Art Déco escrita por Shalashaska


Capítulo 1
O Diabo




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A lição mais recorrente na vida de Wanda Eisenhardt foi ensinada pela sua mãe. Era um pensamento simples — repassado por uma mulher igualmente simples e lúcida — que dizia que cedo ou tarde, todo homem se revelaria. A jovem mais do que acreditava nessas palavras, ela enxergava tais revelações acontecerem diante de seus olhos, de modo que compreender o que as pessoas eram capazes de fazer não se mostrava um enigma absoluto. A maioria não se entregava imediatamente, é claro, mas não havia quem não deixasse escapar aqui e ali pedaços de suas crenças e intenções, como mosaicos. Às vezes eram imagens bonitas, às vezes não. Talvez não significassem nada. Wanda apenas observava com atenção e discernia quando pequenas peças dos homens poderiam ser afiadas demais, sangrentas demais.

Era uma pena que a compreensão sobre o que as pessoas podiam fazer não lhe dava plena certeza do que elas efetivamente faziam em determinados momentos. A compreensão e o senso de perigo, na verdade, sequer havia garantido que Wanda e seu irmão ficassem livres de uma vida oscilante, enredados em uma teia repleta das pessoas erradas e peças muito, muito pontiagudas de um quebra-cabeça maior. Era como caminhar no escuro com uma fonte valiosa — porém limitada — de luz, que não protegeria-lhe de certas ameaças até que estivessem perto demais. De qualquer maneira, o ensinamento de sua mãe ainda estava vivo na mente da jovem e era uma das frases que Wanda mais se lembrava, ao lado das memórias doces e do broche que havia recebido antes que Magda fosse levada pela gripe espanhola em 1918. Se o ensinamento falhasse, o broche pesado protegeria-lhe do mal.

E Wanda preferia acreditar nisso.

Passou as pontas dos dedos em um gesto distraído sobre a superfície de ferro pesado banhado em prata, depois nas gotas de pedras vermelhas. Não era uma jóia exatamente valiosa em comparação à ostentação que o cassino pedia — ou ao que o senhor Emerald exigia de suas garotas mais bonitas — entretanto, Wanda alfinetava-a sempre em seus vestidos, usando o broche em todas as madrugadas. Sempre vestia a cor escarlate.

Ela estava sentada em frente ao balcão do bar, com uma taça de bebida em sua mão e um sorriso falso estampado no rosto. Não ousava vacilar a expressão, uma vez que suas tarefas ali se resumiam a jogar um pouco, ser atraente e agradável, estimular os clientes a beberem e — mais importante — apostarem mais. Não estava no cassino para ser uma jovem preocupada e triste, não era paga para isso. O quanto era paga não convém a conversa. Caso um dos rapazes do senhor Emerald notasse sua indisposição, haveria consequências. Portanto, ainda que suas mãos tremessem um pouco e gotículas de suor teimassem em brotar em sua testa, Wanda somente tirou uma piteira de sua bolsa e acendeu o cigarro na ponta com um isqueiro. 

Havia música no ar, risadas. Piano, trompetes. Exclamações de homens que perdiam e ganhavam dinheiro, gritinhos empolgados de mulheres com bebidas nas mãos. Era tudo tão colorido e tão lindo que Wanda quase podia fingir que aquela era uma realidade diferente, na qual a madrugada se limitava a risos e os problemas desapareciam quando o garçom trazia outra rodada de gim. Quase podia fingir que a alegria era eterna e doce e fútil.

Mas Wanda não era apenas uma dama que veio ali para uma dose de aventura. Ela era uma peça da decoração que se misturava ao cenário e tinha uma posição e funções muito bem definidas. Sorria com os lábios perfeitamente pintados, vez ou outra soltando a fumaça do cigarro. Neste momento, uma voz macia chamou-a:

— Se não é a Dama de Ouros... 

Uma pessoa se aproximou, um homem com colete e gravata borboleta. Ele mostrou a carta em questão para Wanda, num gesto elegante de flerte, ao mesmo tempo se referindo a ela pelo nome da carta. Tratava-se do crupiê da mesa mais próxima — agora vazia de apostadores — um rapaz de sotaque francês chamado Remy LeBeau. Ao contrário do que todos assumiam, ele não era de fato francês: vinha de Nova Orleans. A razão de ter saído de lá jamais havia ficado clara, afinal, Remy narrava uma versão diferente para cada um que ousasse questionar.

Ele pôs a carta de volta ao baralho:

— Pronta para apostar mais essa noite, senhorita Eisenhardt? Suponho que seu irmão não goste de te ver nesse ambiente depravado.
— Não me chame assim, Remy. Não aqui. — Ela disse ríspida, pois seu sobrenome denunciava sua origem e, recentemente, tal coisa era perigosa; depois completou, mais gentil. — E não fale do meu irmão. Ele... Ele teve dias difíceis.
— Oh, sim. Ser do grupo dos Dane é bem penoso. Por isso, prefiro somente distribuir as cartas. Não me fará nenhum mal.
— É claro. — Ela arqueou a sobrancelha, tomando mais gole de bebida. — E as cartas que distribui sempre parecem melhor sorteadas para alguns do que para outros.
Oui. — Ele admitiu que alterava as cartas, favorecendo uns em detrimento à outros. — Mas você, minha nobre Dama... Nunca parece se abalar com mãos ruins. Interessante, não?

Wanda inclinou a cabeça.

— Eu chamo isso de sorte. Minha pequena sorte escarlate.

— E parece funcionar bem no baralho, no caça-níqueis, na roleta... Até no bingo.

Ela deu uma longa tragada na piteira. Não gostava tanto assim de fumar, mas ter uma piteira entre os dedos a fazia parecer inabalável, distante feito aquele prédio famoso e sua ponteira no centro. Tragar e soltar a fumaça pela boca lhe dava tempo para pensar em alguma resposta quando alguém tentava deixá-la acuada. Depois de divagar sobre seus desastres, ofereceu um sorriso.

— Mas é como dizem, — Deu de ombros, acariciou seu broche naquele gesto vago e breve. — Sorte no jogo, azar no amor.

Azar em todo o resto, ela pensou ao tomar outro gole de bebida. Caso alguém lhe perguntasse, iria dizer que estava arrepiada por uma reação qualquer e estranha do álcool, embora seu pensamento estivesse longe, em seu irmão. Se Wanda considerava sua posição frágil dentro dos Dane, mesmo como uma simples peça decorativa do cassino, com Pietro era ainda pior. Nada surpreendente, porém. Fazer serviços para a máfia nunca foi fácil.

— Wanda... — Remy apoiou o baralho na mesa e pediu um copo de whisky para  o barman. — Não precisa ser assim. Não seja imprudente. Sei que faz apostas pequenas, mas... Já te chamam por Dama de Ouros. Tem ficado famosa. E tem tirado dinheiro de gente importante. Não atraia atenção dessa laia.

Dama de Ouros, uma carta valiosa. Não tanto quanto um Às ou um Rei.

— Falta pouco, Remy. E eu e Pietro vamos nos mudar para algum lugar seguro.

— Não minta para si mesma. — O olhar dele estava entre a pena e o amor. — Pietro não quer se mudar, chérie. Está atolado demais com os Dane, mais do que você. Ouvi dizer que criou dívidas. Quer virar tipo um consigliere. Onde você for, essa vida vai te perseguir.
Os olhos de Wanda faiscaram.

— Me dê suas piores mãos, monsieur. Ainda vou ganhar esse jogo.

Ele riu e pegou a própria bebida no balcão, enquanto a dama levantava-se do assento para fugir daquela conversa desagradável e crua. Até deixara sua taça. Remy era o único que sabia um pouco mais da vida de Wanda — de algum modo, ele sempre sabia um pouco de tudo — e ela não o considerava verdadeiramente vil, somente um tanto trapaceiro e boêmio. Sabia truques intrigantes com cartas e tal coisa era parte de seu charme.

Mas, o que nem ele ou ela entendiam, era a sorte latente de Wanda com jogos de azar… E seu azar em outras coisas.

A Europa tornara-se um lugar hostil nos anos anteriores e mãe de Wanda e Pietro, Magda, insistiu para que ela, o marido e os filhos pequenos viajassem para um destino mais seguro. Como rom e judia, sabia quando as coisas ficavam perigosas e não valia a pena esperar. O marido permaneceu por uma questão financeira, mas o resto da família partiu para o Novo Continente antes que a Grande Guerra estourasse. De repente, o mundo virou de cabeça para baixo e, mesmo quando a Guerra acabou, os gêmeos Eisenhardt não viram mais o pai.  Só trocavam cartas ao final do mês. Os tempos eram árduos, faltava dinheiro. Em 1918, veio a gripe e Magda se foi para sempre.

Eles ainda moravam na casa da velha senhora Harkness, uma conhecida da mãe. Com o passar dos anos, após o período escolar, os dois buscaram emprego assim como quaisquer outros jovens. O fato de Harkness ter se aposentado e o dinheiro ser curto era um grande incentivo, mas o mundo tinha um senso de humor inconveniente. Pietro não parava em um emprego e nenhum trabalho pagava Wanda o suficiente. Até que seu gêmeo passou a trabalhar em horários estranhos, recebendo melhor. Chegava tarde, às vezes meio perturbado, às vezes com cheiro de bebida.

Quando ela questionava, Pietro pedia apenas para que ela não se preocupasse.

Há dois anos, quando Wanda se interessou por uma vaga modesta de atendente em uma floricultura, tudo o que ela menos esperava era que trabalharia no mesmo ramo que o irmão no futuro. A floricultura era um dos negócios legais dos Dane, com atenção particular do senhor Emerald — um homem na casa dos trinta anos, deveras observador e austero. Ao bater com os olhos em Wanda Eisenhardt, soube que ela era perfeita para o turno da noite. Era só usar um vestido bonito, um sorriso.

Fácil, fácil. Era só um cassino.

Wanda não era uma mulher tola e enxergava exatamente as arestas pontiagudas por detrás do sorriso macio de Declan Dane, o senhor Emerald. O diabo vestido de verde, o pior dos três irmãos. Havia quem dissesse que deveria ser grata, já que não tinha sido colocada no The Black Cat Club. Compreendia bem o que estava acontecendo, por mais que não achasse justo por não ter a mínima chance de dizer não. A segurança de Pietro, da senhora Harkness e até do gato preto dela, chamado Ebony, estava em jogo. Há dois anos, Wanda havia se tornado então uma peça dentro de um grande espetáculo noturno, responsável por estimular outras marionetes a consumirem mais álcool, a perderem mais dinheiro e, céus, ela executava seu papel com maestria.

Tanto que até sua sorte na jogatina tornava-se um fardo.

Por mais que lhe custasse admitir, Remy LeBeau estava certo e aquela conversa não era apenas um diálogo desagradável, era um aviso. A Dama de Ouros recentemente apostava pouco e tentava ser mais comedida, mas nunca perdia. Não demoraria para virem atrás dela, fosse um mau perdedor ou um estranho de alguma gangue; de qualquer modo, duvidava que Declan Dane interviesse ao seu favor, afinal, objetos decorativos podiam ser substituídos.

O fato é que seu trabalho naquela noite não havia terminado. Deu as últimas tragadas na piteira e apagou a ponta, guardando-a na bolsa que trazia, e enfim aproximou-se de uma mesa que partia para o próximo jogo de baccarat. Ela cumprimentou todos os participantes como se os conhecesse, mas sabia que provavelmente não se lembraria dos rostos deles na noite seguinte. O crupiê cortou o baralho uma, duas vezes e passou a distribuir as cartas.

Wanda exibiu outra expressão galante, discreta e falsa. Na realidade, reprimia uma sensação ardida nos olhos, talvez por estar ciente de que não importava sua sorte no jogo, estava fadada a decadência de seu destino. Ganharia na mesa, mas perderia muitas outras coisas fora dela.

♢ ♢ ♢

 

Talvez estivesse perto de amanhecer. Wanda não estava muito certa disso próxima ao beco, tanto pelo cansaço quanto pelo resto de álcool circulando em seu corpo. Apenas estava muito ciente do frio em suas canelas, pois mesmo o casaco vermelho e com gola de pele tingida não alcançava muito além de dois palmos abaixo dos joelhos. Entre o frio e o questionamento se iria ou não amanhecer um novo dia em breve, a cabeça de Wanda martelava o quanto seu irmão estava atrasado para lhe buscar. Não havia razão para demorar tanto, ele tinha um belo relógio de bolso e um Ford agora. Ela duvidava um pouco que tivesse acontecido algo sério, pois um pouco de sorte era compartilhado com o seu gêmeo, tanto que o maior perigo era sua falta de bom senso. E Wanda estava sozinha.

No escuro.

Aceitar a oferta de carona dos rapazes dos Dane sempre soava-lhe como aceitar uma sentença. No mínimo, era como jogar roleta russa: a possibilidade do desastre estava ali, engatilhada. Esses comparsas não costumavam ser os mais violentos da gangue e inclusive zombavam do receio de Wanda, uma vez que outras moças do cassino ocasionalmente aceitavam a carona para chegar em casa. No entanto, Remy uma vez disse que era melhor esperar por Pietro. Ele não demorará, chérie. O falso francês ia para o outro lado da cidade com outro crupiê, então não podia ajudá-la. O fato é que em certas ocasiões, esses rapazes ficavam muito confiantes. O álcool dava-lhes impulsos. Wanda não se preocupava com excesso de velocidade ou um acidente com o carro, eram coisas leves se comparadas ao que ela imaginava quando ouvia elogios demais sobre seus cabelos, seu perfume ou como seu corpo encaixava no vestido.

E inferno, estava tarde demais para ver qualquer táxi.

De repente ouviu barulhos próximos, algo que esbarrou numa lata de lixo no beco ao lado. Poderiam ser ratos ou então um gato. Quem sabe um gato atrás de um rato. Se fosse um homem… Bem, poderia ser um padeiro madrugando. Não, distinguiu mais vozes. Duas? Três. Seriam operários em direção às obras, para construir mais um prédio enorme e lindo? Inofensivos, não? Wanda pensou no broche e como sua ponta era afiada, mas nada prática para desferir um golpe. Curto demais. Tirou a piteira da bolsa e começou a fumar em puro fingimento de desinteresse, calculando como poderia usar tal objeto. Grosso demais para um corte, todavia perfeito para alcançar o olho de alguém. Era acertar e fugir.

O pesadelo veio em dobro: dois rapazes caminhavam pelo beco, seus sobretudos misturando-se com as sombras. Riam, um tinha uma garrafa na mão. Quando se aproximaram e foram atingidos pela luz difusa do poste mais perto, Wanda reconheceu-os como membros dos Dane. Não eram apenas as gravatas verdes que o denunciavam, pois era obrigação dela saber quem eram os imediatos de Dub e Dother Dane, irmãos de Declan. Seus comparsas mais próximos tinham que ser sempre os piores e seus nomes eram conhecidos: Carlo e Albie. Pareciam vir das garagens.

Docinho. — O primeiro sorriu. — Tá saindo ou chegando cedo?

Wanda deu de ombros, soprou a fumaça da piteira.

— Apenas esperando, Carlo.

— Ela sabe meu nome! Não achei que a favorita do Declan fosse se importar com isso.

Albie não ligou muito para o gracejo do companheiro, pois costumava ser menos teatral e mais direto. Deu um último gole na garrafa que trazia consigo e em seguida arremessou-a contra o outro lado da viela. O estouro do vidro se partindo provocou um sobressalto que Wanda mal conseguiu conter. 

— Me diga, querida, — Pôs as mãos no bolso. — Onde você arranjou essa sorte toda no cassino? Vem junto com seu sotaque?

Se fosse apenas um, o plano de enfiar a piteira no olho até poderia funcionar. No entanto, com os dois ali, o corpo de Wanda permanecia anestesiado entre a hesitação de escapar e a urgência de sair. Gritar não iria adiantar muito e ela teria que correr quase um quarteirão para encontrar algum estabelecimento que, por sorte, ainda estivesse aberto. Então ela sorriu, torcendo para que seus lábios pintados fossem o suficiente.

— É segredo.

O encanto pareceu atingir Carlo, porém apenas por um instante. No segundo seguinte, ele mexeu no sobretudo para tirar um cigarro do bolso interno e, naquele momento, Wanda captou o reflexo fraco de uma arma na cintura dele.

— Ah, — Ele voltou a falar com o cigarro na boca, gesticulando um pouco enquanto a jovem tentava decidir se ele tinha mostrado a arma em um ato deliberadamente de ameaça. —  Mas Dub e Dother estão muito interessados no seu segredo. Você sabe que as garotas deles não lucram tanto quanto você, docinho. Dorothy até saiu chorando do escritório do Dub hoje, não foi, Albie?

— A maquiagem na cara dela escorria petróleo.

Carlo riu do comentário, já logo emendando:

— E o que você ganha vai direto pro Declan, uma fatia bem gorda ouvi falar. 

Wanda bateu delicadamente na piteira para deixar as cinzas caírem ao chão. Esperava que o objeto fosse afiado o bastante se o pior acontecesse, e que seu salto não quebrasse quando começasse a correr. Não contava mais com Pietro aparecendo no último segundo.

— O que eu posso dizer? É sorte.

— Sorte? Não parece tão sortuda agora. Escute, linda, nós não viemos pra isso. — Carlo gesticulou com o cigarro, fazendo um anel de fumaça no ar para indicar aquele infortúnio de estarem os três ali. Depois, virou o pescoço para encarar um ponto no beco atrás de si por um segundo, o que fez Wanda ter certeza de que eles tinham vindo da saída lateral que dava para a garagem traseira. — Mas os chefes vão ficar satisfeitos em saber o seu segredinho e tudo pode ficar entre nós, heh? Pode ser do jeito fácil ou do jeito divertido.

Albie deu um passo adiante e mostrou um canivete:

— Admita logo que o Declan paga os crupiês por fora ou que então você leva cartas debaixo desse seu vestido lindo. Não me diga que você é mais tradicional e só abre as pernas?

Ela não estava mais com frio. Segurou bem a piteira com a mão direita e alinhou sua postura para ficar firme e esperava que seu broche — seu amuleto — fosse de alguma serventia. Sua boca, entretanto, abriu um sorriso frouxo e debochado:

— Eu sou muito boa nos caça-níqueis também… E da última vez que eu chequei, máquinas não tem cartas ou pênis. É só sorte, lidem com isso ou falem direto com o senhor Emerald. Ou será que também não tem colhões?

Carlo gargalhou, abrindo espaço para Albie avançar:

— O jeito divertido então.

Certamente ele esperava que a jovem recuasse, implorando pelo próprio rosto bonito e pela própria vida. Era fato que ele apreciava retalhar as pessoas antes de decidir o fim delas. Foi pensando nisso que, assim que ele ficou perto o suficiente, Wanda deu um pulo pra frente e enfiou a piteira em seu olho esquerdo. Foi tudo muito rápido. Ela pressionou até sentir como se tivesse esmagado uma uva, mal ouviu o grito dele e apenas desviou do canivete antes de Albie soltá-lo. E então saiu correndo.  

Não tinha tempo de conferir o estado de Albie ou checar se Carlo estava atrás dela. Só escutou alguns xingamentos e o próprio coração batendo dentro do tórax, ávido por escapar do perigo. Precisava se afastar daquela rua antes que Carlo alcançasse sua arma e…

Ele alcançou primeiro o seu casaco vermelho.

Wanda tentou tirá-lo depressa, mas todo aquele movimento de braços enquanto tentava correr foi em vão. Serviu apenas para retardá-la e, no momento seguinte, uma das mãos de Carlo segurava seu casaco e a outra seu ombro. Ele puxou-a com força e Wanda foi jogada no chão imundo. Ela não gritou, só gemeu baixinho e levou um instante a mais para compreender o que acontecia ao seu redor. 

Albie estava ajoelhado há alguns metros de distância, choramingando pelo olho perdido enquanto sangue escorria da face. Wanda não teve pena, só recriminou-se por não ter pego a piteira de volta ou o canivete que caiu. Observou seu casaco vermelho no chão e levantou o queixo a tempo de ver o cano da arma apontado para seu nariz. 

— Você achava que o Declan iria te proteger? Docinho, ele não vai proteger mais ninguém.

Carlo engatilhou o tiro, mas o som do disparo foi abafado. Wanda piscou sem acreditar quando uma figura surgiu por detrás de Carlo, vindo do fundo do beco, e colocou a mão por cima da arma. Não era para ter sangue espirrado? Uma mão estourada? Ela não viu nada disso, apenas dois homens trocando golpes até que a arma caiu no chão e Carlo foi arremessado já inconsciente contra a parede do prédio ao lado. O desconhecido parou para respirar fundo, e então calmamente caminhou até Albie — que tentava se levantar ao passo que xingava e ameaçava — e apagou-o com um par de socos que Wanda jurava que poderiam ser ouvidos a um quilômetro de distância. 

Com a mesma tranquilidade, o sujeito juntou o canivete, a arma e o casaco vermelho. Aproximou-se de Wanda, ainda respirando de maneira pesada, e ofereceu-lhe o último item:

— Seu casaco. Alguém vai vir te pegar?

— Eu… — Ela engoliu seco. Tentou se levantar, mas seus joelhos estavam bambos e seus saltos escorregaram contra o chão úmido. Já não sabia se alguém viria por ela. Ao pensar um pouco mais, teve a certeza: — Não. Ninguém vem.

Ao mesmo tempo que pegava seu casaco — um tanto sujo de volta — a jovem se esforçou de novo para ficar de pé, sendo logo auxiliada pelo estranho. Era um homem mais velho do que ela, embora nem tanto; e mesmo sob a luz difusa, Wanda enxergou seu rosto um pouco sujo de graxa. Vestia uma roupa escura e de tecido reforçado, um macacão de uso prático e também manchado em algumas partes. O que chamou sua atenção foi o toque gentil dele, simultaneamente desprovido de qualquer calor ou sensação de familiaridade que esperava de pele contra pele: Não, o braço esquerdo do homem era feito de pedaços de metal resistente e engrenagens, circuitos cujo funcionamento ela não seria capaz de supor. Parecia se estender das pontas dos dedos até o ombro, por debaixo da roupa.

Oh, ela pensou. Então foi assim que ele bloqueou o tiro.

No entanto, Wanda nada disse. Encarava o sujeito, tentando juntar os pedaços de si que ele havia revelado à ela e, ao fim, não chegou a uma conclusão. Eram só fragmentos escuros, mas diferente de antes, ela se sentiu mais segura no breu. O estranho então piscou seus olhos claros e perguntou:

— Aceita que eu te leve? — Em face a demora dela em responder, ele ofereceu o cabo da arma. — Aqui, se você não gostar de algo, você atira na minha testa.

Não gostava de armas e detestava que Pietro tivesse ao menos duas pistolas — uma para ficar em casa, a outra sempre em sua cintura — mas suas mãos aceitaram a oferta de maneira espontânea. Era melhor assim: Wanda de fato poderia cravar uma bala no sujeito caso ele viesse com alguma gracinha e ainda poderia defender-se de Albie e Carlo se eles voltassem a consciência ainda naquela madrugada. Mais do que isso, tratava-se de um gesto de confiança do sujeito.

Com o casaco e a arma em mãos, sem saber onde sua bolsa tinha parado na confusão e sem sua piteira — embora tivesse agora uma arma melhor — Wanda encontrou de novo a força na própria voz: 

— De onde você veio?

Ele deu um suspiro e passou a mão artificial nos cabelos em um gesto nervoso.

— Eles chamaram um mecânico. Estava indo embora quando vi caminharem na tua direção, mas… Achei que eles iriam te deixar em paz.

Wanda assentiu, lembrando-se de que estava certa: Albie e Carlo tinham vindo da garagem. Era realmente estranho que estivessem nas dependências do cassino até tão tarde, uma vez que os dois lidavam com outros assuntos de Dub e Dother Dane. Mesmo que não parecesse impossível o automóvel deles simplesmente precisar de um conserto, havia ainda algo que Carlo disse que incomodara seus ouvidos. Não era o deboche, as insinuações ou ameaças, mas sim um ponto incompleto:

Escute, linda, nós não viemos pra isso. 

Eles tinham vindo por algum outro motivo, então. O que? Wanda franziu os cenhos e de novo pesou seu olhar sobre o estranho, sobre seu braço metálico. Teria ele algo a ver com isso? Algum plano de Albie e Carlo, Dub e Dother Dane? O sorriso discreto que ele lhe deu indicava justamente o contrário: 

— Isso? — Gesticulou com o braço esquerdo, fazendo um movimento de abrir e fechar os dedos. Notou que Wanda encarava-o. — É um presentinho da Guerra.

Desculpe

— Não foi você que estourou meu braço, foi?

— Certamente não. — Ela conseguiu rir um pouco do tom dele, por mais que estivesse constrangida de ter sido pega em flagrante. — Dói?

Ele negou com um aceno breve, sem desejar aprofundar o assunto. Passou rapidamente os olhos pelos dois rapazes inconscientes no chão e fez a proposta: 

— Venha. — Indicou o caminho pelo beco, por onde tinha vindo do lado oposto do quarteirão. — Vamos embora.

Wanda seguiu-o. Passaram por toda a extensão da viela, por um trio de latas de lixo e ratos, seguindo além da garagem do cassino e, enfim, chegando ao outro lado do quarteirão onde o carro do sujeito estava estacionado. Ele não disse muita coisa no caminho, mas não era inconveniente e só tocou nela de novo quando ajudou-a a subir no automóvel, dando-lhe a mão. Depois de dar seu endereço ao sujeito, Wanda tentou adivinhar quantos anos ele tinha. Se havia entrado na Grande Guerra, deveria ter sido alistado ainda muito jovem e essa conclusão causou-lhe pena. A Guerra tinha durado mais do que as pessoas achavam que iria durar e suscitado horrores que ninguém jamais esqueceria. Gás mostarda. Trincheiras e trincheiras e trincheiras sujas e úmidas. Fome, mortos e aleijados. Sua família tinha escapado por pouco e ainda estava separada, mas nem todos tinham essa sorte.

Embora Wanda achasse a palavra sorte deveras agridoce.

— Qual é seu nome?

Ela despertou de seus devaneios e notou que já haviam se afastado consideravelmente do cassino. Antes de responder, não pode evitar de arrumar os próprios cabelos que balançavam com o vento. Seu penteado já estava um desastre por conta da briga, uma vez que os grampos não aguentaram o movimento súbito, e o fato de não serem verdadeiramente curtos apenas piorara a situação. 

— Wanda.

— Belo golpe lá atrás, Wanda. Acho que você cegou o cara.

A jovem deu de ombros, mas estava orgulhosa.

— Não me importaria que sangrasse até morrer. E seu nome?

— Pode me chamar de Bucky.

— Mas não é seu nome.

Ela fez uma careta, traída pela falta de honestidade pura. No entanto, ele apenas riu e o som de sua risada era fácil, genuína. Mais leve que o ar noturno. O estranho ofereceu-lhe uma expressão desconfiada, ao mesmo tempo achando graça do questionamento dela, afinal, não eram nada um do outro para que houvesse cobranças. Ele ergueu uma sobrancelha, sem desviar muito sua atenção da direção, e rendeu-se:

— Sargento James Barnes à sua disposição, senhorita.

— Obrigada, James.

E sua gratidão era verdadeira. 

Quando ele estacionou na frente do apartamento, Wanda esperou alguma declaração incômoda, mas nada veio. Ela e Pietro moravam nos limites de Lower East Side, mais conhecido pelos imigrantes — especialmente os judeus. Em tempos em que livros como “Ascensão dos Impérios de Cor” de Goddard estavam em alta, suas origens a deixavam insegura mesmo que ela não fosse muito praticante. A única coisa que James Barnes pareceu notar foi o carro estacionado à frente, amassado na lateral por algum acidente. Nada verdadeiramente grave, porém.

— Foi por isso que ele não foi me pegar. — Wanda suspirou. — Por que meu irmão é tão estúpido? Nós somos gêmeos!

— A sagacidade foi toda pra você.

A jovem riu com tristeza e abriu a porta do automóvel. Vestir aquele maldito casaco grosso — e agora um tanto sujo — tinha sido necessário para aguentar a brisa que adentrava pelas janelas do carro em movimento, mas ela não queria subir as escadas com aquela peça tão desleixada. Tirou-o com dificuldade antes de descer, discutindo internamente consigo mesma que deveria comprar casacos mais práticos no futuro.

— Você vai ficar segura amanhã? 

— Eu… — Ela apertou levemente a arma com a mão esquerda, entre o tecido dobrado do casaco. — Eu acho que sim.

James anuiu, não muito inspirado pela suposta confiança dela.

— Suspeito que vão precisar dar um jeito nesse Ford. Qualquer ajuda, é só passar na mecânica do Brooklyn, a Wolf’s Garage.

— Eu te encontro.

Ele sorriu antes de acionar a ignição do carro.

— Boa noite, Wanda. Ou bom dia.

Partiu somente após a jovem ter entrado no prédio. 

Ao atravessar a porta do apartamento, foi recebida logo pelo gato da velha Harkness com agrados em suas pernas. Quase que o pequeno se trançou entre suas canelas e a fez cair no tapete da sala, mas logo Wanda recuperou o equilíbrio sem xingar alto. Ele acompanhava Agatha desde que Wanda se recordava, mas não tinha envelhecido um dia sequer: sua pelagem preta continuava lustrosa e saudável, sua petulância era a mesma. Quem sabe suas nove vidas tivessem algo a ver com isso. Felizmente, havia dois abajures acesos na sala que permitiam enxergar melhor dentro do apartamento — que não era lá muito grande — de modo que ela conseguiu escapar dos avanços do gato manhoso e colocou o casaco na pilha de roupas sujas. Espiou o quarto de Agatha, depois o quarto de Pietro para conferir se estava tudo bem e não viu nada além de duas pessoas imersas em um sono profundo.

Mas Pietro não escaparia de uma conversa deveras ácida depois, embora isso ainda tivesse que esperar.

O relógio na parede marcava cinco horas da manhã e Wanda não se sentia capaz de dormir. Limpou-se e trocou de roupa, cuidou do gato e vagou silenciosamente pelos cômodos. Se faltava uma decoração mais moderna no apartamento, sobravam então plantas, livros velhos e outros artigos interessantes como cristais que Agatha havia recebido de presente, mais os quadros um tanto misteriosos.

Wanda gostava das cartas de tarot.

A velha conhecida de sua mãe não era uma mulher muito tradicional, apesar de ter trabalhado por muitos anos como bibliotecária. Agora, aposentada, ela ainda era procurada por algumas pessoas para indicar alguma obra por causa de sua memória infalível, além das consultas particulares envolvendo uma toalha preta acima da mesa e as ditas cartas de tarot. Tinha ensinado Wanda a jogar, coisa que a divertia aqui e ali quando queria fazer alguma leitura geral do que acontecia ao seu redor, mas recentemente a jovem estava preocupada. Durante aquele ano inteiro, três cartas a assombravam e Wanda sentia algo ruim se aproximando, algo que nem sua suposta sorte poderia livrá-la no último minuto. 

Com um suspiro, ela ajeitou o robe de seda e sentou-se na sala para tirar as cartas de novo. Tentava se enganar com outro resultado, mas de novo ali estavam as mesmas cartas:

O Diabo.

A Torre.

A Morte.

Embaralhou-as de novo e largou o monte de cartas na mesa com um gesto nervoso, depois passou as mãos no rosto. A amargura da situação corroía seus ossos, pois sua sorte não atingia o único jogo de cartas que lhe mostrava seu destino. Queria achar que as cartas eram tolas, que aquilo não passava de charlatanismo e brincadeira, e mesmo que parte de si pensasse que o futuro mudava o tempo todo, existia algo real naquela mensagem.

Naquela manhã, porém, ela tinha mais coisas para pensar. Teria que brigar com Pietro, depois sofreria as consequências com o senhor Emerald. Isso eram coisas mais concretas, tanto que de repente ela quis tomar seu dia por certo e infalível, inteiro roteirizado para logo acabar. Antes de ir dormir, ela passou pelo telefone apoiado numa mesa no corredor e decidiu ligar para alguém com quem conversava apenas por breves ligações e cartas. Disse seu nome e o destino para a telefonista, depois não teve que esperar mais do que alguns toques para ouvi-lo no outro lado da linha:

Pai? Eu só queria te dar bom dia. Eu sei que tá muito cedo aqui, eu sei. E não posso demorar, você entende. — É claro que ele entendia, a conta era absurda e sua filha não trabalhava tanto para gastar tudo só para ouvir a voz do seu velho pai há cinco horas de distância. Wanda sorriu, pois o discurso era o mesmo; as perguntas e as respostas eram sempre as mesmas. — Pietro está bem. Estamos trabalhando. É difícil mas… um dia a gente se vê, viu? — Lutou para manter a voz neutra, para que ele não notasse que estava prestes a chorar. — Te amo. Tchau.

Ela chorou no corredor até seu quarto. Fazia anos que eles tentavam juntar dinheiro suficiente para que um deles viajasse, mas sempre acontecia algo. Sempre alguma dívida a ser paga para os Dane ou algum imposto, algum problema de saúde ou — agora, no caso — um acidente. Wanda só queria ver seu pai, no entanto… Ela não tinha essa sorte.

♢ ♢ ♢

Pietro foi poupado de uma versão mais longa do pior discurso de sua irmã quando a chamaram para o escritório do senhor Emerald mais cedo. É claro que ela narrara para seu gêmeo o ocorrido na madrugada anterior com extrema riqueza de detalhes e fúria no olhar, mas já passava largo depois da hora do almoço quando tiveram essa conversa. Agatha estava fora, comprando mantimentos para o resto da semana — seu passeio mais longo entre suas atividades e ocasião perfeita para os dois discutirem sem deixá-la nervosa. Estavam cientes que a senhora Harkness não era nada boba e sabia da vida noturna dos dois, e mesmo não desejando aquela vida para os gêmeos, era sensata o suficiente  distinguir que eles caíram naquilo sem querer e se mostrava cada vez mais difícil sair. 

As discussões entre Wanda e Pietro sobre o que ocorria a noite eram sempre travadas na ausência da idosa.

Aparentemente, Pietro estava — de fato — alcoolizado na noite passada e apostara corrida com o Ford quando se envolveu no acidente, mas se lembrava de pedir a alguém para que buscasse a Wanda no cassino. Quem? Ele não se recordava e Wanda teve a plena certeza de que seu irmão tinha apenas imaginado tal coisa. Se não bastasse toda a confusão da madrugada, ela só conseguira entrar no apartamento porque Agatha insistia em deixar uma chave extra dentro de um vaso de plantas ao lado da porta de entrada. Do contrário, ficaria presa no saguão.

Ao menos ele se arrependia por toda a catástrofe que acontecera e prometeu que jamais iria se repetir.

Wanda achava realmente difícil que revivesse a situação, pois primeiro teria que lidar com a ira de um homem meio cego e outro que talvez tivesse o nariz quebrado. Albie e Carlo não deixariam nada barato e pior: a jovem suspeitava que até mesmo Dub e Dother lançariam sua cólera implacável sobre a pessoa que incapacitou seus melhores comparsas. Wanda imaginava a versão distorcida que os dois teriam contado para seus superiores e fazia um cansativo exercício mental de se defender das acusações. No fundo, era tudo muito simples: Ela estava lá e os dois a atacaram. Todavia, ela sabia que por algum motivo não levaria vantagem na questão mesmo sendo a vítima. Albie e Carlo eram importantes, Wanda era o rosto bonito do salão do cassino.

Ela entendia isso. Pietro também. 

Portanto, quando o mensageiro dos Dane interrompeu a discussão para avisar que o senhor Emerald esperava Wanda cedo em seu escritório, seu irmão perdeu toda cor do rosto. Pediu para ir junto, pois era sua responsabilidade que ela estivesse na rua tão tarde e estava disposto a compensar financeiramente — afundando-se em mais dívidas — os dois homens que saíram feridos na madrugada. Em seu íntimo, ela sabia que seu irmão apenas se sujeitava a tudo aquilo porque amava-a demais, pois se fosse por sua vontade plena, Pietro buscaria Albie, Carlo, Dub, Dother e qualquer um que fosse para arrancar os dedos de quem ousasse tocar em Wanda, incluindo o senhor Emerald.

Não importava. Ele poderia ser o mais rápido na direção do Ford e o mais ligeiro no gatilho, os Dane continuavam como donos daquela área. E como o mensageiro tornou a repetir, o senhor Emerald queria Wanda, não o irmão.

Então ela só silenciou o Pietro e disse que estaria no escritório no horário combinado, coisa que fez o mensageiro finalmente deixá-los em paz. Foi só fechar a porta para que Pietro bufasse, os pés impacientes indo de lá para cá, e voltasse a falar:

— Eu não quero que vá sozinha.

— Mas agora eu tenho que ir. — Wanda deu de ombros e desviou o olhar, como se não fosse importante. Talvez as coisas de fato se complicassem, mas ela não queria preocupar ainda mais o irmão. Só pegou o gato preto que acompanhava a conversa e o apertou contra o peito. — Você tem outras coisas pra fazer, como levar o Ford no mecânico.

— Já liguei para um conhecido mais cedo. — Disse ele, mas a jovem já sabia que alguém viria buscá-lo em breve. Tinha escutado Pietro falando ao telefone enquanto tentava dormir durante o final da manhã e o começo da tarde. A hora marcada era praticamente a mesma em que Wanda tinha sido convocada ao encontro do senhor Emerald, com diferença de apenas meia hora. — E daí? Você é mais importante que o carro. Podíamos… Só partir. Sumir por uns tempos.

Encarou-o fundo. 

Ele segurava as lágrimas, sua mandíbula quase travada de tensão. Seus olhos pareciam dois faróis, embora Wanda jamais tivesse visto faróis azuis. Pietro pensava o pior e ela sabia que existia certa lógica em seu raciocínio, no entanto sonhar com uma fuga era só aquilo: um sonho. Não tinham bem onde ficar e nenhuma quantia considerável de dinheiro vivo em mãos. Não iriam muito longe e não seria difícil achá-los, uma situação já complicada sem ainda considerar que os Dane seriam ainda mais impiedosos em caso de uma fuga.  

Pietro…

— Me desculpe, Wanda… Eu não queria que…

Ela soltou delicadamente Ebony ao chão e se aproximou do irmão, puxando-o para um abraço forte. Se sentia mal por não ter pensado muito no estado dele durante a madrugada passada, uma vez que algo ruim de fato poderia ter ocorrido. Ele já havia sido baleado no braço numa ocasião anterior, embora de raspão, e não parecia distante pensar em algum plano catastrófico que ele teria que executar na gangue. E as coisas pareciam sair do controle dele, de alguma forma.

Quando entrara para o grupo dos Dane, era só por algumas semanas. Agora, tudo corria com velocidade inalcançável, de um lugar a outro em uma espiral decadente. Às vezes, Pietro tinha seu momento de serenidade. Era só o irmão amável, dedicado e que fazia piadas tolas. Outras vezes, ele acelerava para ser mais rápido do que o ritmo que as coisas podiam dar errado.

Acidentes aconteciam.

Wanda desenlaçou-se dele e tentou acalmá-lo:

— Se Emerald me quisesse morta, já tinham entrado nesse apartamento mais cedo.

Ele desviou o rosto, estalando a língua irritado.

— Talvez não morta, mas não confio no que ele quer ou deixa de querer.

— Outro motivo para ir sozinha. Alguém tem que voltar para ver o papai, não é?

Voltou a encará-la fundo, sua expressão entre a beirada da agonia e da cólera. Havia poucas coisas piores que ela poderia dizer naquele instante e implicar que somente um deles iria tornar a ver o pai era talvez a mais grave delas.

Wanda.

— Agora, — Ela se afastou. —  Eu vou tomar um banho e me aprontar para ir ao escritório. Depois passo na floricultura para conseguir uma carona com o marido da Emilija, tá?

Pietro suspirou, derrotado. Ele tinha capacidade de irritar a irmã, mas não muito jeito para vencê-la em uma discussão e estava claro como o dia que ela seguiria sozinha. Não havia muito o que se fazer naquela situação, de qualquer forma. 

— Quando o serviço acabar na oficina, eu vou para o escritório. Se eu souber de alguma coisa…

Bom, ele iria surtar. Wanda tinha certeza disso, por mais que não pudesse ver o futuro nitidamente para conferir o que acontecia a si mesma no encontro e quais seriam as reações — ou não — de Pietro. Havia um fato que ela escondera dele, algo que poderia provocar tanto alívio quanto mais preocupação no irmão: Wanda levaria a arma consigo dentro da bolsa. Não tinha contado que trouxera o objeto em sua bolsa, nem que iria carregá-la por precaução. 

— Só me prometa que vai parar de beber desse jeito. Comece a usar o maldito relógio de bolso que te dei, viu? Nem parece que somos filhos de um relojoeiro. — Ela sorriu na tentativa de enganar seu próprio coração e fingir ao seu gêmeo que a sorte daria-lhe outra chance no último momento. — E nada de briga por aí!

— Sim, senhorita.

Ela saiu em direção ao corredor, mas antes de sumir para dentro do banheiro, virou o queixo por cima dos ombros para observar seu irmão. Havia momentos em que ela se sentia mais velha do que ele, outros em que ela era uma garotinha desejando ser protegida. Estranhamente, ela se sentia no limiar das duas sensações.

— Eu te amo, Pietro.

Antes que ele pudesse responder, o som de uma buzina tocou do lado de fora: A carona de Pietro para a oficina, adiantada em alguns minutos. Ela lhe deu um último sorriso — esperando que não fosse verdadeiramente o último — e partiu para seu banho enquanto ele saía de casa.

Talvez fosse fácil para as outras pessoas assumirem que ela levava uma vida deveras confortável por andar sempre bem vestida — Tudo um investimento do senhor Emerald, para que ela estivesse permanentemente agradável aos olhos. Não tinha uma imensa variedade de vestidos, porém todos eram de qualidade e usava sapatos novos, sem falar das luvas sempre limpas e os cabelos impecáveis —  ainda que um tanto fora de moda. Ela o prendia na altura da nuca para simular o efeito de um cabelo curto e ondulado, mas insistia em manter seus cabelos compridos para se lembrar da mãe.

Quando saiu, o trajeto foi solitário. Por mais que Wanda quisesse se envolver mais com  pessoas do bairro, eram poucos os que a cumprimentavam na rua. Não culpava-os, afinal, era fato conhecido que carros suspeitos paravam em horários igualmente suspeitos na entrada do apartamento e ninguém desejaria entrar em proximidade duvidosa com os gêmeos. E por mais que a comunidade mantivesse certa coesão devido às origens e valores compartilhados, Wanda já estava distante demais de tudo isso. 

Foi obrigada a tomar um desvio a pé para chegar até a floricultura e não conseguiu passar pela sua rua favorita. O motivo de gostar tanto daquela rua eram as lojas cujas vitrines impecáveis faziam com que Wanda sentisse o aroma de uma vida completamente diferente. Havia uma joalheria em específico que a jovem passava minutos encarando antes de voltar à realidade e seguir em frente pela calçada, a Wundagore’s Gems. Ela imaginava vários anéis em seus dedos, colares enormes que fariam um peso finalmente agradável em seu coração. Em sua cabeça, criava histórias para os clientes e funcionários que enxergava lá dentro, como um casal que escolhia o anel de noivado; o marido que desejava pedir desculpas por não ter lembrado do aniversário de casamento ou a mulher que comprava um brinco maravilhoso para outra.

Mas o melhor da joalheria era a tiara em seu centro, talvez cara demais para estar há tanto tempo no mostruário. Ou quem sabe o restante do público somente considerava a peça de um gosto excêntrico, para não falar de mal gosto. Wanda amava-a. Encarava seu reflexo no vidro como se estivesse usando-a com orgulho, sendo terrivelmente tola e rica, as melhores coisas que ela imaginava que podia ser ou querer ser na vida.

Uma pena que não pôde ver a joalheria naquela tarde.

Chegou logo à pequena floricultura, sempre cheirando a lírios. Antes de saber que aquele estabelecimento era apenas um comércio de fachada dos Dane para lavar dinheiro das bebidas ilegais e dos jogos, Wanda considerava que seria um lugar delicado para trabalhar. Ofereceria flores em datas comemorativas, em nascimentos. Entregaria coroas de flores em falecimentos. É claro que a ainda floricultura fazia tudo isso e justificava seus lucros extras com serviços prestados para festas, que precisavam sempre de muitas flores frescas, mas o senhor Emerald havia decidido que aquele não era o lugar de Wanda.

Ao menos ela conhecera Emilija, uma moça pouco mais nova e de cabelos loiros curtos, mas volumosos. Suas sardas na altura do nariz e das bochechas pareciam lhe conferir um aspecto ainda mais jovem, ainda mais inocente e saudável e, quem sabe, esta fosse a razão de Emilija ter sido escolhida para permanecer trabalhando ali e Wanda não. Os olhos verdes de Wanda eram mais sérios, olhos que haviam experimentado amargor e pareciam saber de algo. Segundo as palavras do senhor Emerald quando lhe fez aquela oferta irrecusável há dois anos, eram olhos para a noite, para apostas. Perfeitos para o cassino.

Wanda suspeitava que ele apenas gostasse da cor, pois combinavam com os dele.

De qualquer modo, Wanda não guardava em si quaisquer ressentimentos ou rivalidade com Emilija. Mantivera a amizade com a moça e podia afirmar com plena certeza que a comunicação entre as duas era quase que telepática, tanto que Wanda não precisava contar com extensas palavras ou justificativas os seus infortúnios, Emilija apenas sabia. E, enquanto Emilija molhava algumas rosas brancas — as mais bonitas entre todas as floriculturas do bairro inteiro — as duas comentaram os acontecimentos da madrugada. 

— Eu pedi para o John ver se não conseguia te transferir para cá. Não sei, que falasse que eu precisava de ajuda ou coisa do tipo. — A loira confessou de repente, com um suspiro nada relacionado com o esforço de mudar os vasos de lugar. — Mas ele disse que com as meninas do cassino não se mexe. Especialmente você.

Ela não esperava mesmo que alguém fosse conseguir tal façanha, embora apreciasse o gesto. Havia algo doce em saber que Emilija tentava ajudá-la e que dialogava sobre suas aflições ao marido, que também fazia serviços menores aos Dane. Wanda deu de ombros:

— Temo que ele esteja esperando pra me vender pelo melhor preço.

Emilija sacudiu a cabeça.

— Temo ele a querer para si.

— Eu me jogaria da ponte do Brooklyn primeiro.

— Eu sei.

A conversa das duas foi interrompida quando John chegou de carro, anunciando que estava na hora de Wanda partir. Enquanto o marido de sua amiga conduzia o automóvel, ela apoiou a mão no queixo e o cotovelo na beirada da porta do carro. Só trocou um diálogo breve com John e assistia as lojas passarem por si, a sombra dos prédios cada vez mais imensos projetar-se sobre as pessoas ainda ancoradas ao chão. O caminho que antes parecia longo, tornou-se curto demais. Parecia que de súbito estava na sala de senhor Emerald  — sem ter passado por quarteirões inteiros, sem ter pensado em voltar, sem ter entrado no prédio e cumprimentado o porteiro e a secretária — parada e sozinha em frente a sua mesa de mogno enquanto ele fumava. 

A névoa que ele soltava pela boca tomava conta do ambiente, deixando Wanda sem ar. A luz do final da tarde entrava tímida pelas janelas laterais, sem desejar incomodar as obrigações de Declan Dane em seu escritório, mas ele estranhamente parecia de bom humor. Tinha um copo baixo com álcool pela metade acima da mesa e a luz de um abajur verde fazia com que a mecha grisalha em seu cabelo parecesse esverdeada também. Levantou-se com um sorriso enviesado.

— Senhorita Eisenhardt… Oh, perdão. — Fez uma pausa. — Esqueço que prefere Maximoff de sua mãe, mas também adorei seu apelido no cassino. Sente-se.

Dama de Ouros. Ela tentava encontrar a própria voz dentro da garganta enquanto obedecia o pedido e sentava-se em uma das poltronas.

— Senhor Emerald, eu…

— Eu já sei o que houve. — Declan deu uma longa tragada no cigarro, depois ofereceu um à Wanda. Com a respiração irregular, ela achou mais sensato recusar mesmo que a nicotina fosse bem-vinda naquele momento. — A história foi até interessante e não haverá mais necessidade de se preocupar de novo com Albie e Carlo. A solução arranjada para os dois foi… definitiva. Você deseja sua piteira de volta?

Ela engoliu seco, sem saber se sentia alívio ou mais medo. Albie e Carlo estavam mortos. Mortos. E talvez nem enterrados.

Não.

— Havia mais alguém com vocês ontem?

Wanda estreitou os olhos. Havia mais do que a cor verde nele, mais do que suas arestas afiadas e propensão à discreta crueldade. Ela não sabia o que era, mas tinha certeza de que o senhor Emerald tinha mais do que boas intenções nos lábios com aquela pergunta. Lembrou-se do mecânico — Bucky — e se perguntou se ele estaria em apuros.

— Só os dois me atacaram.

Ele encarou-a por um momento, depois caminhou até a janela e passou alguns minutos olhando a cidade através do vidro. Quando Wanda encarava a cidade do alto, tinha impressão de se desconectar de tudo. Quem sabe para ele, fosse diferente. A noite ia chegando e a cidade tornava-se sua.

— Certo, certo. E você não viu nenhum outro movimento estranho? — Aproximou-se, apoiando o quadril na mesa. — Se esforce mais um pouco.

— Talvez… Talvez na garagem.

— E você ouviu algum nome? Reconheceu algum rosto? — Ele piscou lentamente. Não caía em mentiras fáceis. Depois, sorriu: — Como você voltou para casa hoje de madrugada, Wanda? Eu não suponho que seus saltos tenham conseguido te levar até Lower East Side a pé.

Gaguejou, em seguida inspirou fundo. Talvez fosse melhor apenas parecer uma mulher tola e medrosa aos olhos dele e não era nada difícil exibir tal performance naquele instante. Parte de si simplesmente queria entregar todas as informações que tinha e sair o mais depressa dali, parte de si carregava um senso de dever inútil para preservar a segurança do homem que lhe salvara na madrugada.

— Havia um homem, um mecânico. — Piscou rápido, deixando lágrimas se acumularem na beirada de seus cílios. — Ele me livrou de Carlo e me deu carona.

— Vocês conversaram?

— Eu estava com medo.

— Esse homem tem nome? Disse para onde ia depois?

— Não. — Lágrimas quentes rolavam pelas suas bochechas e ela esperava que escondessem a verdade em seus olhos. — Não me falou quando perguntei.

Ele suspirou, convencido pelas palavras dela e frustrado. Não disse nada por longos minutos, apenas voltou ao seu lugar do outro lado da mesa e, com o cigarro entre os dedos, tomou mais um gole do que quer que estivesse bebendo antes. 

— Você conhece o meu carro especial, não? Um Bentley importado com o chassi verde escuro, conversível. Hoje de manhã emprestei-o para um conhecido testar a direção. Ele estava na dúvida entre comprar um Ford nacional ou um Bentley, sabe como é. — Deu de ombros despreocupado, para imediatamente depois fixar seu olhar nela como se pudesse descascar mais informações de sua pele. — O carro saiu sem freio pela Quinta Avenida até entrar numa colisão frontal contra outro carro, e depois numa parede. Cá estou sem carro, sem meu caro conhecido e sem saber quem sabotou meu automóvel. Veja, senhorita, — Umedeceu os lábios. — Era para o meu corpo ter sido dilacerado nessa manhã. Carlo e Albie armaram para mim, mas não consegui arrancar a verdade deles. Então, caso se lembre de algum detalhe ou outra pessoa envolvida, quero que venha à minha mesa. Entendeu?

Wanda anuiu, soluçando um pouco. Era um misto de alívio e confusão — teria Bucky realmente sabotado o Bentley do senhor Emerald? Não parecia coisa que ele poderia fazer, mas Wanda admitia que mal o conhecia e Albie e Carlo poderiam simplesmente tê-lo obrigado. E se fosse, ao menos ela estava livre de mais perguntas. — mas quaisquer fossem seus pensamentos, ela fez o máximo para contrair o rosto e soltar um choro tolo, convincente, e que foi parando aos poucos em face de tamanha bondade mostrada pelo homem a sua frente.

Permaneceram em silêncio. A jovem aguardou ser dispensada com os ombros ainda trêmulos e passou a encarar a mesa quando notou alguns papéis decorativos — panfletos — e uma estatueta preta de gato. Se havia algo que ninguém poderia questionar em Declan Cane era o seu bom gosto, mas aquela peça de pedra escura parecia destoar do restante da madeira em seu escritório e da própria simpatia — ou falta dela — de Declan sobre felinos. Notando sua atenção, ele disse:

— Gostou? A decoração do Black Cat vai passar por reformas.

— É lindo.

— Tenho particular apreço pelo clube, mas é engraçado. Não é minha maior fonte de lucros e nem tem o nome que eu queria. — Fez um gesto no ar. — Taghairm, o nome perfeito. Mas escocês demais para alguém ter interesse. Sabe da história?

Wanda sentiu enjoo só de lembrar.

— Eu… Eu ouvi falar.

— Imagine, gatos por algo em troca? — Soprou fumaça de novo. — Inacreditável.

A única vez que viu um gato cruzar o caminho de Declan na rua, o pobre bichano fugiu como se enxergasse uma fogueira descontrolada. Ela tinha escutado alguém falar o suposto nome do clube certa noite ainda no cassino e comentou com Agatha, que sempre sabia de tudo. Wanda nunca esqueceu o que significava, mesmo que sua língua não pudesse pronunciar a palavra direito. Taghairm, o sacrifício de gatos vivos um atrás do outro por dias e dias, até que uma entidade lhe concedesse um desejo ou uma revelação. Já era ruim o suficiente saber a história por detrás do nome, pior era imaginar que tipo de pensamento havia se passado pela cabeça do senhor Emerald para considerar tal coisa. O clube não passava de um grande ritual? A comparação entre as moças que trabalhavam lá com os pobres gatos era inevitável e lhe revirava as entranhas.

— Há quem diga que você me daria mais lucros no clube, sabe? Um rosto bonito. — A voz dele era neutra, um tanto grave. O elogio provocou pânico nela, mas se Wanda demonstrou, Declan não deu a devida atenção. Somente apagou o cigarro no cinzeiro e apoiou os cotovelos na mesa, unindo as mãos à frente do queixo. — Já me perguntaram quando eu te colocaria lá, mas eu compreendo que prefere aqui. E nós nos damos tão bem... Tem sido bom fazer negócio com você, senhorita Eisenhardt, e sei que não mentiria para mim. Posso confiar em você, não posso?

Os olhos dele brilhavam, líquidos como absinto. Wanda detestava sua calma, detestava como tinha conduzido a conversa até aquele ponto de maneira calculada e ela, muito ingênua, tinha sido arrastada até aquela ameaça implícita.

Sim.

— Agora, — Estalou a língua, humorado. — A parte desagradável da conversa. O montante que você tem comigo deverá ser dividido entre Dub e Dother. Eu sei, eu sei. — Ele soou um tanto decepcionado, mas explicava tudo como se estivesse repreendendo uma criança pequena. — Você trabalhou duro, querida. Mas é justo que meus sócios sejam indenizados pelos funcionários que… tive que afastar. Você entende. E sei que vai se esforçar para recuperar no cassino, não?

O dinheiro que ela juntava não ficava no banco. Não ficava em casa. Ficava em uma sala anexa ao escritório de Declan Dane e era controlado por um contador detestável chamado Paul; um dinheiro rigidamente vigiado por ordens expressas e agora seria, de fato, dele. Wanda quis gritar e virar a mesa, pegar a arma dentro da bolsa e estourar a testa dele, mas o que ela estava pensando? Talvez o dinheiro nunca tivesse sido dela e se de fato desse-lhe um tiro, não iria conseguir sair do prédio com vida.

Lembrou de Pietro. Depois, lembrou-se da voz de seu pai no telefone.

— Sim, senhor Emerald.

Boa garota. Tire até quarta-feira de folga, huh? Na quinta, temos mais negócios a tratar.

Wanda assentiu, se despediu e fez o caminho inverso para fora o mais rápido — e discretamente — possível. Não teria que se preocupar com Albie e Carlo nunca mais, mas não poderia sair da linha com Declan Dane. Ninguém poderia sair da linha com ele. Sua proteção tinha um custo e ele não era lá muito paciente. E só por ter mentido, mesmo que apenas um pouquinho sobre Bucky… Ah, Declan arrumaria uma solução definitiva para ela também, não sem antes fazê-la pagar de novo e de novo. O pensamento faria com que ela perdesse o sono, mais do que o pouco que dormia, então esperava nunca mais encontrar o mecânico. 

Na próxima semana, estouraria todas as apostas para pegar sua parte do dinheiro e sumir. Não se importava com o maldito apelido ou com a possibilidade de outro canalha vir atrás dela, não: Precisava do dinheiro para depois partir. Não precisava ser Londres, não por enquanto: qualquer cidadezinha sem a cor verde dos Dane serviria. Só queria se sentir segura com Pietro, Ebony e Agatha; só queria se encontrar com seu pai de novo antes que esse sonho também fosse tirado dela. Passou a mão no ombro naquele seu gesto habitual para ganhar um pouco mais de força, um pouco mais de confiança. Se tudo falhasse, o seu amuleto lhe protegeria, no entanto… Não havia mais o toque metálico de uma joia ali. 

 

Wanda percebia agora que estava sem o broche.


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Notas finais do capítulo

* Mulheres poderiam ter o cabelo comprido sim, mas faziam um penteado para que parecesse curto. No decorrer da década, era mais comum só cortar o cabelo mesmo.

*Próteses desse jeito que foi descrito no braço de James Barnes não realmente existiram na época, mas aqui a gente abre uma liberdade artística.

*Taghairm é de fato um ponto do folclore escocês, justamente o ritual mencionado ao longo da fic.

*Comentários & correções são bem-vindos!