dia como se nada estivesse acontecendo.”

   Muitos cairiam na imagem que Tugger mostrava, com um sorriso e um tom de voz calmo, mas Mistofolees sabia que aquilo não passava de uma fachada. Tugger também estava nervoso quanto àquela situação, talvez não tanto quanto o gato de smoking, mas ainda assim nervoso. Ele encarava os demais gatos pelo canto de olho, tentando notar se alguém estava prestes a descobrir sobre o segredo, sempre pronto para sorrir e mudar de assunto, salvando Mistofolees sempre quando necessário, algo pelo que seu companheiro agradecia e muito.

   E então, mais tarde, quando os dois se aconchegavam em sua toca, ele envolvia Mistofolees com os braços, uma pata pousada sobre sua barriga ainda lisa. O toque havia sido um pouco desconcertante no começo, uma vez sabendo o que crescia em baixo das patas largas do Maine Coon, mas Mistofolees sabia que acabaria se acostumando com aquilo. E, de qualquer modo, ele era grato por todos os momentos em que podia dormir abraçadinho com Tugger.

   Mas as coisas estavam mudando e estava ficando cada vez mais difícil de ignorar tais mudanças.

   Com o passar dos dias, Mistofolees não pode deixar de ficar constrangido com o que acontecia com seu corpo.

   A primeira mudança que ele notou foram seus mamilos, que começaram a aumentar em tamanho, se tornando mais rosados perto dos últimos dias de sua segunda semana de gravidez.

   Depois de afagar seu pelo e tentar mantê-los bem escondidos, Mistofolees tentou seguir sua rotina como sempre. Mas ele logo descobriu que não devia ter feito lá um bom trabalho, quando Pouncival os mencionou com uma risada, perguntando o que estava acontecendo com o gato de smoking.

   Mistofolees queria desaparecer no mesmo instante, e estava prestes a fazer tal coisa quando Etcetera cutucou o irmão, dizendo que era melhor não rir dos outros – principalmente de um gato mágico – e lançou um sorriso para Mistofolees. Tal gato tomou a chance para mudar de assunto e Pounce não falou mais sobre aquilo.

   Ele tentou usar sua jaqueta colorida, esperando que ela escondesse aquelas mudanças, mas a jaqueta mal chegava à metade de seu torso, deixando uma boa parte dos mamilos expostos; o que era um problema, uma vez que o pelo em sua barriga era mais curto. Ele teve que deixar a jaqueta de lado de qualquer jeito, uma vez que ela sempre chamava a atenção, mesmo quando ele deixava o brilho sob controle. Nem mesmo se transformar em sua forma de gato negro ajudava, seu pelo era ainda mais curto daquele jeito.

   Mistofolees não ligava de ficar sob os holofotes, ele na verdade adorava quando todas as atenções estavam voltadas para ele, mas apenas quando havia um bom motivo para aquilo, como suas habilidades de dança e mágica. Fora isso, ele era calmo e quieto e preferia ter seu espaço. E, naquela situação, ele realmente preferia ficar quieto em seu canto.

   “Ei, Faíscas, tá tudo bem...?” Tugger perguntou, vendo como Mistofolees parecia se encolher em volta de si mesmo. Ele compreendeu o que acontecia sem muita ajuda. “Ei, calma, quase nem dá pra notar.”

   “Você notou. Outros notaram também.” O gato monocromático disse.

   “Você é meu companheiro, é meio que um dever meu prestar atenção em você até os mínimos detalhes!” Tugger disse com uma risada, mas aquilo não acalmou Mistofolees. De qualquer modo, o Maine Coon concordava, ele se lembrava de como a pequena Sillabub havia se aproximado dele, tendo vergonha de perguntar diretamente para Mistofolees porque seu corpo estava mudando daquele jeito. Tugger suspirou, sentando ao lado do menor. “Não tem alguma coisa que você possa fazer? Pra fazer eles... Sei lá, diminuírem de tamanho?”

   “Se eu pudesse, você acha que eu não teria feito?” Mistofolees sibilou.

   “Tá bom, tá bom, tem razão...” Tugger bufou, inclinando-se contra o grande travesseiro no canto da toca.

   Os dois ficaram em silêncio por um momento, até Mistofolees suspirar, se deitando ao lado de Tugger e descansando sua cabeça sobre o braço estendido desse.

   “Eu acho que o pior e quando eles notam mas decidem não mencionar...” Ele reclamou. “Olhando de lado, sussurrando... A tribo se acha boa em fingir, mas não é. Nem um pouco.”

   “Que novidade.” Tugger bufou, assoprando o cacho que caia sobre sua testa. Ele examinou o gato deitado ao seu lado, inclinando a cabeça e observando enquanto Mistofolees suspirava, cutucando seu peito de modo tímido. E uma lâmpada se acendeu na cabeça do Maine Coon. “Sabe de um lugar onde você não vai ser encarado por nenhum gato enxerido?”

   “Onde?” Mistofolees virou os olhos azul e amarelo para seu companheiro.

   “Nossa toca humana.” Tugger disse, seu sorriso se alargando ao ver os olhos do menor brilhar.

—o-

   Como Mistofolees não tinha pensado naquilo antes? Se tinha um lugar em que ele não tinha que se preocupar com outros gatos era sua toca humana.

   Humanos normalmente não entediam bem a anatomia felina, assim como um gato não entendia muito bem a anatomia humana; então havia poucas chances de que seus filhotes de estimação notassem as mudanças no gato de smoking. E nem era como se eles vissem sua barriga muito de qualquer jeito; com a exceção do pequeno filhote humano, que gostava de fazer carrinho em sua barriga – algo que ele nunca podia fazer com o Maine Coon, a não ser que desejasse ter garras afiadas fincando em sua pele.

   Pela primeira vez desde seus anos de filhote, Mistofolees reagiu ao toque, batendo com suas patas miúdas contra as patas peladas do humano e escondendo a barriga, para a surpresa do filhote. Mistofolees não sabia se tinha se sentido mais desconfortável com a possibilidade do humano notar alguma mudança, ou o simples fato de que o toque havia sido estranho; seus mamilos haviam se tornado tão sensíveis que ele se encontrava pedindo até para Tugger não tocá-los.

   Para seu desprazer, o enjoo matutino continuou como Jennyanydots havia mencionado, a intensidade flutuando de dia a dia, e as vezes acontecendo em outros horários além da manhã. Mistofolees tentou manter aquilo escondido de seus humanos, sem querer preocupa-los, para escapar a possibilidade de ser jogado numa caixa de viagem e ser forçado a visitar o veterinário. Tugger o ajudou o melhor que podia, a distancia que ele colocava entre os dois diminuindo com o passar dos dias; mas, como o apetite de Mistofolees parecia estar diminuindo, ele não tinha muito para colocar para fora na maioria das vezes.

   Fora isso, ele não tinha muito com que se preocupar e, sem gatos ao seu redor, Mistofolees se sentia mais confortável com as mudanças de seu corpo. Ainda assim, ele se manteve atento à tais mudanças.

   Com um ou dois dias de sua terceira semana, Mistofolees podia jurar que já podia ver uma curvatura em sua barriga, e, ao apertar a área, podia sentir uma leve resistência. Era estranho. Ele sabia que estava grávido, mas sentir aquilo era esquisito, como se sua mente não conseguisse processar.

   As visitas de Jenny ajudavam o gato monocromático a viver com aquilo. Ele passava pela toca humana de vez em quando para checar como Mistofolees estava, só para ter certeza de que tudo estava indo bem.

   Mas enquanto Mistofolees se conformava com as mudanças, havia outra coisa o incomodando mais ainda. Ele estava feliz em ficar longe dos olhares curiosos e dos sussurros mal escondidos, mas esconder aquilo do resto da tribo lhe trazia memórias de coisas que ele preferia não lembrar.

   Então ele passou a maior parte daqueles dias dormindo, permitindo a si mesmo a chance de sonhar ao invés de pensar. Era algo fácil, afinal, ele era um gato, e sua gravidez parecia estar o deixando mais cansado e sonolento.

   “Faíscas.”

   “Hum?” Mistofolees rolo upara o lado, esticando e bocejando enquanto abria os olhos, virando-os para o topo da cômoda branca, onde o Maine Coon estava sentado.

   “Pronto pra voltar para o ferro-velho?” Tugger perguntou com um sorriso. “A gente já está enfurnado nessa toca faz tempo.”

   Mistofolees hesitou por um momento. Tugger tinha razão, eles já estavam ali faz alguns dias, saindo apenas para explorar o pequeno jardim atrás da grande toca; bem, Tugger saia a maior parte do tempo, Mistofolees ainda preferia ficar do outro lado da porta.

   Ele sentia falta do ferro-velho, de sua família e de seus amigos, mas enquanto ele se movia em sua cama, sentindo seu peito e barriga roçando os travesseiros macios, ele se lembrou do porque os dois estavam ficando longe dos demais gatos.

   “Você pode ir se quiser.” Disse, se esticando mais uma vez e se deitando de costas. “Eu prefiro ficar aqui um pouquinho mais…”

   Ele não recebeu resposta alguma, então manteve seus olhos fechados, tentando dormir novamente. Ele não se moveu, mesmo quando o travesseiro afundo ao seu lado com o peso do gato maior.

   “Misto… Você tá bem?” Tugger ronronou baixinho, sua voz agora mais próxima.

   Mistofolees abriu os olhos, encarando os orbes ambares de seu companheiro enquanto gato maior se inclinava sobre ele.

   “Sim.” Ele disse com um sorriso, tentando afastar a preocupação do outro. “Fora o enjoo e a leve tontura de vez em quando...”

   Tugger bufou, sua cauda se movendo rapidamente para os lados.

   “Você sabe que não estou falando disso.”

   “Porque eu mentiria?” Mistofolees disse de modo automático.

   Tugger balançou a cabeça, se perguntando porque seu companheiro ainda tentava usar aquele tom com ele; ambos sabiam muito bem que aquilo nunca funcionava. Ele examinou o gato de smoking, inclinando a cabeça para o lado e erguendo uma sobrancelha. E esperou.

   “Eu…” Mistofolees começou a falar, suspirando. Ele ergueu uma pata e coçou a orelha, o que mostrava como estava se sentindo de verdade. “Eu não gosto disso...”

   “Misto, você nem está tão grande assim, a gente pode voltar, sem problemas.” Tugger disse antes que Mistofolees pudesse terminar de falar.

   O gato de smoking suspirou, se sentando e se esticando mais uma vez.

   “Eu não gosto disso.” Ele admitiu novamente.

   Tugger ficou calado por um tempo, como se não soubesse o que dizer.

   “‘Disso’ o que exatamente...?” Perguntou.

   Mistofolees balançou a cabeça, mantendo o olhar baixo.

   “Eu sei que a gente decidiu manter isso em segredo, mas está ficando mais e mais difícil lidar com isso...”

   “A gente sabia que isso ia acontecer quando você começasse a mudar...” Tugger mencionou, a voz suave, sem querer incomodar seu companheiro, mas querendo saber exatamente em que direção a conversa estava indo.

   “Mesmo sem as mudanças, eu não gosto de manter esse segredo.” Mistofolees grunhiu. Ele coçou atrás da orelha uma vez, duas vezes, e só parou quando Tugger segurou sua pata. Ele finalmente encontrou o olhar de Tugger. “Isso não te lembra de outra coisa...?”

   O Maine Coon não respondeu de imediato, pensando bem sobre o que seu companheiro falava. Ele não precisou tomar muito tempo, suas sobrancelhas se unindo, enquanto seus olhos continuavam gentis.

   “É como quando a gente teve que esconder os seus poderes...”

   Mistofolees assentiu.

   Já fazia tanto tempo. Tugger tinha conhecimento dos poderes de Mistofolees desde ambos não era mais que filhotes e, depois de um curto período tentando aceitar que seu melhor amigo tinha poderes mágicos, assim como seu irmão mais velho, Tugger decidiu ficar ao lado do pequeno gato preto e branco, prometendo manter seu segredo seguro.

   Tantos anos mantendo sua mágica em segredo, mantendo-a longe de olhares curiosos, escondendo todos os truques maravilhosos que Mistofolees podia fazer, aquilo nunca pareceu justo para Tugger, mas ambos aceitavam que era o melhor a se fazer. A tribo havia ficado mais nervosa e apreensiva em relação à poderes mágicos, a memória de Macavity e das coisas que ele havia feito ainda viva em suas mentes.

   Não foi até o último Baile Jellicle que Mistofolees finalmente pode apresentar para a tribo tudo o que ele podia fazer, mostrando para esses que não precisavam temer a sua magia.

   Manter aquele segredo por tanto tempo foi uma experiência desconfortável; Tugger se lembrava de Mistofolees dizendo, em uma voz baixinha, parecendo um sussurro, como ele não queria mais “esconder essa parte de mim mesmo”.

   Não era de se admirar que Mistofolees estava se sentindo mal com aquela situação.

   “Olha, se você está pronto pra contar...”

   “Eu não disse isso.” Mistofolees bufou.

   “E você acha que eu estou pronto?” Tugger retrucou, suspirando ao ver seu companheiro coçar atrás da orelha mais uma vez. Ele sabia que Mistofolees ia se sentir desconfortável anunciando sua gravidez para o resto do ferro-velho. Mas também ele não achava que muitos iriam acreditar, não sem muita explicação. “Que tal uma ideia... A gente conta para alguém e eles espalham pro resto da tribo. Então a gente não precisa fazer isso pessoalmente.”

   Mistofolees hesitou, inclinando a cabeça para o lado.

   “Você acha que é uma boa ideia?”

   “É, desse jeito a noticia vai viajar bem rápido.” Tugger deu de ombros. “Principalmente se a gente colocar Jenny e Jelly no caso.”

   Mistofolees assentiu. Noticias e fofocas corriam rápido pela tribo, na maioria das vezes graças às duas gatas, que estavam sempre prontas para dividir tudo que ouviam por aí.

   Pensar nas noticias sobre sua gravidez se espalhando desse modo, rápido como um fogaréu em mato seco, era algo estranho, mas o gato preto e branco tinha que admitir que era uma boa ideia.

   “Misto?” Tugger se inclinou, tirando o gato mágico de seus pensamentos. “E então? O que você acha?”

   Mistofolees não chegou a responder.

   “Olha, a gata gorda está de volta!” A voz do pequeno filhote humano chamou a atenção dos gatos. E eles não precisavam ouvir mais para saber de quem ele estava falando.

   “Vocês têm visita, rapazes.” A humana adulta sorriu para os dois gatos.

   “Bem na hora.” Tugger riu e Mistofolees teve de sorrir.

   Os dois se dirigiram para a porta do jardim, que foi prontamente aberta por um dos humanos.

   Jennyanydots estava esperando pelos dois nos degraus do deque, ainda em sua forma “Gumbie Cat”, quase duas vezes maior e mais circular do que o normal.

   “A ‘gata gorda’, que fofo.” Ele riu, indo até Mistofolees e apertando o rosto contra desse de modo gentil – o gato monocromático se aconchegou contra sua forma maior, parecendo ser um filhote perto dela. “Como está se sentindo hoje, meu querido?”

   “Estou bem.” Mistofolees assentiu. “Estávamos falando de você.”

   “Podem me contar porque estavam pensando em mim enquanto eu checo como você está.”

   Mistofolees respondeu às perguntas de Jenny, permitindo que ela examinasse sua barriga. Quase imediatamente ela sentiu a leve resistência na área, mencionando tal coisa com um brilho nos olhos. Tugger esperou o mais pacientemente que conseguia, puxando o pelo de sua juba ou brincando com os enfeites de seu cinto brilhante; ele sabia que era Mistofolees que queria mencionar o plano para Jenny.

   “Bem, você chegou à sua terceira semana, o que quer dizer que os filhotes estão começando a tomar forma!” Jenny disse em um tom tão doce e animado que Mistofolees teve de sorrir de volta, se sentindo contagiado. “Os seus mamilos vão ficar mais vermelhos com o passar do tempo e a sua pelagem vai ficar mais fina e mais curta, mas não se preocupe, meu querido! Isso é normal!

   “Obrigado, Jenny...” Mistofolees assentiu, seu sorriso sumindo levemente enquanto a gata apalmava sua barriga mais uma vez.

   “Você sabe quantos...?” Tugger perguntou, prestando atenção.

   “Oh, não, é muito cedo para isso.” Jenny disse. “Mas... Eu acredito que serão alguns...”

   “Mais de um?” O Maine Coon perguntou, hesitante, e Mistofolees tentou não rir com seu tom de voz.

   “Provavelmente!” O sorriso de Jenny se alargou ainda mais.

   Tugger simplesmente assentiu, seus olhos se encontrando com os de Mistoffelees, que apenas sorriu docemente. Seu companheiro estava nervoso, ainda processando a informação de que eles teriam mais do que só um filhote, e Mistofolees achou adorável quando as sobrancelhas de Tugger se uniram, e a pele em baixo do rosto dourado se tornou levemente mais vermelha.

   “Jenny...” O macho maior se voltou para a gata, como se tentasse ignorar o olhar do gato de smoking. “A gente queria te pedir um favor...”

   Os dois explicaram sua ideia para Jenny e essa ouviu atentamente.

   “Vocês têm certeza disso?” Jenny perguntou, doce e gentil como sempre. Mas ambos os gatos podiam ver o brilho em seus olhos ao pensar na possibilidade de finalmente contar a verdade para todo o resto da tribo.

   “Sim, assim as coisas ficam mais fáceis.” Tugger deu de ombros.

   “E há mais chance de eles acreditarem em você primeiro.” Mistofolees emendou.

   Jennyanydots assentiu.

   “Bem, então deixem isso comigo.” Ele disse, ainda sorrindo gentilmente, enquanto afagava a cabeça de Mistofolees.


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