Desaparecendo escrita por Dama das Estrelas


Capítulo 3
Os olhos mentem


Notas iniciais do capítulo

Talvez vocês devem estar se perguntando de onde eu tirei essa ideia louca da mente. Sei lá, ela surgiu meio que de repente assim. Acho que a maior "inspiração" para o enredo seja num videoclipe da música It's Over do Jesse McCartney, que a temática não tem nada a ver com a fic kkkkk, mas que me inspirou pela analogia que ele mostra.

Mas enfim, vamo que vamo que vai piorar as coisas, fazer o quê.



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Delírio. 

Ela estava delirando, não havia outra resposta para o que acabara de ver. Olhos viciados para observar minúsculos e sinuosos detalhes; pinças, lentes microscópicas telas digitais de computador e centenas e centenas de páginas brancas contendo textos e numerações dos mais diversos assuntos. O que acabara de ver não foi nada, apenas uma falha de visão que a faria visitar o oftalmologista muito em breve. 

— Mer... da! 

Em questão de segundos sua mão voltou ao normal. 

Ao dar um passo para trás acabou cambaleando e só parou porque esbarrou na parede da sala, causando-lhe outro susto e uma dor pontual. 

Coração batendo forte, a imagem se repetia na mente passados os segundos e ganhava características ainda mais aterrorizantes. Tocando a mão afetada e a extensão do braço, tentava recobrar a si mesma da espiral de pânico que se formava. Aquilo realmente aconteceu? 

Realmente viu quase metade de seu braço desaparecer como um truque de mágica? As leis da física não se aplicavam a isto, era impossível. 

Não foi nada. 

Não foi nada. 

­— Não foi nada — repetiu ela curvando os lábios num sorriso sádico enquanto persistia em encarar a própria mão. Virava-a de um lado para o outro, para frente e para trás. Fechou-a lentamente e abriu poucos segundos depois. — Não foi nada, sua louca. — Ela riu ao final. 

Era só a sua mente lhe pregando uma peça. Apenas isto. 

Mas por que sentiu que foi real? Como se por um instante de segundo sua mão acabara de ser decepada e colocada de volta sem marcas de cirurgia, sem cicatrizes, nada? Seu cérebro estava tão sobrecarregado que começara a criar ilusões, levando-a a um estágio de delírio iminente? 

Poderia estar sentindo falta de vitaminas. Não que nos últimos dias seu cardápio teria sido aprovado por nutricionistas ou pessoas com (o mínimo) de bom senso, mas não afirmava categoricamente que comia o lixo de comidas congeladas ou hiper processadas sempre. Some isto ao excesso de trabalho e pergunte como seu corpo não entrou em colapso. 

— Eu tô... — Sara riu por um instante, quando decidiu sair do lugar e fazer alguma coisa. Balançou a cabeça em negativa e nem terminou a sentença. 

Decidiu então mudar de ideia e seguir para o banheiro, aonde tomaria um banho quente para relaxar os músculos rígidos de tão pouco variar de posição no trabalho. A cabeça estava à mil e seus pensamentos rápidos demais para serem acompanhados. Já não bastava uma dezena de outros problemas que a seguiam ao longo dos dias. 

Debaixo da água corrente ela ergueu a cabeça e fechou os olhos, porém não ficou por muito tempo daquele jeito. Estendeu a mão esquerda à altura do rosto e com esta mesma mão cobriu metade da face. Tentou não pensar, esvaziar a mente e deixar que seu corpo se recuperasse com a jornada exaustiva de trabalho.  

Não foi real. 

Olhos viciados, corpo no limite. Talvez tenha sido um breve delírio de sua mente fértil. 

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Começo de turno, Sara chegou exatamente no horário previsto para começar o trabalho: onze da noite. Passou o dia sem fazer nada, ou seja, fazendo tudo que realmente planejou. Deitada sob a cama de olhos fechados, o sono seria seu único escape à desagradável experiência vivida momentos após chegar em casa.  

O sono, porém, não a livrou de todo o sofrimento de antes. Sonhou com um lugar frio e denso. Vultos que se assemelhavam a pessoas transitando para lá e para cá. Impossível reconhecer rostos daqueles que passavam ao seu lado; lado, não, passavam por ela sem notar que estava ali. Tão exposta para aquela gente que se sentia insignificante; um grão de areia prestes a ser engolido pelo mar.

E falando em mar, o som característico da beira da praia antes tímido se tornou mais evidente. Mas não havia água, nem areia, apenas aquele som confortante. As pessoas que não paravam de transitar por ali se tornavam menos intimidadoras à medida que o som do mar ficava mais alto. Sara procurava saber de onde estava vindo, mas não havia nada em volta a não ser os vultos de pessoas. 

Só percebeu que era tarde demais quando sentiu seus pés molhados e no instante seguinte a água tocar em seus joelhos. 

— Ei, ei. Alô? Tem alguém aí? 

— Hã?! Greg? Droga! 

O sorriso largo do perito que a chamou por várias e várias vezes evidenciava o quanto achou engraçado assisti-la se perder nos próprios pensamentos, pensando naquele sonho louco novamente. 

Chegando meia-hora antes ao Laboratório, Greg procurava por sua amiga ao receber um caso de Grissom. Os dois trabalhariam juntos desta vez e o perito preferiu aguardar por ela ao menos uns 10 minutos antes de seguir sozinho à cena do crime. Encontrou-a sentada sob a mesa, sozinha, apoiando a cabeça no dorso direito e olhando para o nada. Qualquer um que a visse daquele jeito sentiria pena. 

— Vem, eu compro um café pra você no caminho. 

— O que foi? — Ela passou as mãos sobre o rosto para afastar a aparência de cansaço. As horas de sono pareceram não terem dado muito certo. 

— Corpo encontrado numa trilha da Wetlands Park. 

— Tá bom... — Sem perguntar de mais detalhes, Sara limitou-se a aceitar o comando. Vagarosamente levantou da mesa e seguiu junto dele. 

— Ficou aqui o dia todo, foi? Parece que nem dormiu. — Greg comentou de modo cômico para disfarçar sua preocupação com o comportamento aparentemente peculiar de Sara. 

Ao visá-lo por um instante a saber se era uma piada sobre seu estado, ela tomou um suspiro e continuou a olhar para a frente. 

— Pelo contrário. Dormi quase o dia inteiro. 

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A temperatura na Wetlands Park beirava os nove graus. A fria noite refletia o ambiente que o local se tornou após o provável crime ter acontecido. Turistas e curiosos foram afastados num raio de trinta metros, impedindo que contaminassem (ainda mais) a cena do crime. 

O céu sem nuvens e estrelado foi um alento para a equipe de peritos, temendo que o tempo mudasse de uma hora para outra como foi informado pela previsão do tempo ao longo da semana. Realmente, seria uma noite agradável se não fosse uma vítima morta à trilha paralela à lagoa do parque. Homem branco, aparentando ter não mais que cinquenta anos. Vestia um traje esportivo e aparentava ter sido vítima de disparos de arma de fogo. Mais detalhes seriam revelados por David, que chegaria logo ao local. Enquanto isso, Sara e Greg se limitavam a tirar fotos da vítima e da cena do crime. Brass, que chegara um pouco antes dos dois, se encarregava de interrogar testemunhas. 

Apesar de o lugar ser marcado por ser uma área majoritariamente plana, de árvores baixas e arbustos em abundância, procurar por evidências não seria uma tarefa tão simples quanto aparentava ser. Isto incluía a própria lagoa, próxima de onde a vítima foi encontrada; seria um local apropriado para o criminoso se livrar da arma.  

— Vamos ter que isolar as pegadas do pessoal daqui — disse Greg ao notar alguns padrões de pegadas na trilha de terra. Ao se deparar com isto logo ao chegar à cena, tratou de auxiliar o oficial de plantão para afastar o máximo de pessoas possíveis. 

— Vou pegar o kit. — Sara respondeu ao terminar de fotografar mais uma pegada. Tratou de se encaminhar na direção do utilitário. 

Apesar de tentar diminuir seu ritmo frenético, Sara viu nele uma oportunidade de apagar o momento que viveu horas antes e a deixou transtornada. Mente e corpo focados no trabalho, o episódio vivido anteriormente seria apagado, ou ao menos teria sua importância diminuída. Era o que Sara pensava e tentou acreditar. 

Pouco após ter aberto o porta-malas, todavia, sentiu a mão esquerda ficar dormente e toda sua coragem e confiança de antes caíram por terra. Largou tudo, deixou de lado sua tarefa e observou quase horrorizada a mão que outrora (e aparentemente) desapareceu de sua vista. 

Todo foco ao seu redor, de repente, deixou de fazer sentido. A única coisa martelando em sua mente, tornando-se prioridade no momento era aquele braço e toda uma série de pensamentos sobre o que aconteceu. O real e o ilusório dançaram numa valsa bizarra. Tinha dúvidas sobre o que realmente ocorreu, se é que aconteceu. 

A dormência na mão poderia ser uma resposta do corpo ao longo tempo segurando a câmera pesada, variando a posição pouquíssimas vezes. Poderia ser o frio arrebatador que fazia em Wetlands Park, que maltratava qualquer um com rajadas de vento momentâneas. Poderia ser, ainda, uma reação do corpo ao estresse sofrido nos últimos tempos; questão de nervos ou algo semelhante. Poderia ser vários e vários motivos. 

Ou poderia ser aquele "evento" prestes a acontecer novamente. 

— Sara? 

— Hã? 

A voz familiar a despertou de sua paranoia. Era Greg, desta vez portando um semblante mais preocupado que antes. Ela mal notou sua presença próxima e levou um susto semelhante ao que levou no Laboratório. 

— O que houve? O equipamento de coleta não está aí? — Ele apontou para o interior do porta-malas. 

— Não, está sim. — Meio irritada, ela afirmou sua posição. Achou logo o kit, um tanto visível à primeira vista e o retirou. Nem esperou por ele e tratou de voltar ao local de onde recolheria as amostras. 

— Sara, ei. — Notando o comportamento estranho dela, Greg não esperou muito tempo e foi ao seu encontro. Só continuou a falar quando chegou ao seu lado para que outros não pudessem ouvi-lo. — Você... tá bem? 

— Claro que eu estou bem. — Novamente mostrando-se incomodada, Sara retrucou de uma vez. — Eu tava um pouco distraída, só isso. 

— Tá, tá bom! — Ele ergueu os braços em rendição. — Só achei que... eu não sei... 

— Que eu estivesse precisando de ajuda? — Ela o completou de modo seco. 

— É que... — disfarçando um sorriso envergonhado, acabou se perdendo em suas palavras. 

— Eu agradeço o que está querendo fazer, mas estou bem.   

Vendo-a assentir e lhe mostrar um sorriso mais acalentador que o semblante defensivo de antes fez Greg se sentir um pouco melhor, mas não o suficiente para que deixasse de pensar nela e o que presenciou no momento. Ela não estava no humor para brincadeiras, então o melhor era dar seu espaço. Só não saberia por quanto tempo aquilo iria durar. 

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Uma semana após o episódio no Wetlands Park, Sara decidiu que deveria aproveitar mais tempo para descansar. Que devesse parar de acumular férias e vender suas folgas para finalmente deixar que seu corpo relaxasse, coisa que nunca precisou como antes. Aquela sensação de dormência no braço não aconteceu novamente, assim como não teve a "visão" de que ele desaparecia quase que num piscar de olhos. 

Aproveitaria, então, a folga para uma consulta no oftalmologista. Se houvesse algum problema na vista seria motivo para ser afastada do trabalho. Uma coisa era sair por escolha sua, outra era ser obrigada a deixar o Departamento. Queria evitar qualquer problema antes que se tornasse maior.

— Então você... vai tirar o dia de folga... — comentou o supervisor ao ser informado por Sara em pessoa. Ele alongou as palavras a fim de que pudesse sondá-la melhor. 

— Eu vou.  

De pé frente a Grissom, que se encontrava sentado em sua cadeira, Sara não esperava permanecer ali por muito tempo. Seu objetivo era apenas formalizar a condição de que iria desfrutar deu seu direito. 

— Certo. — O desvio no olhar aparentou timidez ou vergonha por receber uma resposta um tanto seca. — Está... tudo bem, não está? — Não era de seu feitio fazer perguntas, para ele, tão diretas a seus subordinados. Ainda mais com Sara. 

— Claro. Por que não estaria? — A perita deu de ombros. Chegou a se questionar por um instante se ele não possuía a habilidade de ler sua mente. 

— Bem... — Sentindo-se lançado contra a parede pelo questionamento, Grissom ergueu as duas mãos timidamente numa tentativa de se justificar.  

Poderia seguir em frente, dizendo que raramente a via tirar folgas atípicas que não lhe fossem impostas; que pouco falava sobre os dias de descanso. Na verdade, considerava que ela passava mais tempo no Laboratório que na própria casa e por isso achou curioso sua disposição em pedir por folga. Entretanto, de todos aqueles comentários, não via neles sequer um motivo plausível para continuar. Poderia engatilhar uma discussão necessária e não era isto que Grissom gostaria de fazer. Ainda mais naqueles tempos em que os dois conseguiam manter uma conversa agradável que não fosse relacionada somente ao trabalho. 

Ele decidiu parar de falar. 

— Ah, e outra coisa: não sei porque tem insistindo em me mandar com uma dupla se sabe que eu posso fazer meu trabalho muito bem. 

Sara não mediu as palavras ou o tom do qual as falou. Simplesmente lançou-as no ar valendo-se do incômodo que vinha sentindo ultimamente. Desde os eventos do apagão, quase a maior parte dos casos que tem pegado foi trabalhando em conjunto e isto vinha lhe incomodando. 

— Eu não... estou entendendo — questionou Grissom ao franzir as sobrancelhas. 

— E o que é isso que eu tenho visto? Mais um pouco e você começa a mandar o Greg sozinho e me coloca com alguém de novo. — Ela deu de ombros, mostrando-lhe um sorriso sarcástico. 

Mostrando-lhe a mesma feição confusa de antes, ele não respondeu. 

— Eu consigo fazer o meu trabalho. Não é você que tem pedido por mais reforços para outras investigações por causa do trabalho puxado, então porque está fazendo isso comigo? — A voz de Sara parecia aumentar a cada minuto. De repente transformou seu pedido de folga em um protesto por algo que vinha se acumulando há algum tempo. 

— Isso não tem nada a ver com você. Casos complexos pedem mais pessoas. — Grissom argumentou ao gesticular com a mão. 

— Tá. Tá bom. — Decidida a terminar com o assunto de vez, ela assentiu e forçou um sorriso amarelo. Não iria ficar se remoendo e trazer outro problema para cima de suas costas. Ela soltou um breve suspiro e só o visou por um instante para não sair tão mal daquela sala. — Está bem.  

Tudo bem. Ela poderia ter deixado a sala de outra forma, de um jeito melhor. Em seu teatro mental ouviria um pedido de desculpas dele e acabaria se desculpando também pela explosão repentina. 

Explosão? 

Não, não. Não era explosão, estava em seu direito de se indignar. De vez em quando achava que Grissom fazia tudo de propósito para provocá-la. Para mostrar que não adiantava tantos anos e anos de progressão de relacionamento entre os dois, ele sempre seria o chefe. Sempre estaria no comando. Podia fazer o que quiser, camuflando-se numa figura amigável quando bem o quisesse. Já estava passando por problemas demais e ainda tinha de aturar desaforos do chefe?

Que merda eu pensando...? 

Era melhor sair daquele prédio logo. As teorias conspiratórias da mente começavam a lhe fazer mal. 

Começavam, não. Já estavam terminando. 


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Notas finais do capítulo

Ei, eu espero que estejam gostando. Bem louco isso né? Obrigada por ler e até o próximo capítulo!



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