(Des)Encontros escrita por Karry


Capítulo 5
Capítulo V


Notas iniciais do capítulo

Gostaria de agradecer a todos os comentários, logo logo vou terminar de responder tudo. Boa leitura!



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O dia amanheceu em completo silêncio. Quem visitasse a Toca anos atrás não teria a oportunidade de encontrar momentos de quietude como esse. Para os Weasleys a Toca era sinônimo de barulho, entretanto Bill havia se desacostumado com todo o estardalhaço da casa em que viveu quando criança e agora apreciava cada momento de silêncio que tinha.

O Chalé das Conchas era um paraíso silencioso. Fleur fazia jus a fama dos franceses quando se tratava de graciosidade e leveza, muitas vezes Bill sequer notava sua presença dentro de casa. Com o tempo ele acabou por se adaptar a ter apenas o barulho do mar como som ambiente e foi assim com seus filhos também. 

Bill nunca imaginou que ao voltar para a Toca – principalmente depois de adulto – presenciaria brigas entre seus irmãos, gritos e choradeira, mas foi o que aconteceu. Fora demais para ele e, ao fim do dia, sua cabeça latejava tanto que ele sentia como se tivesse sido martelado sem piedade. 

Ele não quis dividir um quarto com nenhum dos irmãos e acabou dormindo no sofá da sala, o que não foi uma experiência ruim afinal de contas. 

Agora que estava em silêncio novamente podia colocar seus pensamentos em ordem. Gostaria de saber como Fleur estava. Sabia que ela deveria estar angustiada por conta da morte de Arthur, mas era melhor que ela estivesse em casa com os filhos do que ali em meio a toda aquela bagunça. 

Bill se levantou e colocou os sapatos, tinha medo de que logo o resto da família acordasse e voltasse a encher os cômodos com suas vozes, então saiu para correr. 

O sol estava surgindo no oriente, banhando o topo da Toca com uma luz leitosa e quente em diversos tons de vermelho, amarelo e laranja. Ainda estava frio, Bill fechou sua blusa até o queixo e enfim se pôs a correr. 

Seu corpo começou a esquentar conforme corria e o som dos pássaros inundou sua mente. Ele ainda preferia o som das ondas se quebrando contra as rochas e do sal se chocando com a areia, e sinceramente, as gaivotas pareciam mais amigáveis do que os pássaros do campo, mas ainda assim era pacífico o suficiente para que ele relaxasse. 

Bill inalou profundamente o ar da manhã, o cheiro do mato fresco, relva e sol preencheu o seu corpo por completo, relaxando-o ainda mais. 

E então ele começou a chorar.

Bill não sabia ao certo o por quê de estar chorando, mas já não conseguia controlar o próprio instinto. Seu peito doía e seus olhos já estavam ardendo e se derramando em lágrimas quentes. 

Tudo doía, por dentro e por fora. Ele nunca havia sentido aquilo antes em toda a vida, então se deixou chorar e soluçar alto como uma criança fazia. Bill fitou o sol forte já no ponto alto do céu, deixou que seus olhos ardessem ainda mais com a forte luz.

No fundo Bill sabia que sua ficha havia finalmente caído. Ele não havia se deixado acostumar com a ideia de que o pai estava morto, talvez tenha pensado por algum momento que tudo não passava de um pesadelo, mas era real. Tudo o que havia acontecido até então era real e Arthur estava morto. 

O mundo continuaria existindo, Molly continuaria vivendo até chegar o momento de sua morte e logo seus filhos iriam crescer e se casar e ter outros filhos e então Bill teria a graça e a honra de ter netos, mas logo os netos também cresceriam e logo era ele quem morreria. 

Em alguns poucos anos ninguém se lembraria de que Arthur um dia sequer existiu. Seus netos mal levariam a sério as histórias que ele teria para contar sobre o próprio pai. 

Qual era o sentido disso tudo? Nascer, crescer e então morrer? 

Ele nunca havia parado para questionar a pequenez de sua própria vida. Era tudo tão insignificante quanto um grão de areia. Todos eram, então porquê?

Bill se sentou sobre a grama e respirou o mais fundo que pôde, tentando conter o turbilhão de sentimentos que o tomava para si. 

*

Quando o sol inundou as janelas descobertas de seu quarto, Ginny abriu os olhos. Ela ainda não sabia que horas eram mas a julgar pelo forte sol no céu, sabia que já era a hora de levantar. 

Todos os dias Ginny acordava cedo e corria cerca de 10 quilômetros ao redor da propriedade em que ela e Harry moravam, então ela voltava para casa e fazia seu desjejum. A rotina de exercícios que ela precisava seguir por conta do Quadribol era extensa, mas satisfatória, ainda assim Ginny não considerava sua corrida matinal como um exercício propriamente dito e sim um ritual que precisava ser realizado fielmente todas as manhãs. 

A corrida que ela fazia era uma das poucas coisas que controlava a respeito da sua vida. Era satisfatório saber que algo a respeito de si mesma estava garantido todos os dias. Não que ela se considerasse uma pessoa metódica ou calculista, sua vida era uma montanha-russa em constante movimento e ela adorava isso, adorava o fato de sempre ter algo inimaginável prestes a acontecer, entretanto, aquele pingo de rotina num mar de possibilidades a mantinha sã.

Naquela manhã específica não fora diferente. Ginny trocou de roupa e se pôs a correr, ela não acreditou que conseguiria visto que ainda não havia conseguido digerir a morte precoce do próprio pai, mas se obrigou a correr. 

Ginny correu cerca de 2 quilômetros até perceber uma figura sentada na grama, fitando o sol, encurvada sobre si mesma quase em posição fetal. De longe, ela não havia como imaginar que se tratava de seu irmão Bill, mas sua carinha estava escondida no cós das calças e ela se aproximou da figura.

— Bill? 

O ruivo virou-se para ela. O rosto vermelho e inchado de sono e lágrimas, ele bateu gentilmente no chão ao lado dele para que a irmã se aproximasse mais e o fizesse companhia. Ginny não queria, mas se sentou mesmo assim. 

O calor do sol inundou sua pele aquecendo-a rapidamente, suas bochechas coraram com rapidez devido ao calor, mas era agradável estar ali. 

— Minha ficha finalmente está caindo — murmurou Bill num sussurro entrecortada — Finalmente estou entendendo que ele se foi, Ginny.

— A minha está longe de cair.

Bill permaneceu em silêncio por um tempo e então murmurou: 

— Você sabia que eu fui o primeiro a te pegar no colo? 

Ginny o fitou surpresa pela mudança súbita de assunto e riu. Bill riu de volta, ambos envergonhados.

— Como assim? 

— Mamãe estava descansando e papai estava morrendo de medo de te pegar no colo pela primeira vez — murmurou — Mamãe insistiu para que ele te pegasse, mas… Ele estava até tremendo.

Ginny riu novamente sentindo lágrimas se formarem nos olhos diante de uma lembrança que não lhe pertencia, ainda assim, ela conseguia imaginar a cena perfeitamente. Um Bill pequenino e bochechudo louco para segurar um bebê ruivo e cabeludo. 

— E você me pegou no colo?

— Eu queria que ele te segurasse logo para poder chegar a minha vez — confessou — Todos nós estávamos ansiosos pela irmãzinha que iria nascer, mas papai estava morrendo de medo, acho que nós o calejamos o suficiente para que ele soubesse lidar com meninos, mas meninas eram uma novidade para ele.

— E você me tirou dos braços da mamãe?

— Mas é claro que não, que monstro você acha que eu sou? — Bill sorriu novamente — Eu pedi para segurar você pois queria ver seu rosto e só depois que eu a peguei no colo foi que papai teve coragem. 

Ginny voltou a fitar o sol, agora imponente, brilhando no céu. Bill fez o mesmo e ambos se mantiveram em silêncio. Sem dizer mais coisa alguma, Ginny deitou sua cabeça sobre o ombro do irmão. 

*

Se havia algo que a experiência de morar na Romênia havia ensinado a Charlie era a nunca incomodar ninguém, não importando o que você quisesse fazer. 

Charlie viveu bons anos por conta própria e sem incomodar outros seres humanos, e este tipo de comportamento ficou tão enraizado em si que só passou a notá-lo agora, quando voltou a Toca para resolver as questões do enterro e do velório do próprio pai. 

Apesar de todo o baque de sua morte repentina – e também da razão pela qual se deu a sua morte –, Charlie demorou a aceitar e a entender que seu pai havia morrido. Ele sabia que de todos os seus irmãos, era o pior deles quando se tratava de relações interpessoais, especialmente com sua família. 

Ele reconhecia que era o mais deslocado de todos eles, afinal, Charlie era o único que não havia se casado ou tido filhos, Charlie mal abria a boca para falar durante as refeições, Charlie não conseguia chorar e nem mesmo expor seus sentimentos, Charlie já havia se acostumado com o título da estranheza que as pessoas o haviam rotulado. 

Charlie tentava não se deixar incomodar com essas pequenas fisgadas que o mundo lhe dava. Ele via crianças correndo pela rua e se lembrava de que não era pai de nenhuma delas, ele via homens e mulheres bonitos e se perguntava porque nenhum deles era seu parceiro. O único lugar em que ele se sentia minimamente aceito e incluído eram os lugares onde tinham animais (principalmente os mágicos). 

Havia algo extraordinário a respeito dos animais e as suas diferenças dos humanos. Charlie amava observá-los e cuidar deles, amava cada detalhe a respeito de suas existências. 

Mas ali, no lugar onde havia nascido e crescido, ele se sentia deslocado. Não era estranho que todos os seus irmãos haviam se casado? Todos eles haviam tido filhos? Todos eles pareciam iguais, cópias de si mesmos que eram cópias de Arthur e Molly, que consequentemente eram cópias de seus avós e bisavós e etc, etc, etc. 

Charlie não conseguia ver o sentido por trás disso. Talvez não houvesse sentido, apenas um instinto que os fazia seguir nessa direção. Exatamente como no reino animal. 

Mas se essa fosse a resposta, porque esse instinto não o havia instigado até hoje? O que lhe faltava? 

As confusões na cabeça de Charlie eram tantas que ele não se importa o suficiente para trazê-las à tona com o resto da família, afinal, quem lhe daria ouvidos? Principalmente num momento como esse, onde seu pai havia acabado de morrer.

E por mais que não parecesse, Charlie também estava sofrendo, e muito. Entretanto, a morte de Arthur havia deixado-o mais pensativo do que o normal. 

O resto do dia havia passado depressa demais. Alguns médicos do St. Mungus contataram a família para dizer que o corpo de Arthur já estava limpo e precisava ficar um dia em observação para que pudessem liberá-lo para o velório. 

Percy orientou o resto da família que já começassem a pesquisar os caixões e uma pequena cerimônia para homenageá-lo. Todos concordaram. 

Charlie notou que Ginny e George ainda não tinham voltado a se falar, mas não seria ele quem levantaria essa questão. E enquanto jantavam, ele se perguntou se qualquer um deles sequer notaria se Charlie simplesmente fosse embora. 

Ele queria fugir dali o mais rápido que pudesse. 

George já havia ocupado Molly o suficiente e Percy a confortava sempre que tinha a chance, Ginny e Molly se trancaram no quarto na noite anterior para conversar, Ron estava cuidando de tudo relacionado a contratos e burocracias das quais ele não fazia ideia de que sequer existiam e Bill definitivamente era o pilar mais forte de sua mãe, e Charlie não conseguia tirar da cabeça que estava ali apenas por uma mera formalidade.

Mas ele, assim como todos os outros, havia prometido que não iriam embora até que Arthur estivesse enterrado e descansando definitivamente. 

Depois do jantar, George se ofereceu para lavar a louça e Charlie subiu para o quarto que estava dividindo com Bill. Ele tomou um banho e se deitou, Bill dormiria muito mais tarde – sempre após uma xícara de chá com leite que dividia com Molly, como nos velhos tempos – e ele aproveitou o silêncio para ler. 

Entretanto, naquela noite Molly não foi tomar um chá com Bill e sim atrás de Charlie. Ela bateu a porta e entrou, trazia consigo um pequeno pacote em mãos que Charlie não conseguiu desvendar o que era.

— Não queria te interromper — murmurou Molly indicando o livro que ele segurava no colo.

— Você nunca me interromperia, mãe — respondeu. O que era uma mentira, na verdade ela estava interrompendo-o naquele exato momento, mas ele não se incomodava de forma alguma.

— Eu estava arrumando algumas coisas do seu pai e encontrei isto — ela ergueu o pacote, e só então Charlie se deu conta de que se tratava de um livro. Animais fantásticos e onde habitam. Uma versão antiga e surrada que ele conhecia muitíssimo bem, fora o primeiro livro de criaturas mágicas que havia ganhado em sua vida, o livro que o fez ter amor por todos os animais e que determinou toda a sua carreira. Charlie largou o livro que estava segurando em seu colo e pegou o que estava nas mãos de sua mãe, ela se sentou ao seu lado na cama, em silêncio — Imaginei que você gostaria de tê-lo novamente.

— Eu achei que tinha o perdido quando me mudei para a Romênia — sussurrou Charlie maravilhado. 

Molly riu, acariciando o ombro de Charlie afetuosamente enquanto ele folheava o livro, passando os dedos demoradamente pelas páginas amareladas do tempo. As anotações que Charlie havia feito quando era criança ainda estavam ali, como se pudessem transportá-lo para anos e anos no passado onde ele era apenas um pequeno bruxo descobrindo os segredos dos animais fantásticos. 

— Arthur o guardou por todos esses anos.

Os olhos de Charlie arderam com a menção súbita ao pai. 

— Você acha que ele tinha orgulho de mim? — perguntou.

— Mas é claro que sim, meu amor! 

— E você? Também tem orgulho de mim? — Charlie fechou o livro e fitou a própria mãe.

Molly o fitou, com um sorriso nos lábios e os olhos bondosos.

— Como eu poderia não ter orgulho de você, Charlie?

Mas Charlie não respondeu, apenas a abraçou o mais forte que pôde, esmagando-a com carinho. 

Charlie havia finalmente entendido, mesmo que ninguém no mundo o aceitasse ou entendesse, mesmo que o chamado da natureza nunca o requisitasse, ou mesmo que ele fosse o mais diferente dos irmãos. 

Molly o amaria e se orgulharia de quem ele era para sempre, e no fim, era só isso que importava.


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