Os Cavaleiros do Zodíaco: A Lenda de Seiya escrita por Masei


Capítulo 83
Presentes! Um Capitão Generoso


Notas iniciais do capítulo

A missão do Esperança de Atena os leva até a ilha-natal do Capitão Meko Kaire e seu povo recebe a tripulação de braços abertos em uma grande festa.



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— No início de tudo, havia o oceano.

Falou uma voz rouca envelhecida pelo tempo, uma velha senhora de cabelos brancos e pele muito bronzeada rodeada de crianças muito novas, que olhavam com seus olhinhos brilhantes para a imensidão do mar do alto de um monte verde. Era um dia maravilhoso de poucas nuvens no céu e o mar cristalino refletia aquela imensidão azul. A atenção dos pequenos foi atraída pela velha senhora que atrás deles enchia uma bacia de cerâmica com água de um jarro.

— Um mundo de água. — continuou ela, escoando a água, mexendo com delicadeza na sua superfície. — E a água é uma energia de muitos humores. Ela pode ser calma e provedora, como também perigosa e destrutiva.

As crianças todas sentaram-se ao redor da velha senhora, como sempre faziam em suas aulas matinais.

— O mar é a fonte e a fundação da vida. E suas ondas são os humores do deus do mar, Tangaroa.

As crianças se espantaram quando a senhora revelou a pintura escura de uma grande baleia em uma das cortinas de vime daquele santuário aberto. Com ondas e ilhas desenhadas ao redor da majestosa criatura.

— Escutem bem, crianças. Este lugar em que vivemos é enorme. Com muitas planícies e árvores, montanhas e praias, ilhas e cavernas. E se tomarem uma canoa e navegarem para sempre, chegarão em lugares ainda mais incríveis, onde a água cai branca do céu, muito fria, e onde existem oceanos infinitos de areia e casas tão altas quanto os vulcões.

Ela atendia a cada olhar daquelas crianças, que a ouviam contar uma história incrível; sua voz empostou-se e seu dedo ergueu-se em riste apontando para a grande baleia.

— Mas o mundo de Tangaroa é ainda maior do que este mundo em que vivemos, muito maior. Tão grande que dizem ser possível colocar tudo que existe em nosso mundo no reino de Tangaroa e, ainda assim, sobraria espaço. 

Os pequenos boquiabertos, sem compreender como aquilo era possível.

— Mas tudo se esconde debaixo do mar.

A velha senhora então andou para o outro lado daquela sala aberta para a natureza e puxou outra cortina de vime onde viam-se muitas criaturas pintadas.

— O imenso Tangaroa teve muitos e muitos filhos que vocês conhecem muito bem. Como os golfinhos do golfo, os tubarões do além-recife, os polvos das profundezas e até mesmo as sereias das lagoas são todos filhos de Tangaroa. Pois ele é pai de tudo que vive debaixo do mar.

Ela recolheu as duas cortinas das laterais do santuário e puxou uma única cortina que havia no centro do salão com um desenho ameaçador que deixou as crianças um tanto assustadas, à princípio, quando se aboletaram mais perto dela.

— Entre esses muitos filhos de Tangaroa, existe um que se destaca por sua enorme ira e força: Ikatere.

As crianças exclamaram baixo, mas ela continuou, sempre com seu tom etéreo e misterioso.

— É Ikatere que ronca quando as tempestades tomam conta do céu, ou mesmo quando as águas do rio transbordam para destruir as plantações. Ele é bravo e muito forte. E o que ele mais quer é viver no nosso Mundo. Ter tudo aquilo que seu pai não pôde ter. O Céu e a Terra em que vivemos.

Disse ela, apontando para o teto e para as árvores adiante.

— Pois quando Tangaroa, o deus do mar, levantou-se das águas para tomar as nossas ilhas e a nossa terra, a maravilhosa Tāne se colocou diante dele e não deixou que ele tivesse o que tanto queria. Protegeu nossa terra e nossas ilhas com a ajuda de seu maior herói de todos: Maui.

As crianças adoravam as aventuras de Maui e sorriram com a revelação do herói adorado, em mais uma de suas peripécias; não raro eles brincavam de contar histórias e de se baterem pela praia como se estivessem dentro das aventuras de Maui.

— E foi assim que Tangaroa foi para sempre trancado debaixo do mar. — encerrou a velha senhora, não sem antes levantar um alerta para as crianças daquela turma. — Mas seu filho, o poderoso Ikatere, continua nas profundezas do oceano e não se cansa nunca de tentar se levantar do fundo do mar e vingar seu pai. E é por isso que nós precisamos sempre navegar com os dois olhos atentos.

 

—/-

 

"Diário de bordo, dia vinte e três de viagem. Já posso ver ao longe as ilhas no horizonte. É bom voltar para casa. Desde o caso com as sereias, o Galeão não encontrou mais obstáculos e pôde navegar com tranquilidade de volta ao Pacífico Sul. A tenente-navegadora Lunara finalmente conseguiu convencer a imediata Geist de que seria uma excelente ideia todos desembarcarem nas praias paradisíacas de meu povo e eu acredito ser mesmo um bom momento para toda a tripulação ter alguns dias de paz. Sei que seremos todos muito bem recebidos pelos navegantes. É possível que eu tenha me empolgado um pouco e prometido presentes aos oficiais. A tenente Lunara levou isso muito a sério e agora eu preciso pensar em alguma coisa. É bom estar de volta."

O Galeão rasgava o Oceano Pacífico a toda velocidade, suas velas todas desfraldadas e alinhadas para usufruir de todo sopro que havia naquele lado dos mares. A brisa que batia no rosto de Seiya e da tripulação os enchia de confiança e alegria; Lunara parecia mesmo a criança encantada que era, agora sempre com seu fone no ouvido como se seu dia de trabalho fosse eternamente embalado por uma trilha-sonora apropriada para cada momento. Naquele em específico, ela ouvia rufores e tambores de uma música instrumental heróica.

A porta da Cabine do Capitão abriu e Meko Kaire surgiu sem o seu sobretudo ou mesmo sua Armadura de Cetus; o peito, nu coberto de tatuagens escuras de suas grandes aventuras e vitórias, espantou a tripulação. Ele ordenou à Geist que já preparasse o barco auxiliar e caminhou pelo convés até a bujarrona, em que se apoiou com um enorme sorriso no rosto ao ver surgir no horizonte sua terra-natal.

— Vai ter praia, Capitão! — gritou Lunara, ficando ao seu lado, e o Capitão-do-mar abraçou a pequena.

— Vai ter, pequena.

— Vai ter presente, Capitão? — perguntou ela, e Meko ficou um pouco sem jeito.

Ela não ia mesmo dar sossego.

O Galeão ancorou perto da costa e depois de três viagens do pequeno barco auxiliar, logo todos os tripulantes do Galeão desembarcaram nas areias finas e deliciosas da praia de uma ilha tropical e paradisíaca. Recebidos por uma comitiva de homens e mulheres muito bronzeados, de cabelos escuros, peitos nus, muitos tatuados como o Capitão e também com muita dança e alegria.

— Você deixou esse lugar pra ir pro Santuário? — perguntou June ao Capitão, que apenas lhe respondeu sorrindo.

Lunara já estava enturmada com as crianças; dançava e chutava as águas rasas com sua botina na cintura e os pés descalços no mar. Seiya e Geist estavam um tanto sem jeito recebendo colares de flores e um coco verde gelado com um canudo de bambu para tomar daquela estranha, mas deliciosa bebida.

— Meko! — gritaram duas vozes aparecendo na praia.

Eram dois homens ainda maiores que o Capitão, o que era impressionante, e assim que se aproximaram de Kaire, o abraçaram e afagaram seus cabelos como quem brinca com uma criança, tamanha compleição daqueles dois gigantes de vozes de trovão.

— Ora, Meko. Não é que é verdade mesmo? Ouvimos dizer que estava vindo pra cá, mas não acreditamos. — falou o primeiro.

— O que é isso, Meko, não está se alimentando? Tá muito fraquinho. — comentou o outro, levantando Kaire do chão.

— Ah, que isso, Taika. Eu tô em forma. — protestou o Capitão, e Seiya adorou ver Meko desconcertado.

— Que saudade, irmão. — sorriu o primeiro, que chamava-se Piki. — Mas por onde que você andou? Por acaso pulou numa piscina de lança?

— Ah, é a vida de um guerreiro. — respondeu Meko, ao notar que seus irmãos estavam impressionados com suas cicatrizes.

— Ah, um guerreiro? — zombou Taika. — Vamos pro mar que eu te mostro um guerreiro!

— Está muito forte também, Taika.

E abraçaram-se outras vezes com um enorme sorriso no rosto.

— A velha Te-Maia te aguarda. — falou Piki, contente.

— Vou vê-la assim que eles estiverem bem. — respondeu o Capitão, mencionando sua tripulação.

— Cuidaremos bem deles. — falou Taika.

— Eu sei que sim.

Além de seus dois irmãos, era natural que o Capitão Kaire chamasse atenção, pois ali haviam tias e tios, conhecidos, antigos amigos, primos com crianças de colo, um tanto de senhores e senhoras que o haviam visto crescer. Era uma ilha paradisíaca e muito distante do arquipélago moderno das ilhas da região, de modo que terem visitantes ali era algo raro, senão impossível. Então aquele era mesmo um grande evento.

Pouco a pouco, no entanto, todos foram deixando a praia paradisíaca para serem escoltados até a vila principal, que ficava rodeada de uma floresta viva de diversos tons lindos de verde. Era um vilarejo absolutamente incrível, pois as construções eram feitas dos mais variados materiais e decoradas com filigranas delicadas de vime que pareciam ter brotado da terra, tal era a mistura entre natureza e arquitetura naquelas casas.

A pequena Lunara estava extremamente impressionada com o vilarejo; ela caminhava passando a mão pelas paredes e tapumes, tapeçarias e filigranas, tudo para compreender a textura e, mais do que isso, como haviam sido feitas com tanta precisão. E aquilo deu ao Capitão Kaire a ideia perfeita para um presente para a pequena: uma tarde inteira com as artífices da aldeia para aprender a trançar o vime de tal modo que pudesse confeccionar o que ela bem entendesse.

Ela realmente adorou o presente e passou grande parte da tarde só olhando as mulheres e homens que trançavam vimes, cortavam o coco, davam forma a cerâmicas detalhadas e finalmente uniam todos os elementos em decorações e até mesmo utensílios para a casa. A tudo isso ela observava e absorvia com os olhos, pois realmente não compreendia uma palavra.

Geist mantinha sua postura mesmo com um colar de flores, mas June estava já sentada em roda no que parecia ser a praça central, debaixo de uma sombra gostosa projetada por um grande coqueiro; estava junto de um grupo de tripulantes e nativos que batucavam e cantavam músicas, cada um de sua região. Os habitantes daquela ilha não falavam outro idioma que não o seu próprio, de modo que ainda que os Cavaleiros fossem ensinados dois ou três idiomas além do seu próprio, eles de forma alguma conseguiam se comunicar.

E por isso cantaram.

June provou-se uma exímia percussionista, acompanhando a levada de violões grandes e pequenos dos nativos que cantavam contando histórias do mar. E os instrumentos passavam de mão em mão, os batuques também, algumas marujas se arriscavam na coreografia de homens e mulheres da ilha. June recusou o violão ficando nos atabaques, mas Seiya não se envergonhou e assim que o violão caiu na sua mão ele imediatamente passou a acompanhar a canção, para grande surpresa de June.

— Essa é boa, timoneiro. Você nunca vai deixar de me surpreender. — falou o Capitão Kaire se aproximando da roda.

Seiya sorria e solfejava o ritmo com a boca, sem saber as letras. O próprio Meko soltou a voz, cantando junto com os seus, a enorme mão no ombro do garoto que tocava alegremente as canções daquele povo.

— Você devia ter um violão no Galeão, Seiya. — falou o Capitão Kaire ao final da música.

— Eu aprendi um pouco com a minha irmã.

Meko sorria para ele e disse qualquer coisa com os seus ao redor da roda.

— Toque alguma coisa para nós, Seiya. — pediu ele, e Seiya imediatamente encheu-se de vergonha, mas o grupo o incentivou para que cantasse alguma coisa.

Até que ele se deu por vencido e cantou uma trova animadíssima e dançante de sua terra, que fez os batuques arrepiarem e os dançarinos baterem seus pés. O refrão cativante, se não era cantado corretamente, ao menos tinha sua melodia repetida por todos até que no final foi aplaudido efusivamente. Meko era um dos mais felizes e anunciou ali mesmo:

— Esse violão é seu, Seiya! — disse ele, e o rosto do garoto se iluminou de alegria, embora June ao seu lado não estivesse tão contente, tendo um sorriso zombeteiro no rosto.

— Agora vamos ter de aguentar luau quase todo dia.

— Você finge, mas eu tô vendo que você também tem talento. — comentou ele.

— Pois eu dispenso o seu presente. — falou ela, com deboche, e o Capitão deu risada.

E ao rir viu ao longe que Geist estava olhando as ondas do mar se quebrarem no horizonte, seu sobretudo tremulando e o colar de flores no pescoço. Ele despediu-se do grupo cantante e foi até ela, sempre muito séria, e talvez um tanto deslocada entre tanta festa.

— A praia lhe cai muito bem, imediata. — zombou o Capitão.

— O mar me cai melhor, Capitão. — disse ela de volta.

— Não pense que me esqueci da missão, imediata.

— Nem me passou pela cabeça, Capitão. Na verdade, eu acho que você também deveria aproveitar e descansar um pouco. 

O Capitão Kaire olhou para sua imediata e a viu lhe devolver um breve sorriso, algo completamente impensável para ela que era sempre tão séria; talvez o seu cansaço estivesse mesmo muito evidente.

— Vou acatar sua recomendação, imediata Geist. Mas, antes disso, tem um lugar que eu gostaria que conhecesse.

Ela olhou para ele um tanto curiosa e o seguiu por uma trilha floresta adentro e acima.

 

—/-

 

Um caminho muito bem cuidado, de degraus feitos de madeira bem talhados, mas que subiam sutilmente ao redor daquele monte; Geist logo adivinhou que o Capitão gostaria de levá-la até o topo, onde erguia-se um santuário bonito, talhado em madeira, de uma plataforma aberta, embora coberta, decorado com cortinas de vime abaixadas em alguns lados com pinturas negras.

— Aqui é onde as crianças vêm para aprender sobre o mundo. De onde viemos. Foi aqui que aprendi sobre a vida e os mares.

— Uma escola? — perguntou Geist.

— Pode se dizer que sim. — falou ele, procurando por algo em algumas estantes.

Não haviam crianças, pois todas estavam na festa, como também não havia ali a responsável pelo local.

— Aqui. — disse ele, encontrando um grande livro de folhas grossas. — Para sua coleção.

Geist aceitou, pois jamais negaria um livro.

— Não sentirão falta? — perguntou ela.

— Cada criança aqui ganha um desse para a vida. E cada uma delas escreve um novo para que fique aqui para a próxima geração. Somente assim a velha Te-Maia te deixa ir navegar.

— É um livro infantil? — perguntou ela, confusa com o presente.

— É um livro que conta a história de nosso povo. — falou ele, apontando para as tatuagens em seu corpo. — À nossa maneira e com a nossa arte.

A garota então abriu o grande livro que tinha em mãos, folheando delicadamente, e notou que cada página era minuciosamente escrita à mão, em tinta preta, mas também em outras cores, de poucas palavras, mas de muitas imagens ao estilo das tatuagens que haviam no torso de Meko. Ela sentiu-se enormemente honrada.

— Muito obrigada, Capitão. — falou ela, olhando-o nos olhos.

Ele assentiu e olhou distante para o mar brilhante do horizonte; fazia muito tempo que havia estado ali e Geist colocou-se ao seu lado para olhar o mar. Ela reconheceu nas primeiras figuras daquele livro as formações rochosas diante deles, que despencavam até a faixa de areia no horizonte.

— Vou lhe deixar a sós, imediata. Há muitos outros livros e pinturas aqui para saciar sua curiosidade.

Ela deixou escapar um breve sorriso, agradecendo novamente, quando Meko, de fato, desceu sozinho de volta ao vilarejo, deixando sua imediata com todo aquele conhecimento; uma confiança enorme, ela bem sabia, mas esse era o seu Capitão e aquele era o seu presente perfeito.

No sopé do monte, na entrada da trilha, June veio até sua direção com o rosto cortado por um sorriso zombeteiro.

— Achou um presente para ela?

— Livros. — falou ele, para um sorriso de June. — Agora falta só o seu.

— Quer me dar um presente? — perguntou ela, o acompanhando. — Diga-me porque deixou esse lugar paradisíaco para ir ao Santuário. Eu estou com seu povo, bebi de suas bebidas e não consigo imaginar alguém deixando essa ilha para qualquer outro lugar.

— Você tem razão. — falou ele. — É bastante raro alguém deixar essa ilha.

Ela o olhava, realmente curiosa. Ele falou novamente.

— Venha comigo.

E juntos, mas em silêncio, eles caminharam seguindo uma outra trilha, muito menos demarcada e mais tomada pela vegetação da ilha. Até uma grande árvore com uma enorme entrada escura no meio de suas raízes, com totens cuidadosamente esculpidos na forma de muitos animais da floresta e até mesmo dos mares. 

— Há alguns anos eu perdi uma pessoa muito importante nessa ilha.

Não fez qualquer rodeio e June percebeu que aquele era um lugar sagrado em que aparentemente se honravam aqueles que deixavam o plano dos vivos. Ela imediatamente sentiu-se mal, por ter sido tão curiosa e um pouco míope, por não ter imaginado algo parecido.

— Desculpe-me, Capitão.

— Não há com o que se desculpar, June. — falou ele calmamente. — Ela era incrível. Uma guerreira fabulosa.

E June viu ao seu lado o cosmo prateado de seu Capitão Meko Kaire brilhar em seu corpo.

— Ela encontrou a Urna de Cetus em uma das ilhas próximas daqui. E ficou fascinada pelo poder que ela emanava, bem como os segredos por trás dela. E decidiu trilhar o caminho de prata até onde ele a levasse. E eu tinha muito orgulho de sua escolha. 

Ele engoliu em seco antes de continuar.

— Mas não era pra ser. E ela se foi antes mesmo que pudesse usar a sagrada Armadura de Cetus.

Meko colocou o punho fechado perto do coração antes de continuar falando.

— E por isso eu decidi seguir o caminho por ela. Completar seu sonho.

E então o Capitão olhou com seu único olho para June, sorridente, convicto de que havia cumprido o sonho de sua amada. E June compreendeu a beleza daquela decisão e, por um instante, sentiu-se muito tola de imaginar que ele deixaria um lugar como aquele por qualquer bobagem. Ela olhou para a árvore e, como se algo a invadisse, sentiu uma imensa saudade de Shun.

Em respeito e em silêncio, ficaram diante daquela árvore e, como estavam, ainda podiam ouvir as ondas do mar se quebrarem ao longe, pois o mar estava em todo lugar naquela pequena ilha. O Capitão Meko falou novamente, tomando a palavra:

— Volte ao vilarejo, June. O Seiya deve estar sentindo falta de seus batuques.

— Onde vai, Capitão?

— Tem alguém muito importante que eu preciso rever. — respondeu ele com um sorriso contente.

June despediu-se voltando para a vila e Meko seguiu aquela trilha mal cuidada até uma faixa de areia que ficava distante de tudo.

 

—/-

 

Surgindo na faixa de areia depois de levantar uma enorme folha verde, encontrou uma velha senhora em cima de uma pedra olhando para o mar que vagava à sua frente.

— Ah, o Capitão Kaire veio ver a avó, finalmente?

O Capitão pisou na areia e ela virou-se para olhá-lo; ela usava um vestido simples, mas bonito, e tinha os cabelos brancos presos na cabeça, muitas rugas, mas um sorriso reconfortante no rosto. 

— Você é a mesma de sempre, minha vó. — falou ele.

— Já você tem lutado demais, pelo jeito, meu neto. Há quanto tempo, Meko.

— Tempo demais, minha vó, perdoe-me. — respondeu ele.

Ela deixou escapar um riso baixo quando buscou segurar sua mão.

— O tempo de uma viagem é o tempo de uma viagem. Principalmente quando se vai para a boca de um tubarão como você foi.

— Vocês se preocupam demais. — respondeu ele. — Senti muito sua falta.

— Sei que seu coração esteve sempre conosco, Meko.

— Como o seu esteve sempre comigo.

Ela tinha o melhor sorriso do mundo.

— Como estão todos? — perguntou Meko.

— Estão como os encontrou. Contentes. Seu irmão Piki continua reclamando de tudo que ele pode, enquanto Taika continua mantendo os interessados longe daqui.

— Te Waipounamu? — perguntou Meko, como se adivinhasse os problemas da vila.

— Sabe que sim. Nada que não possamos resolver… — falou ela, respirando fundo a maresia do oceano.

— Talvez eu possa ajudar. — falou ele, para um rosto surpreso de sua avó.

— Quem é afinal esse Capitão Kaire que vem do outro lado do mar? — perguntou ela, arrancando um sorriso de seu neto.

— O mesmo. Mas agora eu conheço mais pessoas.

— Eu tenho certeza que sim. — falou ela. — Mas não se preocupe com isso, afinal de contas você tem preocupações maiores.

Meko então olhou para seus olhos sorridentes, imediatamente percebendo que ela sabia de sua missão pelos Sete Mares. Como todos os outros representantes sabiam, pois era mesmo verdade que haviam Civilizações antiquíssimas pelos Oceanos que mantinham o poder de Poseidon. Coisa da qual ele ainda duvidava dentro de si.

— A Relíquia do Mar? — perguntou ele, sem encontrar melhor as palavras para suas angústias. 

Ela assentiu.

— Então é mesmo verdade. — continuou ele. — Eu não pude acreditar quando me contaram, afinal eu nasci e cresci nesta ilha, vó Te-Maia, e nunca soube absolutamente nada sobre Poseidon.

— Poucos sabem, meu neto. Muitos jamais saberão.

Ele olhava também para o oceano junto de sua avó, pois sabia que aqueles eram os domínios de Tangaroa e, no entanto, eram também as terras de Poseidon.

— Como?

— Histórias mais antigas do que você. — falou ela, pois era como sempre respondia na escola.

— Quem mais sabe sobre isso?

— O guardião da Relíquia.

O estômago de Meko gelou ao olhar para ela e adivinhar sozinho quem poderia ser, pois afinal de contas não poderia ser qualquer outro. Em seu peito, as lembranças de memórias tristes quando vocalizou um nome poderoso.

— Ikatere. 

— O filho de Tangaroa.

Perto dos recifes, as ondas quebravam e rolavam salgadas até a praia.

— Ikatere é um guardião de Poseidon? É isso que o filho de Tangaroa se tornou?

A velha Te-Maia não escondeu o sorriso que escapou de seu rosto.

— Poseidon, o treme-terras do mar. — repetiu ela, com a voz empostada. — Conhece bem Ikatere, ele jamais seria um qualquer do velho-Poseidon. Ele não liga para Poseidon. Mas toda oportunidade, por menor que seja, para nos afrontar, ele aproveita com muito gosto.

Meko olhou para ela com confusão nos olhos.

— Eu conheço todas as histórias de nosso povo. Mas Poseidon nunca fez parte de nenhuma delas.

Sua velha vó Te-Maia sorriu e fez a água cristalina do mar que tocava seus pés recuar com um movimento de mãos.

— Sabe bem das histórias, meu neto. Quando Maui venceu Tangaroa no mar há muitos e muitos anos, os Três Irmãos do Além-Mar sequer haviam nascido. 

— E então Tāne passou a cuidar também das águas. — lembrou Meko de suas aulas quando era uma criança.

— Até surgir esse tal Poseidon. — comentou a velha. — Poderoso, muito poderoso, é verdade. Mas não pôde tomar os domínios antigos de Tangaroa como bem quis.

— Ikatere.

— O orgulhoso Ikatere. — corrigiu a velha senhora. — Mesmo vencedor, Ikatere viu aquela oportunidade para causar algum constrangimento à Tāne e a todos nós. Ofereceu de bom grado guardar a Relíquia do Mar de Poseidon, desde que Poseidon deixasse Tāne fora dos mares.

— Só para nos afrontar?

— Só para nos afrontar. — concordou Te-Maia. — E assim foi decidido que os mares ficariam com Ikatere e o tal Poseidon.

O neto olhou para o mar, como quem tem pouca paciência para algo como aquilo.

— E onde está a Relíquia? — perguntou ele, finalmente.

— Nunca soube. Nunca a vi. Ikatere sabe.

Claro que sabia, o que tornava aquela missão do Galeão de Atena muito, mas muito perigosa, finalmente. Aquela paz que sua tripulação gozava no vilarejo logo seria interrompida.

— Vou até ele. — anunciou Meko.

— Ela também sabia.

Meko, que tinha os olhos decididos e duros contra o oceano, sentiu que seu coração pareceu saltar algumas batidas e seu estômago gelar totalmente. Ele buscou os olhos de sua avó, confuso, mas também com um peito cheio de dor, pois profundamente em seu ser existia a saudade de uma morena que havia lhe tomado o coração quando ele era mais jovem; e quando eram mais jovens, ela veio a falecer de maneira muito dolorida para Meko.

— Mia seguiria meus passos, ainda que não soubesse, e por isso tinha conhecimento sobre a Relíquia do Mar. E muito mais do que eu: ela sabia onde estava.

O Capitão Kaire ali era mais um aprendiz de Vó Te-Maia, mas o coração dolorido o fez compreender também muitas coisas que, por noites a fio, se perguntou sozinho na escuridão. Principalmente os motivos pelos quais tanto ele como Mia estavam onde estavam naquela fatídica noite em que ela veio a perder sua vida. Pois estavam exatamente onde agora Meko precisava estar.

Ele olhou para sua avó e sorriu, puxando-a novamente para um longo abraço, mas ela o impediu no meio do caminho e, com os dedos pretos de uma tinta que sempre tinha a tira-colo, desenhou no peito de seu neto uma bonita baleia próxima a outras de suas muitas tatuagens.

— Que Tangaroa lhe receba muito bem, meu neto.

— Ele sempre me recebe, minha vó. É seu filho que me preocupa.

— Ikatere já deve estar à sua espera. — falou ela. — Descanse pela tarde e parta pela noite.

— Obrigado, minha vó. — falou ele. — Te vejo do outro lado do Mar.

— Sempre, meu filho. Estarei sempre ao seu lado. — sorriu ela.

E assim abraçaram-se longamente, com Meko deixando sua avó fazer o que mais gostava, que era dançar com as águas e solfejar as vagas do mar. Ele voltou ao vilarejo para cumprir sua missão de Cavaleiro de Atena.


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Notas finais do capítulo

SOBRE O CAPÍTULO: Quando eu decidi que faria um arco de aventura antes de Asgard aos moldes do Arco dos Templos Elementais de Ômega, os caminhos foram logo se abrindo para a história. Primeiro pensei que deveria ser algo relacionado à Poseidon. Lembrei do capítulo em Lost Canvas dos guardiães do Selo de Poseidon e pensei que seria legal ter aquele mesmo Selo, ou Relíquia, em diversos outros lugares. Logo ficou claro que a história teria 7 lugares para serem selados (bem parecido com Ômega). A princípio, pensei em lugares como Asgard, na terra, mas logo considerei que faria muito mais sentido que os lugares fossem apenas acessados pelo mar de Poseidon. Ou seja, eu precisaria de um barco. O Barco de Lost Canvas. E com um barco, eu precisaria de tripulação. E Moses (ou Meko em minha história) ainda estava vivo, de modo que ele era uma escolha óbvia para ser capitão (assim como Geist), pois são os únicos personagens do mar que conhecemos na ordem do Santuário. E quão perfeito não foi descobrir na ficha de Moses que ele é da Nova Zelândia, de modo que o principal ponto dessa viagem toda precisaria ser sua terra-natal. Fortemente inspirada pelas histórias maori e dos povos polinésios (não vou fingir que o filme da Disney que eu mais amo também me inspirou: Moana). =) Esse é um capítulo de paz, explorando um pouco do passado do Capitão para humanizá-lo e estendendo seus laços entre a tripulação.

PRÓXIMO CAPÍTULO: OS DOMÍNIOS DO FUNDO DO MAR

Embora a paz lhe preencha o peito ao voltar para casa, o Capitão Kaire sabe que está ali para cumprir sua missão. Mas ele está enganado se pensa que fará isso sozinho.a



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