Desaparecendo escrita por Dama das Estrelas


Capítulo 20
À minha frente apenas a escuridão


Notas iniciais do capítulo

Fala aí, pessoal! Chega junto com mais um capítulo novo! Quero agradecer a todos que estão lendo e pela paciência em aguardar pelos caps novos. Tenham uma boa leitura!



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Luzes do escritório acesas. Janelas um abertas para arejar o ambiente em detrimento do ar condicionado. Não chovia mais, porém as poucas nuvens isoladas não se podiam deixar enganar: aquele era um período chuvoso e a qualquer momento o tempo poderia virar e surpreender um desavisado. 

— Gostou? — Langston perguntou a Sara, que provou pela primeira vez o conhaque servido. — Presente de Lynch. 

— Tem bom gosto — comentou. A bebida lhe caiu muito bem na garganta. Aqueceu o corpo e supriu a falta de álcool que sentia nos últimos dias. 

Era um pouco estranho ficar diante de Langston sem que fosse para uma visita técnica, ou melhor, uma consulta. No tempo que passou por ali sempre o enxergava como um médico, na maior parte das vezes distante emocionalmente. Pela primeira vez o enxergava como um colega, homem de carne e osso, ser humano que sentia as mesmas coisas que ela. 

Sara, que estava sentada no sofá, viu o cientista puxar a cadeira à sua frente acompanhado de um copo do mesmo conhaque. Parecia um pouco tímido de início. A cena lhe trazia recordações de dias atrás; lembranças, claro, péssimas para virem à tona. 

Silêncio tomou a sala. Raymond temia ser invasivo demais ao perguntar sobre seu estado nos últimos dias, mas também se preocupava com seu bem-estar. 

— Tem sonhado com coisas estranhas ultimamente, senhor Langston? — Questionou-lhe de repente. Copo sobre as mãos, olhava para ele como um ponto fixo a se focar. 

— Não precisa me chamar de senhor. 

Ela deu um sorrisinho, mas continuou sem o contato visual. 

— Sonhos? — repetiu ele. — Para sonhar é necessário dormir, certo? — Ele comentou com uma expressão risonha. Levou a mão às têmporas e fechou os olhos por uns instantes. — Dormir... acho que... essa palavra não tem sido muito bem-vinda no meu vocabulário. — Aproveitou para tomar um gole. — Desde a descoberta do seu caso todos nós temos vivido em um frenesi. Atordoados por um caso tão grave e ao mesmo tempo sob pressão para tentar resolver isso o quanto antes. 

Ela não respondeu, limitando-se a tomar um gole tímido de sua bebida. 

— Tenho sonhado com lugares escuros — declarou após um período quieta. 

Langston, que no momento em que ela falou olhava para o celular pego do bolso, guardou-o imediatamente e mudou o foco. Antes de continuar ela bebeu o restante do conhaque, dando a entender que gostaria de mais. O cientista se ergueu e trouxe a garrafa da mesa e logo a serviu mais um pouco. 

— Lugares frios e escuros. Na maior parte das vezes estou sozinha, cercada de vozes e projeções de pessoas. — Sara riu brevemente junto de um suspiro. — É engraçado porque... é como eu venho me sentindo. Parece que estou cercada, mas na verdade não tem ninguém. — Ela fez uma pausa, aproveitando para beber mais um pouco. — Tive um sonho mais ou menos assim depois disso eu soube que não iria mais pegar no sono. 

— Eu sinto muito. 

— Se aconteceu ou não aconteceu enquanto eu estava dormindo... — Deu de ombros. — Quem sabe? Discernir o que é real e o que não é tem sido difícil pra mim às vezes, eu tenho que admitir. — Ela suspirou. — Uma hora você não sabe o que é real, uma hora não consegue reconhecer o próprio reflexo... — Movendo o copo em círculos não sabia se bebia mais um pouco ou se esperava. 

— Senhorita Sidle... — lamentou visando envergonhado o copo na mão. — Eu sinto muito por tudo isso. Tudo o que eu fizer não vai ser o suficiente para reparar os danos a você. 

— Tudo o que eu quero agora é me curar dessa coisa. — Ela cortou de vez o momento e Langston assentiu. — Tentar seguir com a minha vida normalmente... Se é que isso ainda é possível... 

— Nós estamos trabalhando para isto. 

Ela baixou a cabeça, virou o rosto de lado meio sem rumo. Pensou em dizer tantas coisas, mas de repente se viu sem palavras.  

— Nunca sei se o melhor é dormir ou ficar em vigília. 

— Não, essa ideia é extremamente perigosa — alertou ele na mesma hora. — Você precisa descansar.  

Ela sorriu em resposta. 

— Não acha que... no meu lugar você faria o mesmo? — questionou, mantendo sua posição. 

— Provavelmente. — Ele deu de ombros. — Mas da mesma forma iria querer que alguém me impedisse de seguir com essa ideia. Já estou sofrendo; vou querer me autossabotar ainda por cima? 

Sara não disse nada e aproveitou a oportunidade para beber mais um pouco. 

— Estava falando sério quando contou as notícias para mim e Grissom? 

Franzindo as sobrancelhas por não entender a pergunta direito, Langston fez um gesto para que continuasse. 

— Não sei bem, mas me pareceu que estava tentando amenizar a situação — comentou balançando o copo. 

— Talvez eu tenha feito isso. — Ao término de sua declaração ele bebeu o restante do conhaque. — Mas qual a melhor forma de tratar o primeiro paciente da sua vida sem que soe pessimista demais? — Deu de ombros. 

— Não precisa se desdobrar para falar a verdade. Se eu tiver mais duas horas de vida eu vou querer saber de uma vez. 

A resposta direta o deixou um pouco atordoado. 

— Vocês ainda estão para descobrir como isto funciona e eu preciso saber de tudo. Não sou uma criança. — Sara não escondeu que estava chateada. 

— Sinto muito... 

Ela olhou para o lado por alguns instantes. Pouco a pouco ia se cansando de receber tantas desculpas. 

— Tudo o que você me disse lá era verdade? — Ressaltou a pergunta. — Não escondeu nada? 

— Acredite em mim, eu não fiz isso. 

— Tá legal. — Sara assentiu. Apesar de não ter ficado 100% satisfeita, quis acreditar nele e por isso lhe deu um voto de confiança. 

Sara se ergueu do sofá e, trazendo consigo o copo caminhou até a janela como se estivesse recriando a cena de dias atrás. As nuvens escondiam boa parte do céu e só era possível observar algumas poucas estrelas.

— Você não tem medo de... uma hora para outra levarem você? 

Suas palavras foram levadas com a brisa fria que entrou no escritório. Não que isto fosse uma dúvida palpável, mas de uma hora para outra sua mente era martelada com aquela possibilidade. 

Langston não respondeu e ela não entendeu o porquê. 

— Posso estar exagerando, mas não me surpreendo mais com o que são capazes de fazer. 

— Eu... concordo — respondeu com um aparente sorriso zombeteiro, pegando Sara desprevenida. — São vidas que estão em jogo e um segredo que não pode escapar de forma alguma. 

Mesmo pelo (pouco) tempo em que o conhecia, as palavras de Langston a deixaram um tanto perplexa. Para um homem se comportar com tanta naturalidade deve ter ouvido ou presenciado coisas piores. 

— Acha mesmo que esse lugar é seguro? — Erguendo as mãos para evidenciar o lugar à sua volta, Sara se afastou um pouco da janela. — Esse país inteiro aqui, de mãos dadas com os Estados Unidos é seguro pra você? Pra sua equipe? 

— Nenhum lugar é seguro. — Langston se levantou e veio se servir com um pouco mais que dois dedos de conhaque. Estendeu a garrafa na direção de Sara, que relutou bastante para recusar e então e deixou na mesa. — Mas eu tenho algumas garantias. 

— Garantias? — Ela aumentou um pouco mais o tom. — Droga, vocês têm material pra derrubar um governo inteiro! — Argumentou perplexa. 

— Esta é a resposta de um milhão de dólares, senhorita Sidle. 

As poucas palavras foram ainda mais impactantes que o argumento de Sara, ao perceber que respondera uma dúvida de semanas atrás num momento de impulso. Olhar perplexo, encarou a figura de um homem carregando um semblante austero, inabalado. 

Irritada, caminhou em direção a mesa e se serviu por conta própria com mais um pouco de conhaque. Desta vez foi apenas o suficiente para um gole. 

— Imagine só o mundo sabendo dessa história. Consegue dimensionar o risco que isto significa para você e para as pessoas ao seu redor? — Ele indagou.

No momento em que seu nome fosse revelado ao mundo, ela saberia muito bem que teria de dar adeus à vida normal. Quem sabe, viveria de lugar em lugar, talvez fugindo dos olhos públicos ou de uma autoridade. Ou poderia sumir para sempre, em qualquer um dos sentidos. Desejar tanto que a história viesse à tona seria encarar uma espada de dois gumes. 

Enfim, Sara deixou o copo sobre a mesa. Olhos fechados por alguns instantes, mordeu o lábio inferior a tentar administrar tudo o que ouviu nos últimos minutos. Ou será que já havia se passado uma hora? Sentia o corpo um tanto leve, talvez fosse o sono ou o efeito do álcool, o que era um sinal para voltar para o quarto. A noite lhe chamava. 

— Obrigada pela bebida, estava sentindo falta. — Apontou para a mesa. — Acho que já deu para mim. 

— Eu posso acompanhá-la de volta ao seu quarto. 

— Não, não precisa. Eu agradeço. — Ela ergueu a mão. — Não vou tirar mais do seu tempo. 

— Não se preocupe com isso. Eu não iria dormir mesmo — brincou, recebendo apenas um sorriso torto de Sara. 

Despedindo-se em silêncio ela fez seu caminho para fora da sala, mas antes de chegar à porta acabou dando meia-volta. Corroía-se tanto em dúvida que não sairia de lá sem ao menos perguntar por mais uma coisa. 

— Sei que é ridículo isso que vou perguntar, mas me responda: como vocês avaliam minha situação? 

— Senhorita Sidle. — Langston protestou. — Eu não acho uma boa ideia falarmos sobre isso. 

— Você prometeu. — Ela parecia incisiva. Parecia, não; postou-se inteiramente incisiva. — Eu... eu tô ansiosa, é isso. Preciso de alguma coisa pra pensar, de alguma resposta. Uma palavra que seja. 

Ele bateu na mesa de leve uma única vez. Olhou para baixo e então a visou diretamente nos olhos. Prometeu há pouco que seria sincero com ela e evitaria quaisquer tentativas de suavizar a verdade, por mais que fosse a pior das notícias. 

— Preocupados. 

—-------------------------------------------------------------------- 

Foi valente em voltar ao seu quarto com pés firmes apesar de já não estar apta em 100% de suas condições. Com cuidado, abriu a porta lentamente. Por pouco não acendeu a luz ao se lembrar de que havia alguém dormindo em sua cama e por isso teve de usar a iluminação interna do celular para guiar-se em meio ao quarto. 

Ela retirou os sapatos sem se preocupar em arranjá-los em um canto. Cambaleou um pouco na hora de fazê-lo, porém sem alarde. Retirou as roupas e vestiu apenas uma camisa que usava para dormir. Mais acostumada com a escuridão, Sara não teve dificuldades para se localizar; não via a hora de se lançar na cama e se enrolar em seu abraço.  

Subindo na cama cuidadosamente, ela se abrigou debaixo dos lençóis e se virou de lado, na direção oposta a dele. Respirou fundo, o cansaço enfim vencia a luta. Mas por outro lado suas preocupações também resistiam e não a deixavam pregar os olhos de vez. 

"Preocupados". 

O momento do qual ouviu a resposta talvez não tenha sido tão impactante quanto depois, quando a declaração monossílaba começara a ecoar em sua mente. Se até mesmo cientistas experientes, dotados de um rigoroso método de trabalho estavam preocupados, imagine ela, uma mera mortal. 

Eu posso morrer antes. 

Ela poderia nem acordar na manhã seguinte e todo o trabalho de Langston e sua equipe teria sido em vão. Ou poderia morrer simplesmente na sala em meio ao procedimento. 

Ou agora. 

A tristeza abateu Sara. Os dias se passavam e a esperança de um desfecho positivo aos poucos se esvaía. A ideia de que poderia muito bem morrer daqui a alguns minutos (ou segundos) lhe atormentava. Morrer e deixar tudo para trás, inclusive o homem que amava. Ela não estava preparada para isto, de longe estava preparada. 

Então Sara percebeu um movimento na cama. Ouviu um gemido sonolento e logo sentiu a mão dele envolver seu estômago. O coração palpitou por uma tola dúvida se ele conseguira ou não ler seu pensamento. O timing foi mais que preciso. 

Completamente dopado de sono, Grissom não falou nada. Agiu por instinto ao recobrar parte da consciência e perceber que ela retornara para a cama. E foi muito bom tê-la de volta. 

E então os pensamentos de Sara se voltaram para Grissom. Falou tanto de si, desabafou tanto sobre o que lhe ocorria que acabou se esquecendo dele. Não havia prova alguma de que ele estivesse em segurança e esta ideia a aterrorizava como nunca. Se passar por aquilo já era um inferno, sequer poderia imaginar em como seria presenciar a mesma coisa acontecendo a ele. 

Nenhum pensamento lhe era agradável. Se parasse de pensar em Grissom, voltava a se enxergar num beco sem saída na qual a morte era seu único desfecho possível. Em seu peito apertado, a angústia por não sentir mais aquele fio de esperança de antes. Seu chão era uma fina camada de gelo em cima de um lago afastado da civilização. 

Tomada pela tristeza, valeu-se de seu último esforço para se aconchegar em Grissom. Ela envolveu a mão dele na sua e entrelaçou seus dedos, buscando um refúgio em meio a todo aquele desastre. Chegou a se esquecer do quanto foi difícil aquilo acontecer e o quão surreal este relacionamento era, que, assim como sua condição impossível, não deveria acontecer.  

Enfim, já não sentia mais frio quanto antes. 

—-------------------------------------------------------------- 

Mais de um mês se passou desde que Sara chegou a Hong Kong com a expectativa de reverter seu quadro. Viu no projeto do doutor Langston uma oportunidade única de sair daquele pesadelo e voltar com sua vida normalmente. Entretanto, os dias seguiam e algo dentro de si sugava suas esperanças de que tudo iria terminar como gostaria. Algo não estava certo, algo no meio desse processo não estava certo e parecia piorar a cada dia. 

— Encerramos a interpretação daqueles dados e já estamos prontos para enviar a informação necessária para a sala vermelha. Estamos chegando na reta final. 

E foi com estas palavras a primeira declaração de Langston a Sara enquanto presentes na sala de reunião. Finalmente uma notícia boa após um tempo quase às cegas. O peito palpitou por um segundo. Enfim, parecia que seu barco enxergara um caminho para sair daquela tempestade. 

— Descobriram mais alguma coisa? 

Uma pasta contendo um relatório detalhado sobre o processo de captação e análise dos dados lhe foi entregue em mãos pela mão da doutora Zhang. Como prometido eles não a deixaram às cegas, fazendo valer a premissa de que tratariam o assunto com transparência. 

— Se não fossem os estudos anteriores nunca resolveríamos este problema no tempo que conseguimos. Ainda assim, foi um desafio interpretar os dados de um organismo tão complexo quanto um ser humano — disse o doutor ao explicar passo a passo alguns detalhes chave sobre a análise. 

Grissom, que acompanhava Sara o tempo todo, notava o quanto ela se encontrava imersa naquele momento. Em silêncio o tempo todo, ouviu as explicações dos cientistas como um fantasma; sem chamar ou atrair a atenção de ninguém. 

— Foi então que pudemos chegar a uma estimativa de o quanto o corpo da senhorita Sidle foi afetado. Isto vai nos orientar da melhor forma de exercer o protocolo. 

— Vocês conseguiram? — Sara perguntou receosa. Talvez uma das principais questões a serem respondidas. 

— Sim. 

— Quanto? — Ela não conseguia se conter de ansiedade. Se fosse para receber um golpe de misericórdia que fosse breve e certeiro. 

Um breve período de silêncio a se preparar para dizer o que ia dizer. 

— Não mais que 60%. 

— O quê? 

— Tudo isso? — Grissom não conseguiu se manter calado desta vez. — Não faz nem seis meses que Sara apresentou os sintomas e já está assim?! 

— Infelizmente isto é verdade. Levamos em conta a margem de erro e checamos os cálculos rigorosamente. Entre 52 a 59%. 

— Meu Deus! 

A notícia derrubou-a de vez. Pensar que em tão pouco tempo mais da metade de seu corpo já havia sido afetado por aquele protótipo de doença foi tão doloroso quanto ter conhecimento de toda a história por trás disso. Agora entendia o porquê de seus últimos dias carregarem a impressão de piorarem; o que quer que fosse aquilo, devorava-a avidamente. 

— Quando vão dar um jeito nisso? — questionou Grissom, assemelhando-se à vez que assistiu ao vídeo de segurança. 

— Nós estimamos finalizar os protocolos de segurança na sala para que ela não corra muitos riscos — explicou o cientista. 

— "Muitos"? 

Foi o estopim para tirar Grissom do sério. 

— Que tipo de procedimento vocês vão fazer? Jogá-la numa sala e contar com a sorte?! 

— Grissom. — Sara o chamou discretamente. Previa a receita do desastre ao ouvir sua voz alterada. 

Ele se virou na sua direção na mesma hora com um olhar confuso. Imaginava ver Sara reagir tão fervorosamente quanto ele e não alguém que tentasse conciliar as causas. 

— Eu não posso esconder a verdade de você. De vocês. O procedimento que vamos realizar tem seus riscos, sim. Vejam que será a primeira vez na história que um ser humano vai entrar naquela sala e por mais que passássemos horas, dias buscando criar protocolos seguros para Sara, ainda existem riscos. 

— E de quanto estamos falando? — Sara perguntou. Estava apreensiva, claro, mas não ao ponto de perder a calma. 

Sentado sobre a mesa e acompanhado por seus colegas, Langston os fitou por alguns instantes. Sua vontade era ter que adiar a resposta por mais um tempo; prepará-los para o que estava por vir e não deixar que o barco virasse tão rapidamente. 

Para alguém conhecido por dar declarações rápidas e objetivas — como já havia destacado anteriormente —, a aparente demora irritou Grissom ainda mais. Estava prestes a manifestar novamente quando sentiu um toque discreto em seu braço. Foi Sara, como se na “hora h” tivesse lido seus pensamentos. 

— Ainda não há um valor em definitivo, mas... estimamos entre 40 a 50% de chance de sucesso. 

Silêncio na sala. Até mesmo o mais enfezado dos presentes, Grissom, não reagiu de cara. Foi como se o fôlego pouco a pouco estivesse sendo tomado de si. Acabou não encontrando forças para reagir. 

A mente de Sara estava uma bagunça. Não esboçou reação imediata, quase como quem estivesse sob o efeito de um sedativo.  

— Só isso? — Ela o questionou, soando mais como um apelo. 

— Parece pouco, mas nós estamos trabalhando para que todo o processo seja seguro. 

— E os 90, 100%? — Sara insistiu, querendo enxergar nele aquele homem de dias atrás com o qual compartilhou uma bebida. Um homem que aparentava dedicar todo o seu tempo em prol daquele projeto. — Será que é tão difícil chegar nesse número? 

— Alcançar pelo menos uns 60% já iria demandar um período de tempo — Zhang decidiu tomar a palavra. — Mais que isso seria perigoso demais para você. Levaria um tempo que não estamos dispostos a arriscar. 

Uma leve batida na mesa. Duas. Sara engoliu em seco na tentativa de umedecer a garganta, mas aquilo foi uma óbvia tentativa de se conter o abatimento emocional.  

— Não vale a pena arriscar? — perguntou inocentemente. 

— Você não está entendendo, senhorita Sidle. — Zhang manteve sua posição. — É a nossa melhor chance antes que algo pior possa acontecer. Não podemos contar com a sorte. 

Um rosto melancólico foi dirigido à doutora. Um semblante desesperançoso de alguém que não conseguia entender o porquê de as coisas funcionarem aquela forma. Ela não sabia mais o que dizer. Se viu cercada por aqueles números, por expectativas baixas e pela angústia do tempo que não corria a seu favor, muito pelo contrário. 

— Eu preciso de um tempo — declarou ao visá-la e então o doutor Langston. — Desculpe. 

Mal esperou por uma resposta. Levantou-se num único movimento e buscou deixar a sala o mais rápido possível, pegando até mesmo Grissom de surpresa. Deixou a pasta para trás, afinal, já tinha todas as respostas que queria.  

Atônito, Grissom encarou as outras figuras presentes e não sabia se gritava com eles ou saía da sala também. Optou pela segunda opção, mas não significava que a raiva de antes havia passado. Ele atravessou a porta e apertou o passo na esperança de que fosse encontrá-la ainda pelo corredor. Reconheceu-a logo; estava bem próxima do acesso. Ele acelerou um pouco mais os passos e chamou por seu nome pouco após atingir metade do caminho. 

Sara acionou o botão e se virou brevemente para trás. Apesar de estar ciente que Grissom viria ao seu encontro, não era seu desejo que viesse. Ela o recebeu por complacência e por respeito, mas não iria ignorar o elevador quando chegasse. 

Grissom, por sua vez, decidiu evitar o lugar-comum ao perguntar se estava bem. A única coisa para ele era estar presente e dar-lhe o apoio necessário. Mais que nunca deveria estar ali. 

— Me desculpa — lamentou Sara. — Mas eu... preciso ficar sozinha um pouco. 

— Mas, Sara-...? — Ele tentou intervir, imaginando que falara isso da boca para fora. Aquele era o pior momento para alguém naquele estado ficar sozinho, então sentiu que devia agir. — Sara, isto não é saudável. Por favor. Me deixe acompanhá-la. 

— Não, não. — Cortou-o de uma vez. — Por favor, me... deixe sozinha. 

Ela lhe lançou um olhar como quem estivesse suplicando para deixá-la ir. No rosto dela nenhuma lágrima, mas a tão somente sensação de que iria desabar a qualquer instante. Então evitou o contato visual enquanto aguardava impacientemente por sua carona. 

O elevador chegou e a porta foi aberta, a oportunidade de Sara ir embora dali o quanto antes. Grissom não acreditava que ela realmente fosse embora por conta própria até o momento em que ela atravessou o elevador sem olhar para trás. Até estendeu a mão em sua direção, discreto como sempre, porém se retraiu. 

— Sara. — Ele insistiu mais uma vez.  

Sara acionou o botão para o térreo e deu meia-volta, ficando frente a frente com ele como numa despedida. Quis dizer algo, mas sabia que no momento que o fizesse não iria resistir. Foi tomada pela dor da angústia e qualquer estímulo seria o bastante para desfazer seu castelo de areia. Ela só queria fugir, se abrigar num canto isolado dos demais.  

Antes da porta se fechar viu um Grissom tão abatido quanto ela; que não compreendia o motivo de sua decisão e, ao mesmo tempo, um homem que não tinha forças para reagir. Já viu muito desse rosto, principalmente em suas fracassadas tentativas de alguma aproximação. Todavia, no final isto foi melhor para ela. 

A porta do elevador se fechou e Grissom ficou do lado de fora. Em seu exterior um rosto atordoado escondia o ódio de si mesmo pela atitude covarde. Sabia muito bem que poderia ter feito muito mais e mesmo assim não o fez. 

Uma porta foi aberta no corredor. Langston caminhava preocupado na direção de Grissom, imaginando que fosse ao menos encontrar Sara por ali. Ele parou antes mesmo de chegar a uma distância para uma conversa casual. 

— Onde está a senhorita Sidle? Ela está bem?  

— Você ainda pergunta se ela está bem? — Grissom rebateu. A feição mudou deu uma hora para outra. Apontou o polegar para trás enquanto se virava na direção dele. — Pediu para ficar sozinha, não quer ninguém por perto. 

O cientista olhou para a porta fechada atrás de Grissom. 

— Sinto muito. 

— Sente muito? É isso o que tem a dizer? 

— Não havia outro jeito! Ela pediu que eu fosse sincero, que não escondesse e nem atenuasse coisa alguma — defendeu-se, pensando na cena de antes, tão vívida em sua mente. 

Grissom não falou nada. Em vez disso, acionou o elevador para sair dali o quanto antes. O peso na consciência o estava levando à exaustão. Sentia que era capaz de cometer ou dizer algo sem pensar e por isso achava melhor ir embora o mais rápido possível. 

Um último contato visual antes de sair da visão daquele homem, Grissom respirou fundo e disparou as palavras sem ao menos erguer o tom:   

— Sara veio aqui imaginando que fosse receber um pouco de esperança. O que eu vi agora há pouco foi esperança, doutor Langston? 

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Eu vou morrer. 

Se suas esperanças já estavam baixas antes mesmo de receber aquela notícia, após ela, Sara entregou a toalha de vez. Não era uma garotinha inocente aprendendo a brincar com os números; seu trabalho consistia nisso, parte de sua vida foi trabalhando com cálculos, probabilidades, chances. Era grande o suficiente para saber a sorte não corria a seu favor, que na verdade corria como sua adversária, pronta para vê-la cair. 

Eu vou morrer. 

Ao chegar em seu quarto após uma batalha contra as próprias emoções, trancou a porta pelo lado de dentro enquanto as mãos tremelicavam sem parar. Ela tocou na porta e deixou um grito abafado escapar. Perdeu seu rumo, seu foco. Em sua mente, ruídos que impediam seu raciocínio claro, sóbrio.  

Sara adentrou o banheiro, abriu a torneira da pia e lavou o rosto por várias vezes. Olhou-se no espelho e novamente não se reconheceu. Estava pálida, olhos marejados e pesados, um semblante abatido pelo desespero e sensação de fim iminente. Ela gemeu de dor e rangeu os dentes ao pressionar as mãos sobre a pia. Água descia pela torneira, assim como suas expectativas de sair de lá viva. 

Ofegante, gemeu por uma dor que corroía a alma. Quis rasgar-se por inteira numa tentativa inconsciente de curar essa doença. Mas era humanamente impossível. Enquanto pensava em absurdos, aquela "coisa" ia retirando segundos de sua vida. Pensar nisto fazia era um flagelo. 

Ela deixou o banheiro e seguiu até a cama. A água fria sobre a face não foi suficiente; os olhos se encheram de lágrimas mornas que desceram e tomaram conta de seu rosto vermelho. Sentou-se à beira e cruzou os dedos das mãos, levando-os até o queixo. 

— Eu vou morrer... — sussurrou. 

Cobrindo o rosto com as mãos repetiu a frase por duas, três vezes até que deslizou as mãos até a boca. As lágrimas continuavam. Ela mesma já não tinha forças para se recompor e começar a pensar de forma racional. Tudo o que enxergava à frente era a morte e não seriam meras frases de conforto que a tirariam daquela situação. 

 


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