Definitivamente, Sasuke detestou Okagure. Quando adentrou na vila, o moreno ativou sua habilidade ocular para fazer com que qualquer pessoa que o olhasse caíssem em um genjustu que o apagava da visão das pessoas, o tornando “invisível”.

Entretanto, aquela estratégia se mostrou um desperdício de chakra, já que simplesmente não havia ninguém na rua. Mas mesmo assim, Sasuke olhava ao redor, tendo a impressão de que estava sendo observado. Conforme anoitecia, o moreno passou a prestar cada vez mais atenção nas casas e nos pouquíssimos prédios em busca de algum lugar no qual pudesse entrar sem precisar fazer estardalhaço. Todo aquele silêncio era sufocante. Porém romper aquela calmaria soava, mesmo que em pensamento, como um pecado capital, como um sacrilégio que sentenciaria o equilíbrio bizarro que sustentava Okagure. 

Sasuke parou de caminhar quando deu de frente com um antigo templo xintoísta. Apesar de ser uma construção magnânima, a grama crescia indomável e a pintura estava desgastada. Assim como o restante da cidade, o templo estava vazio, mas diferentemente das demais construções, o espaço religioso estava simplesmente abandonado. 

Sasuke olhou ao redor sentindo-se frustrado por não encontrar ninguém de novo. O moreno adentrou no terreno devagar; o Uchiha apoiou a mão na porta de correr e ignorou a poeira sob seus dedos. Apesar da porta resistir, não demorou para que cedesse. O homem estreitou o olhar ao encarar o cômodo, mas… não havia nada.

Apesar de não estar ao relento, Sasuke sentiu que, na verdade, dormia sob pedras. O moreno passou a madrugada virando-se de um lado para o outro e quando estava prestes a finalmente adormecer, sentiu os pelos da nuca se arrepiarem. Vez ou outra, o Uchiha até mesmo ativava o sharingan e olhava ao redor, mas terminava bufando.

Ao todo, Sasuke sentiu como se tivesse cochilado nada mais do que meia hora. O moreno levou alguns minutos para conseguir se levantar, esfregou os olhos e levou uma das mãos para a lombar, tentando se livrar do nó que se formou na musculatura. O Uchiha prendeu a respiração quando ouviu um barulho e pegou a katana do chão e a manteve junto do corpo.

Sasuke aguçou a audição, se aproximou da porta e a puxou pela fresta de poucos centímetros. A cena lá fora parecia inalterada, o abandono e a placidez continuavam. O moreno suspirou e trocou o peso de uma perna para a outra.

—-Se revelem e não terão problemas.-- Lentamente, duas pessoas surgiram, uma se levantou da grama e outra se revelou detrás de uma das árvores. Sasuke soltou o ar pelo nariz em uma risada contida.--Todos os cinco. Não insultem a minha inteligência. 

Os outros três desconhecidos também apareceram e os cinco se agruparam, não como um pelotão de ataque, mas sim como ovelhas. Sasuke afrouxou o maxilar ao analisar as pessoas. Eram homens e mulheres envolvidos em roupas limpas, porém simples, e com poucos quilos de sobra no corpo. Um deles tinha um curativo na cabeça e uma das mulheres segurava uma faca com as mãos trêmulas. Civis, moreno concluiu.        

    Diante do silêncio, o primeiro a se pronunciar foi um homem mais velho, de cerca de sessenta anos.

    --O que faz aqui, Sasuke Uchiha?--Apesar das feições simpáticas, a pergunta do idoso era uma acusação. 

    Sasuke franziu o cenho ao ser reconhecido de imediato, mas não se pronunciou.

    --É o novo lacaio do Okage?--Os outros se empertigaram como um cardume. 

    --Não. 

    --Veio em nome de Konoha?--A mulher que antes segurava a faca questionou.

—-Vim atrás da minha esposa, Sakura Uchi- Haruno, vocês a conhecem como Haruno.

    O grupo de desconhecidos se entreolhou e o homem com o ferimento na cabeça concluiu:

    --Acho que estamos no mesmo lado então.--Ao terminar a frase, o homem recebeu uma cotovelada do colega ao lado.

    --Não sei dizer.--A resposta de Sasuke fez os desconhecidos retesarem.-- De que lado vocês são?

—-Somos a Resistência contra o Okage.--A frase do idoso soou firme, quase orgulhosa.

Ao escutar aquilo, Sasuke soltou uma breve risada anasalada e manejou a cabeça. O moreno não pôde deixar de achar graça na situação ao dizer:

—-Já fui recrutado para a causa de vocês há alguns dias.-- O idoso franziu o cenho, sem entender.

—-Opa, não tava preparado para isso.--O homem com curativo riu após falar.

—-Já que não é um inimigo, é um aliado.--Decretou o idoso, ignorando a fala do rapaz.--Venha conosco.

O grupo de pessoas se virou e Sasuke os seguiu. Adentraram em um bosque e a caminhada acabou quando pararam diante de uma cachoeira. A queda não passava de seis metros, mas o volume da correnteza era grande o suficiente para fazer com que a água parecesse espuma branca. O moreno aproveitou, se abaixou e aplacou sua sede. O Uchiha passou uma das mãos a fim de secar a boca e retribuiu o olhar que os outros lhe endereçaram.

—-Ainda não chegamos.--O idoso explicou e Sasuke se levantou.

Sasuke suspirou quando viu os desconhecidos cruzarem a queda d'água e desaparecerem atrás da correnteza. Nada como um banho de água gélida para começar bem o dia. O moreno foi o último a atravessar a cachoeira e travou o maxilar ao sentir a água gélida golpear a sua cabeça e escorrer para dentro das suas vestes. Felizmente, o banho durou poucos segundos e assim que o Uchiha atravessou a cachoeira, ele passou a mão nos olhos e olhou ao seu redor. 

Atrás da cachoeira havia uma gruta alta e profunda e pela observação rápida que Sasuke fez, os rebeldes estavam usando bem o espaço. Apesar da infraestrutura precária, algumas lâmpadas se dependuravam entre as estalactites e em um canto, sete feridos estavam deitados em colchonetes, dormindo. A caverna se estendia por mais metros adiante, mas o idoso chamou por Sasuke antes que o moreno pudesse observar mais. 

    --Como me conhece?

    O idoso arqueou ambas as sobrancelhas e suspirou:

    --Digamos que eu me lembro dos seus anos como nukenin.-- Sasuke manteve o rosto impassível, mas o idoso deu um sorrisinho.-- Mas o que importa é o agora. A propósito, meu nome é Gohan.

    --E o que está acontecendo agora aqui?

    Gohan trocou o peso de uma perna para outra.

    --O que está acontecendo é uma guerra civil. Tentávamos nos reerguer depois da guerra e tudo piorou depois que o Okage aceitou um feiticeiro como conselheiro.-- Gohan passou a mão pelos cabelos grisalhos.-- Hoje o estado de direito não existe e as decisões do Kage são arbitrárias e autoritárias. E quem não acata…--Gohan piscou demoradamente, parecendo ser bem mais velho do que era.

Sasuke ficou em silêncio durante alguns segundos, digerindo o que Gohan dissera. O moreno pensou em Sakura, em como foi passar anos naquele cenário de guerra longe dele e de Sarada. Entretanto, ao escutar a última frase do homem, o Uchiha sentiu um frio percorrer sua espinha e antes pudesse raciocinar mais, o ninja acabou perguntando:

—-E Sakura?

Gohan franziu o cenho, um pouco aturdido por ser retirado de suas lembranças dolorosas. 

—-Ah, Sakura! Sim.--Gohan concordou com a cabeça.--Não sabia que ela era casada com você, confesso. Mas enfim, ela chegou como um anjo aqui.--O idoso sorriu.-- Após a guerra sofremos com tanta coisa… Eram doenças, alta mortalidade nos partos, falta de saneamento básico. Não havia um pingo de dignidade. Mas aí a doutora curou doentes, ensinou-nos a fazer partos seguros e tudo mais. As pessoas a escutavam e respeitavam e isso a tornava um problema.-- O olhar de Sasuke se tornou mais sombrio.--O conselheiro espalhou fofocas, falou que ela era uma bruxa, que os jutsus médicos eram demoníacos, que seus remédios eram venenos… Em nome da deusa, ele a encarcerou. 

Sasuke apenas percebeu que estava com o maxilar rígido quando abriu a boca para perguntar:

—-Onde ela está?

Gohan estremeceu com o tom de voz usado por Sasuke e logo tratou de responder:

—-Não sabemos. A noite na qual capturaram a doutora foi um caos! O que  ficou para trás foi só um grande rastro de destruição. E como vê, não temos como e nem habilidades para procurá-la…--Gohan abriu os braços, se referindo a gruta na qual estavam.

Os dois continuaram a se encarar, mas Sasuke estava imerso nos próprios pensamentos. O moreno sentia a cólera borbulhar em suas veias como não sentia há anos. O Uchiha respirou fundo, tentando resfriar a cabeça. Sabia que se se entregasse para seus instintos, era capaz de causar os mesmos danos de quando era mais novo. Percebeu que depois de tantos e tantos anos, a sede de vingança voltava a murmurar ao seu ouvido com sua oratória violenta. O ninja emergiu dos seus devaneios quando viu uma mulher se aproximar de Gohan e sussurrar algo para idoso. 

Gohan negou com a cabeça e disse:

—-Não o vi, mas não se preocupe. Ele é um menino, deve estar zanzando por aí.

Sasuke esperou que a mulher se afastasse para que pronunciasse:

—- O Okage será detido. 

Apesar da gravidade implícita na frase de Sasuke, Gohan não pode deixar de respirar aliviado. O moreno deu um aceno de cabeça e sem dizer mais nada, se virou em direção à saída. Entretanto, o idoso se colocou ao lado do Uchiha.

—-Espero que você não se importe se eu te acompanhar até o templo.

Sasuke se importava sim, mas se limitou a se manter em silêncio. Ambos passaram pela cachoeira novamente e a água foi literalmente um balde de água fria para qualquer diálogo no trajeto. Quando chegaram diante do templo, ambos pararam e Sasuke virou-se para Gohan. O moreno suspirou, pensando em como poderia dispensar o idoso com delicadeza. Entretanto, quando ia falar algo, o Uchiha se conteve ao observar o semblante do homem. Os olhos emoldurados por rugas contemplavam o templo como se estivesse diante de um ponto turístico magnânimo pela primeira vez. O ninja supôs que o civil tivesse algo a dizer e ele estava certo.

—-Me lembro do tempo em que esse templo era glorioso.--Gohan comentou com um sorriso mínimo no rosto.--Lembro de quando eu era um sacerdote feliz aqui…

Sasuke trocou o peso do corpo de uma perna para outra e decidiu continuar quieto. Como se despertasse de um sonho, Gohan manejou a cabeça e levantou as sobrancelhas. O idoso endereçou um leve sorriso para o moreno e estava pronto para se despedir quando ambos escutaram um barulho. Sem dizer nada, ambos contornaram o prédio e quando o Uchiha chegou na beirada da parede, inclinou a cabeça para frente. O ninja franziu o cenho ao ver as pessoas saírem de suas casas como formigas fugindo de um formigueiro inundado. Nas ruas, os cidadãos caminhavam em uma única direção; não conversavam e o único som audível eram dos passos. 

Gohan sussurrou “não, não!” quando viu Sasuke se mover, andando para a rua. O moreno ignorou o idoso, mas o viu ao seu lado enquanto esperava que a multidão passasse. O Uchiha percebeu que o destino daquelas pessoas era uma praça circular. O ninja parou há alguns metros de distância, no meio da ladeira, o que lhe conferia uma visão mais ampla da praça. O ninja até mesmo pensou em perguntar para o rebelde o que era tudo aquilo, mas o silêncio era tão denso que o homem temeu que sua fala, mesmo que sussurrada, pudesse ressoar como um berro. Ele estreitou os olhos quando viu os civis se moverem, abrindo caminho para alguém. Pelas vestes longas e claras, concluiu que aquele se tratava do Okage. O maxilar ficou rígido ao ouví-lo falar:

—-Meus filhos!--O Okage saudou, abrindo os braços.--Venho com o coração em júbilo para compartilhar a boa nova. Estamos próximos de extirpar o cisto da rebeldia e nos purificarmos na ordem.--Gohan mordeu a parte interior da bochecha ao escutar aquilo.--O plano da mãe está quase completo e testemunharemos seu retorno glorioso!--Enquanto a multidão ao seu redor começou a ovacionar o Okage, Sasuke sentiu os pelos da nuca se eriçarem. 

O Okage levantou o braço e a multidão se calou. 

—-Mas para que sejamos um só indivíduo com a nossa deusa, temos mais uma única penitência a se fazer.--O Okage soava como um professor.--É pelo fogo que purificamos a lâmina e é pela fogueira que purificaremos os nossos pecados.--O líder usou um dos braços para indicar um amontoado de madeira que estava sendo construído na praça. Adorada seja!

Em resposta, a multidão começou a repetir a última frase em uníssono, mas não a terminaram. Um ruído irrompeu o coro e Sasuke viu um grupo de pessoas nos telhados de casas próximas. Tal grupo começou a gritar palavras de  ordem e a arremessar frutas e legumes podres na direção do Okage. Um tomate bem mirado acertou o peito do líder, que deu um passo para trás por conta do impacto. O homem olhou para as vestes manchadas por instantes e quando levantou a cabeça, seu rosto estava tão vermelho quanto a fruta. Antes mesmo que a ordem fosse dada, nukenins surgiram para defendê-lo. A gritaria e a confusão  generalizada começou quando novos insurgentes apareceram do meio da multidão, equipados com pedaços de pau e lâminas.

—-Você ordenou isso?--Sasuke perguntou enquanto dava passagem para que as pessoas corressem para longe. 

Ao lado de Sasuke, Gohan estava pálido e só  conseguiu balbuciar “O que eles estão fazendo?”. O moreno voltou a observar o embate e arregalou os olhos ao ver um coquetel molotov explodir e incendiar uma árvore próxima do Okage, Entretanto, o Uchiha franziu o cenho ao identificar o autor daquela façanha incendiária. Yusuke soltou uma gargalhada com o feito, e o moreno revirou os olhos, mas sentiu o coração se aliviar ao saber que o menino estava bem. Entretanto, a ousadia do garoto não foi ignorada por um dos mercenários. Um brutamontes se virou na direção do menino e fez breves jutsus com as mãos. O ninja percebeu que tratava de um justu do elemento terra e em segundos, a criança foi envolvida por um casulo de terra e apenas o pescoço ficou de fora. 

Sasuke apenas notou que fez menção de avançar quando Gohan segurou seu braço. O moreno olhou para o idoso e o mais velho se limitou a negar com a cabeça. O Uchiha respirou fundo quando viu Yusuke gritar. O mercenário se aproximou do menino e pegou o casulo de terra como se não pesasse nada. 

Sasuke rangeu os dentes enquanto viu o mercenário se distanciar com seu mais novo prisioneiro. Apesar de saber que não deveria se revelar, o moreno decidiu que não deixaria que a captura de Yusuke fosse em vão. O Uchiha cravou os olhos no Okage e assim que viu o líder se virar, o homem o seguiu.

Sem se importar em explicar sua ideia a Gohan, Sasuke pulou entre os telhados. Quando a confusão se diluiu, o moreno pousou no chão sem ruídos. O Uchiha seguiu o Okage por alguns metros e para se precaver, o homem até mesmo entrava em ruas paralelas, mantendo os sentidos aguçados. 

Ao entrar em uma viela, viu um pequeno varal cruzar o caminho. As roupas estendidas pareciam trapos puídos de tecidos endurecidos. Enquanto passava pelas peças, o moreno puxou uma das roupas. Ouviu o som dos prendedores voando, mas continuou a andar enquanto usava o tecido ao redor da cabeça. Em um lampejo, apertou a peça entre os dedos, concluindo que furtou gente miserável. Mas seus passos continuaram; o peso na consciência teria que esperar.      

    Sasuke parou de seguir o Okage quando o viu entrar em um prédio de três andares. O moreno jogou a cabeça para o lado, analisando a construção. Em suma, o imóvel não tinha nada de extraordinário. Tinha três andares, poucas janelas e se camuflava com sua cor sem graça.

    Sasuke deu um passo adiante.

    --Sasuke-sama, não faça isso.

    Sasuke estacou e franziu o cenho, olhando ao seu redor tentando encontrar quem o chamara, ou pior, quem o reconhecera. Não havia ninguém por perto; as pessoas mais próximas estavam no começo da rua. Quando o moreno achou que estava delirando, voltou a ouvir:

—-Aqui, aqui embaixo! 

    Sasuke abaixou a cabeça e encarou a lesma de cerca de oito centímetros próximo ao seu pé. O moreno se abaixou e encarou o molusco:

—-Por que Tsunade está aqui?--Sasuke disse com a voz contida, mas firme, sem margem para mentiras.

—-Melhor conversarmos em outro lugar, Sasuke-sama.

—-Achei que fosse óbvio que Sarada ficaria com ela justamente para ficar longe daqui.--Sasuke passou a mão no rosto, ignorando o fato de que estava discutindo com uma lesma.

—-Sarada não veio junto, m-

—-Então aquela bêbada largou a minha filha em Konoha?!--Sasuke falou baixo, mas suas narinas inflaram.

—-Não… Na verdade, Tsunade veio atrás de Sarada.--A lesma disse de uma vez.

Ao ouvir aquilo, Sasuke tensionou tanto o maxilar que quase seus dentes cederam à pressão. 

—-Aquela pestinha está aqui?

—-Bem, sim. Quem a raptou a trouxe para cá.

Logo após dizer aquilo, a lesma desejou poder desaparecer já que os olhos de Sasuke se tingiram e carmim.

—-Chega de conversar com uma lesma. Quero ficar cara a cara com a bebum.