(Des)Encontros escrita por Karry


Capítulo 6
Capítulo VI


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura



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Certa vez, no aniversário de trinta e seis anos de Molly, Arthur comprou-lhe uma deliciosa torta de maçã com glacê em uma confeitaria trouxa para celebrar. Por muitos anos, Molly tentou replicar aquela torta sem sucesso e a pequena confeitaria onde Arthur havia comprado a torta fechou. 

Ainda que o mundo bruxo pudesse oferecer as mais variadas delícias, a memória daquela maravilhosa torta ainda estava viva, como um abraço quente em uma noite fria. 

Arthur passou o resto de sua vida procurando por aquela torta em vão e eventualmente todos os Weasley acabaram aceitando que não havia possibilidade de comê-la novamente.

A memória daquela torta era uma das poucas coisas que permaneciam em sua mente de antes da guerra, era apenas um pequeno fragmento de uma vida normal que logo deixou de existir com a chegada da guerra e todas as coisas ruins que vieram com ela. Molly sequer cogitava a ideia de que a torta nem mesmo era gostosa, mas o sentimento de nostalgia e melancolia de uma vida tão simples e prazerosa ao lado de sua família a fez desejar aquela bendita torta por anos e anos.

Quando a mente de Molly decidia ser mais ousada, ela desejava que pudesse oferecer aquela torta a pessoas que havia conhecido depois daquele evento. Era horrível para ela saber que Harry, Hermione, Fleur e todos os outros familiares (incluindo seus próprios netos!) nunca haviam apreciado aquela sobremesa que ela amou por tantos e tantos anos do fundo de seu coração.

Naquela manhã, enquanto todos os seus filhos estavam adormecidos, a memória da torta acertou em cheio a mente de Molly como nunca em tantos anos. Ela sabia que o resto do dia seria longo, ainda que seus filhos estivessem se comportando – George ainda não havia pedido desculpa a Ginny, e ela eventualmente o encarava com o pior dos olhares –, Molly sentia que ainda faltava algo que os unisse. 

Ela conseguia enxergar muito bem que Bill se sentia deslocado sem sua esposa e filhos ao seu lado e que Charlie continuava a duvidar a respeito de sua parte naquela família, Percy estava agindo como se tivesse de substituir Arthur e não havia tido seu momento para sentir o luto, George estava em cacos, Ginny estava brava com tudo e todos e, graças ao bom Deus, Ronald parecia consideravelmente bem.

Mas Molly queria algo que os fizesse conversar sobre a mesa de jantar animadamente ou que os fizesse inclinar seus corpos para fazer piadas como costumavam fazer em seus piqueniques. Molly queria a união, independente do quão utópico fosse o seu desejo. Ela sabia que o desejo da torta não era pela sobremesa em si, mas pelo sentimento de união entre seus filhos que ainda existia naquela época.

E subitamente Molly deu a luz a uma ideia. Agarrou uma pena e papel e se pôs a escrever.

"Querida Rose,

Por favor, não se preocupe comigo, tenho lidado bem com a morte de seu avô até então. Mal posso esperar para vê-la (mesmo que em circunstâncias tão tristes como a do velório de Arthur) você deve estar enorme e cada dia mais linda, não consigo nem imaginar. Como está Hugo? E Hermione? 

Mas preciso de um enorme favor seu. Hermione uma vez me contou a respeito de uma coisa do mundo trouxa chamada internet, sinceramente não faço a menor ideia do que se trata, mas sua mãe me assegurou de que todas as respostas das quais precisasse poderia conseguir lá (é uma espécie de penseira? Já tentei entender como essa coisa funciona, mas não entra na minha cabeça de modo algum querida).

Gostaria que você pesquisasse uma receita de TORTA DE MAÇÃ, sei que ela tem glacê e mais um monte de coisas do mundo trouxa. Você não imagina o quão difícil é encontrá-la no Beco Diagonal ou qualquer parte do 'lado de cá'. (E não se atreva a rir, entendeu mocinha?)

Caso a encontre, pode enviar para mim? 

P.s. por favor não estranhe este meu pedido, prometo que estou bem! 

Com amor,

Vovó."

  

A resposta de Molly chegou muito mais rápido do que ela esperava. Rose anexou a receita (com uma foto!) da tão sonhada torta de maçã e ela se pôs a trabalhar. Muitos dos ingredientes fora Percy quem havia trazido para ela ao longo das semanas anteriores e, por mais que Molly acreditasse que fosse uma receita complexa, conseguiu reproduzi-la tranquilamente. 

Apenas um dos milhares de poderes que apenas as mães têm. 

Quando a torta finalmente ficou pronta, Molly a colocou na geladeira e se pôs a fazer alguns outros afazeres da casa. Seus filhos ainda estavam dormindo — nenhum deles estava devidamente familiarizados a limpar e cuidar de uma casa tão grande a Toca, todos eles agora moravam em casas pequenas e modernas que não exigiam tanto de si mesmos como aquela —, Molly os deixou dormir e apreciou o silêncio. 

Apesar da solidão que sabia que sentiria ao longo dos anos com a morte de Arthur, estava feliz pela companhia dos filhos que podia apreciar agora. Não era sempre que ela podia se dar ao luxo de tê-los ali, dormindo, todos sob o mesmo teto. E de fato ela não podia reclamar de nada, mas coisas como limpeza, cozinhar e arrumar a casa eram espécies de hobby para Molly e a davam tempo para pensar e relaxar. 

Assim que Molly finalmente terminou todos os seus afazeres tratou de acordar todos eles, um por um. Bill, Charlie, Ronald e Percy se levantaram rapidamente, já George e Ginny demoraram um pouco mais a acordar. 

— Estou te esperando na cozinha para tomarmos café — disse ela a cada um deles. Já no andar de baixo a mesa já estava arrumada com a toalha favorita de Arthur sobre ela. Era uma toalha de mesa vermelha estampada com patinhos coloridos, Molly havia preparado café, chá, pães de abóbora e a famosa torta de maçã. Os seis ruivos desceram um atrás do outro e congelaram diante da mesa. — Fiz um café-da-manhã para agradecer a todos vocês por estarem aqui comigo. Arthur e Fred estariam orgulhosos de ver que estamos todos aqui, firmes e fortes independente das adversidades. 

Ninguém disse nada a princípio. Molly suspeitou que havia pegado pesado com os filhos, ou até mesmo que ninguém se lembrava daquela torta de maçã que a havia marcado com tanta força. Ela já estava pronta para voltar a falar novamente, não aguentava aquele silêncio doloroso em decorrência de algo que deveria provocar barulho, risadas e alegria, mas antes disso Charlie murmurou:

— Você… Esta é a torta de maçã que o papai comprou para você?

E Molly suspirou, pois alguém além dela se lembrava dos dias antes da guerra e de toda a tristeza que resultou em decorrência dela. 

— Onde você encontrou essa torta, mãe? — perguntou Ginny. 

— Eu fiz. 

— Você fez? Mas você sempre errava a receita dessa torta…

Molly simplesmente deu de ombros e em seguida indicou a mesa farta:

— Vocês não vão comer?

Todos eles se sentaram, ainda estavam sob uma aura de silêncio insuportável que Molly desejava quebrar com qualquer pergunta banal, até que George decidiu provocar Ginny.

— Ei Ginny, eu deixo você comer o meu pedaço de torta se você me desculpar por ter gritado com você!

— Você vai ter que me dar uma torta inteira então, George — riu Ginny. 

Dali em diante todos eles começaram a conversar. Molly quase não conseguia acreditar no milagre bem diante de seus olhos, sentia como se tivesse sido aparatada para uma época diferente, quando todos os seus filhos ainda eram crianças e conversaram sobre Hogwarts e poções no café-da-manhã. Molly mal podia conter a excitação, era tão maravilhoso o sentimento de vê-los agirem como os irmãos e amigos que sempre foram novamente.

Arthur ficaria tão feliz de ver aquela cena. Molly podia sentir isso. 

Depois de muita conversa animada da qual Molly participou ativamente, todos estavam ansiosos pela torta. Molly a cortou em sete pedaços iguais e os serviu aos filhos. E juntos, como em muitos anos antes daquele, eles apreciaram a torta e a companhia uns dos outros.  

Não sobrou nem mesmo um pedaço de torta para contar a história, apenas o doce gosto de açúcar e caramelizado sobre a língua e lábios. 

Mais uma vez os seis se certificaram de que Molly não limparia coisa alguma e Ginny a levou para passear. Todos os outros alegaram que ela merecia o descanso e o passeio, afinal de contas, havia feito um banquete digno de realeza para os filhos.

*

Ginny não se lembrava de quando havia sido a última vez em que havia saído com Molly, somente as duas. Elas não eram o tipo de mãe e filha que faziam compras e passeios juntas apenas para se divertir, quando Ginny era jovem e ainda morava com os pais a desculpa era o dinheiro (ou a falta dele, mais precisamente). 

Na verdade Ginny não ligava para compras e passeios de mulheres, ela estava ocupada demais tentando sobreviver a guerra. Entretanto, quando a guerra chegou ao fim e a situação financeira de todos os Weasley melhorou, elas não fizeram questão de começar com este ritual.

Eram poucas as coisas que eles não apreciavam quando a guerra havia terminado. Um gole de água, abraços quentes, comidas recém saídas do forno e olhar a chuva batendo contra a janela rituais prazerosos por si só. Por que ocupar seu tempo com compras e quinquilharias das quais não precisavam se podiam viver o que não haviam vivido durante aquele período tão obscuro? 

Mas agora, Ginny podia ver nos olhos da própria mãe que passear pelas lojas do Beco Diagonal e comprar coisas das quais não precisavam tanto assim não era de todo ruim. Molly tinha um sorriso lépido nos lábios e somente aquilo era suficiente, mesmo que a dor da perda de Arthur ainda a corroesse como ácido contra a carne.

Um miado chamou a atenção de Ginny. Três pequenos gatinhos pretos a fitaram com seus enormes e adoráveis olhos através da vitrine de uma das lojas.

— Podemos ir à Dedos de Mel? — pediu Molly, animada — Faz tempo que não como feijõezinhos de todos os sabores.

— Porque você não vai na frente? Eu te encontro lá, acabei de lembrar que preciso comprar uma coisa!

Molly assentiu e foi em direção à loja e Ginny correu em direção aos gatinhos, fora a compra mais rápida e impulsiva que ela fizera em toda a vida, os três gatinhos a olhavam com adoração. 

Um dos gatinhos tinha uma mancha branca nas costas, o outro tinha as quatro patas brancas - que Ginny acreditou que pareciam pequenos sapatinhos - e o último era completamente preto. Eram o presente perfeito para sua mãe, ainda mais sabendo que no dia seguinte teriam de sobreviver ao velório de Arthur. 

Já era hora de Molly ter uma casa lotada de bebês novamente, e aqueles três eram a companhia perfeita.


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