(Des)Encontros escrita por Karry


Capítulo 4
Capítulo IV


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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George e Molly ainda estavam do lado de fora enquanto os outros irmãos cuidavam de limpar e arrumar os quartos. Percy ainda estava irritado por conta da briga com o irmão, mas permanecera calado. Ninguém dentro da casa se dignou a comentar a respeito da discussão que presenciaram antes e a Toca ficou em silêncio por muito tempo após tanta gritaria.

Quando os dois voltaram tudo já estava devidamente limpo e arrumado. Todos tiveram a decência de não dizer nada a respeito dos olhos vermelhos de George e de Molly. Os dois entraram em silêncio na casa e George logo tratou de se esconder no banheiro. 

Ginny ainda estava irritada demais com George pelo modo como ele tinha falado dela – e especialmente pelo fato de ter desdenhado de seu casamento com Harry –, não soube o que a acalmou no momento em que George esbravejou para ela, mas sabia que se não tivesse se controlado teria dito as maiores barbaridades que tivera acesso em toda a sua vida a ele. Talvez George tivesse se esquecido de que, graças a Harry e ao dinheiro que ele lhes deu, George conseguira abrir a Gemialidades Weasley, e Ginny se dignou a permanecer calada, pois sabia que sua mãe ficaria ainda mais chateada se houvesse uma nova briga sob aquele teto. 

Não era do feitio de Ginny ficar calada, mas tivera de o fazer e tirou forças sabe se Deus lá de onde para não colocar todos os demônios sobre George. Talvez teria despejado sobre ele tudo o que já havia lhe perturbado na vida se não tivesse se mantido calada. Ela sabia que teria sido muito pior se o tivesse feito, então se deixou curtir essa pequena vitória.

Ginny estava arrumando um colchão para poder dormir quando Molly entrou em seu antigo quarto e parou para observá-la na soleira da porta. Ela já havia notado sua presença, mas não parou o que estava fazendo para lhe dar atenção, se ela conhecia bem sua mãe, sabia que Molly logo daria uma desculpa a respeito do péssimo comportamento de George ou iniciaria uma conversa casual, como se nada tivesse acontecido minutos atrás. As duas opções não agradavam a Ginny de jeito nenhum, por isso continuou calada de costas para a própria mãe.

A verdade era que Molly era uma especialista em minimizar tudo o que seus irmãos faziam de errado, enquanto ela, tinha de arcar com consequências que muitas vezes nem eram dela. Entretanto, graças ao tratamento discrepante entre Ginny e seus outros seis irmãos, ela tivera de aprender a se defender como um homem (mesmo que ela odiasse essa definição, afinal, Ginny ainda era uma mulher, e sabia muito bem que isso não era sinônimo de fraqueza). Ela quase sentia falta de sua própria casa e dos jogos de quadribol, agora que o campeonato havia acabado, não encontrara outros meios de extravasar sua raiva. 

Esse sentimento deprimia Ginny, pois ela sabia que não fora apenas o comportamento de George que a deixara irritada, mas também o fato de ter de voltar a sua antiga casa. Ela sentia muito orgulho de sua família e de onde viera, mas já não conseguia fingir que estava apreciando a visita. Desde que havia voltado se sentia engasgada com o sentimento opressor de que não pertencia mais aquela família, como se fosse uma peça encaixada ali por meio da força e não por simplesmente pertencer.

Se ao menos Arthur ainda estivesse ali…

Ginny sabia que era Arthur quem a defenderia quando George dissesse grosserias a ela, e que Arthur a faria se sentir incluída. Sabia que era idiotice pensar dessa forma, mas não conseguia evitar. Se Arthur estivesse vivo, será que Molly ainda teria saído para passear com George a fim de acalmá-lo? Ela tinha a plena certeza de que não.

— Está pensando nele, não está? — perguntou Molly.

Ginny terminou de arrumar seu colchão, não estava com muita vontade de trocar qualquer conversa sequer com a mãe (pelo menos não naquele momento). Ela ergueu os olhos para Molly e assentiu.

— Não consigo parar de pensar nele. 

— Eu também não — sussurrou Molly — Ele vai me fazer tanta falta. 

As duas continuaram em silêncio. Quando é que haviam se afastado tanto? Ginny não conseguia se lembrar de sentir tanto rancor da própria mãe ou até mesmo de se afastar tanto dela. Como Harry não a havia alertado de seu afastamento da família? Era irreversível?

— Nós ainda vamos estar aqui por você, mamãe.

Molly sorriu 

— Faz tempo que você não me chama assim.

— É mesmo? — retrucou Ginny, fingindo surpresa quando, na verdade, sabia muito bem disso.

— Sim — sorriu Molly que, só de olhar para Ginny, soube muito bem que a filha estava mentindo — Mas é bom saber que ainda posso contar com meus bebês. 

Ginny se calou novamente, fazendo questão de deixar os olhos baixos para que a mãe não visse sua vergonha. Molly suspirou, levantando-se para sair.

— Tenha uma boa noite querida. 

*

Percy havia acabado de se cobrir até o queixo com uma pesada coberta quando George entrou em seu quarto. Primeiro ele bateu à porta, então colocou somente a cabeça no vão entre a porta, ficaram se encarando por algum até George decidir abrir a boca.

— Me desculpe — murmurou George desconcertado — Não queria ter gritado com você ou Ginny daquele jeito, minha mente está uma bagunça. 

Percy ligou as luzes e se sentou sobre a cama, olhando para o irmão acanhando diante de si, apalpou o pedaço da cama ao seu lado para que ele sentasse. George se sentou ainda em silêncio.

— Não estou bravo com você — respondeu Percy — Mas fico feliz em aceitar seu pedido de desculpas. 

George assentiu, não havia planejado uma conversa com Percy até aquele momento. George inclusive acreditara que Percy nem mesmo aceitaria suas desculpas, só isso já o fez se sentir melhor. 

Ele ainda se sentia um tanto desconfortável ao lado de Percy, não se lembrava de nenhuma outra oportunidade em que tivera de conversar a sós com o irmão. Percy era tão diferente dele (e de Fred), sempre tão sério e se achando superior a todos eles, se alguém dissesse ao George do passado que estaria cara a cara com Percy, lhe pedindo desculpas em um dos quartos da Toca, ele não teria acreditado. Ainda assim, nem todas as lembranças a respeito de Percy eram ruins, George sabia que Percy havia se reconciliado com Fred momentos antes de sua morte (e Percy nem mesmo sabia que ele seria eternamente grato por isso, mas George tinha a certeza de que onde quer que Fred estivesse, sentia-se em paz quanto a sua relação com o irmão).

— Sabe George… sei que não somos muito próximos, mas se precisar conversar a respeito de qualquer coisa… eu estou aqui. 

George assentiu, se sentia extremamente envergonhado de seu comportamento mais cedo e ainda precisava se desculpar com Ginny, mas estava grato em saber que Percy não o odiava.

— Quando foi que você se tornou uma pessoa tão agradável? — brincou George.

— Não faço ideia, mas agradeça quem quer que tenha sido o responsável por isso.

Ambos riram. George não estava pronto para deixar Percy para trás, então pigarreou e murmurou:

— Se importa se eu dormir aqui com você?

— Claro que não, desde que você não me agarre durante a madrugada…

E riram mais uma vez.

*

Ronald voltou tarde da noite para casa, não havia planejado ficar a tarde toda no St. Mungus assinando milhões de papéis a respeito do pai, mas sentiu que fora melhor ter ido. Não conseguia imaginar Molly assinando tantos papéis enquanto chorava pela morte do marido, e modéstia a parte, também não conseguia imaginar nenhum de seus irmãos fazendo o mesmo. 

Anos atrás nunca teria imaginado que estaria à frente de assuntos tão importantes quanto as negociações a respeito da família, mas ali estava ele. Apesar de inteligente, Ronald tinha o péssimo hábito da auto sabotagem, a chegada da guerra e todas as coisas que teve de enfrentar ao lado de Harry e Hermione agravaram um pouco mais esse sentimento. O início da vida adulta foi duro para Ron, mas agora ele sentia que estava tomando as rédeas para si mesmo pela primeira vez. 

Quando a guerra acabou Ron não estava pensando em se casar, ter filhos ou um bom emprego, ele se pegava pensando: 'o que diabos faço agora?'.

Hermione voltou a estudar em Hogwarts para completar o último ano que havia perdido e Harry estava ocupado demais beijando a irmã dele (ugh, Ronald tremia só de lembrar), então ele ficou à própria sorte. 

Arthur sempre fazia com que Ronald se levantasse da cama e tomasse o café da manhã, pois alegava que Molly ficaria triste em não tê-lo à mesa. Ron o fazia por pura educação, pois não sabia o que diabos estava fazendo com a própria vida, sentia que havia morrido junto de Fred durante a batalha de Hogwarts e era seu espírito quem zanzava pela Toca.

Não havia sequer os momentos prazerosos ao lado dos cabelos volumosos e com cheiro de alecrim de Hermione, pois ela estava longe e todo o seu tempo livre era dedicado à procura de seus pais. Entretanto, ela os achou mais rápido do que esperava e quando terminou seus estudos estava pronta para se casar com Ronald.

Ele só não fazia ideia disso.

Hermione não era exatamente sutil com as dicas a respeito de um noivado. Todas as mulheres que Ron conhecia subitamente estavam por dentro do assunto de um possível noivado e aguardavam ansiosamente pelo pedido, mas Ron não sabia que teria de fazê-lo. 

Ron não estava nem trocando de pijama durante a semana, quem dirá se preocupando com alianças e vestidos brancos.

Mas Hermione, Arthur e Molly interviram. Estavam esperando por ele quando Ron acordou e passaram o dia todo conversando a respeito de como ele precisava fazer algo que o despertasse desse transe em que estava vivendo.

Seus outros irmãos concordaram com a intervenção, todos ainda moravam na Toca naquela época (com exceção de Bill) e o apoiaram, inclusive com diversos conselhos, passeios e alguns presentes que Ronald guardava em uma caixa em seu guarda-roupa até hoje.

Quase uma semana depois, Ronald conseguiu dar os primeiros passos para sua independência. 

Primeiro perguntou a George se poderiam trabalhar juntos na Gemialidades (e Ron sabia que ele aceitaria, pois George precisava de ajuda e simplesmente não conseguia ninguém que pudesse substituir Fred), depois ele e Hermione começaram a fazer terapia.

No começo foi estranho. Ron teve de mudar alguns detalhes a respeito das coisas que contava a seu terapeuta – pois era um homem trouxa – mas logo acabou se acostumando com a ideia de ter alguém que havia estudado lhe escutando e procurando formas de resolver todas as questões imperfeitas em sua mente. Naquele consultório, ele não era Ronald Weasley, mas sim Anthony Dean. 

Eram momentos bons, aqueles em que ele passava por sessões de terapia, podia se esquecer por algumas horas de todas as coisas que o afligiam e discutir sobre elas com um profissional como se estivessem conversando a respeito de outra pessoa. Era bom tirar algo do peito como se não fosse um peso seu. 

E ele sabia que não era o único sobrevivente a fazer terapia. A terapia não era algo comum no mundo bruxo, mas nenhum de seus ex-colegas conseguia viver como se nada de ruim lhes tivesse acontecido. Ainda assim, todos aqueles que faziam algum tipo de terapia ou consulta para melhorar a própria saúde mental não conversavam uns com os outros a respeito disso, era uma espécie de código velado entre todos eles. Fingir que estavam lidando bem com qualquer coisa que fosse, mas precisar de ajuda profissional com qualquer questão mínima que pudessem ter.

Ron melhorou consideravelmente graças a terapia e o pequeno empurrão de Hermione para que começasse, de fato, a se consultar. Ele estava começando a se tornar Ronald Weasley novamente. 

Por fim, tudo acabou fluindo naturalmente: seu casamento (ok, fora Hermione quem fizera o pedido, mas não tinha problema), seu emprego e consequentemente seu próprio bem-estar. 

Ronald estava realizado como nunca estivera antes. E era por isso que estava tão contente em poder dar um pouco de sua solidez para os irmãos e a mãe: pois estava apenas retribuindo todo o amor e atenção que havia recebido ao longo dos anos, quando ainda duvidava de si mesmo.


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