Hocus Pocus escrita por Bruninhazinha


Capítulo 9
☪ A essência de uma bruxa




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 Bruxa. 

Os primeiros minutos foram silenciosos e a palavra ainda pairava sobre os quatro como uma nuvem sombria.

Karin e Sasuke trocaram olhares temerosos como se a qualquer instante o cômodo fosse explodir em mil pedacinhos. Não dava para culpá-los por pensar assim, afinal, mesmo que fosse ponderado no agir, Naruto ainda era filho de Kushina. Tinha no sangue aquela centelha – a parte sereia herdada da mãe. Imaginaram que ele fosse gritar ou atirar algum vaso pela janela, como a rainha costumava fazer, quem sabe até mesmo sacudir Gaara até que dissesse que aquilo tudo não passava de uma brincadeira de muito mal gosto. Naruto, porém, ficou lá, quieto, pesando as palavras do amigo. Processando cada maldita informação. Juntando as peças do quebra-cabeça.

E, então, depois de cinco minutos – que arrastaram-se longamente, parecendo uma eternidade – a primeira reação veio. Uma bem inesperada, para todos. 

Naruto riu. Apenas isso. Ele riu.

Claro, nada daquilo era engraçado. A questão ia muito além. Sabe quando você ri, não por graça, mas por puro desespero?  

Foi exatamente isso que aconteceu.

A risadinha baixa virou uma gargalhada histérica. Ele se levantou, sem conseguir controlar, e andou de um lado a outro, passando as mãos pelo cabelo, em estado catatônico.

Ninguém ousou falar. Ninguém se mexeu. Estavam todos tensos. Naruto nunca lidou bem sob pressão e, de fato, estava sendo pressionado até o último fio de cabelo. Primeiro com a profecia e as insistências da mãe. Não bastando, a vila inteira confabulava a teoria maluca de que ele estaria saindo, no sentido mais romântico da palavra, com uma garota que não era sua princesa. Ainda corria o risco de que o jornal fosse parar nas mãos dos pais, que não só descobririam que o filho estava saindo com uma garota, mas que a garota em questão é uma bruxa. 

E a parte da bruxa ainda é verdade!

Ele se atirou de volta na cadeira, apertando as têmporas, com uma dor de cabeça dos infernos. A risada cessou e o cômodo foi engolido outra vez pelo silencio macabro.

Gaara, Karin e Sasuke trocaram olhares preocupados. Naruto, por outro lado, deixou-se ser levado pelos pensamentos, o olhar distante.

Sim, Hinata tinha toda aquela áurea mística e etérea, guardava uns trecos esquisitos no armário da cozinha – tentou não pensar muito a respeito –, além de agir de forma suspeita evitando outras pessoas ou morando naquela floresta – outro tópico que estava decidido a ignorar –, mas isso não quer dizer nada, certo?

Errado.

No fundo ele sabia.

No fundo, sempre soube.

Só se recusava a enxergar a verdade porque havia se afeiçoado a moça. Tinham conversas fluidas e se davam bem, de um jeito bizarro, mas divertido, como se estivessem ligados de alguma forma. 

Os três pares de olhos ainda observavam o príncipe mergulhado nas próprias memórias e reflexões – nunca o viram pensar tanto. Parecia que o cérebro dele ia fritar.

Naruto cedeu ao cansaço depois de algum tempo avaliando cada ponto, cada mísera lembrança.

— Não é possível. — murmurou para o amigo ruivo. — Não tem como Hinata ser uma bruxa. Simplesmente não tem. Ela não é .

— Sei disso. — Gaara coçou o queixo, igualmente pensativo. Bruxas, as bruxas de verdade, possuíam uma alma podre e um coração ainda pior. Certamente, uma bruxa não andaria por aí em uma vila, em pleno um festival, sorrindo e se divertindo com um príncipe. — Mas aqueles olhos só podem ser herdados por bruxas. Está no sangue, nos genes.

— A não ser que ela seja mestiça. — Sasuke se intrometeu no assunto, com o queixo apoiado na mão. Odiava ficar sobrando em conversas, e odiava ainda mais o fato de seu melhor amigo – ou seria o maior traidor do mundo? – não ter mencionado que tinha virado amiguinho de uma bruxa. Esse é o tipo de história que amigos compartilham. Que grande falta de consideração! Felizmente, o Uchiha era sério demais para partilhar tais pensamentos. — A propósito, onde você conheceu essa garota?

— Lembra de quando fui à floresta para aquele lance? — observou o moreno concordar com a cabeça. Gaara franziu o cenho, sem entender, e o loiro não fez questão de explicar, afinal, o amigo era um homem honrado – até demais, para seu gosto. Imagine só se soubesse que andou comendo os parentes de sua mãe sereia.  — Nos conhecemos nesse dia. Ela meio que mora na floresta.

— Espera, deixa eu ver se entendi. — Gaara interrompeu com incredulidade. — Você foi fazer um “lance” — fez aspas com os dedos — e encontrou uma garota. Uma garota que mora na porcaria da floresta mágica. E mesmo assim não suspeitou de nada?

O loiro rolou os olhos. Como poderia suspeitar, sendo que havia encontrado Hinata literalmente enfeitiçada, dormindo como uma morta? Tudo bem que ele não contou a ninguém sobre essa parte e, francamente, preferia não pensar nisso por motivos óbvios — que nada tinham a ver com o modo que teve que acordá-la. Puff, jamais ficaria pensando nisso. É óbvio que não. 

— Não sei por que está tão impressionado. — Sasuke meneou a cabeça. — Naruto é um jumento. Eu ficaria surpreso se ele soubesse somar dois mais dois. 

Para a surpresa de todos, o loiro não retrucou. Apenas fitou Sasuke longamente, se dando conta de algo.

— Talvez Hinata não seja completamente bruxa. — o rosto se iluminou. — Talvez ela seja mestiça.

— Foi o que eu disse. — rolou os olhos ônix.  

— Exatamente. Ela não é uma bruxa. — continuou forçando a mente, agora encarando Gaara.

O outro suspirou, fitando o amigo longamente.

— Entenda, Naruto: aqueles olhos são característicos de bruxas. Ninguém, além de uma bruxa, pode possuí-los. Ela é uma bruxa. Aceita.

— Mas ela não é má. — rebateu.

— Ou talvez seja. Não tem como você saber. 

— Ela não é.

O silencio reinou outra vez entre os quatro, Naruto com raiva, Gaara com as sobrancelhas franzidas, Sasuke cheio de indiferença e Karin...

Karin, mergulhada em pensamentos.

— Isso de ela ser uma bruxa, realmente importa para você? — questionou, de repente, chamando a atenção de todos. Naruto arqueou as sobrancelhas, sem entender. —Faz alguma diferença o que ela é ou deixa de ser?

— Claro que não.

— Então por que exatamente estamos debatendo isso?

Sinceramente, nem Naruto sabia. Encarou a irmã, por fim os dois melhores amigos, e suspirou.

Um suspiro pesado e exausto.

— Preciso pensar. — e com isso saiu da saleta, ignorando os olhares atordoados. Apenas saiu com passos rápidos, desviando aqui e ali dos servos, que ainda corriam por todos os lados, ocupados com os preparativos do próximo baile. Nem esse pensamento o tirou do objetivo. Naruto continuou caminhando e caminhando, subiu lances de escadas e, finalmente, encontrou a porta.

A porta que odiava quando era criança. A porta que levava a um dos maiores cômodos do castelo.

A biblioteca.

Era um lugar repleto de filas de prateleiras cheias de exemplares antigos, alguns tão antigos que foram escritos em uma língua já desconhecida. Havia teias de aranhas em alguns pontos, embora a bibliotecária conseguisse manter o local de pé, em funcionamento. Os três lustres que pendiam do teto eram suficientes para iluminar as paredes de pedra, repletas de quadros que retratavam outros tempos – tempos vividos por seus avós, bisavós e tataravós. Tempos de glória, guerra, até mesmo miséria. Uma época longínqua, em que o País do Fogo era uma terra pobre e desconhecida.

Naruto olhou para as prateleiras de madeira lustrosa, sem ter a mínima ideia por onde começar. Procurou por alguém, mas o cômodo estava vazio. Então, como uma alma condenada, vagou pelos corredores entre as estantes, procurando as cegas por qualquer exemplar que pudesse responder as dúvidas que o corroíam.

Só depois de algum tempo que se deparou com a bibliotecária. A mulher era uma anciã, devia ter uns oitenta anos. Naruto não gostava muito dela. Vivia enfurnada ali, berrando com qualquer um que fizesse muito barulho. Uma vez, quando tinha apenas dez anos, ele e Sasuke estavam brincando entre as prateleiras. Sem querer, derrubaram alguns livros e ela os enxotou arrastando-os pelas orelhas, chiando para eles feito uma leoa raivosa. 

Podia até parecer inocente a primeira vista, contudo, não passava de uma velha ranzinza e apavorante. 

Madame Chiyo fez uma reverencia profunda ao se deparar com a figura do príncipe.

— Sua Majestade. — levantou os olhos atrás da grossa armação dos óculos. — Como posso ajudar?

Naruto olhou para os lados, então a encarou, dividido entre aceitar a ajuda ou sair correndo. 

Optou pela primeira opção.

— Preciso de alguns livros.

— Isso eu já esperava. — sorriu. — O que procura, exatamente?

Como poderia explicar sem parecer minimamente suspeito?

— Ouvi Karin e Sasuke conversando com Gaara a respeito de bruxas. — mentiu. — Estou interessado no assunto.

A velha pareceu atordoada por um instante, como se a revelação a pegasse de surpresa, depois abriu aquele sorriso esquisito de sempre, olhando o príncipe com novos olhos.

— Nunca imaginei que se interessasse pela arte das trevas.

— Não me interesso pela magia. — enfiou a mão nos bolsos, dando de ombros. — Apenas quero saber mais sobre a origem, coisas assim.

— Um livro de história, então. — colocou a mão no queixo, contemplativa, e virou as costas. — Sei exatamente do que precisa, Majestade. Siga-me.

O loiro o fez, sem pestanejar. Por mais que não gostasse de Chiyo, a mulher viveu a vida inteira naquela biblioteca, cercada por livros, desde criança. Era inteligente, provavelmente mais inteligente que qualquer um naquele castelo.

Ela parou em uma seção mais distante, cheia de livros embolorados. Retirou alguns exemplares da estante e os entregou ao príncipe.  

— Qualquer dúvida pode me chamar, Majestade.

— Certo.

Ele afundou em um sofá que estava nas proximidades, observando as costas da velha até que desaparecesse. Então, apanhou o primeiro livro da pequena pilha e leu o título.

A origem e a queda das bruxas.

Talvez isso servisse. Foleou algumas páginas e já nos primeiros parágrafos sentiu um sono terrível. Nunca foi dado a leituras, geralmente procurava evitar os livros ao máximo. Eram cansativos, chatos e longos. Ainda assim, forçou os olhos a manterem total atenção nas palavras.

Os primeiros capítulos não falavam muito, apenas que bruxas mantinham as forças do universo, o equilíbrio entre o bem e o mal – como Ying e Yang. Era o que mantinha a magia pairando no mundo. Não se sabia ao certo sobre suas origens, suas raízes, apenas que sempre existiram e eram uma força vital, embora só houvesse uma maldade fria em seus corações, tão fria quanto seus olhos de pérolas – a única característica que as diferenciavam das outras pessoas e que entregavam suas habilidades mágicas.

Franziu as sobrancelhas, fechando a capa com força, os dentes trincados.

Não. Não e não. Independentemente do que estava escrito na porcaria do livro, Naruto tinha certeza de uma coisa: Hinata estava longe de ser uma criatura má.

Era inofensiva.

Ou será que não? 

Deixou a biblioteca com mais dúvidas que esclarecimentos, sustentando os livros nos braços – leria mais tarde –, para ir até a margem do lago, nas proximidades do castelo. Sentou-se embaixo do carvalho, o corpo encostado no tronco, as pernas estendidas e os exemplares no colo. Inspirou profundamente, sentindo o ar fresco daquela manhã preencher os pulmões.

Ele demorou para notar a presença que aproximou e se sentou ao seu lado, abraçando os joelhos. Karin ficou um tempo em silencio, encarando o nada, como o irmão, a expressão distante.

— Achei que estava subtendido que eu queria ficar sozinho. — quebrou o silencio. Ela apenas deu de ombros, lançando uma olhadela para os livros.

— Eu gosto daqui. — disse, simploriamente. — Gosto de vir pensar.

Mais silencio. Karin remexeu-se um pouco antes de começar a falar.

— Não tenho muitos amigos. — revelou, a expressão neutra, sem fita-lo. Naruto não entendia por que estava confidenciando aquilo a ele. Francamente, sequer entendia por que estava ali. Quase a enxotou, mas resolveu que seria melhor permanecer quieto. — Na verdade, não tenho nenhum. — fitou o chão. — Nunca tive alguém que pudesse compartilhar minha vida ou que me entendesse. — ele agora a olhava, perplexo. Sua irmã era sempre tão energética e tagarela, não imaginava algo assim... Parando para pensar, ela realmente estava sempre só, rodeada por aqueles pássaros irritantes ou cantando para os golfinhos. Sentiu-se mal e culpado. Devia ter notado melhor. Talvez aquele jeito dela – aquela irritante mania de encher o saco dos outros – fosse só a forma que encontrou de conseguir um pouco de atenção. — Eu ficaria feliz em ter um amigo, fosse bruxa ou princesa. Jamais me importaria com algo assim. E acho que você também não deveria.  

— Eu não me importo.

— Não é o que está parecendo. — alfinetou; ele, porém, não respondeu, porque, no fundo, sabia que ela tinha razão. — Hinara, sei lá qual o nome dela...

— Hinata.

— Tanto faz. — deu de ombros. — Talvez ela não tenha contado por medo da sua reação. Ou talvez ela esperasse que você percebesse em algum momento, ou você foi muito burro para notar, não sei, as possibilidades são inúmeras... — ele rolou os olhos, mas sorria. — ... O fato é que ela deve ser uma garota legal. Ao que me parece, ela se importa com o que você pensa dela. Bruxa, princesa ou sapo... Nada disso dita a essência dela, então foda-se. — houve uma longa pausa. Ela ponderou, pensando melhor a respeito. — Ok, no caso dela pode ditar, já que sabemos como as bruxas são, mas você entendeu o que eu quis dizer. — revirou os olhos. — De qualquer forma, se ela fosse má para valer, você teria notado. Talvez ela seja uma bruxa boa. Talvez isso exista. 

Eles ficaram em silencio, encarando-se.  

— Você é péssima em dar conselhos.

— Ah, cala a boca! — fez um bico emburrado. Naruto, como de costume, bagunçou os fios ruivos, rindo, enquanto a jovem se debatia para afastá-lo, quase rosnando de ódio por ter seu penteado desmanchado.

— Obrigado. — ele murmurou, desviando o olhar para a paisagem. — Você é irritante, Karin, mas, no fundo, é uma boa pessoa. E é legal. Só tem que parar de encher o saco dos outros. As vezes eu até consigo gostar de você.

— Uau. — piscou sequencialmente, apertando os lábios na inútil tentativa de segurar o sorriso. Sabia que ele só estava provocando. Ela, como ninguém, entendia que Naruto a amava, apesar de chama-la de chata e irritante o tempo inteiro. É o que irmãos fazem, afinal. — Comovente.

Não soube quanto tempo ficaram ali, sentados, contemplando a paisagem. Horas, imaginou, porque o sol já ardia em meio as nuvens e, se estivesse certo, o almoço seria servido em poucos minutos. Karin logo o deixou, dando uma desculpa esfarrapada de que tinha alguns afazeres pendentes; Naruto, porém, sabia que logo Sasuke iria embora e ela só queria ter a chance de importunar o Uchiha, outra vez, com aquela ladainha romântica de adolescente.

Continuou parado, apreciando o silêncio. 

Então, um pio alto e distante o tirou dos devaneios. Voltou os olhos para o céu azulado, cheio de nuvens. Uma coruja-da-neve vinha em sua direção, batendo as esplendorosas asas brancas. Pousou na grama orvalhada, em frente ao príncipe, encarando-o com aqueles olhos imensos e brilhantes.

Naruto ficou perplexo, a princípio, porque, embora não conhecesse o animal, a coruja o encarava como se o conhecesse.

— Como vai, amigo? — esticou a mão, acariciando as penas brancas. O pássaro retesou um pouco, mas deixou que o tocasse. Então, em um movimento inesperado, esticou a longa perna direita.

Só aí o loiro reparou.

Havia um bilhete preso na perna dela.

Piscou sequencialmente, atordoado, desamarrando o recado, abrindo-o com os dedos de um jeito desajeitado.

Preciso da sua ajuda.

Eu realmente não sei mais o que fazer.

Por favor.

— H.

Naruto nem respirou direito. Colocou-se de pé em um pulo, assustando a coruja, que piou, indignada, quase sendo atingida pelos livros que estavam no colo dele. 

O príncipe, porém, não se preocupou. Correu até os estábulos e montou em Azriel, já selado, antes de galopar até a floresta encantada, perguntando-se em que apuros Hinata teria entrado.  


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