Desaparecendo escrita por Dama das Estrelas


Capítulo 21
O meu mundo está em pedaços


Notas iniciais do capítulo

Oi, pessoal, cheguei com mais um capítulo. Obrigada a todos que estão lendo e pela paciência. Na verdade eu tinha reescrito praticamente metade da fanfic por motivos de desagrado meu e simplesmente não estou consigo escrever direito. Estou meio que batendo cabeça comigo mesma. O bom é que já estamos chegando perto do final então não vai dar para atrasar o capítulo se a história estiver terminada kkkk

Boa leitura.



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Sara não jantou. Incapaz de criar forças para sair acabou ficando em seu quarto, enfurnada em sua cama na maior parte do tempo. Pegou no sono por cansaço e só levantou na manhã seguinte, bem cedo. O estômago doía por fome e a obrigou a sair de seu esconderijo finalmente. Aproveitou o horário para descer logo e não ter a chance de se encontrar com alguém conhecido, especialmente Grissom. Foi quase se arrastando, como se a cada passo dado a distância se alongasse cada vez mais. Chegou na metade do caminho já querendo desistir. 

Desprovida de uma feição receptiva, fez seu caminho até o refeitório e escolheu o básico para não definhar de fome: uma xícara de café e um pedaço de torta de banana. O cheiro lhe foi agradável no início o que a fez optar por aquela escolha. Todavia, antes mesmo de terminar sentiu-se nauseada. Lembrou-se de repente de tudo o que estava ocorrendo em sua vida e de uma hora para outra a fome foi se dissipando. 

Só termine essa droga. 

Nem que fosse necessário forçar toda a comida garganta abaixo ela sabia que tinha de comer uma porção decente. No entanto seu café da manhã pouco a pouco se tornava uma sessão de tortura. Para quê ficar estendendo todo seu sofrimento se sabia que num piscar de olhos poderia simplesmente desaparecer? Poderia morrer no momento em que lutava para terminar sua refeição. 

Não, merda! 

Ela passou a mão sobre o rosto com raiva dos pensamentos destrutivos que a seguiam. Por impulso, simplesmente devorou o restante da torta de uma vez e terminou seu café já morno. Para quem a via sentada no canto mais afastado do refeitório poderia achar que não passava de pressa, mas aquela atitude exigiu-lhe o máximo que pôde. 

Pronto.  

E agora? Não tinha rumo, não sabia para onde seguir. Falar com Langston? Acompanhar o andamento do trabalho sabendo que sua presença por lá não iria acrescentar em nada? Não tinha coragem de encarar Grissom, logo a única pessoa mais próxima, a mais íntima.  

Nem sabia o porquê de ainda estar ali. Imaginou que a noite de sono traria ao menos um pouco de relento, mas percebeu que se enganou; continuava do mesmo jeito de antes, talvez até pior. Estava presa em si mesma. 

—---------------------------------------------------------------------------- 

Já era hora do almoço e Grissom apareceu preocupado à porta de Sara. Anteriormente havia chamado por ela no horário do café da manhã, sem resposta. Já passara a noite em seu próprio quarto e aquela distância física não o fez pegar no sono direito. Quase não dormiu, na verdade. Na noite anterior parou em frente ao seu quarto carregando mil perguntas, receios. Hesitou muito e no final respeitou seu espaço. "Preciso ficar sozinha um pouco" disse ela. As palavras ecoaram em sua mente até que desistisse da ideia, então o fez. 

Agora ele estava lá novamente. Convicto de que fosse atendido e torcendo veemente para que estivesse tudo bem com Sara, na medida do possível ao menos. 

— Sara, sou eu — disse após bater algumas vezes. Estava contando que fosse correspondido por ela, imaginando que àquela altura já estava acordada. 

Alguns segundos de espera. 

— Está aberta — gritou uma voz ao fundo para seu alívio. 

Ele girou a maçaneta e abriu a porta com rapidez. Encontrou-a em sua cama, deitada e coberta, como se mal tivesse saído de lá e isto o partiu em pedaços. Grissom sabia muito bem que ver uma cena como aquela não era normal. 

— Ei. — Caminhando em direção à cama ele tocou em seu braço carinhosamente. — Ei, querida, você está bem? 

— Só estou um pouco... abatida.  

— Você tomou o café da manhã? — perguntou preocupado ao não avistá-la mais cedo. — Ao menos jantou noite passada? 

Desde a última vez que a viu antes de passar pelo elevador, Grissom não teve mais notícias. Tentou conversar com ela horas, mas para sua angústia não obteve sucesso. O pior de tudo foi saber que a distância entre eles não passava de algumas portas de diferença e mesmo assim não tinha acesso a ela. 

Deitada de lado, Sara fez uma cara de quem não queria responder. Justamente o que mais evitou nas últimas horas foi o que lhe aconteceu: ser bombardeada por perguntas numa ocasião que não se estava disposta a respondê-las. 

— Tomei o café — respondeu obrigada. 

Ele tentou buscar seu olhar para lhe prestar apoio, mas não recebeu o que queria. 

— Eu... — Grissom aproveitou o espaço deixado na cama para sentar-se próximo dela. — Estava preocupado com você. 

Não tinha como forçar uma atitude fria com Grissom, não do jeito como ele a desmontava com poucas palavras.  

— Me desculpe — sussurrou. — Eu acho que... fui pega em cheio ontem. — Ela tentou disfarçar um sorriso, mas era óbvio que foi frustrado. 

— Venha comigo. Vamos almoçar, isso vai te fazer bem. — Delicadamente ele envolveu a mão na de Sara e a acariciou com o polegar. 

— Eu... acho melhor não. Não estou com fome. 

Então o alerta vermelho foi ligado. O aparente cansaço, abatimento, falta de apetite indicavam que a situação era pior que imaginava e por isso ele se culpou por não ter agido antes. 

— Sara, querida, você precisa comer alguma coisa. Precisa fortalecer seu corpo — insistiu. — Se for o caso eu... posso trazer algo para você. 

— Não. Não precisa, Gil. — A voz de Sara por pouco não saiu arrastada. — Estou sem fome. Vá em frente, não se preocupe comigo. — Ela o fitou mais diretamente e se entristeceu porque sabia o quanto isso não era suficiente para convencê-lo de que as coisas estavam bem. 

Grissom não achou certo ter que deixá-la ali sozinha enquanto ele seguia com sua vida. Não quando via mais que necessário estar por perto em momentos como aquele. 

— Então eu fico aqui — declarou firme. — Sei que... a situação está desgastante e- 

— O quê? — Ela o encarou novamente e desta vez trajava um semblante de quem não gostou. — Não seja bobo. Vai deixar de comer por minha causa?  

Ele chegou a mover os lábios para responder, só que Sara foi mais rápida e se adiantou: 

— Isso aqui vai passar. Não precisa ficar preocupado desse jeito se não eu vou ficar pior. — Ela comentou brincando, mesmo sabendo que não foi uma boa ideia. Não era justo e sabia muito bem disso. Ainda assim não o deixaria se afundar como pouco a pouco estava fazendo. 

— Mas... — Ele sorriu incrédulo. Depois daquela noite não queria sair de perto dela tão cedo. 

— Você quer tanto cuidar de mim, mas precisa olhar a si mesmo antes. 

Desta vez foi Sara quem tomou a iniciativa, pegando a mão de Grissom e a envolvendo firme. Pela sua feição aparentemente parecia estar melhor que ontem, muito melhor. Mesmo na cama, seu sorriso foi acalentador e isto aqueceu o coração dele por algum instante. No entanto, lá no fundo sabia que não estava completamente bem. 

— Sara... — Ele lamentou. Esperou com o desejo de que ela mudasse de ideia, mas Sara parecia irredutível. Insistir seria pior para ambos no final de tudo. — Ok. Eu... volto em breve. — respondeu derrotado. Antes mesmo de se levantar, porém, Grissom acariciou seu rosto. — Me ligue se precisar de alguma coisa, está bem? 

Sara apenas assentiu. 

Imóvel em seu canto ela o observou deixar o quarto com uma feição nitidamente entristecida. É claro que isto a incomodava, mas novamente; não seria capaz de levá-lo consigo até o fundo do abismo. Não iria vê-lo se destruir pela falta de consolo ou esperança de que ela pudesse voltar ao normal. Deixaria apenas uma pessoa derramar lágrimas infelizes: ela mesma. 

—---------------------------------------------------------------- 

A atmosfera era tão densa que poderia sufocá-lo. Suas atitudes e escolhas o levaram até ali e agora se arrependia amargamente.  

Para alguém que sabia das chances de sobrevivência da mulher que amava, Grissom agiu com frieza para se envergonhar. Logo a única pessoa próxima, talvez a única família que tinha, não passou de um chefe a verificar a saúde de seu subordinado. Sara estava lá naquela cama, mal havia jantado, tampouco iria almoçar e tudo o que ele fez não passou de mera superficialidade. Quem disse que conseguiu terminar a própria refeição? 

Não viu Langston ou alguém de sua equipe para alívio dele, pois não tinha ideia de como iria reagir ao encontrá-los novamente naquelas circunstâncias. A noite anterior lhe parecia vívida e só de pensar nisso o seu sangue fervia.  

Já eram duas da tarde quando Grissom bateu à porta de Sara. Trazia consigo um pequeno recipiente de isopor com uma refeição balanceada (cortesia do próprio cozinheiro) e uma lata de refrigerante. Claro, temia que fosse rejeitado no momento em que ela visse aquelas coisas, mas ao menos teria em mente de que fez um pouco da sua parte ao cuidar da sua alimentação. 

Bateu à porta como sempre e chamou por Sara. 

— Está acordada? — perguntou. Obviamente, se não fosse respondido já teria alguma ideia do que estava acontecendo. 

Os segundos iam passando e o silêncio prevalecia. Apesar de não achar saudável o fato de Sara estar (provavelmente) dormindo àquela hora do dia, achou melhor respeitar seu espaço. Ela passou por problemas demais e ele precisava ter sensibilidade o suficiente para compreendê-la. Ao menos, tentaria a sorte com a porta. Entraria na surdina para não correr o risco de incomodá-la e deixaria o almoço em cima da mesa. Nesse meio de tempo ensaiaria alguma desculpa decente por entrar em seu quarto e por trazer comida. 

Para sua sorte a porta estava destrancada. Ele fez seu caminho para dentro e nem se preocupou em chamá-la.  

O que antes era o silêncio, todavia, foi interrompido pelo som da lata de refrigerante e da marmita caindo no chão. Ele perdeu todo o fôlego ao se deparar com a cena. 

— Sara! 

Ela estava no meio do quarto, caída de bruços sob o chão frio. Provavelmente desacordada. 

— Sara! — gritou desesperado.  

Ele correu ao seu encontro e de repente foi como se perdesse todo o raciocínio lógico para agir. Viu então que mais da metade de suas pernas e braços haviam desaparecido e levou a mão à boca num quase grito abafado.  

— Ah, meu Deus...! 

A voz falhou, seu corpo suou frio e as mãos tremelicaram sem parar. Ela estava bem a sua frente, sofrendo mais um daqueles episódios e no momento ele se encontrava paralisado de medo. 

— Meu Deus — sussurrava sem parar. — Meu Deus! 

E como num estalo e num momento súbito de sanidade, tirou o celular do bolso e chamou por Langston. A única pessoa que vinha à mente. Era isto ou continuaria ali encarando a cena horrorizado e paralisado. 

— Senhor Grissom? 

— Sara precisa de ajuda! 

— O quê?  

— Deus, Langston! — Exclamou furioso. — Aquilo tá acontecendo de novo! 

— O-onde ela está? Leve-a até a enfermaria!  

Grissom não esperou por outra orientação. Ele guardou o aparelho com pressa e num único movimento se agachou para erguê-la. A cada segundo de inércia era uma chance menor para ela.  

Foi difícil, talvez a tarefa mais difícil que realizou na vida. Completamente sem jeito, nos segundos iniciais — que pareciam eternos —, pensou no melhor jeito de tirá-la do chão sem que a prejudicasse muito. 

— Meu Deus, Sara... — Mal dava para segurar as lágrimas quando a pegou em seus braços; seu rosto foi tomado por elas numa questão de tempo. Estava realmente desacordada enquanto aquela "coisa" ainda agindo em seu corpo. — Sara. Querida? — Ele tentou acordá-la, mas foi em vão. A voz falhou quando chamou por seu nome. Ele ofegava pelo medo e desespero do pior. 

Vamos! 

Ao se repreender tão severamente pela demora em socorrê-la, Grissom pressionou-a firme contra si e se apressou em deixar o quarto. A tentativa de conter as lágrimas subsequentes foi frustrada, pois todo foco se direcionou em uma coisa: a mulher que carregava nos braços. 

—---------------------------------------------------------------------- 

Rostos tensos. Mãos à nuca, suspiros preocupados. A situação ficou pior do que imaginaram. 

Pela janela da enfermaria coletiva era possível notar ao longe duas figuras: uma mulher deitada sobre a cama e um homem sentado numa cadeira. Este último — inclinado em sua direção, mãos cruzadas abaixo do queixo — agia como um verdadeiro sentinela. Há mais de uma hora ali ele não saía por nada, decidido a manter sua guarda até quando fosse necessário. A mulher, de olhos fechados, permanecia na mesma posição em que havia sido posta e não dava sinais de acordar. 

Do lado de fora, Langston observou os dois por um tempo. O pior já havia passado e o que lhes restava era apenas redução de danos. O susto foi grande; talvez nem tanto para ele, mas foi um momento para se repensar no que deveriam fazer adiante. 

— Deus, ela estava no quarto dela — o cientista lamentou diante de Zhang. Ele pressionou as têmporas, sentindo que uma forte enxaqueca fosse atingi-lo a qualquer instante. — Quando vai ser a próxima vez? 

— Nós temos que seguir como o planejado. Não vai ser agora que vamos largar semanas de estudos por isso. 

— Liu, ela vai morrer! — Erguendo ligeiramente a voz, mas o suficiente para não despertar atenções, Langston apontou para a entrada da enfermaria. 

— Você está estressado, não está dormindo direito. 

Enquanto a ouvia falar, Langston balançava a cabeça em negativa por várias vezes. Ele passou a mão pela nuca e pelo rosto, sentindo a barba por fazer e finalmente percebeu o quanto havia deixado de lado os próprios cuidados pessoais. Até mesmo seu cabelo, acostumado a mantê-lo bem baixo, cresceu consideravelmente. Decerto, encontrava-se uma pilha de nervos. 

— Não percebe que o risco de levá-la até a sala vermelha antes da revisão é maior? — A doutora argumentou convicta e ergueu os braços. — Vamos jogá-la num precipício sem garantia nenhuma de que o paraquedas vai funcionar. 

Quieto a pesar na balança toda aquela situação, Langston cruzou os braços e suspirou como quem se deu por vencido. Deu graças por ainda haver uma voz da razão por perto. 

— Ray, mal temos garantia de que haverá energia suficiente para o procedimento sem que a gente coloque todo mundo em risco. Como quer iniciar o procedimento desse jeito? 

— Precisamos falar com os outros — disse ele. Àquela altura já havia liberado o restante da equipe para voltarem com seus afazeres enquanto ele e Zhang permaneceram na enfermaria. — Reunião urgente. 

— O que você quer fazer? 

— Rever tudo o que conseguimos até agora e saber se podemos tornar o procedimento ainda mais seguro. — Nesse meio de tempo, Langston pegou o celular e digitou por alguns instantes. 

— Raymond, eu não consigo entender aonde quer chegar. — Zhang desabafou confusa. — Há pouco estava cogitando mandá-la para a sala sem ao menos ter certeza do resultado, agora quer pensar em algo que vai levar ainda mais tempo para se fazer. 

— Eu- — Ele levou a mão à testa e fechou os olhos. — Tem uma garota bem ali que está morrendo por causa desse maldito projeto! Eu preciso de alguma coisa para falar a eles. Qualquer esperança que sirva! 

Zhang o fitou por alguns segundos. Olho no olho, enxergou no amigo a face de um homem desorientado, que apesar de todas as tentativas de manter o controle, parecia mais um castelo de areia. Não era normal vê-lo alterado daquele jeito. Langston sempre foi um dos mais (senão o mais) centrados na equipe, que, somados à sua personalidade e tomada de decisões, ganhou a posição de liderança de modo natural. Todavia, como todo ser humano ele tinha seus momentos de incerteza e medo, agora aumentados exponencialmente. 

— Devia falar com sua esposa. 

— Não — respondeu na mesma hora com um sorriso caridoso. — Eu não vou envolvê-la no meu sofrimento. Nunca fiz isso e não vai ser agora que vou fazer. 

— Há dias que não fala com ela. Você mesmo me contou isso. 

— Não posso contar que uma garota apareceu aqui com o corpo literalmente instável!  

Zhang suspirou impaciente. Definitivamente aquele era um de seus piores dias. 

— Se você acha que o único assunto importante é o trabalho, então eu tenho más notícias para você. 

Ele cobriu metade do rosto com as mãos e abaixou a cabeça por alguns instantes. De vez em quando odiava a si mesmo por não ser capaz o suficiente para encontrar respostas tão óbvias. 

— Eu também estou preocupada. Você não acha que eu não penso em meu menino toda hora? Venho tentado falar com ele quase todos os dias, é um jeito de escapar desse pesadelo. 

— Depois. — Cedeu finalmente. — Depois que nos reunirmos eu falo com ela. E antes eu ainda... tenho que tratar com ele. 

Ambos olharam para a enfermaria. Grissom permanecia na mesma posição praticamente há vários minutos. 

— Eu devo uma explicação ao menos. 

— Tem certeza que está bem para falar com ele? 

— Não estou — afirmou sincero. — Mas será pior se eu não aparecer. 

— Eu ainda posso falar com ele. — Zhang deu de ombros. — Talvez eu seja a pessoa quem ele menos odeia. 

— Obrigado, mas não. — Lanston ergueu a mão direita para impedi-la. — Eu tenho que fazer. Você não teve nada a ver com essa história de início... 

— Todos nós estamos envolvidos nessa. Não tente virar um mártir logo agora. 

— Eu tenho de fazer isso. — Ele assentiu várias vezes, como se não tivesse outra escolha. — Eu fui o primeiro contato que Sara teve. Fui a... primeira pessoa que a fez descobrir que não estava delirando e... preciso tomar a frente. 

Apesar de não apoiar sua decisão, Zhang compreendia o papel do qual seu amigo estava prestes a fazer. 

— Boa sorte. — Ela finalizou, percebendo que não o convenceria do contrário. 

Ele assentiu em agradecimento. 

— Chame os outros, por favor, e leve-os até a sala de reunião. Comecem sem mim. 

— Ok. 

Zhang foi embora de sua visão, deixando-o sozinho e diante de uma represa prestes a desabar. Ele mesmo sabia que não devia tomar a frente, mas depois de tudo o que houve, todo o momento conturbado, era o próprio quem devia ser o primeiro a oferecer a outra face. 

—--------------------------------------------------------------------------------- 

Se aquela não fosse a visão da morte, Grissom chegou bem perto. Ele olhava para as próprias mãos, fechava os olhos e sua mente o levava para o momento em que a pegou em seus braços na luta para socorrê-la. 

Deus. 

As lágrimas não cessavam e a dor na alma era tão intensa que podia interromper seus passos a qualquer instante. Ela estava em seus braços, parte do seu corpo havia desaparecido e tudo o que seu interior pedia era para se debruçar e prantear em desespero.   

Quando chegou à enfermaria, momento do qual achou que suas angústias passariam, o que aconteceu foi justo o contrário. Simplesmente teve de "entregá-la" e se afastar enquanto observava toda aquela gente incapaz de ajudar a mulher que amava. E em seus olhos vermelhos e inchados as lágrimas continuavam a cair numa mistura de raiva e tristeza. Estava desolado e ninguém o consolava. Ninguém ali tinha capacidade para isso. 

Agora ela dormia tranquilamente. Um sono, quisera ele, quisera Deus, reparador e que a fizesse se esquecer dos momentos anteriores; imagens das quais Grissom com certeza não iria se esquecer. Ele manteve seu posto em guarda e continuaria por perto sabe-se lá até quando. 

Carregando um copo de café consigo, apenas poucos metros e uma porta de distância, Langston se preparava para o pior. Sendo metódico, na maior parte das vezes objetivo e profissional, poucas foram as vezes em que teve de abrir mão — ou ao menos parte — de sua persona. Chegara talvez num dos piores momentos da vida deles e por isso precisava soar empático e, ao mesmo tempo, realista. Um verdadeiro médico. 

Ele abriu a porta e com toda a calma veio a se aproximar de onde Grissom e Sara estavam. Tendo em mente que sua presença ali era óbvia, Langston se intrigou ao ver que ele nem ao menos olhou em sua direção. Uma tentativa de manter o controle, talvez? 

Mais alguns passos para perto e então parou. 

— Tome, senhor Grissom. Vai fazer bem. — Ele estendeu o copo em sua direção. A melhor forma de apaziguá-lo seria tomando a iniciativa. 

De início, a primeira impressão que teve foi de estar falando com uma estátua. A feição no rosto de Grissom era impassível, seriedade e frieza, mas ao mesmo tempo, dava à margem de que fosse agir a qualquer momento. Imprevisível. 

Não faça nada, Gilbert. Não faça nada. 

Seu 'eu' interior travara uma luta para mantê-lo imóvel, evitando ao máximo quaisquer tipos de interações com o homem à sua direita. Faltava-lhe muito pouco para deixar de lado suas convicções e agir de modo irracional. Nunca chegou a partir para agressões, porém não conhecia muita coisa de si mesmo; inclusive, guardava para o doutor uma série de acusações. Mas ao olhar para a cama, percebeu o quanto Sara não merecia aquilo, não merecia ser uma testemunha de sua fúria, mesmo inconsciente. 

Visando-o de canto de olho, o homem sentado finalmente se moveu. Ele pegou o copo da mão de Langston e o deixou no chão, bem ao seu lado. Não disse nada. Não seria um selvagem a ponto de jogar o copo no chão, mas também deixaria claro que havia um oceano de distância entre eles. 

Langston aguardou a poeira baixar. Estava dando-lhe tempo para se acostumar com ele, sabia muito bem que não era mais tão bem-vindo. 

— E a senhorita Sidle, algo novo? 

Ele não soube dizer se viu em sua face uma veia palpitar ou se foi apenas impressão. 

— Continua dormindo. — Finalmente respondeu. 

Pobre garota. 

Langston não sabia em quem dar atenção: à sua "paciente" adormecida ou ao "vulcão" adormecido bem ao seu lado. A postura deste último era bem diferente do que presenciou antes: um homem em total desespero, chorando e pedindo por ajuda. Não conseguia ficar muito tempo distante fisicamente, seus olhos sempre buscavam encontrá-la. Aparentemente todo o turbilhão de emoções se dissipara por enquanto, porém bastaria uma palavra em falso e seria capaz de criar um desastre. 

— Mesmo sabendo que... que isto poderia acontecer a qualquer instante, ela... Não deixava de pensar em mim e na minha segurança — lamentou Grissom. — Acha que isso é justo? 

— Não vou pedir perdão a você porque sei que não vou conseguir — declarou o cientista. Quase na mesma hora ouviu um suspiro de Grissom como retaliação. 

Observando-a quase que religiosamente por dez segundos, Grissom se apoiou sobre as pernas e se levantou num único movimento. Em Langston um alerta foi acionado. Não o conhecia suficientemente para saber se estava prestes a agredi-lo, então por instinto deu um passo para trás. 

— Não vou discutir perto de Sara. — Grissom passou por ele, sem ao menos visá-lo. Cruzou a porta com rapidez. 

Não lhe restou outra coisa a não ser acompanhá-lo. Antes disso olhou para Sara e lamentou veemente por isto acontecer mais uma vez e em tão pouco tempo. Esperava que acordasse logo para que ao menos a fúria daquele homem que passou por ele se aplacasse. Enfim, deixou a enfermaria. 

—--------------------------------------------------------------- 

Ao passar pela porta, em poucos instantes Langston imaginou dezenas de cenários e buscava uma solução racional para todos eles. Mas era difícil crer que sairia dali melhor que antes e por isso lamentou não ter deixado que Zhang tomasse as rédeas daquela vez. 

Para sua surpresa, no entanto, deparou-se com um homem atordoado. Mãos nos bolsos da calça, cabeça baixa, ombros caídos. Chegou a se questionar se o que viu realmente uma lágrima escapando por seu rosto. 

Grissom levou a mão à boca, como se tentasse conter uma onda emocional prestes a derrubá-lo de vez. 

— Eu espero — disse ele. — Eu realmente espero que vocês consigam mudar o mundo com isso. — O sarcasmo e a tristeza dominavam sua voz. Estava exausto. — Olhe... 

— Senhor Grissom- 

— Olhe o que está acontecendo com ela! — Grissom apontou para o quarto. Perdera todo o semblante melancólico de uma hora para outra, mas ainda assim seus olhos vermelhos continuavam abatidos. — Olhe só para ela! Acha mesmo que vão conseguir salvá-la desse jeito? Vocês por um acaso têm ideia do que causaram a Sara?! 

— Nós estamos trabalhando no método mais eficiente para tornar o procedimento seguro- 

— Pelo amor de Deus, pare com essas respostas! — Grissom disparou aquelas palavras, cansado de ouvir sempre a mesma coisa. Não gritou necessariamente, mas foi o bastante para fazer Langston abandonar toda sua estratégia. 

Silêncio, de olhos arregalados marcados pela tormenta e pela dor, Grissom ofegava pelo calor do momento. 

— Eu a carreguei em meus braços!... — Grissom estendeu as mãos desesperado, a voz quase falhou. — Sabe como é... segurar a pessoa que você... — Ele não conseguiu concluir a sentença do jeito realmente sentia. — ... que você se importa, sofrendo de uma coisa bizarra e não ter condições de fazer nada? Sabe como é isso? 

Nunca foi do tipo de expressar suas emoções perto dos outros, muito menos estranhos; porém, lá estava ele chorando. Talvez, mais por raiva que tristeza em si. Simplesmente não podia mais continuar agindo da mesma forma por toda vida enquanto seu interior se corroía em desalento. Uma hora alguém o veria liberar todo o seu sofrimento e foi justamente aquele cientista. 

E da mesma forma que a emoção intensa o atingiu, ela se dissipou como o vapor. Logo ele se recompôs, passando a mão pelo rosto a enxugar quaisquer lágrimas inconvenientes. Ele respirou fundo; passara da hora de se expor demais. 

— Vou ser sincero com você. — Langston se pronunciou. 

— Finalmente. — Até que tentou, mas Grissom não conseguiu esconder o comentário carregado de ironia. 

— Se eu pudesse, trocaria de lugar com a senhorita Sidle no mesmo instante. 

— Deus... Eu ainda achei que estivesse falando sério. 

— Eu estou. 

Ele não suportava mais ouvir declarações programadas como aquela. Parecia estar lidando com uma figura política pronta para acalmar as feras com palavras que gostariam de ouvir. Grissom já estava pronto para dar meia-volta e seguir para a enfermaria. 

— Talvez você não consiga acreditar - e eu entendo -, mas nós estamos fazendo de tudo pra salvá-la. Estamos assustados, claro que estamos! — Langston ergueu os braços. — De repente somos confrontados com uma condição hipotética, impossível! E ainda temos que correr contra o tempo para por em prática um protocolo nunca antes usado num ser humano. Pelo amor de Deus, eu não consigo mais dormir! 

Enfim, deparou-se com o Langston "ser humano", quem deixou de lado toda a formalidade para uma conversa franca. 

— Está indignado, com raiva, é direito seu. Mas eu quero que acredite no nosso trabalho. Está falando com a pessoa que mais quer vê-la curada dessa coisa! 

O olhar de Grissom agora se mantinha sobre ele. Ganhara total atenção. 

— Deus!... Não acha que eu também me sentiria do mesmo jeito se fosse com alguém que eu amo?! — Ele questionou. Suas palavras o levaram diretamente à sua esposa. — Deixe para me culpar quando tudo isso tiver chegado ao fim! Nós dois queremos a mesma coisa, não queremos? 

Grissom preferiu não responder. A fúria de outrora pareceu ter se dissipado, mas não significava uma oferta de paz, somente uma trégua. Achou prudente que a discussão terminasse para voltar à enfermaria e cuidar do bem estar de Sara. 

— Estou colocando minha vida nesse procedimento. Eu não vou desistir dela. 


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