(Des)Encontros escrita por Karry


Capítulo 7
Capítulo VII




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O dia havia amanhecido sob uma neblina espessa e gelada que cobria o topo da Toca, deixando a casa ainda mais gelada. Todos exceto Molly estavam dormindo em um sono muito pesado. Molly havia acordado a algumas horas, mas não teve coragem de se levantar para encarar os eventos do dia. 

Até então, Molly estava conseguindo lidar bem com a morte de Arthur, pois simplesmente não parecia que ele estivesse morto de verdade. Quando sua mente se lembrava de que o marido não estava ali, ela gostava de fantasiar que na verdade Arthur só estava trabalhando até tarde no Ministério e as crianças decidiram passar algum tempo com ela. 

Mas hoje seria diferente. Hoje ela teria de ver o corpo do marido ser enterrado diante de seus olhos e não haveria nenhuma desculpa que ela pudesse usar consigo mesma para se convencer de que ele logo voltaria. Se pudesse escolher, Molly nem mesmo se levantaria daquela cama, mas ela sabia que seus filhos precisavam dela e que todos os amigos da família estariam ali para prestigiá-lo. 

Caso aquilo se tratasse de um evento feliz, era ela quem deveria comparecer Arthur a ir. Ele nunca fora muito fã de grandes eventos, já Molly era uma adepta de festas com muitos convidados e cheia de barulhos que se confundiam. Será que Arthur teria preferido se Molly aceitasse ficar em casa em algumas dessas ocasiões ou ele não se incomodava de fato? 

Molly tinha muitas perguntas e nenhuma resposta, pois toda e qualquer resposta possível só poderia ser entregue por ele. 

A pior delas era porque logo com Arthur? Ele era um homem saudável para sua idade, não havia doença preexistente alguma, havia sobrevivido a duas guerras e a perda de um dos filhos. Não era sofrimento o suficiente passar por tudo isso e ser levado da noite para o dia, sem tempo para se despedir das pessoas que ele tanto amava? 

E também tinha aquela pulga na orelha de Molly que insistia em se perguntar como seriam os próximos dias, semanas, meses e anos sem Arthur Weasley. Molly sequer conseguia pensar em como seriam os momentos após o velório dele quando todos os seus filhos fossem embora e ela voltasse a ficar sozinha. 

Ginny havia sido carinhosa o suficiente em lhe dar os três gatinhos de presente, mas Molly sabia que nem mesmo as três criaturinhas que estavam deitadas sobre seus pés não substituiriam Arthur. Ninguém o faria. E o que mais lhe doía era saber que o homem que a havia ensinado tanto a superar as coisas ruins ao longo da vida não estava mais ali e ela teria de superar justamente a sua ausência. Quão irônico. 

 Era triste e ao mesmo tempo a deixava furiosa. Os Weasleys já não haviam passado por sofrimento suficiente ao longo dos anos? E que tal todos aqueles bruxos que mataram pessoas inocentes na guerra? Molly podia contar ao menos 10 que não estavam passando por sofrimento algum ao longo dos anos. Era horrível, ela sabia, querer que alguém passasse por aquilo que ela estava sentindo no momento, mas não conseguia evitar.

Botinhas escalou as pernas de Molly para encontrar um lugar confortável entre sua barriga — Molly havia escolhido este nome justamente porque as quatro patas do gato eram brancas e pareciam com pequenas botas —, seus irmãos Manchado e Noite estavam dormindo no mesmo lugar. Acariciando as orelhas de Botinhas ela decidiu, por fim, que deveria começar a encarar aquele dia horroroso. 

Ela se levantou em silêncio e foi até a cozinha. Bill estava dormindo em um dos sofás no cômodo ao lado, então Molly preparou o café da manhã o mais silenciosamente possível. Não queria ter de interagir com ninguém ainda, apesar de a presença de todos os seis naqueles dois dias ter sido maravilhosa, Molly não teve tempo para ficar quieta com seus próprios pensamentos, para organizá-los e entender bem seu lugar no mundo a partir daquele momento. Todo o barulho a havia deixado entorpecida, mas hoje ela precisava sentir. 

Assim que o café ficou pronto, ela agarrou uma xícara e sentou sobre os degraus do lado de fora, apreciando a neblina se dissipar em meio ao sol que se erguia forte no céu. Saber que o dia seria ensolarado a deixou dividida, por um lado desejava que o dia fosse chuvoso e permanecesse coberto por uma neblina fria e gelada, por outro, entendia que qualquer coisa que pudesse envolver Arthur teria de ser ensolarado, quente e agradável como ele sempre foi. 

Se Arthur estivesse ali naquele momento teria comentado a respeito de como adorava dias quentes e feito algum comentário sobre os piqueniques que faziam quando as crianças ainda eram apenas crianças. Até mesmo as manhãs mais comuns com ele lhe fariam falta. Doía pensar assim, mas ela não conseguia evitar. 

— Bom dia, mãe! — Bill se sentou ao seu lado, trazia consigo uma xícara com muito mais café que a dela, ele ainda estava de pijama, mas parecia já ter perdido todo o peso do sono. Molly colocou uma mão sobre o joelho do filho, que ele cobriu com a sua própria — Hoje vai ser um daqueles dias bonitos e ensolarados. 

— Não é irônico?

— Sim, é no mínimo desrespeitoso — Bill murmurou, com um sorrisinho de canto — Mas em algum lugar tem alguém comemorando o dia ensolarado, então acho que faz sentido. 

— Pensando por este lado é até aceitável — Molly pigarreou — Mas ainda estou com medo, acho que esta é a primeira vez que vou ter de passar por algo ruim sem a presença dele desde que nos conhecemos. 

Bill colocou a caneca — agora pela metade — em um dos degraus e colocou seu braço sobre os ombros de Molly. Naquele momento não havia nada de desajeitado ou estranho entre os dois, mesmo que a última vez em que tivessem se abraçado fora anos atrás, pareceu que era o certo a se fazer, como se os braços de Bill tivessem o propósito de abraçar a mãe com toda a força e carinho que seu corpo fosse capaz de ter. 

Molly abraçou sua cintura e suspirou. 

— Ele não está aqui, mas nós estamos — murmurou ele. 

E ela sabia que era verdade, Bill não mentiria para ela nunca.

*

A manhã passou muito mais rápido do que Molly gostaria. Ela passou o dia todo arrumando a casa — que já estava muitíssimo limpa — e ajudando seus filhos com as roupas que usariam no velório. O almoço aconteceu em completo silêncio e aquela foi a primeira vez em que Molly não se sentiu à vontade para começar algum assunto banal.

A tarde se aproximava cada vez mais de Molly, como se fosse um bicho-papão prestes a sair de um armário velho, sempre espreitando e deixando claro que a pegaria a qualquer momento. 

Como Molly queria voltar a se enfiar nas cobertas e ficar na companhia de seus três gatinhos. Era pedir demais?

— Pronto, mãe? — sussurrou Percy, ajeitando sua gravata preta. Todos os outros tinham ido para casa buscar suas famílias, mas Percy pediu à esposa que fosse sozinha ao cemitério. Molly insistiu que conseguiria chegar até lá sozinha, entretanto, Percy não chegou a lhe dar escolha. 

Ela assentiu, agarrando seu braço com força. Se era Percy quem a seguraria naquele momento, então ela se agarraria a ele o máximo de tempo que pudesse, não poderia se dar ao luxo de cair. 

Ambos aparataram em um enorme cemitério. Molly já o conhecia, era o mesmo onde haviam enterrado Fred anos atrás. A grama verde estava radiante e ela conseguia reconhecer algumas poucas pessoas a alguma distância, dispersas, pois o velório ainda não havia começado de fato. Percy pediu-lhe licença para poder conversar com a esposa e Molly se viu sozinha. 

Ela sabia que a cova onde Fred estava enterrado não era muito longe dali, então caminhou em direção a ela. A lápida envelhecida de Fred estava coberta de musgo no topo, era arredondada na parte superior e tinha a mensagem “A piada mais engraçada que o mundo bruxo já viu”. Foi George quem escolheu aquela mensagem. 

Um pequeno buquê de flores estava ao lado da lápide. Molly se agachou próxima ao filho e sorriu, sussurrando em seguida:

— Ele já está aí? Se não, não esqueça de recebê-lo bem, me ouviu mocinho? 

Ninguém a respondeu, mas Molly sentiu seu coração esquentar de paz e calma, como se Fred pudesse lhe responder apenas com sensações e não palavras. Talvez fosse Fred recebendo Arthur e deixando claro a Molly que estavam juntos agora. 

Molly se afastou da lápide e foi em direção ao grupo de familiares que estavam reunidos à espera da cerimônia. Todos os seus filhos com os cônjuges e netos já estavam ali, Molly reconheceu alguns amigos mais antigos da família e colegas de Hogwarts das crianças e de seus netos (até mesmo o garoto Malfoy estava ali, quem diria). Cada um deles a recebeu de braços abertos, prontos para lhe prestar as condolências e lhe abraçar com força.

Tudo passou no piloto automático, Molly abraçou e se deixou ser abraçada, recebeu e deu beijos em bochechas, apertos de mão e lenços para lágrimas em todos os lugares. Era sufocante, mas ainda era melhor do que ter de encarar o corpo morto de Arthur no caixão. 

Molly tentou adiar este momento o máximo que pôde, mas teve de encará-lo quando não havia mais ninguém para abraçar. O caixão estava aberto e Arthur estava deitado sobre ele e apesar da palidez característica da falta de vida, sua expressão facial estava amena, como se estivesse cochilando após o almoço (como ele costumava fazer). 

Ao contrário do que ela esperava, lágrima alguma veio ao encontro de seus olhos, Molly sentia apenas um grande e enorme vazio. Com uma das mãos ela acariciou o rosto de Arthur, a pele dura e gelada do marido ainda era uma coisa com a qual ela não sabia lidar. Mas era Arthur ali, então ela não afastou os dedos de seu rosto.

Harry se aproximou de Molly e colocou uma mão sobre seu ombro, sussurrando em seguida: 

— Ron gostaria de começar o velório.

Molly apenas assentiu, juntando-se a Harry e Ginny. Todos estavam em pé em volta do caixão onde Arthur estava. Ron se aprumou em frente a pequena multidão e pigarreou: 

— Este é o momento em que eu gostaria de ser bom com as palavras como a minha esposa é – murmurou ele, seu rosto estava vermelho de vergonha – Fiz milhares de anotações sobre coisas das quais eu deveria dizer a respeito do meu pai, mas não consigo sequer ler uma delas pois todas me parecem formais demais, superficiais demais. 

"Todas as memórias que tenho de meu pai são boas, ele era o tipo de homem com quem se pode contar sempre, era um excelente pai, marido e amigo. O coração dele era tão grande que até mesmo aqueles que não eram seus filhos biológicos poderiam se sentir parte da família – sim, estou falando de Harry, Hermione e Fleur –, se tinha algo que Arthur conseguia ser sempre, era uma pessoa boa.

Parece injusto estarmos aqui todos tendo de relembrar o homem que ele um dia foi, o que nos conforta é saber que seu legado nos marcou tanto ao ponto de todos entrarmos em consenso a respeito de uma coisa: Arthur Weasley era um homem com um coração gigantesco. 

Ele nunca vai nos deixar, eu sei disso. Sei que meu pai vai estar em nossos corações todos os dias, assim como Fred também está. 

E nós, os Weasleys – os de sangue e os agregados – continuarão unidos e fortes como sempre foram, pois eles vão estar sempre olhando por nós." 

Ron ergueu sua varinha com um feitiço não verbal de lummus e todos fizeram o mesmo. 

Os olhos de Molly se encheram d'água. Todos ali haviam tirado um momento de seu dia para celebrar a vida do homem cujo ela amou do primeiro até o último dia em que se viram. Como isso não poderia ser maravilhoso?

E mais tarde, quando Molly estivesse prestes a se deitar ela perceberia que, assim como Ronald havia dito, Arthur ainda estaria ali. 

Molly conseguia enxergá-lo na personalidade tranquila de Bill, na inteligência de Charlie, nas piadas de George, na paciência de Percy, na animação de Ginny e nos olhos de Ginevra. 

Arthur estava ali e nunca iria embora. 


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