Desaparecendo escrita por Dama das Estrelas


Capítulo 22
Você vai me amar amanhã?


Notas iniciais do capítulo

Fala, pessoal! Eu não sei de onde estou tirando cabeça pra editar essa fic aqui quando só consigo pensar em CSI Vegas. O hype está lá em cima cara, sem mais!

O título do capítulo faz referência à música "Will You" do P.O.D, mas se pudesse colocava o refrão inteiro da música kkkkk

Quero agradecer a todos pela paciência. Obrigada a vocês que estão lendo, tenham uma boa leitura.



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A noite acabara de começar quando Sara acordou. Bocejou e piscou os olhos sem parar acostumando-se com a imagem à frente. Quando levantou os braços para se esticar percebeu que o lugar não lhe era estranho, mas não era o “seu” local de antes. O oxímetro em sua mão direita entregou a resposta.  

— De novo?... 

Mais um daqueles episódios, deduziu. Recordava-se muito pouco das horas anteriores, apenas do desconforto em seu corpo e uma sensação de apagamento. Sentiu-se presa num ciclo do qual só iria terminar se saísse de lá morta. No mais improvável dos casos, curada. 

Não percebeu de cara que pouco a pouco foi se retraindo até que envolveu as pernas sobre os braços. Aqueles malditos fios do holter colados em seu tórax pinicavam sem parar, assim como o oxímetro em seu dedo. Com movimentos rápidos ela os tirou e tentou se ajeitar novamente na posição de antes. 

Não precisava preencher a lacuna da memória tomada de si para saber que não teria mais uma vida normal ou no mínimo decente. Não passava de um rato de laboratório: privada de liberdade e de escolhas. Estava ficando pior, não tinha dúvidas, no entanto o que mais lhe preocupava era o quão longe seria capaz de aguentar antes que se transformasse em um ser desprovido de forma — e talvez de vida —, confinada para sempre num ambiente isolado da presença humana. 

— Senhorita Sidle? 

Uma voz feminina ecoou pelo quarto, dando fim ao seu isolamento. Era Zhang, que a encarou contente por vê-la acordada. Não deixara o quarto não tinha quinze minutos. 

— Já está melhor, imagino eu. Isso é bom.  

Olhando para os lados ela tomou uma respiração longa e relaxou os ombros. 

— Foi tão grave assim? — perguntou Sara, sem visar a mulher. Deslizou as pernas sobre a cama ameaçando deitar-se novamente, porém ficou por ali mesmo. 

Zhang não se afastou muito da entrada. 

— Não tão grave, mas preocupante. Já é a segunda vez que você perdeu a consciência, não podemos ignorar a gravidade disto. 

— E tem diferença? — Sara riu por ironia. Zhang, por sua vez, mantinha-se com o rosto sóbrio. 

— Foi o dr. Grissom quem te carregou até aqui. 

Sara, que no momento olhava para o outro lado, encarou aterrorizada para a doutora Zhang. 

Ah, merda. 

Talvez logo a única coisa que não queria que acontecesse, de repente, se tornou uma realidade. 

— O quê? Espera... — Ela tocou na testa para tentar se lembrar do que houve, porém tudo não passava de um borrão. — Ah merda... Eu- eu tenho que voltar para o meu quarto. — Ela se preparou para se levantar, mas a doutora se adiantou. 

— Antes que você retorne, precisamos conversar sobre o que vai acontecer adiante. — Liu, que segurava uma pasta fina de arquivo em suas mãos, repousou-a por entre o braço. 

Do seu ponto de vista, Sara não conseguia tirar do rosto austero de Zhang uma boa ou má notícia; mesmo sabendo que quando se tratava em conversar sobre algo nestes últimos tempos já imaginava que não sairia dali melhor. 

— Não vai me dizer que aconteceu algo pior do que eu tô imaginando? — Ela perguntou, já imaginando que a resposta seria “sim”. 

— Achamos melhor que passasse ao menos as noites aqui. Caso ocorra algum imprevisto seria mais viável tomar medidas com mais rapidez. 

Levou menos de dez segundos para administrar o que acabara de ouvir. 

— Hã? Nessa... nesse quarto? Não, eu não quero isso — retrucou incomodada. — Querem que eu more na enfermaria até o dia do procedimento? — Ela negou com a cabeça por várias vezes. 

— Entenda que o que estamos fazendo é por sua segurança. E eu não disse "morar", queremos que ao menos passe as noites por aqui. 

— Que droga, eu sou uma cientista também. Eu sei dos riscos e sei que se for a minha hora não serão 100 metros ou menos que vão me salvar. Posso desaparecer a qualquer instante, não se lembra? — Deu de ombros. — Até ligarem todo o sistema já foi tarde demais. 

A resposta fez com que Zhang aparentasse desistir da ideia. 

— Eu não quero que ache que estamos sendo negligentes com você. — O tom de voz da doutora deu a entender que não aprovou o comportamento dela. — Eu tenho um filho. — Apontou para si mesma. — Faria de tudo para ele se sentir bem-tratado numa situação dessas nem que fosse preciso montar um quarto bem ao lado da sala vermelha. 

— O que eu acho disso tudo é que... vocês querem que eu me sinta segura, mesmo sabendo que eu não posso sair daqui viva. — Ao declarar aquilo soltou um suspiro logo em seguida. — Ficando aqui vai apenas alimentar uma falsa esperança de que eu posso ser salva de qualquer jeito. 

Zhang se calou por alguns instantes, respeitando o espaço emocional que ela precisava. 

— Não queríamos que se sentisse desse jeito, ainda mais agora que estamos bem perto de finalizar o protocolo — A doutora admitiu empática.  

— Eu também não queria, mas essa coisa não me deixa em paz. — Sara desabafou. 

— Apesar de tudo isso, ficar aqui ainda seria melhor para você e para nós. Ficaríamos a par da sua saúde e tomaríamos a melhor decisão. — Ela insistiu. 

— Cadê o Grissom? — Sara perguntou logo após passar a mão no rosto. Deu graças por não estar acordada ao ver Grissom desesperado e pedindo por ajuda. 

— Provavelmente no alojamento. Foi difícil pedir que saísse daqui um pouco para descansar, estava bem nervoso. — Ela assentiu. — Precisei conversar com ele por um tempo e acalmar os ânimos. 

— Desculpe por isso. — Sara não devia, mas sentiu que precisava de um pedido como aquele. Se já tinha em mente que os cientistas caíram em descrédito com ele, a cena pós aquele evento devia ter sido horrível. — Ele está pilhado com toda essa história. Até agora não se conforma com a ideia de que pode estar assim também. 

— Ele deve estar melhor. Mas achei uma boa opção que ele e Ray ficassem afastados um do outro por um tempo. 

— Posso falar com ele? Grissom? 

— Sim, posso chamá-lo. — Zhang assentiu. 

Não era exatamente a resposta que Sara estava esperando. 

— Na verdade... — ressaltou ela. — Eu gostaria de sair daqui. — Como viu que era sua melhor janela de oportunidade, Sara foi direta. 

A cientista voltou a segurar a pasta com ambas as mãos. 

— Oh... claro. — Ela concordou sem problemas. — Logo. Mas eu vou pedir que aguarde só mais um pouco; até o resultado do seu exame de sangue sair. 

— Vocês coletaram meu sangue? — Sara perguntou preocupada. Foi logo procurar por algum sinal de agulha em suas veias. 

— Não queremos correr nenhum risco. 

Ótimo. 

Não era somente ela quem estava apavorada com essa história toda. Pouco a pouco era vencida pelas pessoas que diziam estar ali para ajudá-la. 

—------------------------------------------------------------------- 

A passos largos Grissom chegou à enfermaria. Não tão tenso ou preocupado quanto antes, mas ansioso em revê-la. Já era noite e sequer jantou; a fome lhe havia fugido e talvez só pensaria em comer algo após toda aquela poeira baixar. Quando recebeu a notícia da doutora Zhang, largou tudo o que pretendia fazer e se encaminhou até o outro prédio. 

Ao chegar lá, deparou-se com Sara em poucos segundos. Estava sentada à beira da cama, como se já o esperasse por ele há algum tempo, pronta para dar alguma notícia. Desinibindo-se de sua timidez, aproximou-se dela rapidamente e, quando Sara percebeu o que ia fazer tratou de se levantar.  

Ainda um pouco abalado emocionalmente, encontrou-a com um abraço comovido. De repente viu a firmeza de seus sentimentos se abalarem nos poucos instantes em que a reencontrou, como se as imagens de horas atrás regressassem à sua mente tornando o momento ainda mais intenso. 

— Me desculpe, Gil — lamentou Sara; mais por ele ter presenciado tudo aquilo que pela situação em si. 

Grissom não respondeu na mesma hora, importando-se mais em desfrutar daquele abraço mais do que qualquer coisa. Ele passou a mão por seus cabelos e beijou o canto de seu rosto, repousando a testa sobre ela. 

— Você está bem? — Ele sussurrou, lábios rentes a sua bochecha logo após beijá-la carinhosamente. 

— Estou... aguentando — respondeu logo após fitá-lo nos olhos. Vendo-o assim não teve coragem de maquiar a verdade. 

De um jeito tímido ele alcançou seu rosto com a mão e o acariciou com delicadeza. 

— Não queria que visse aquilo. — Sara sorriu por vergonha e balançou a cabeça por várias vezes. — Eu... nem sei o que dizer. 

Ele ficou calado. Se ela não sabia o que falar, Grissom então estava muito pior. Via-se tomado pela angústia de horas atrás e pelo alívio de vê-la em segurança na medida do possível. 

— Tá ficando pior, eu sei. — Ela assentiu, o que o fez baixar a cabeça por alguns instantes. — Até mesmo eles parecem perdidos. Nem sabem o quanto isso aqui vai piorar até... você sabe. 

Sara não conseguiu terminar de falar, mas imaginava que ele compreendeu muito bem o que quis dizer. 

— Querem que eu fique por aqui a partir de hoje. Você sabia? 

Aquele olhar ciente de Grissom já dizia tudo e de alguma forma isto não a agradou. Esperava que de alguma forma ele se posicionasse ao lado dela e não concordasse com a ideia de se afastar da maior parte do contato humano. Este contato humano seria o próprio Grissom, para falar a verdade. Mas não foi isso que recebeu. 

— Acha mesmo que vão ter tempo de me salvarem caso isso apareça de novo? — Sara ergueu as mãos. 

— Eu acredito que toda ajuda é bem-vinda — respondeu sóbrio. 

— Você concorda com isso, então. 

— Talvez seja a melhor opção no momento. Isso está... — Grissom balançou a cabeça, mal conseguiu se completar. 

— Fora de controle, você diz? — Ela se adiantou, trajando um tom meio sarcástico. — Acho que nem eles mesmos sabem o que fazer se isso ficar pior. Se "isso", não — corrigiu-se. — Quando ficar pior. 

— Não acha que toda opção para cuidar de você não é bem-vinda, Sara? — Ele argumentou um tanto chateado. 

— E o que adianta? Pra no final eu continuar refém dessa coisa ou pra morrer sozinha numa sala?! 

As duras palavras de Sara pairaram sobre o ar, tornando o clima ainda mais tenso. 

— Me desculpe você, eu acho que tudo isso não vai passar de uma perda de tempo. — Lançou aquelas palavras sem se preocupar com o dano que causariam. 

— Não faz nem cinco horas que eu carreguei você nos meus braços, quase metade do seu corpo havia sumido- Deus! — Ele se calou, pois sabia que perderia o controle das próprias emoções. — Nem que fosse preciso montar uma cama para você ao lado daquela maldita sala! É claro que estou disposto a concordar com eles! 

Talvez ele a tivesse pego em cheio. Nunca desejou tanto lançar um olhar mortal a Grissom e mandá-lo embora, mas teve de admitir que ele vencera seus argumentos, ou melhor, o que achava que fosse um argumento. 

— Eu realmente queria pensar do mesmo jeito que você, mas tem uma barreira enorme na minha frente. Não consigo ver nada! 

— Sara, você... não pode falar desse jeito. — protestou. — Deus, nós estamos tão perto de tudo isso acabar! 

Grissom não se conformava com aquilo. Não passava-lhe por sua mente que de repente Sara viesse a desacreditar na única oportunidade de salvar sua vida. 

— Eu não posso falar desse jeito? — Ela rebateu ainda mais irritada. — O que quer que eu diga, então? Que estou animada com essa história toda, é isso? — Ergueu os braços. — Droga, não posso nem dormir no meu próprio quarto mais! O que vão fazer depois? Me trancar numa cela? 

Sara fitou Grissom esperando uma resposta minimamente decente e que não fosse um pedido de desculpas como praxe. Esperou, esperou e, após dez segundos de completo silêncio de um homem abalado, Sara decidiu calçar um par de sapatilhas cedidas pela equipe da enfermaria, dar meia-volta na cama e sair do quarto. 

— Aonde está indo?  

— Vou pegar minhas coisas — Sara replicou sarcástica. — Aparentemente eu tenho uma nova casa agora! 

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Ela viveu os dias seguintes como se fossem todos iguais. "Perdeu ou perdia sua humanidade?" questionava abatida ao se olhar para o espelho e se deparar com o semblante cabisbaixo de dias. Não precisava mais esconder: todos ao redor sabiam de sua condição, sabiam de seu estado mental. O que lhes restavam era a contenção de danos, tornar a experiência antes do procedimento um pouco menos angustiante. 

Sem sinal de que "aquilo" daria as caras novamente; melhor para a equipe de cientistas, melhor ainda para ela. Ainda assim lhe foi recomendado que ficasse em seu quarto especial, pois o dia estava chegando. 

Após a segunda noite na enfermaria, Sara perdeu a noção do tempo para falar a verdade. Sentiu que a cada dia sua humanidade era tirada aos poucos e tudo que restaria no final seria apenas a sombra do que foi um dia. Passava a maior parte do dia realizando alguma atividade aleatória ou jogando xadrez com os funcionários da cozinha. 

— Tem notícias dos outros? — Sara perguntou a Grissom. Ambos estavam no pátio central, sentados em frente às esculturas arborizadas, desfrutando de mais um dos momentos em que o silêncio prevalecia na maior parte do tempo. Passava de duas da tarde. Estava um pouco quente e aquela área proporcionava sombra e uma brisa mais fresca. 

Pego de surpresa, ele se virou brevemente em sua direção e, como se o seu queixo estivesse prestes a cair a qualquer momento, olhou para a frente de novo. 

— Eu não... entrei em contato com eles — declarou sem jeito. — A última notícia que tenho é apenas um memorando de Catherine sobre o Departamento. 

— Já pensou no que falar para eles caso você... volte sozinho? 

Ele não escondeu o choque ao se virar na direção de Sara novamente, mas desta vez foi acompanhado por seu olhar. Sara só estava esperando por sua reação. A serenidade com que o observava foi apenas um motivo para que não a respondesse. 

— Você fala sobre a morte de um jeito tão natural no dia-a-dia, me surpreende que esteja na defensiva. 

Isto não era justo. Falar sobre a morte quando 90% do seu trabalho lidava com isto era "fácil" para ele. Falar sobre a morte ao se referir a única mulher que amou na vida era o assunto principal o inibiu até mesmo de pensar neste futuro. 

Seus últimos dias têm sido tão pesarosos quanto os dela. 

— Eu não quero ser pessimista — insistiu ela. — Mas não dá para ignorar isso. Não dá pra ignorar que vai chegar o dia em que eu entre naquela sala e tenha a chance de nunca mais sair. 

— Se isto acontecer — Grissom enfim tomou a palavra. Foi curto e incisivo. — Eu lidarei com isso. Uma coisa de cada vez. 

Era uma clara tentativa de se esquivar e encerrar o assunto o quanto antes e Sara não podia vencê-lo tão facilmente. Round encerrado, ambos voltaram suas atenções às figuras arborizadas à frente, talvez as mais belas criações de todo o complexo. 

— Sinto falta deles. — Após o período de silêncio, Sara se manifestou. — Nick, Greg, Warrick... Até da Catherine. — Ela sorriu ao final da frase. 

— Deveria falar com eles — sugeriu. De certa forma estava esperançoso. 

Mas ela negou veemente com a cabeça. 

— De onde eu vou tirar forças para inventar uma história? Vou contar que estou bem, que estou doente? — questionou-o. — Qual doença? Não... Não dá. Eles acham que estou tentando relaxar após a minha suspensão, deixe que continuem pensando assim. — Não muito tempo após dizer aquilo sentou-se de lado no banco, na direção de Grissom. — Você quem devia falar com eles... saber se as coisas melhoraram. 

Foi a vez de Grissom entrar na defensiva. Balançou a cabeça como quem gostaria de trocar de assunto ou, quem sabe, tornar Sara o foco da conversa novamente. 

— Seria bom você se desligar um pouco daqui. 

Sara realmente queria que Grissom encontrasse um meio de escape desse mundo bizarro que ambos se meteram. O laboratório, a paixão da vida dele, seria talvez a maior opção; uma forma de tirar parte do peso de seus ombros. 

Ele continuou em negativa, mas ela parecia disposta a seguir a fundo. 

— Eu não consegui — admitiu finalmente. — Não quando... minha prioridade está aqui. 

Mal quis seu contato visual ao respondê-la. 

— Faltam só dois dias — comentou Sara, abrindo mão de um embate. 

— Não está contente que logo isto vai acabar? 

— Contente? 

— Aliviada. — Grissom ergueu a mão num gesto de desculpas. 

— Se... você soubesse o quanto eu desejava esse dia, não faz ideia. — Sara fez uma pausa. Uma longa e temerosa pausa. — Eu estou apavorada agora — desabafou. 

Ele não precisou ver seu rosto para perceber que o medo presente nela era angustiante. 

— Você fala isso e eu já sinto um frio na espinha. Parece que vão levá-lo a um vulcão como um sacrifício. Já viu os filmes? 

Grissom apenas assentiu. 

— Eles ao menos sabiam que iam morrer, e eu? Posso sair pior do que já estou, ficar presa aqui para sempre. 

Ele preferiu se abster de comentar, como fazia na maior parte das vezes. Não faria sentido declarar que sentia a mesma angústia que ela ao imaginar que a chance de perdê-la era alta. Na verdade, guardara a maior parte dos sentimentos para si nos últimos dias; não queria que o visse padecer por ela. 

— Você não merece isso. 

Grissom lhe lançou um olhar confuso e, ao mesmo tempo, suplicante. Sara baixara suas defesas, abriu mão de se esconder em frases ácidas ou sarcasmos. Falava como alguém que se importava demais com ele e sofria na mesma medida. 

— Isto vai acabar. 

Suas palavras deveriam servir de conforto para ela. "Anime-se, logo isto tudo vai acabar e você poderá voltar para casa", talvez era o que tentava dizer. Mas tudo o que lhe causou foi um frio na espinha. 

— Uma hora vai — respondeu com um sorriso triste. Decidiu voltar à posição em que estava e seu olhar logo a levou de volta à raposa na parte central do pátio. — Pedi uma coisa para eles. 

— O que foi? 

— Quero passar a última noite no meu quarto. 

Ele balbuciou uma palavra, mas hesitou e procurou elaborar algo melhor. 

— Isso pode ser arriscado. Não dá para... prever quando vai acontecer de novo. 

— Eu já desisti de muita coisa, Gil, e não vou abrir mão disso — respondeu, totalmente decidida em seguir em frente. — Se eu tiver que morrer enquanto eu aproveito o pouco de dignidade que me resta, então... 

— Tem certeza disso? — Não lhe cabia na mente a ideia de Sara deixar de lado o talvez ambiente mais seguro para ela apenas por conforto. 

— Você tem dormido na enfermaria também.  

Na época, Sara sequer pensou na possibilidade de ter uma companhia na cama ao lado. Foi ele quem decidiu, bateu de frente com os outros e conseguiu a oportunidade. Para sua sorte não houve incidentes com alguns dos funcionários, que com certeza seriam motivos para tirá-lo dali. 

Ele seria um dos maiores defensores — senão o maior — do bem-estar de Sara. Mas ao mesmo tempo prezava por sua segurança, mesmo que isso a ferisse a cada noite dormindo naquela cama e a cada manhã acordando naquele quarto de enfermaria. 

— Eu queria você por perto. 

Se isto fosse humanamente possível, Grissom diria que foi desfeito em mil pedaços. 

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Era um pedido bobo, tolo; não era necessário tanto. No entanto, para ela isso fez toda a diferença. Voltar para seu cômodo que nos últimos meses se arriscava a chamar de casa lhe trouxe um respiro que há muito não o tinha. Era sua última noite ali. Literalmente ou não, era importante lembrar a si mesma que ainda possuía o direito de viver por mais algumas horas antes que sua vida fosse mudada por completo. 

Ao sair do banheiro, Sara o encontrou lendo Moby Dick; seu Moby Dick. Descobrir que compartilhavam o mesmo gosto pelo livro foi uma grata surpresa.  

Ela não percebeu, ficou parada a certa distância observando Grissom e sua leitura à mesa, em frente ao pequeno vaso de camélias. Perdeu-se naquela cena e só deu conta do que fez quando ele se virou em sua direção e fechou o livro rapidamente. 

— E-eu... o livro estava aqui na mesa e... 

— Não se preocupe — respondeu afetuosa. Até pensou em avisar que já estava pronta para dormir, mas decidiu por outra coisa. Sentou-se na cadeira ao lado e visou as flores antes de dirigir a palavra a ele. — Nós ainda não falamos sobre isso, não é? 

Grissom apenas se limitou a cruzar as mãos sobre a mesa logo após repousar o livro exatamente na mesma posição em que o pegou. Era amanhã o tão esperado dia e por isso experimentava um turbilhão de sensações diferentes. 

— Todos vieram perguntar se eu estava bem... Até prepararam um jantar especial pra mim — comentou rindo. — Mas você... nem tocou no assunto o dia todo.  

— Eu não... quis encher a sua mente falando sobre isso. 

— Mais do que ela já está cheia? — perguntou surpresa. — Eu não "ligo". Na verdade, seria bom ter alguém para desabafar. 

— Me desculpe. 

— Pelo quê? Por estar com medo? Eu também estou. Meu Deus, o que eu mais sinto agora é medo. 

Sara tentou e bem que tentou de todas as formas fazer com que ele se abrisse um pouco, porém Grissom se mantinha intransigível. Ela sabia que havia algo de errado nele, ainda mais quando daqui há poucas horas estaria prestes a entrar numa sala com chances de nunca mais sair. 

Por curiosidade, Grissom estendeu a mão em direção as camélias. Ameaçou pegar o vaso, mas limitou-se a resvalar o dedo por entre as pétalas delicadamente. Não ficou naquela posição por muito tempo, todavia. Sara tocou em seu braço para chamá-lo a atenção. 

— Não faça isso comigo, por favor. 

Sem reação de início, ele percebeu o coração disparar ao sentir a mão dela alcançando a sua aos poucos. Ao entrelaçar sua mão ela a pressionou com cuidado, como se estivesse fazendo um pedido. E de repente a cena de dias atrás o atingiu em cheio. Em outro momento não havia nada ali e ao pensar nisso o peito apertou. 

— Eu não... eu não queria te deixar assustada. — Falar baixo não foi o suficiente para evitar que a voz de Grissom falhasse.  

— Você pode falar que está assustado, eu também estou — completou sorrindo ternamente. Não havia rigidez em sua voz, muito pelo contrário. Falava doce e tranquilamente, sem afastar sua mão uma única vez.  

O olhar culpado o entregou, nem precisou dizer alguma coisa. 

Ele cobriu sua mão com carinho e, trazendo-a para si, beijou-a por incontáveis segundos.  

— Viu só? Nós dois estamos com medo, já é um começo. — Ela falou risonha enquanto seu rosto era tomado por uma lágrima. — É isso, eu... tô com medo de morrer, sabe? Eu não quero... perder isso aqui. 

Ele também não conseguiu conter a lágrima que começara a descer pela face completamente abatida. 

Mal tivera a oportunidade de desfrutar do que era amar e receber o mesmo e agora corria o risco de nunca mais o fazê-lo. Aquilo não era justo. 

Deus, por quê? 

Para um homem que raramente demonstrava sentimentos, foi uma surpresa até mesmo para ela. Nunca o vira daquele jeito: tão abatido e debilitado pela tristeza e tudo por causa dela. Se antes duvidava se tudo aquilo não passasse de uma paixão momentânea, os últimos dias — especialmente aquele dia — sanaram suas dúvidas.  

— Sara — sussurrou. — Eu não posso... perder... — A voz embargada mal conseguiu terminar a frase e ele tampouco tinha coragem de fitá-la nos olhos por mais de um segundo. Finalmente entregara seu verdadeiro 'eu': um homem que, apesar de ter feito de tudo para mostrar-se como uma fortaleza, encontrava-se tão apavorado quanto ela. 

Ela sabia muito bem qual era o final da frase e isto a quebrou de vez. 

Não querendo que suas prováveis últimas memórias fossem dela e do homem que amava chorando, aproveitou-se de sua posição para se inclinar na direção dele. A mesma mão que Grissom acariciou foi a que tocou em sua nuca para puxá-lo para perto. E então ela o beijou, apaixonada e desesperadamente. Não como se fosse a última vez, mas para dizer o quanto precisava dele e daquele momento. 

O beijo, no entanto, findou-se tão repentinamente quanto começou. Ficar naquela posição seria desagradável para o que queria: encurtar a distância como há muito vinham fazendo. Quando suas bocas se afastaram, Sara reparou em seus olhos vermelhos e o quanto ele relutava para conter o choro, o que foi inútil. Ela tocou em seu rosto com as mãos e delicadamente passou o polegar por ele na tentativa de enxugar suas lágrimas. Então veio a beijar seus lábios, sua janela de escape. 

De olhos fechados enquanto suas bocas se tocavam, Grissom lamentava sobre coisas que nunca aconteceram e que talvez nunca iriam acontecer. Ele não a levaria para o seu restaurante favorito; não passaria as tardes de verão em Santa Mônica; não iriam procurar por insetos em um bosque recém coberto pela neve. As chances não estavam a seu favor e por mais que relutasse, no fundo o terror vencia sua guerra psicológica. 

Parecia que ele estava adivinhando suas intenções quando desceu as mãos até a barra de sua camisa. Com a ajuda dela a peça de roupa foi retirada sem dificuldades, revelando a pele alva de Sara que não vestia nada mais que o lhe foi tirado. 

Grissom se desfez da própria camisa em poucos segundos, tomou-a pela cintura e voltou a beijá-la. Era tão melhor sentir seus corpos unidos sem nenhum impedimento, que pareciam terem sido feitos um para o outro. Pouco a pouco as lágrimas cessavam, dando lugar à urgência de amar cada canto — naquele momento arrepiado — de seu corpo. 

Ele a guiou até a cama e antes de se juntar a Sara, desfez-se de todas as roupas restantes enquanto ela fazia o mesmo. Ele apagou a luz do quarto e deixou apenas o abajur aceso. Com cuidado se pôs acima dela e desferiu uma série de beijos em sua boca, rosto, e foi descendo até o pescoço, arrancando gemidos e murmúrios que soaram como música aos seus ouvidos. Ele tinha pressa em desfrutar de cada centímetro de sua pele macia e quente, que se arrepiava a cada toque de seus lábios e sua língua. A pressa também se dava ao medo; como se de alguma forma tudo o que fizesse ali pudesse impedir o pior. E como ele a desejava, como ele desejava, ansiava que o tempo parasse, tivesse um pouco de misericórdia que fosse e não tocasse nela de forma alguma. 

Mãos firmes de ambos pressionavam seus corpos desesperadamente. Incessante, ela pedia por mais beijos, carícias, o que for. Como se fosse a última vez em que o teria só para si, a última vez em que poderia se entregar de corpo e alma antes de seguir rumo ao incerto, a provável morte que lhe aguardava. 

Então deu tudo de si. Apagou da mente todos os seus problemas, ao menos por alguns minutos. Não havia mais nada, somente eles dois. 

 


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