—-Vamos querida, continue…--O Okage murmurou e o hálito quente do homem fez com que Sarada se encolhesse.--Do jeito que nós ensaiamos: hoje a deusa se encarnará e…--A morena encarava as pessoas ao redor, sem entender o alívio em suas faces.

    Sarada arregalou os olhos ao ver um rosto conhecido, com feições tão parecidas com as suas. 

    --Papa!--A voz aguda de Sarada amplificada no microfone fez com que a microfonia incomodasse as pessoas ao redor.

    Sarada se aproximou da beirada do palanque, mas antes que pudesse se aproximar o conselheiro do Okage a segurou pelo ombro. A morena jogou o antebraço para trás, tirando o agarre de si. 

—-Não ouse tocar em mim!

Assim que terminou de falar, Sarada sentiu um braço forte envolver sua cintura. A morena foi jogada sobre os ombros de um homem e o ar escapou dos pulmões da Uchiha. Apesar do desconforto, a menina desferiu socos e tapas que serviram apenas para irritar seu raptor. Em seguida, o caos foi generalizado: as pessoas gritaram, correram e se pisotearam. A garota levantou a cabeça e apesar da posição desconfortável e dos solavancos de ser carregada aos trancos e barrancos, pôde ver a cena de luta que se seguia atrás de si. Ela levantou a cabeça e viu Sasuke desembaiar a Kusanagi e a afundou no oponente. 

Sarada sentiu os olhos queimarem ao ver a lâmina se tingir de vermelho. A morena estava prestes a conhecer uma faceta até então adormecida de Sasuke.

Em poucos segundos, Sarada perdeu Sasuke de vista por conta do distanciamento e do aglomerado de ninjas que cercavam o moreno. O brutamontes que a carregava no colo virou uma esquina e a morena voltou a gritar. Porém, o seu grito agudo e toda confusão foi subjugada pelo som estático de um trovão. A luminosidade se propagou fazendo com que a menina ficasse vendo sombras, que sentisse os pêlos dos braços se arrepiarem e que ouvisse o som de mil pássaros ecoarem. A Uchiha gritou por Sasuke quando o viu surgir no telhado de uma casa próxima; como um falcão rastreando a sua presa. Em um piscar de olhos, o moreno sumiu no ar.

Antes que Sarada se questionasse sobre o paradeiro de Sasuke, a morena soltou um guincho ao sentir o brutamontes parar de correr. 

—-Solte-a e eu lhe darei uma morte rápida.-- Sarada sentiu os olhos marejarem ao escutar a voz de Sasuke.

O braço que segurava Sarada a agarrou com ainda mais força.

—-Escuta aqui seu arrogante de merda, eu vou te contar o que o Okage fará co-

A fala do brutamontes foi interrompida por seu guincho sufocado, quase como uma tosse soluçada. Sarada sentiu o corpo do homem cambalear e a morena caiu no chão, sentindo as palmas das mãos arderem. A morena olhou de soslaio para o homem e a Uchiha viu os últimos resquícios de vida escaparem do desconhecido. As mãos brutas do mercenário se moviam de forma errática. Seus dedos em dúvida se tiravam ou não as kunais enterradas no seu pescoço. Sarada só conseguia encarar o sangue minando das feridas. A morena só notou que estava prestes a chorar quando seu queixo tremeu.

—-Filha, estou aqui.--As mãos de Sasuke seguraram o rosto de Sarada, puxando-o devagar para que a morena o olhasse.--Sarada, você está bem. Olha pra mim, você está bem.--Aquilo não era uma pergunta, era uma afirmação que até mesmo convenceu a morena.

Sarada balançou a cabeça em concordância deixando algumas lágrimas caírem. A morena percebeu que o olhar de Sasuke se suavizou. A menina fungou quando sentiu os braços do moreno a envolverem em um abraço.

—-Você está de castigo pra sempre. 

Sarada soltou uma risada sem descolar o rosto do peito de Sasuke:

—-Justo. Não levarei bronca?

—-Isso eu deixo pra sua mãe. Vem, vamos encontrá-la. 

Sasuke desfez o abraço e olhou para os lados. 

—-Fique atrás de mim.

—-Papa…--Sarada sussurrou, atenta para que não fizesse muito barulho. 

Sasuke olhou na direção para a qual Sarada apontou e viu pessoas se aproximarem. O moreno estreitou os olhos e ao forçar a vista, reconheceu Gohan e alguns outros membros da resistência. O Uchiha afagou a cabeça da menina e esperou que os cidadãos se aproximassem. Quando chegaram perto, o homem se conteve para não franzir o cenho. Gohan e seus camaradas vestiam roupas escuras, mas seus rostos estavam pintados em tons vibrantes como uma maquiagem de guerra. As armas que empunhavam, se é que poderia chamar assim, se resumiam a ferramentas agrícolas como pás, enxadas, foices e picaretas. Se não fosse pela determinação nos olhos deles seria fácil concluir que estavam fantasiados.

—-Hoje daremos um basta nisso.--Disse Gohan, como se fosse necessário explicar.--O Okage está no templo da deusa dele.

Por não saber a localização do dito templo, Sasuke não teve escolha a não ser seguir o grupo. Durante o caminho, o moreno manteve os seus instintos os mais aguçados possível, afinal aquele grupo de rebeldes era uma presa fácil. 

—-Papa…--Sasuke não respondeu o chamado de Sarada, mas a olhou de soslaio.-- É verdade que você tem um aprendiz?

Sasuke franziu o cenho e antes que pudesse responder, Sarada lançou uma acusação:

—-E nem adianta mentir que eu o conheci, hein. O nome dele é Yusuke.--Sarada cruzou os braços.

—-Você esteve com Yusuke?--Sasuke franziu o cenho ao falar.

—-Sim, nós estávamos, sabe, no… na, na mesma cela.--Ao terminar de falar, Sarada arregalou os olhos.--Nós temos que buscá-lo, pai!

—-Na volta faremos isso.--Sasuke decretou, olhando para os lados, tentando dissipar de sua mente a imagem de Sarada em uma cela.--Fique perto de mim, Sarada.

As ruas estavam vazias, mas diferente de antes, a atmosfera parecia frágil, como se o caos pudesse estourar a qualquer instante. Vez ou outra viam alguém correndo ou espreitando de alguma janela. 

Em determinado momento o grupo escutou o som de uma porta se abrir e uma idosa apareceu:

—-A deusa destruirá vocês, seus desgraçados!--A senhora gritou, com o rosto vermelho como sua ira. 

Após urrar uma série de xingamentos e maldições que lhe renderam uma crise de tosse, a mulher fechou a porta em um estrondo. Infelizmente, os próximos desconhecidos que cruzaram o caminho do grupo não eram tão inofensivos quanto a idosa, apesar de estarem tão irados quanto ela. 

Em uma contagem rápida, Sarada viu que eram oito homens que os cercavam. Nenhuma bandana estava à vista, eram nukenins. Antes que Sasuke falasse algo, a morena recuou para atrás do moreno. Com um movimento elegante e solene, o Uchiha desembainhou a Kusanagi e encarou seus oponentes.

Durante alguns segundos, ninguém se moveu; era como se estivessem jogando xadrez. Um dos homens que usava um tapa olho foi o mais corajoso ou o mais estúpido para avançar. O mercenário foi na direção de Gohan e Sasuke correu para se colocar diante do idoso. 

Sarada se encolheu com o som agudo do choque das lâminas e viu Sasuke dar um passo para trás. O moreno então desferiu um golpe lateral, tentando atingir o flanco do inimigo. O oponente grunhiu por ter que aparar a Kusanagi, que chegou bem perto de cortar sua pele.

Sasuke olhou de relance para o pulso do mercenário e forçou seu peso contra a lâmina. O moreno soltou o ar pelo nariz em um riso imperceptível ao ver o rosto do nukenin tencionar por conta da dor que irradiava de sua mão até o antebraço. O homem tentou aguentar, mas não tardou para que tivesse que largar sua katana e saltar para longe. O Uchiha então se abaixou e pegou a arma abandonada do chão.

—-Você é digno de pena, Daissuke.--Disse outro mercenário enquanto Daisuke massageava o pulso.

Sarada viu Sasuke manejar a “nova” katana fazendo com que a luz do sol refletisse na lâmina. 

—-Vamos lá recuperar sua katana.--O mesmo nukenin voltou a se pronunciar e uma névoa de tensão pairou pelo ar.

O grupo rebelde segurou as ferramentas com mais força e Sasuke se empertigou. Dois nukenins avançaram e o moreno afundou uma das lâminas no pescoço de Daisuke.  Quando o homem se desfez em fumaça, o moreno teve tempo de desviar do golpe que o outro planejava desferir em sua nuca. O Uchiha fechou a mão em um punho e o enterrou no estômago do desconhecido, que grunhiu de dor. Sarada desviou o olhar da luta quando percebeu o caos generalizado ao seu redor. Gohan desviava dos golpes de um nukenin que visivelmente brincava sadicamente com o idoso, enquanto isso alguns outros membros da resistência já tombavam.

Perto de Sarada um dos rapazes que fazia parte do grupo da resistência tombou no chão com a garganta cortada de ponta a ponta, quase formando um segundo sorriso. Ao ver todo aquele sangue esguichando da ferida, a morena gritou. O grito chamou a atenção do mercenário responsável pela morte grotesca e a morena deu um passo para trás. Quando a Uchiha daria o segundo passo para se afastar do mercenário, a menina gritou novamente ao ver uma katana perfurar a perna do seu perseguidor. O nukenin urrou de dor enquanto o sangue jorrava da ferida.                    

    --Sarada!--Sasuke gritou, ainda duelando contra quatro mercenários.--Corre!

    Após dizer isso, Sasuke levou um soco que virou seu rosto para o lado com violência. Apesar do rosto de Sarada se contorcer em uma careta por presenciar a cena, a morena não teve tempo de presenciar o moreno revidar o golpe, pois tratou de obedecê-lo.

O som da batalha foi ficando cada vez mais distante, mas Sarada ouvia os passos do mercenário que a seguia, bem como as risadas que o desconhecido fazia questão de soltar. Um gato atrás de um rato. Sarada começou a sentir o corpo esquentar e a testa porejar de suor.

 Virou a esquina e um gritinho agudo escapou de sua boca quando viu uma figura surgir na sua frente. Quando a morena pensou que se tratava de outro mercenário, a menina viu o cabelo cor de rosa. A Uchiha parou, sequer lembrando de seu perseguidor. Ela encarava a mulher à sua frente, os fios despenteados, os olhos ferinos que fitavam algo além. Sentiu o coração disparar quando viu a mais velha ajeitar a postura e caminhar na sua direção. Quando a rosada parou diante dela, Sarada esqueceu-se de respirar e fechou os punhos algumas vezes. “Como devo abraçá-la?”, a pergunta ressoava, como se tivesse desaprendido a abraçar.   

    Enquanto Sarada mergulhava em pensamentos, Sakura estendeu o braço bons centímetros acima da cabeça da morena, acertando o oponente com um soco. O mercenário foi arremessado para longe e foi amparado por uma parede. Apesar de enxergar a poeira e o corpo do homem no chão, a menina não observou a cena por muito tempo, pois a rosada a virou para si, a envolvendo em seus braços em seguida. A brusquidão do ato fez com que o ar escapasse dos pulmões da Uchiha. Quando sentiu as mãos da mulher nas suas costas, ela concluiu que estava sendo abraçada.

    Sarada sequer piscava e não soube precisar quanto tempo o contato durou. Os braços da morena pesavam toneladas e antes que percebesse o abraço se findou. Porém, mesmo que o enlace tivesse perdurado por horas, a menina não se sentiria capaz de retribuir. Alheia a tudo isso, Sakura se ajoelhou diante de Sarada, os olhos brilhando com lágrimas. A menina viu os lábios da rosada se moverem, mas não entendeu o que ela falava. Era como se estivesse submersa, mergulhada em seus pensamentos. Ao escutar seu nome sendo dito pela mais velha, a Uchiha sentiu vontade de se afastar.

    “Sarada” parecia soar errado na voz de Sakura, como se a rosada não soubesse pronunciá-lo corretamente. Entretanto, algo na voz da Uchiha soou familiar para Sarada. A morena franziu o cenho e passou a revirar alguma justificativa para aquela nostalgia. Ao encontrar a resposta, a menina arregalou os olhos. A Uchiha lembrou-se de quando estava enclausurada e recordou das conversas que tinha com sua amiga, com a Doutora. Com sua mãe. A conclusão fez o sangue correr da face da mais nova. A razão ditava que a troca era vantajosa: perdera uma amiga, mas ganhara uma mãe. Quem sabe não poderia ter as duas em uma só? Entretanto, os Uchihas não eram guiados pela racionalidade e sim pela emoção.

    --Onde está o seu pai?--A frase de Sakura soou límpida e funcionou como uma boia salva vidas, fazendo Sarada emergir. 

     --Papa está lutando…--Sarada murmurou em um sopro de voz.

    Em um ímpeto, Sakura segurou a mão fria de Sarada e a morena teve que correr para acompanhar os passos da rosada. Não tardou para que a mulher visse Sasuke que encarava o último mercenário que restara. Quando alcançaram certa distância a Uchiha parou de correr e virou-se para a menina.

    --Fique aqui, querida. Ajudarei o papai.--Sakura tinha os olhos arregalados e antes que Sarada pudesse dizer algo, a rosada lhe deu as costas e foi até Sasuke.

    Há uma distância razoável, Sarada ergueu o punho e o desferiu contra o solo poeirento. Com o toque, o chão se abriu sem resistência diante da reivindicação do golpe, como se a terra estivesse diante da própria Deméter. O impacto fez com que os dois homens bambearem e o mercenário caiu no chão. 

      Sasuke não perdeu tempo e estendeu Kusanagi contra o pescoço do mercenário.

    --Onde ele está?--Sasuke sibilou.

    O mercenário engoliu a seco e olhou para Sasuke e Sakura antes de dar de ombros.

    --Aquele lunático está no templo pagão dele. 

    --Se ele acha que pode se esconder, ele está muito enganado.--Sakura esbravejou e o mercenário soltou o ar pelo nariz, em um breve riso.

    --Não é pra se esconder. Ele foi pra lá para terminar o que começou. Como não há motivos para a matança, o que acha de me deixar ir?--Diante do silêncio, insistiu.--hein? Oh tiozão, poupa energia para o Okage.

    O mercenário ignorou o fato de Sasuke estreitar o olhar sobre si e só percebeu que havia caído em um genjutsu quando viu um brilho rubro nos olhos do moreno. Ao ver que não havia mais combate, Sarada se aproximou com passos cada vez mais firmes.

    Entretanto, Sarada diminuiu os passos ao olhar para Sasuke. O moreno não percebeu o olhar da morena em si, pois estava focado em Sakura. A menina notou como os olhos do Uchiha encaravam a rosada com contemplação. A típica indiferença foi substituída por fascínio e familiaridade.

    Sarada parou de andar, não querendo interromper aquele momento entre os pais, mesmo sem entender o que aquele momento significava. A morena viu Sakura estender a mão na direção de Sasuke e o moreno assentiu, lhe endereçando um sorriso discreto.

    Sarada suspirou, pois queria entender o que a rosada havia dito para Sasuke. A morena viu o moreno segurar a mão de Sakura e sem nenhum aviso prévio, a puxou contra si, em um… abraço. 

—-Os dois precisavam disso.--Comentou Tsunade ao ficar ao lado de Sarada, que se assustou com a aproximação.

Sarada manteve os olhos fixo no casal Uchiha que se abraçava em um encaixe perfeito.

—-Você… está furiosa comigo?--Sarada trocou o peso do corpo de uma perna para a outra.

—-Estive. --Tsunade cruzou os braços diante do corpo.--Agora estou aliviada por você estar bem. Fora que...ficarei satisfeita com o castigo que Sasuke dará.-- A loira então caminhou na direção dos civis feridos que sangravam no chão.

Sarada desviou o olhar para os feridos, viu todo aquele sangue, toda aquela dor e não sentiu nenhuma vontade de se aproximar. A morena franziu o cenho ao olhar Yusuke chegar ao seu lado, suado e sem fôlego.

—-Oi.--Yusuke falou, tentando puxar fôlego.

—-Ah, oi.--Sarada respondeu.

Yusuke se tornou o terceiro integrante a observar o abraço dos Uchihas, mas não ficou calado:

—-Por que a Doutora Haruno está agarrada com o Sasuke?

—-Eles são casados.--Sarada respondeu laconicamente e Yusuke puxou o ar pela boca. 

—-Caraca!--Yusuke afundou as mãos nos cabelos, os desgrenhando ainda mais.--Então Sakura Haruno é sua mãe!--O menino se colocou diante de Sarada.--Isso é muito demais!

Sarada deu um passo para trás, atordoada com a empolgação de Yusuke. Não sabia o que responder.