O Desconhecido da Mansão Valentine escrita por Morello, Ytsay


Capítulo 3
Susto. Uma mão estendida.


Notas iniciais do capítulo

No capitulo anterior: Prince estava se tornando revoltado por não conseguir chegar às crianças e ninguém lhe dizer nada sobre elas, então seu pai decidiu que o menino começaria a estudar em um colégio interno. A novidade o distraiu e mesmo quando viu a dupla de crianças no jardim novamente não correu para encontrá-los.

Boa leitura!



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A vida que Prince Valentine conhecia mudou completamente depois que iniciou seus estudos em um colégio interno. O contato com a realidade fora da mansão fria fez com que as possibilidades para seu futuro fossem escancaradas e o menino esqueceu completamente dos anos solitários e vazios que passou na casa.

Logo no primeiro ano de escola, por ser curioso e disposto, fez vários amigos e experimentou as atividades que mais lhe interessaram do currículo de aulas extras que o internato oferecia, sendo notavelmente decidido no que queria fazer ou naquilo que queria deixar. Assim, mesmo que na infância tivesse tido sinais de que seria alguém, retraído, anti-social e tímido, a mudança o fez ser tornar um oposto e até ser gradativamente popular entre os adultos da escola. Embora estivesse seguindo sua vida normalmente, longe da casa em que cresceu e da sua família, Prince percebia que era vigiado por algum homem de seu pai aonde quer que fosse ou estivesse. Mas era uma impressão falsa, uma encenação de preocupação de pai com filho para outras famílias ou quem questionasse a forma que o homem tratava o filho, era apenas para parecer que era alguém protetor mesmo sem nunca aparecer. Prince não queria conviver com aquela mentira para sempre e por isso insistia em mostrar cada vez mais independência. Contudo o senhor Valentine, não se desligaria do filho tão cedo.

Durante o inicio de seu terceiro ano no internato, o senhor Glória o visitou de repente e pela primeira vez. Foi um choque quando uma coordenadora o chamou em seu quarto e Prince teve uma ingênua esperança de que seu pai tivesse sentido verdadeira saudade do filho, mas foi um engano amargo. Com negócios mais urgentes, a reunião foi rápida e direta, o homem ordenou que ele se aproximasse de alguns estudantes específicos do mesmo colégio, que eram filhos de pessoas importantes, e memorizasse o máximo de informações possíveis sobre eles. Apesar de começar a definir melhor o rancor pelo pai nesse momento, Prince obedeceu-o, pois depois descobriu que realizar essa ordem resultava em conversas mais longas com o senhor Valentine quando estavam juntos por causa de alguma data de recesso do colégio – mesmo que nesses encontros só estivesse fornecendo informações de outras famílias e nada mais.

...

Férias de verão chegaram quando Prince tinha onze anos e, como havia se acostumado, estava pronto para passar aqueles dias em uma residência na cidade ou numa casa de veraneio junto com a babá Olga, mas foi surpreendido com a notícia de que seu pai havia decidido trazê-lo de volta para a mansão mais uma vez, sem nenhum motivo especial ou explicação.

A mudança de planos se tornou um mistério intrigante e crescente para o garoto que não questionou ninguém durante toda a viagem. Quanto mais perto do destino chegava, mais nervoso ele ficava, se perguntando se seria por causa do curso extracurricular de balé que havia começado naquele ano sem avisar. Se fosse, talvez a conversa entre pai e filho se tornasse séria quando se encontrassem, por isso Prince pensou em alguns argumentos para quando o enfrentasse, insistindo no curso que gostava tanto. Nessa idade, a vontade rebelde dava sinais, principalmente ao compreender melhor sua insignificância como filho, sendo simplesmente usado para algumas investigações que o pai nem mesmo contava a verdadeira razão ou em que aqueles conhecimentos que ele transmitia seriam usados.

Quase no meio da manhã, Prince foi recebido na mansão pelos empregados domésticos reunidos no salão de entrada em um cumprimento coletivo e que logo se dispersaram. Havia muito tempo que ele não via alguns daqueles rostos e outros o menino nunca conheceu. Enquanto desfazia sua bagagem em seu velho quarto, ele pensava no que poderia ter acontecido com os velhos funcionários que sumiram. Quando terminou, saiu explorando a mansão. Exatamente como se lembrava, o sol podia brilhar e queimar no lado de fora, mas os corredores eram sempre frios e silenciosos como os mortos. Sempre que passava por algum empregado ocupado, este parava o que estava fazendo e deixava-o passar fazendo-se de estátua viva, outros simplesmente sumiam de seu caminho, não era uma ação estranha, mas gerava algum incomodo em Prince. Sendo mais crescido, agora ele entendia que era um gesto de grande respeito por sua presença que seu pai havia criado naquele ambiente, assim, mesmo que ele não fosse parecido fisicamente com o senhor Gloria, Prince era reconhecido como um dos Valentine e futuro dono da mansão. Às vezes, o menino ria sozinho e com alguma amargura, pois o tratamento dos empregados era melhor que aquele que recebia de seu próprio pai.

Depois de muitos minutos passeando sozinho, Prince parou no meio salão de entrada e olhou para todos os lados sem saber aonde mais ir ou o que fazer. Com uma ideia súbita, lembrou-se dos jardins e bosques da propriedade e resolveu desvendar os que ficavam próximos da casa, logo saindo com a animação renovada. Há cinco anos, a babá nunca permitiu que ele fosse até as árvores e, sendo uma criançinha assustada, tinha medo de se perder no que achava ser uma floresta sem fim e com animais selvagens. Mas, com mais de uma década de vida e conhecendo que estavam no meio de uma cidade, Prince caminhou para sudoeste, atravessando um extenso gramado aparado e encontrando uma das trilhas de entrada do bosque que estava moderadamente limpa. O caminho o levou para o meio de árvores cada vez mais grossas e a um riacho raso, onde ele analisou as formas de vida que nadavam e estudou alguns arbustos próximos. Quando achou que já tinha passado tempo demais, voltou para trilha desocupada e vazia para retornar para a mansão.

O bosque era um lugar preenchido pelos sons da natureza, sombreado, solitário e morno, logo o clarão do gramado perto da mansão começava a surgir entre as árvores, em uma distante borda enquanto o menino caminhava distraído e calmo. Foi de repente que outro garoto saltou de trás de um arbusto na beirada da trilha, dando um enorme e selvagem susto em Prince Valentine. Mutuamente surpreendidos, os dois gritaram juntos e assustados. O Valentine tropeçou ao dar um passo para trás e caiu de traseiro no chão com seu coração batendo tão forte que parecia querer sair, então ele rapidamente apoiou a mão sobre o peito. Enquanto isso o outro garoto começou a gargalhar, ao ponto de perder as forças e se ajoelhar sobre a trilha suja por folhas e galhos, diante de um Prince mais chocado com tudo.

— Ai! Que! Susto! — gritou o menino loiro, desconhecido e magricela, depois de tomar um fôlego entre as risadas que diminuíam.

— “Que susto” digo eu! — reclamou Prince, sério.

O garoto ajoelhado o encarou com um sorriso largo e corado:

— Não foi por querer. Eu fugi da Morgana e me escondi — contou como se fosse algo divertindo. — Pretendia assustar ela, não você.

Vendo o menino loiro ainda sorrindo tanto, bobamente empolgado e brilhando de felicidade com aquela brincadeira, Prince esqueceu o susto e sorriu também, contaminado pelo desconhecido e se lembrando que fazia o mesmo com sua babá quando tinha seis anos, mas apenas dentro da mansão e até perder a graça. Os dois garotos se encararam sem incomodo até que o que estava ajoelhado mudou de expressão, assumindo estranhamento:

— E quem é você?

— Ah, eu sou Prince Valentine — respondeu com um sorriso simpático, desejando fazer amizade, mas imediatamente o garoto ficou estranhamente nervoso.

— O-o que você é do Senhor Valentine? — perguntou temeroso.

— Ele é meu pai. — Prince respondeu simples e se surpreendeu pelo menino mudar sua energia animada e desviar o olhar para o chão rapidamente.

— Ah... S-senhor Prince! Perdão por ter te assustado e derrubado! — o loiro pediu, baixando a cabeça. — Não foi minha intenção! De verdade! Perdoe isso! E, por favor, não fale disso para seu pai! Por favor!

O jovem Valentine ficou confuso com a reação urgente e muito preocupada. Mesmo que estivesse acostumado com os funcionários e seus tratamentos de respeito, e principalmente respeitando seu pai, aquela atitude de um garotinho era exagerada para uma simples criança que estava passeando e brincado na propriedade. Não dava para entender porque estava tão aflito e nervoso. Então, com um riso sutil, Prince agachou-se na frente do novo conhecido:

— Tudo bem, não foi nada demais. Pode ficar tranquilo, não tenho porque falar disso com ele. Ok?... Qual é seu nome?

— Ozzie — respondeu sem olhá-lo, ainda submisso e desconfiado.

— Hei, Ozzie, você gostaria de ser meu amigo?

O garoto loiro levantou o rosto e olhou-o por um instante com hesitação, reparou que tinham idades próximas e que Prince parecia verdadeiramente amigável e sincero, não parecia estar testando-o ou algo do tipo, então se deu conta do valor que tinha o pedido vindo daquele Valentine.

— Sim, gostaria — disse e acabou sorrindo, sentindo algum alivio de Prince ser bom com ele.

— Ótimo! — o moreno também se animou, rindo e ficando de pé. — Então vamos nos divertir, Ozzie! O tempo está correndo!

Prince estendeu a mão para ajudar seu novo amigo a se levantar e quando seu gesto foi aceito, acompanhado de um sorriso no rosto do loiro, sua animação se intensificou. Nunca imaginou poderia brincar dentro daquela propriedade com alguém que chamaria de amigo e, naquele momento, não pensou na razão de Ozzie estar lá, apenas queria aproveitar a companhia dele e tê-lo sorridente diante de seus olhos por mais tempo.

— Está com você! — O Valentine gritou muito de repente, tocando o braço de Ozzie, porém antes que conseguisse dar dois passos em fuga, o amigo já tinha segurado sua mão em uma reação bem rápida para alguém magrinho.

— Com você! — E Ozzie gargalhou do espanto no rosto de Prince por sua velocidade, já correndo pela trilha em direção à luz do gramado.

A perseguição estava divertida e sem fim, eles alcançaram outros jardins e gramados ao redor da mansão e, apesar de cansados, nenhum deles queria desistir da diversão. Prince e Ozzie nunca antes tiveram a chance de conhecer outros garotos naquela mansão, mas assim que se encontraram era como se a amizade já existisse há mais tempo e eles tivessem a necessidade de aproveitar o máximo que podiam daquele momento juntos. A dupla brincou desatenta ao tempo e ao lugar, sempre rindo e com quase nenhuma conversa. Ozzie não podia comparar outras horas de diversão com aquela que vivia. Seu inesperado novo amigo era um garoto comum, igual a ele, apesar de ser da família dona da casa, mas nada mais importava.

Um tempo depois Ozzie estava muito cansado de correr e esquivar, com alguns arranhões por escorregar e cair, mas realizado com a diversão, e por isso, apesar da sede e uma falta de ar, corria uma ultima vez determinado a fugir para o mais longe possível de Prince, porém sentiu o toque empurrar suas costas e se deixou cair na grama, ofegante e sendo consumido pelo calor de seu próprio corpo, mas estava imensamente feliz.

O jovem Valentine estava no mesmo estado e se ajoelhou próximo, tomando fôlego enquanto encarava o loiro com admiração e até meio abobado por ele ter tanto vigor apesar de pálido e sem muita carne.

Enquanto os pensamentos de Ozzie ainda reviviam momentos da brincadeira com o herdeiro da mansão, ele pressentiu um olhar e virou o rosto para a trilha calçada que levava para dentro da casa. Morgana estava simplesmente parada com postura e o chamou com um gesto sutil de mão. Obediente, o garoto suspirou e sentou-se, sabendo que seu momento de liberdade tinha chego ao fim, e sua alegria foi apagada.

— Eu tenho que ir agora, senhor Prince — avisou formal e sem expressão, surpreendendo o distraído amigo que não notou a mulher. Em seguida, levantou-se da grama, fez uma leve reverência em despedida e caminhou na direção da babá contido.

Ainda surpreso e fadigado, Prince observou-o ir. A mulher que acompanhou Ozzie para o interior da mansão tinha um sorriso fino ao recebê-lo e não pareceu oprimi-lo por nada. Assim que se notou completamente sozinho, o Valentine percebeu que não havia descoberto nada do novo amigo além de seu nome e correu para tentar encontrá-los, porém os dois haviam desaparecido nos cômodos e não havia ninguém no caminho que pudesse tê-los visto. Insatisfeito, o menino esperou ansiosamente reencontrar Ozzie em algum lugar da mansão nos dias seguintes. Até despertou numa das noites, suspeitando ter ouvido a voz do loiro nos corredores, mas depois que saiu para procurá-lo, não encontrou nada e nem conseguiu comprovar se Ozzie estava mesmo na casa ou não. Sem nenhuma notícia, Prince pensou em algumas historias que explicasse a presença momentânea do outro garoto e concluiu que a mais provável era que o Ozzie fosse parente de algum dos empregados ou de alguém que veio para uma reunião com o senhor Gloria Valentine e dificilmente voltaria a vê-lo.

Depois dessas férias, meses e anos se passarem sem que Prince conseguisse rever ou saber alguma coisa sobre o amigo e nunca pode esquecer o dia divertido em que a amizade deles começou e nem seu rosto. Ozzie era muito especial por ser o primeiro garoto que ele encontrou naquela mansão e pelo seu jeito de ser, suas expressões e seu sorriso que eram incomuns de alguma forma, pois incentivam uma estranha vontade de viver em Prince. Aquele encontro havia sido como uma pequena chama despertada, ardendo baixa e silenciosamente com o passar do tempo e enquanto Prince descobria seu caminho no mundo.  


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Notas finais do capítulo

Bom esse foi o encontro deles crianças... Sabe, acho que essa parte pode ser tipo um prólogo. Mas... estão prontos para iniciar os mistérios e partes mais agitadas?

Ótimo!
Até o próximo! :D



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