Os Cavaleiros do Zodíaco: A Lenda de Seiya escrita por Masei


Capítulo 92
A Princesa Aprisionada


Notas iniciais do capítulo

Após ser presa novamente pelas forças de Asgard, a Princesa Freia encontra uma curiosa figura na prisão que pode ser a sua esperança.



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Em Asgard-Baixa, que era como se conhecia a região além dos muros da fortificação onde ficava o Palácio Valhalla, era onde os miseráveis moravam. Onde a fome arrasava as famílias e levava, dia após dia, os mais velhos, bem como os recém-nascidos, naquele que era sem dúvidas o inverno mais rigoroso de sua história.

Os ventos cortantes e gélidos por vezes davam uma trégua e a população saía às ruas para trocar, buscar ajuda uns dos outros, jogar-se nas tavernas ou implorar misericórdia nos templos e santuários da região. No centro de uma praça abandonada de suas barracas, a população juntava-se para receber uma quantia insuficiente de pão e hidromel que vinha das fazendas distantes ou até mesmo do estoque palaciano. Não havia balbúrdia ou confusão, apenas a silenciosa aceitação de um povo que sabia muito bem seu destino naquela Terra.

E enquanto a multidão acotovelava-se na fila e então espalhava-se pela praça para falar aos conhecidos ou até mesmo rir de algum conto antigo ou inventado, uma música doce e bela espalhava-se por toda a praça, tocada por um exímio violinista que, sentado no telhado de um alto coreto, tocava as tristezas deles todos.

Assim que a distribuição da comida acabou-se, os homens e mulheres espalhados na praça lentamente calaram-se para escutar aquele lamento lindo que o violino cantava; sua voz aguda, suas notas precisas e longas, enquanto o rapaz de longos cabelos claros, mas sujos, tocava seu violino nórdico sem dizer uma única palavra, pois os solfejos de seu instrumento eram suficientes para que ninguém tivesse dúvida da dor que lhe calava no peito, pois era dor comum a todos ali.

A multidão silenciosa, no entanto, aos poucos foi tomada por um burburinho entre todos, pois entre eles havia um estrangeiro. Aquele era um povo abandonado e, portanto, não recebiam turistas ou visitas; era raríssimo que a única estrada de sua entrada recebesse qualquer comitiva, principalmente em um inverno terrível como aquele, de modo que aqueles que ali não viviam facilmente se destacavam. E aquele estrangeiro até tentava esconder sua identidade debaixo de uma túnica e um capuz escuro.

A multidão afastou-se dele e formou-se uma clareira com uma única figura no centro, um estrangeiro que era muito menor que os habitantes daquela região inóspita. O violinista parou de tocar sua melodia e olhou para aquela figura curiosa; sua voz era grave, embora tivesse o rosto delicado e um instrumento brilhante.

— Quem está aí?

Todos os olhos estavam sobre aquela figura, que parecia mesmo uma criança perto de todos eles. Sua voz soou doce debaixo do capuz:

— Quero ver o representante de Asgard. Venho de muito longe. — respondeu o intruso em língua-comum, sem compreender exatamente o que o violinista lhe havia perguntado.

— E quem devo levar diante de nossa representante? — perguntou o violinista no idioma que o rapaz pudesse compreender.

O estrangeiro tirou o capuz e respondeu com seu nome, revelando-se a todos.

— Meu nome é Shun.

O violinista desceu daquele alto telhado graciosamente e pousou à frente do garoto; ele era um pouco maior que Shun e olhou-o profundamente nos olhos. Os olhos doces e sua face tranquila transpareciam exatamente aquilo que Shun era, um visitante pacífico. Assim como era aquele músico que, assim como Shun, também tinha um rosto doce e tranquilo, embora sua voz fosse muito mais grave. Ele guardou seu violino harpinger às costas, o arco na cintura e pediu que Shun o acompanhasse.

Sob os olhos curiosos daquela população sofrida, mas com um pedaço de pão para levar de volta para casa, o violinista escoltou o estrangeiro pela rua principal até o passadiço da fortificação da cidade alta, onde as pedras por onde andava eram até diferentes e mais refinadas. Mas a verdade é que a fome e a miséria também não haviam poupado aqueles que ali viviam, embora fossem poucos, eram poucos também esfomeados e miseráveis como aqueles que viviam além do passadiço.

Dali até o Palácio Valhalla era uma marcha breve, de forma que logo eles estavam atravessando os corredores frios e escuros da construção antiga até a enorme porta-dupla que antecedia o Salão de Hilda, a governanta de Asgard. Os guardas todos aprumavam suas posturas conforme o violinista aproximava-se com aquele estrangeiro e nenhum destacamento fez qualquer menção de interromper ou questionar o que ele fazia caminhando no Palácio de Odin com alguém de tão longe. Assim como eram as notas calmas de seu violino, também o era seu coração artista; ao lado dele, Shun lembrou-se de que aquele era um povo de paz e era assim mesmo que ele preferia que as coisas se revelassem.

Ao entrarem no enorme salão de Valhalla, a impressão era de que haviam interrompido qualquer tipo de conferência, pois as vozes pararam de falar e os olhos de Hilda e de seus conselheiros caíram imediatamente naquela dupla que adentrava o recinto. O violinista caminhou até a enorme pira de fogo que queimava no chão e ajoelhou-se antes de deixar sua voz grave ecoar pelo amplo salão.

— Senhorita Hilda, trago diante de ti um estrangeiro que apareceu entre nós, no largo da cidade de baixo.

Instalou-se um silêncio em que apenas o som das chamas queimando se faziam ouvir.

— Mas o que significa isso, Mime? — perguntou Siegfried, um dos três conselheiros no salão, colocando-se imediatamente diante do violinista. — Um estrangeiro no Salão do Palácio Valhalla?!

— Alberich está ausente. — falou o violinista, calmamente. — E o estrangeiro gostaria de falar à nossa representante. Não vejo motivos para duvidar de sua índole.

Siegfried olhou para Mime ajoelhado com os olhos focados em Hilda, como se a sua lealdade ali não fosse ao guerreiro, mas à ela. Sob todas as formas, aquilo era errado e Siegfried sabia que Mime, de todos os conselheiros, fosse talvez o mais distante entre eles. O enorme guerreiro pareceu guardar dentro de si o descontento que sentia, como se para não deixar que um visitante como aquele tivesse acesso às crises internas de Asgard.

— Volte ao largo, Mime. Cuidaremos disso. — falou ele simplesmente.

O violinista fez uma mesura à Hilda, a Shun e desapareceu, fechando a porta dupla atrás de si. Mais próximo, Shun viu como os olhos de Siegfried eram desconfiados ao ver Mime desaparecer no Palácio; mas quando a porta se fechou, o enorme guerreiro olhou para o garoto, que era um pedaço de palha perto dele.

— Venho com um pedido. — falou Shun com sua voz doce.

Às costas de Siegfried e além das chamas do fogo, a voz da governanta Hilda ecoou no amplo salão.

— Siegfried, cuide disso para mim. — falou ela, levantando-se de seu trono para se retirar aos seus aposentos.

— Eu sou um Cavaleiro de Atena. — falou Shun, atraindo imediatamente a atenção deles todos. — Venho de muito longe com um pedido.

Não só a atenção, mas Siegfried, Hagen e Sid colocaram-se imediatamente diante do garoto; Hagen de um lado, Sid do outro e Siegfried, que já estava à sua frente, em guarda, prontos para derrubarem o garoto se fosse necessário. Shun levantou os braços em claro sinal de paz, mas o clima tornou-se imediatamente tenso entre eles. Hilda, de pé e pronta para deixar o recinto, sentou-se novamente em seu trono, como se curiosa com o desenrolar daquele evento.

— Sou Shun de Andrômeda, um Cavaleiro de Atena. E venho até vocês, povo de Asgard, pois estamos em uma missão pelos Sete Mares para selar as Relíquias de Poseidon, já que não é seu tempo de despertar. — começou ele, enquanto aqueles interlocutores ouviam atentamente. — Enviamos uma comitiva com dois Cavaleiros para esse Reino, Cisne e Corvo, e infelizmente perdemos contato com eles; assim como a tripulação de uma embarcação que viria a chegar em seu porto há alguns dias e de quem também não temos mais notícias.

Imperou ainda o silêncio gélido entre todos.

— Portanto, estou aqui em nome de Atena para solicitar ajuda ao Reino de Asgard para que possamos encontrá-los e então selar Poseidon.

Entre os conselheiros prontos para lutar instaurou-se certa confusão, em que balbuciaram entre si palavras em seu próprio idioma, em claro tom desconfiado, mas então Shun não compreendia absolutamente nada do que falavam. Foi a voz de Hilda, do outro lado do fogo, que se levantou junto de sua presença brilhante, calando a todos no salão.

— Mentira!

Todos olharam para ela, inclusive Shun.

— Está aqui para amaldiçoar a Relíquia do Mar e impedir que Asgard marche para a luz.

Seu sotaque forte, mas claro, foi compreendido pelo garoto.

— Não é verdade, nada temos contra o Reino de Asgard. Nosso único objetivo é selar Poseidon.

— Siegfried. — chamou Hilda, com sua voz brilhante. — Leve esse invasor e o coloque junto dos outros.

A ordem eram magnânima, de modo que tanto um como os outros conselheiros sabiam que precisavam dar cabo daquela ordem. O Cavaleiro de Andrômeda imediatamente adivinhou o que poderia ter acontecido aos demais e lamentou sua sina; não se opôs, pois ali estava em menor número e embora os demais conselheiros não fossem altos e fortes como Siegfried, estava claro que eram guerreiros preparados. Shun deixou-se algemar e ser levado aos calabouços do Palácio Valhalla.

 

—/-

 

A Princesa Freia estava mais outra noite presa no quartel da entrada de Asgard, que havia recebido um contingente maior para cobrir suas constantes contravenções. Ainda que houvesse sido presa pela primeira vez há muitos dias, isso nem um pouco diminuiu sua ânsia de pregar aos habitantes suas ideias e tentar levá-los em uma revolução, de modo que, dia sim, dia não, ela passava a noite na cadeia. Como havia passado aquela; já havia perdido as contas de quantas outras dormiu fora de casa. Pela manhã, no entanto, a cela abriu-se curiosamente e outro prisioneiro foi jogado dentro dela.

O guarda trancou a cela com um clangor e Freia percebeu imediatamente se tratar de uma estrangeira pelas vestes, o estilo do cabelo e tudo o mais.

— Quem é você? — perguntou a Princesa em língua comum, desconfiada.

Mas a estrangeira não lhe respondeu e sentou-se em um banco de pedra contra a parede, sem dizer palavra alguma à Freia ou mesmo ao outro moribundo que ficava no fundo da cela. Por dentro a Princesa sentiu-se arrepiada, pois a presença de uma estrangeira ali na prisão não era bom sinal, afinal Asgard jamais recebia visitas, muito menos em tempos como aqueles.

O velho senhor no fundo vociferou qualquer coisa em seu próprio idioma, atraindo a atenção de Freia.

— Diga-me de onde é? — perguntou ela à estrangeira, mas outra vez encontrou um paredão de silêncio.

Os olhos daquela garota estavam fixos na parede de pedra à frente dela e Freia notou que um pingente de ponta de flecha brilhava no peito da estrangeira; ela já havia visto aquilo antes. Um dos conselheiros de Valhalla tinha uma ponta de flecha idêntica e aquilo a fez ter um calafrio enorme. Outra vez o velho da cela bradou palavras de ordem, mas Freia pediu que ele se calasse e ele respeitou sua Princesa.

— Você é uma Cavaleira de Atena, não é? — perguntou ela finalmente.

Finalmente a estrangeira olhou para Freia, tomada de surpresa, mas novamente ficou em silêncio.

— O que uma Cavaleira de Atena faz tão longe de seu Santuário? — perguntou Freia.

— Não é de sua conta. — falou finalmente a garota.

— Eu sou a Princesa de Asgard, portanto é de minha conta.

— E o que faz uma princesa em uma prisão como essa? — perguntou a menina.

— Isso não é de sua conta.

A estrangeira deixou escapar um sorriso com aquele diálogo absurdo e novamente colocou-se em silêncio encostada contra a parede, como se pensasse em mil imbróglios.

— Direi aos guardas quem você realmente é e então você será presa em Valhalla onde não poderá escapar de jeito nenhum.

— Então existe outra prisão de onde não se pode fugir? — perguntou a garota, adivinhando parte do que deveria fazer.

Freia imediatamente percebeu que havia falado demais; a garota então levantou-se, pronta para sair dali sem quaisquer problemas, quando a Princesa colocou-se entre ela e a porta.

— Por favor, me diga! — falou ela e, pela primeira vez, deu voz às perguntas que o velho preso daquela cela entre elas tentava fazer. — Isso é mesmo uma invasão do Santuário? 

A garota olhou surpresa para Freia, como se aquela ideia fosse terrivelmente absurda. E então para o velho apreensivo no fundo da cela, seus olhos divididos entre o medo, a fome e uma coragem milenares; ela adivinhou que havia ali uma história desenrolando-se muito antes de sua chegada, em que ela não passava de apenas mais uma peça de um quadro que não compreendia totalmente.

— Não, isso não é uma invasão. — respondeu testando suas palavras na reação da Princesa.

Os olhos de Freia, no entanto, ainda eram um tanto desconfiados, pois que outro motivo teria uma Cavaleira de Atena de estar entre eles, ainda que presa. Mas presa em um local incompatível com a força que as antigas histórias de Asgard contavam sobre a bravura e altivez dos guerreiros do Santuário de Atena.

"Conta-se que com um movimento de mão eles eram capazes de rasgar o céu e de que apenas com um pontapé abririam fendas na terra." — falou Freia lembrando-se da Lenda dos Cavaleiros, tão fielmente registrada nos salões bibliográficos de Mímir, no Palácio Valhalla onde Freia adorava passar os dias e algumas noites quando ainda era admitida onde havia crescido. — O que uma Cavaleira de Atena faz em uma prisão tão comum? Certamente poderia ter resistido.

— Poderia. — concordou ela. — Mas venho em paz.

A Princesa Freia notou quase um certo desapontamento na garota ao confessar espírito tão pacífico nela, mas não podia ignorar o fato de que sendo mesmo ela uma guerreira como cantavam as lendas antigas, ela somente poderia estar presa ali se realmente não houvesse resistido aos guardas de Asgard e efetivamente tenha se deixado levar. De outro lado, a Cavaleira reconheceu a fibra daquela Princesa que, sem dúvidas, era muito mais esperta e sagaz do que os broncos que a haviam feito prisioneira.

— Diga-me, princesa. — perguntou ela para Freia, as duas encarando-se. — Quantos 'invasores' tiveram nas últimas semanas?

Freia olhou para ela e mesmo naquela cela escura em que estavam, os olhos da Cavaleira guardavam um certo brilho que a pressionava contra seus medos e ansiedades. A Princesa não era lesa, portanto sabia que a Cavaleira de Atena gostaria de lhe testar para que pudesse melhor entender sobre seu povo e descobrir segredos para sua missão, fosse ela qual fosse. E ainda que, de verdade, não fosse uma invasão, Freia precisava zelar por Asgard para sempre.

— Não direi. — respondeu Freia decidida.

A garota experimentou encará-la como se pesasse aquela resposta. E o peso maior daquela mentira sequer estava em seus olhos inabaláveis, mas no estado terrível que seu vestido encontrava-se.

— A Princesa parece estar aqui há muito tempo. — observou ela. — Não creio que saiba coisa alguma do que realmente se passa.

Freia calou-se, imaginando que seu silêncio poderia despistar a Cavaleira de Atena, mas em verdade nada poderia dizer, pois a garota tinha absoluta razão. E quando seus olhos desviaram-se dos escuros olhos dela, a Cavaleira de Atena seguiu caminhando até a porta da cela; colocou a mão direita no tampo metálico onde o tranco da cela os mantinha ali e, com horror, tanto Freia como o velho do fundo viram como o metal parecia se desfazer ao toque da menina como se derretesse.

— Espere! — pediu Freia às suas costas.

Se não era uma invasão, ao menos a presença daquela Cavaleira de Atena causava enorme estranheza à Princesa Freia e ainda que ela tivesse sido expulsa e alienada do Palácio Valhalla, ela ainda era irmã de Hilda e pesava sobre si certa autoridade e responsabilidade para com o povo de Asgard. O metal parou de derreter, pois a garota escolheu ouvir as palavras da Princesa sempre na esperança de que mais houvesse ali para lhe ajudar em sua missão.

— O que realmente faz aqui? — perguntou Freia desarmada e honestamente preocupada em descobrir unicamente o que se passava além dos muros daquela prisão.

— Já disse que venho em paz. — respondeu ela apenas.

— Nós sabíamos que o Santuário de Atena enviaria Cavaleiros para cá. — falou Freia, despertando a curiosidade dela. — É por esse motivo que muitos em Asgard acreditam se tratar de uma invasão.

— Esse é o único motivo pelo qual recebem visitantes?

— Não recebemos visitantes. — respondeu Freia decididamente.

A Cavaleira presa então virou-se para ela uma outra vez para lhe falar toda a verdade.

— Quer saber porque vim? Pois eu lhe direi, Princesa. — começou ela. — Vim para encontrar o paradeiro de amigos que foram enviados aqui antes de mim. Em uma única missão: selar Poseidon.

O nome assombrou até mesmo o velho no fundo da cela, que não compreendia o idioma em que eles falavam; mas o nome Poseidon não precisava de tradução alguma pois inspirava medo em qualquer canto do mundo.

— Selar Poseidon? — perguntou Freia, como se algo grande demais fosse adicionado às suas teorias impensadas.

— Sim. Não é seu tempo de despertar, mas algo misterioso ocorre nos Mares. Queremos selar a última Relíquia em Asgard para que Poseidon volte a dormir no Oceano.

— Última Relíquia dos Mares? — perguntou Freia, ainda mais confusa. — Do que está falando?

Se antes a Princesa Freia tinha os olhos trancados e a postura severa como se guardasse no corpo a defesa de Asgard, agora sua postura era completamente desarmada e seus olhos procuraram as respostas no chão, pois sua mente na verdade relia na cabeça os tantos tomos que havia estudado, bem como as tantas conversas e debates que havia tido.

— Já entendi. — riu a misteriosa garota para si. — Vocês acham que a Relíquia do Mar que guardam aqui em Asgard é a única que existe, pois na verdade fique sabendo que existem Sete delas. Seis das quais nós já selamos pelos Sete Mares. E agora falta apenas a de Asgard. E é por isso que viemos até aqui. Para selar Poseidon.

Freia sentou-se no banco de pedra onde antes a prisioneira havia se sentado, pois havia sido tomada de tantas dúvidas que era como se houvesse sido soterrada por todas elas ao mesmo tempo. A Cavaleira de Atena fez questão de despejar ainda mais para que Freia caísse vencida finalmente.

— Outros Cavaleiros foram enviados antes de mim e então uma embarcação deve ter atracado para negociar a Relíquia do Mar com o povo de Asgard. Não recebemos notícias de nenhum deles há um bom tempo e por isso eu vim até aqui. Descobrir o paradeiro deles e então selar Poseidon. — falou ela, severa na sua fala. — Portanto diga-me Princesa. Onde estão os invasores?

Freia respondeu a garota e sua fala era distante e um pouco desapontada.

— Eu não sei. Desde que me coloquei contra os planos do Palácio Valhalla, fui expulsa do conselho e há tempos que não sei o que se passa de verdade em Asgard.

— Então é por isso que veio parar aqui? — perguntou a outra, mas Freia não respondeu, como se envergonhada de sua sina.

Ao vê-la enfiada em pensamentos confusos, a Cavaleira voltou-se para a porta e derreteu todo o ferrolho que lhes prendia ali. Freia às suas costas e até mesmo o velho esperto levantaram-se.

— O que pretende fazer? — perguntou ela.

— Vou até meu irmão. — falou apenas a garota. — E depois selarei Poseidon.

— Não poderá! — disse Freia novamente tentando detê-la de partir. — Valhalla acredita que o Santuário atacará Asgard. Serão caçados pelos Guerreiros Deuses.

— Guerreiros Deuses?

— Sim. Os Sete Guerreiros Deuses que são convocados por Odin para lutar quando Asgard é colocada em perigo. São Guerreiros capazes de realizar milagres que não devem em nada aos Lendários Cavaleiros de Atena.

— Entendo. Se tivermos de lutar para que isso aconteça, então lutaremos. Mas nossa missão é selar Poseidon, se não quer que aconteça um derramamento de sangue nessas terras, diga-me como posso encontrar a Relíquia do Mar.

Freia encarou a garota nublada de dúvidas, pois ali diante dela a Cavaleira de Atena lhe pedia um dos maiores segredos de Asgard, mas então como Princesa de Valhalla, era mesmo seu dever tentar evitar que seu povo morresse; afinal não era por isso que ela lutava e não era exatamente por aquele motivo que estava presa? Após respirar fundo resignada, ela finalmente confessou.

— A Relíquia do Mar é o maior tesouro de Asgard, mas fica junto à todos os outros tesouros em Surtshellir, a Caverna de Surtr. A única forma de chegar até lá é atravessar o Corredor de Antigamente, que é guardado por Hilda. Ela jamais dexará que passem.

— Outra princesa?

— Hilda é a Representante de Odin. Aquela que governa as terras e o povo de Asgard.

— Sua irmã, imagino. — adivinhou a garota e Freia novamente colocou-se em silêncio.

— Sim, Hilda é minha irmã. Em outros tempos, bastaria que falássemos à ela toda a situação e ela mesmo lhe guiaria pelo Corredor de Antigamente para selar a Relíquia do Mar.

— Mas…

— Algo terrível aconteceu em Asgard e minha irmã não é mais a mesma. Ela jamais permitirá que cheguem perto do Corredor ou mesmo da Caverna de Surtr.

A resposta diante dela, no entanto, foi o silêncio profundo que ecoou pela cela de pedra quando seu Cosmo de Fogo manifestou-se poderoso e brilhante lançando sombras no fundo da prisão. Aos olhos da Princesa Freia, não lhe restavam dúvidas, pois fosse como fossem as histórias antigas que se contava sobre os Cavaleiros de Atena, aquele fogo que queimava ao redor daquela estrangeira seria a força monumental que ela usaria, se preciso fosse, até mesmo para derrubar Hilda por sua missão.

— Não adianta. Não há força nesta Terra capaz de vencer minha irmã Hilda. Não mais. Seu fogo pode derreter todas as trancas de Asgard, mas não fará nada diante do poder de Hilda de Polaris.

A Cavaleira de Atena abriu os olhos dentro do fogo que era o seu Cosmo.

— Não será a primeira vez que um milagre será realizado em nome de Atena. — falou ela ameaçadoramente.

Freia sentiu talvez pela primeira vez um gelo enorme no estômago lhe congelar a coragem que até então sentia; e foi o medo de perder sua irmã que a fez se levantar e segurar o braço em chamas da garota, para que não partisse. Ainda que sua irmã fosse Odin-na-Terra, como falavam, e talvez plenamente capaz de reduzir aquela menina às cinzas, a simples possibilidade de que sua irmã se ferisse por qualquer milagre a aterrorizou naquele instante.

— Não, por favor não faça nada com ela! — pediu com os olhos amedrontados.

De outro lado, a garota sentiu-se incomodada de que sua veia assassina talvez tivesse transparecido uma vez mais sem que ela sequer tivesse controle; como se uma antiga versão de si ainda vivesse em suas expressões, de modo que facilmente uma desconhecida adivinharia seus pensamentos assassinos. Seu cosmo abrandou-se e ela tocou a ponta de flecha que carregava no peito, lembrando-se da esperança que uma vez sentiram ao lado dela.

— Pode convencê-la? — perguntou a garota, mas Freia negou com a cabeça.

— Ela não me escuta mais. — falou ela muito triste. — Ela não escuta mais ninguém.

Havia algo profundo ali e os olhos inquisitivos da Cavaleira de Atena foi tudo que ela poderia fazer para demonstrar qualquer sinal de comiseração com aquela princesa em farrapos. Freia sentia-se amargurada de que suas palavras não seriam suficientes para desarmar uma situação que parecia destinada a ser trágica. Escolheu dar mais profundidade ao seu pedido sincero.

— Certa manhã, após orar como sempre fazia todos os dias por misericórdia e clemência à Odin para com nosso povo sofrido, Hilda ganhou um presente do Pai-de-Todos. Um Anel de ouro. O Anel dos Nibelungos.

A garota ainda a encarava.

— Desde então ela tornou-se uma pessoa completamente diferente.

— Possuída pelo anel?

— O Anel é dito ser um presente de Odin. — falou Freia.

— Você não parece acreditar nisso.

— Assim como você diz que esse não é o tempo de Poseidon, também não são as circunstâncias pelos quais o Anel deve ser usado. — falou Freia. — Está errado.

— Esse é um assunto que não podemos interferir. É um caso de Asgard. — falou a menina.

— Pois enquanto Hilda estiver usando aquele Anel de Ouro, você não poderá chegar perto da Caverna de Surtr. — falou Freia determinada. — Por favor, me ajude Cavaleira de Atena.

A Cavaleira de Atena via-se dividida entre a porta da cela aberta e o pedido de ajuda às suas costas de uma Princesa em farrapos, que clamava não somente por ela, mas por toda uma nação. O prisioneiro com quem dividiam a cela decidiu abandoná-las as duas ali com aquele impasse e abriu a porta arrombada deixando cair dentro da cela a luz de chamas do corredor revelando Freia para a garota: seus cabelos louros ensebados, o rosto sujo de fuligem onde brilhavam os olhos feito gemas preciosas, o vestido antes branco completamente encardido nas pontas rasgadas e ferimentos nos punhos frequentemente trancados em grilhões apertados.

Ela talvez não fosse uma guerreira, mas a Cavaleira reconheceu imensa fibra e coragem naquela Princesa. A garota fechou os olhos e perguntou resignada.

— Como?

Freia viu-se enxergada pela primeira vez em muitas semanas; alguém finalmente a escutava. Não era mais apenas uma Princesa ingrata ou louca falando aos boêmios das tavernas. Ela respirou fundo e falou à ela o que uma guerreira como ela poderia fazer para evitar o derramamento desnecessário de sangue.

— O Anel é amaldiçoado. Não é possível convencê-la para que tire o anel por vontade própria. O Anel dos Nibelungos é uma presença tão forte que aquele que o usa jamais se sente compelido a abandoná-lo.

A Cavaleira de Atena aguardou pacientemente.

— A única alternativa é a Espada Balmung. — falou Freia, com dor no rosto. — A Espada Balmung pode quebrar qualquer feitiço que existe. Inclusive o do Anel dos Nibelungos.

— Imagino que a espada também esteja na Caverna de Surtr.

— Ninguém sabe. Talvez. — falou Freia. — Mas para obtê-la é preciso juntar as Sete Safiras de Odin. As Safiras que dão força aos Guerreiros Deuses de Asgard e pedir ao Senhor dos Aesir.

A Cavaleira de Atena olhou para a janela quadrada da cela por onde um vento frio uivou do lado de fora.

— Então teremos de lutar de qualquer forma.

— Não há paz entre os Guerreiros Deuses. — confessou Freia como quem confidencia um segredo que jamais deveria ser trocado com uma estrangeira. — Talvez haja um modo de conseguir as Safiras sem que sangue algum seja derramado.

— Talvez. — respondeu a menina.

— Talvez. — repetiu Freia com o coração partido.

E então deixou-se cair sentada na pedra, desolada.

— Há semanas que eu tento alertar e pedir coragem para que nosso povo não seja jogado em uma guerra contra os países vizinhos. — lamentou ela. — E agora eu mesma dei a receita para uma guerra em nossos próprios muros.

— O Santuário não quer atacar Asgard. É pela paz que lutamos. Tudo que queremos é selar Poseidon.

Freia olhou para a garota e escolheu acreditar; assentiu e viu o Cosmo de fogo ascender outra vez dentro daquela cela e romper a pedra da parede para a neve do lado de fora. A Princesa imediatamente compreendeu que ela havia deixado o velho prisioneiro fugir primeiro para ocupar os guardas enquanto ela escaparia dali por outra saída.

— Não sei se voltaremos a nos ver antes do fim. — falou ela para Freia às suas costas e então completou de maneira grave. — Espero que sim.

— Espere, qual seu nome? — perguntou ela, finalmente.

A garota hesitou por um instante, mas lhe respondeu de costas com metade do corpo para fora na neve branca e fria.

— Sou Ikki de Fênix. — e finalmente partiu.

A Princesa ficou ainda alguns instantes sozinha dentro daquela cela invadida pela neve que soprava do lado de fora. Fechou os olhos e rezou sozinha antes de abandonar a cela também pela neve.

— Tenha clemência de nosso povo. — pediu para Odin e para Fênix.

 

—/-

 

Em um ponto afastado do centro de Asgard, onde uma planície se cobre de pinheiros-do-norte nevados, um Guerreiro Deus patrulha sozinho a entrada do Reino onde uma estrada se escondia debaixo da camada de neve que a cobria. Sua proteção é reluzente e de um laranja profundo, enquanto seu rosto é escondido por uma máscara deixando-lhe apenas os olhos claros à vista; a proteção dos Guerreiros Deuses de Asgard é chamada de Robe Divina, por ser um presente dado por Odin a seus Sete guerreiros mais valorosos para lutar em seu nome.

Com a prisão de um estranho visitante do largo que revelou-se como o Cavaleiro Shun de Andrômeda, enviado do Santuário de Atena, o Palácio Valhalla emitiu um alerta para toda Asgard para que suas fronteiras fossem patrulhadas enormemente e evitar que novos indesejados visitantes chegassem ao Palácio Valhalla. Aquela entrada principal era a via principal por onde Asgard recebia comitivas em tempos de outrora, muito, mas muito antigamente, quando a região ainda era um forte pólo de comércio e influência em toda Europa.

Daquela estrada adiante levantava-se uma floresta densa em que as árvores se entrelaçavam até alcançar ao longe uma enorme cadeia de montanhas que leva para a parte mais ao sul da Europa. Mas havia algo no ar que incomodava aquele Guerreiro Deus e ele caminhou na direção de algumas árvores que pareciam mover-se estranhamente, como se um animal grande demais estivesse em seus galhos.

Ele caminhou até o local sorrateiramente, mas acabou por pisar em um galho seco no chão, que fez os pássaros da árvore voarem para longe do que imaginavam ser um predador. O Guerreiro Deus olhou para a árvore e então escutou uma voz lhe acusar naquela tarde fria:

— Quem está aí? — perguntou uma voz familiar. — Sei que está aí, não adianta se esconder de mim.

O Guerreiro Deus então percebeu que havia alguém escondendo-se entre aqueles galhos do pinheiro, que também já havia adivinhado sua presença no perímetro. Com seu cosmo gélido do norte, o guerreiro acertou a árvore partindo-a no meio, revelando enfim a figura que se escondia em seu tronco. Ela pousou graciosamente à sua frente, colocando-se imediatamente em guarda. Atrás, onde ruía o tronco da árvore caindo na neve, o Guerreiro Deus adivinhou duas Urnas de Armadura tombarem no chão.

Era uma invasora.

Ele imediatamente saltou na direção daquela garota e lançou seu melhor soco para atingi-la, mas então a invasora desviou-se antes que fosse atingida, pulando para o outro lado da neve. O Guerreiro Deus levantou-se, surpreso e satisfeito.

— Ora, muito bem, Shiryu. — falou a voz familiar debaixo da máscara.

Pois estavam ali duas pessoas que muito bem se conheciam, como logo reconheceu Shiryu.

— Hyoga?


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Notas finais do capítulo

SOBRE O CAPÍTULO: Eu mudei a harpa do Mime para um violino, pois não gostaria de ter dois personagens 'iguais', já pensando sobre o Orfeu mais adiante, à quem a iconografia da harpa me parece mais forte. Escolhi colocar um violino para ele, pois também é um instrumento bastante tradicional da mitologia nórdica e também muito bonito, mantendo a essência do personagem. Colocar a Freia aprisionada vem da mesma ideia de Soul of Gold em que Lyfia é aprisionada e conversa com Aioria; nesse caso, eu coloquei Ikki para ser a pessoa que Freia vai contar sobre o objetivo. Não poderia ser Hyoga, pois afinal de contas… Hyoga virou um Guerreiro Deus exatamente como no filme do Durval. =) Foi bem difícil, mas divertido, procurar uma solução para esse quebra-cabeça. Talvez soe 'estranho' Ikki estar nessa posição, mas eu busquei manter sua personalidade em uma função que ela desempenha claramente contra sua vontade. Também quis evidenciar Shun buscando uma solução pacífica.

PRÓXIMO CAPÍTULO: UM GUERREIRO DEUS FAMILIAR

Shiryu precisa lutar contra um amigo nas neves de Asgard.



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