Os Cavaleiros do Zodíaco: A Lenda de Seiya escrita por Masei


Capítulo 71
Saori Kido


Notas iniciais do capítulo

Saori sofre ainda com o que esperam dela e a mulher que ela quer ser. Como ser uma Deusa se o caminho que esperam dela a separa de seu coração?



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Silêncio.

O teto movendo-se sutilmente através da água cristalina. Um profundo silêncio.

Animação suspensa. Um estado de graça.

De olhos fechados, era como se existisse em qualquer outro lugar.

Ao reabrir os olhos, outra vez podia ver o teto escuro pela água cristalina que deslocava sutilmente as formas.

Levantou o tronco emergindo da água, finalmente deixando que ela escorresse por todo seu rosto e respirou fundo tomando o ar novamente.

Os bipes sonoros podiam ser ouvidos à distância. Ela suspirou e finalmente levantou-se da banheira quente para enrolar-se em uma toalha. 

Com os pés molhados e descalços, saiu para um quarto improvisado feito uma suíte onde Alice já a aguardava. Saori secou-se e enrolou os cabelos na toalha.

— Já estava precisando. — comentou Alice, arrancando uma careta de Saori. — Senta.

Saori sentou-se em um tamborete à frente de Alice, que com uma escova abriu seus longos cabelos. Já fazia três semanas que a batalha havia se acabado e os meninos continuavam afundados naquele profundo coma.

— Como conseguiu esquentar a água?

— Usei o gerador de forma criativa. — respondeu Alice.

— Estava ótimo.

— Eu sei.

E escovava com delicadeza os longos cabelos molhados. Alice sabia que Saori estava cansada e ocupou-se de ficar em silêncio, para que ela tivesse alguns minutos de paz; mas, como uma maldição ou tortura, os bipes repetidos do segundo andar jamais deixariam que ela se esquecesse de suas dores.

— O que as pessoas estão falando? — perguntou Saori, finalmente.

— De você?

— Sim.

— Falam sobre Atena. Que não sai dessa casa. — falou ela.

Saori não respondeu e Alice continuou:

— Parece que há Cavaleiros e Soldados que não confiam em você.

Saori ficou calada. Ela havia aberto mão de sua posição na Fundação Graad, mas também não ocupou seu lugar como a Deusa Atena. Principalmente para os antigos habitantes de Rodório, que eram tão acostumados com a rigidez dos ritos e costumes do Santuário. Entre as forças do Santuário, não era raro os soldados que inclusive duvidavam que ela fosse mesmo a Deusa Atena, afinal de contas era impensável que Atena estivesse em qualquer outro lugar que não fosse o seu Templo. Nunca misturada a eles. Muito menos morando entre eles.

— Não sei se eu me importo. — falou Saori. — Eu deveria me importar?

Alice parou de escovar por um momento, como quem procurasse a melhor forma de lhe dizer.

— Bom, você é a Deusa Atena, né. — disse finalmente. — Talvez devesse. Mas eu sou suspeita, por mim você foge desse lugar terrível e vai viver na praia.

— Você vai preparar meus banhos na praia também? — perguntou Saori, e foi a vez de Alice ver-se muito envergonhada.

Saori então puxou a mão esquerda da amiga para pegar nas suas e deixou a cabeça pender em seu braço de maneira carinhosa. Alice parou de pentear-lhe os cabelos e acariciou seu rosto; ela tentava manter-se a rocha ao lado de Saori, mas rasgava-lhe o peito que ela estivesse tão triste, tão confusa.

— Eu só preciso de um tempo. — falou finalmente Saori, sem saber se era para ir à praia ou para ser a Deusa Atena.

— O seu tempo ou o tempo deles? — perguntou Alice apontando para o teto, pois no segundo andar daquela casa estavam os cinco corpos que tanto a preocupavam.

— Sempre foi o meu tempo, não é? — perguntou Saori. — Agora é o tempo deles. Quero estar ao lado deles, não quero que eles fiquem aqui sendo cuidados, em coma, enquanto eu fico no alto da montanha sendo tratada como uma Deusa. São meus amigos, Mii.

— São meus também. — falou a amiga. — Não acho que está errada, Sa. Mas eu e aqueles idiotas lá em cima não somos ninguém para as pessoas daqui. Você é a Deusa Atena.

— Não posso ser quem cada um deles espera que eu seja.

— Claro que não pode. — concordou, incentivando-a. — Eles também precisam de um tempo para se acostumar.

Alice terminou a escovação e colocou uma bonita presilha de ouro nos cabelos de Saori.

— Quero ver alguém duvidar que é uma Deusa. — comentou ela, levantando da cama e abrindo a porta.

 

—/-

 

Saori saiu sozinha para o segundo andar, pois Alice cuidaria de tomar seu próprio banho, bem como de deixar o local todo limpo e seco. Naquele quarto convertido em uma ala clínica, os bipes sonoros confundiam-se com o barulho da chuva que caía na Grécia. Os cinco corpos continuavam imóveis na cama, cobertos cada qual com um lençol de cor distinta, pois tiveram de pedir aos diversos moradores da região por roupas de cama e outros víveres. Era, afinal, um vilarejo muito simples.

A aparelhagem moderna com suas muitas luzes acesas na cabeceira de cada um deles era um contraste imenso com aquela casa rústica. June trocava a bolsa de soro de todos eles um a um.

— A Mestre Mu logo estará de volta. — falou ela ao ver Saori aparecer.

Saori encostou-se à primeira cama, em que Seiya estava deitado. Ela observou que a expressão do garoto era de extrema paz debaixo da máscara de oxigênio; ela lembrou-se de como se sentia também em paz quando mergulhava na água morna da banheira. Talvez ele também experimentava alguma tranquilidade, perdido em sonhos que ela esperava que fossem bons. Pegou em sua mão e olhou para Shun, para Shiryu, Hyoga e Ikki na ponta mais distante. Lembrou-se de Xiaoling e de como queria que ela também estivesse ali.

O som dos toques sonoros foram interrompidos pelo barulho do vidro estilhaçando no primeiro andar. June e Saori entreolharam-se assustadas, mas Saori confortou-a imaginando que fosse algum descuido de Alice. 

Desceu ao primeiro andar, mas percebeu que Alice ainda se banhava, como também notou que aquelas janelas não tinham vidros para serem quebrados. No chão, havia terra espalhada na sala e um vaso pequeno de flores quebrado no chão; ela olhou pela janela aberta e viu outra pedra entrar no casebre, derrubando um segundo vaso. Seu peito enregelou.

Ela abriu a porta e, na chuva, viu uma dezena de homens e mulheres com pedras nas mãos e, ao lado deles, havia pelo menos dois Cavaleiros de Bronze que desconhecia, bem como ao menos um Cavaleiro de Prata que também nunca havia visto.

— O que estão fazendo? — perguntou ela sem entender.

— Você não é a Atena! — acusou o Cavaleiro de Prata e, ao seu lado, um soldado raso lhe jogou uma pedra nos pés.

— Esperaram a Mestre Mu sair pra virem fazer essa bagunça? O que vocês querem de mim? — perguntou ela, de maneira verdadeira.

A pergunta pegou a todos aqueles revoltados desprevenidos, pois talvez eles nem soubessem o que eles queriam; não saberiam dizer que tipo de Deusa Atena eles achariam aceitável. Uma pessoa cruel, poderosa, belíssima, inteligente, belicosa, justiceira? Não saberiam dizer. Talvez qualquer versão de Saori seria igualmente rechaçada em favor de qualquer outra. Eles queriam apenas fazer algo com o sentimento de traição que sentiam, pois eles todos tinham certa autoridade e fama por serem fiéis ao antigo Camerlengo. E agora eram apenas mais um no Santuário. Ou pior, pois aqueles que antes gabavam-se de certa crueldade agora eram mal vistos.

— Uma garota como você vai causar a ruína do Santuário. Os Deuses vão invadir essa Terra. — falou o Cavaleiro de Prata.

— Eu vou lutar! — falou ela.

— De que adianta lutar? Fraca como é, nós só vamos perder! — acusou outro Cavaleiro de Bronze.

— O que está acontecendo aqui!?! — vociferou a voz de Shaina de longe, em cima de um rochedo.

Ela saltou entre os revoltosos, afastando-os em grupos menores. 

— Eu não posso acreditar no que os meus olhos estão vendo. — falou ela. — Essa é a Deusa Atena! Estão realmente delirando se acham que isso vai ficar barato.

— Ora, Shaina, todos sabem que você também não gosta dela! — falou um dos Cavaleiros de Bronze.

E ele foi o primeiro a encontrar a fúria do punho de Shaina, que o levou ao chão distante dali.

— Ela é a Deusa Atena e isso é tudo que precisamos saber. Vocês são guerreiros do Santuário. Passaram anos protegendo uma imagem falsa e, agora que estão diante da verdadeira Deusa Atena, se atrevem a jogar pedras nela? Eu vou colocar cada um de vocês no Cabo Súnion pelo resto do mês!

— Não fará nada disso. — retrucou o Cavaleiro de Prata. — Estamos na iminência da Guerra Santa e não pode se desfazer de ninguém que esteja apto para lutar. 

Ele tinha razão e Shaina calou-se por um instante.

— Você tem razão, Sírio de Cão Maior. Você vai viver. Mas isso não significa que não vai sangrar por isso.

Seu braço esticou-se acima da cabeça, sua mão abriu-se, as unhas iluminaram-se e a eletricidade estalou antes de cobrir o corpo do Cavaleiro de Prata, que urrou de dor com as Garras de Trovão de Shaina que o levaram ao chão.

— Sumam daqui! Voltem para seus postos e amanhã eu espero todos vocês no primeiro raiar da aurora na Arena.

A expressão de medo no rosto dos Cavaleiros de Bronze e soldados rasos era notória quando se afastaram dali, pois sabiam que teriam vida dura no dia seguinte. Sírio também levantou-se com dificuldades, mas lembrou antes de ir embora.

— Você também não acredita nela, Shaina. — falou ele, ainda tremendo de seus espasmos. — Mas prefere morrer por isso do que fazer algo. 

Shaina o levantou pelo pescoço e falou entre os dentes.

— Ela é a Deusa Atena. Ela derrotou o Camerlengo que vocês achavam um Deus. Eu pensaria duas vezes antes de duvidar dela.

Soltou-o na terra e Sírio olhou-a nos olhos antes de sair.

— Você também o achava um deus.

E assim saiu. Deixando Shaina com aquela dor que não raro a atormentava: a de que também estivera ao lado deles praticando crueldades pelo Santuário. Ela lembrou-se, no entanto, de seu dever. E assim que virou-se para Atena, para se desculpar por aquela absurda confusão, fez algo que ela nunca havia feito até então: ajoelhou-se diante dela e desculpou-se imensamente. Pois se Shaina não gostava da ideia de Saori ser a Deusa Atena, ela sem dúvidas levava a sua função de Mestre de Armas muito à sério.

— Desculpe-me, Atena. Vou me certificar de que sejam todos punidos. — disse ela, valorizando a fala. — E isso não acontecerá mais, eu juro.

Saori nada respondeu, e Shaina, que esperava uma reprimenda terrível, sentiu-se desconcertada com o silêncio. E quando levantou os olhos, viu que Saori não estava mais ali. Talvez não estivesse há um bom tempo e, na distância, ela caminhava pela chuva para longe.

 

—/-

 

Outra vez nas ruínas do Mar Egeu, onde uma vez Seiya despediu-se de Marin, onde Marin despediu-se de Mayura. Onde ela e seus amigos viram o sol nascer antes que fossem induzidos àquele coma que os separava entre a vida divina que a obrigavam a viver e o mundo dos sonhos que obrigaram Seiya e seus amigos a experimentarem enquanto se recuperam.

A chuva continuava a cair por toda a Grécia e assim ela se ajoelhou no pontilhão de pedra, ainda olhando as luzes acesas do porto ao fundo. 

Ela não queria fugir.

Ela só não queria que a vissem chorar.

Socou a terra enlameada e revoltou-se ao ver que nem mesmo a raiva que sentia dentro de si era capaz de fazer com que ela manifestasse seu Cosmo divino. Pois aí ela queria ver duvidarem dela. Queria ver lhe jogarem pedras. Queria ver alguém comentar escondido pelas praças. Queria ver alguém dizer qualquer coisa ao fato de que ela gostaria de estar onde ela bem quisesse.

Nem mesmo o seu báculo ela tinha ao seu lado, pois esse ficou no Templo de Atena.

Tudo que ela tinha ali era a presilha de ouro que Alice havia lhe dado. O cabelo escovado já estava todo estragado, mas ela tirou a presilha e sabia que então ela tinha tudo que precisava. Levantou-se pronta para voltar a Seiya e aos outros convalescidos quando sentiu na escuridão que havia um vulto a observando.

Durou um instante e passou como havia surgido, como se carregado pelo vento. 

Ela limpou as lágrimas na chuva e virou-se para retornar quando viu a figura da Mestre Mayura à sua frente. De pé. Os olhos abertos. Trajando sua maravilhosa Armadura de Coruja no corpo. Estava ali na condição de Saintia e não como a governanta do Santuário.

— O que eu faço, Mestre Mayura? — perguntou ela, morosa.

— O que sempre fez, Atena. — respondeu Mayura.

— Seguir meu coração parece tão infantil. — adicionou Saori.

— Não há idade para um coração no lugar certo.

Saori ficou calada, pois sentia seu peito gelado. Mayura caminhou em sua direção e falou com a voz distante.

— Eu ainda lembro de como você e a outra pombinha se escondiam na rocha pra ficarem olhando para a estátua de Atena em meu retiro. Sobre o que falavam?

— Achávamos que pudesse nos ouvir.

— Nunca. Só escutei aquilo que você quis que eu ouvisse, Atena.

— A gente brincava. Na maioria das vezes eu tomava a estátua e brincava com ela, tentando imaginar que era uma Deusa poderosa e muito cruel.

— Bem distante do que você é.

— Não sou uma Deusa poderosa. — concluiu Saori.

— Não é uma Deusa cruel. — corrigiu Mayura. — Veja, Atena, eu estive ao seu lado quando ainda era apenas um bebê. Quando lhe encontrei na Mansão do Velho Kido. Também estive ao seu lado quando descobriu que era a Deusa Atena.

— Eu nunca fiquei tão confusa na minha vida.

— Ainda está muito confusa, não é?

— Muito.

— Eu não posso lhe ajudar a descobrir o que significa ser uma Deusa. Mas é meu dever te lembrar para que nunca duvide do seu coração. A tristeza não é um erro. Você também pode ficar triste.

— Não estarei bem enquanto eles estiverem daquele jeito. — falou ela sobre seus amigos apagados.

— Então fique com eles. Eu não estou aqui como a Mestre do Santuário, estou aqui como a Saintia e a Coruja de Atena.

— O que a Mestre do Santuário diria?

— Eu não sei. Ela não está aqui.

Saori olhou para Mayura e experimentou dar-lhe algo que talvez ela raramente tenha experimentado: um abraço. E como ela estava ali como Coruja e não Mestre do Santuário, ela experimentou retribuir. E então olhou para Saori e repetiu:

— Vá até eles. — falou ela, com um sorriso impossível no rosto.

Saori correu de volta na chuva para o casebre e viu Alice correndo em sua direção, preocupadíssima. Certificando-se de que nada havia lhe acontecido, perguntando se estava bem e muito ofendida que ela estava outra vez muito suja.

Ao chegarem no casebre, Saori viu ao longe que a Mestre Mu estava de volta, bem como Shaina e até mesmo algumas outras figuras conhecidas na porta da construção. Ela correu pela porta, passou pelos Cavaleiros de Ouro, subiu as escadas e seu peito encheu-se de alegria.

Eles estavam de pé novamente.


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Notas finais do capítulo

SOBRE O CAPÍTULO: Eu gosto muito da cena do Mangá dos Cavaleiros de Bronze machucados depois das 12 Casas e Saori velando eles, apesar do Santuário esperar dela outra postura. E eu quis elaborar sobre isso. Mais do que isso, gostaria de apontar também que mesmo dentro do Santuário ainda haviam aqueles que não acreditava nela, afinal de contas foram 15 anos de domínio de Saga e suas ideias não poderiam ser apagadas do dia para a noite.

PRÓXIMO CAPÍTULO: UMA VIDA NORMAL

Saori e seus amigos experimentam um dia normal em Rodório.



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