O Canto da Fênix escrita por AnnaBrito190


Capítulo 5
Sol Nascente I




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Erasto observou o fluxo do rio e admirou os pequenos arco-íris que se formavam quando a luz dourada do fim de tarde atravessava as partículas suspensas de água advindas da turbulência.

Ele não pode deixar de lembrar, naquele dia a cena era quase a mesma.

Já se passaram quantos anos mesmo?

Erasto não conseguia lembrar da passagem de tempo, mas nunca se esqueceria da cena daquele dia, de ter retirado das águas o corpo de uma criança magra e pequena. Naquele corpo havia tantos hematomas e cicatrizes que Erasto não conseguia olhar por muito tempo. Foi uma visão lamentável.

A criança ficou em coma por sete dias, e quando despertou parecia um animal acuado, com um par de olhos de fera desconfiados. Aquele grandes olhos azuis depois de alguns meses se tornaram suaves, como se nunca tivessem testemunhado nenhum tipo maldade em sua curta vida.

“Mestre” uma voz dócil o chamou.

Azizi estava parado a poucos metros de Erasto. Estar ali, ver o seu mestre tão pensativo naquele lugar dava pequenos arrepios nele. O vale no geral não era parecido com as terras do extremo sul, mas aquele trecho em particular era terrivelmente similar ao trecho do condado onde ele foi resgatado.

Os olhos afetuosos de Erasto repousaram em Azizi, e ele não pode deixar de pensar em como aquela criança cresceu e se tornou para ele algo tão próximo como um filho. Ao ver o carinho nos olhos dele Azizi soltou o ar que nem se dava conta que estava prendendo. Ele estava seguro.

“Deve estar preocupado” Erasto se aproximou de Azizi e repousou uma mão no ombro direito dele. “Não deve pensar muito sobre isso, dará tudo certo”

Azizi não pode deixar de pensar que de certa forma seu mestre Erasto o conhece muito bem, ao menos entende as inquietações que borbulhavam dentro dele como um pai faria. Depois que foi resgatado Azizi foi levado como um discípulo não oficial e em seguida ganhou um status no coração de Erasto que ele não esperava. Para os de fora Azizi era apresentado não só como discípulo, mas também como filho adotivo, tal notícia já havia chegado nos ouvidos do líder da Seita do Sol Nascente antes mesmo que Erasto decidisse levar o menino para a seita.

A decisão de voltar a seita depois de tanto tempo, interrompendo o plano original de Erasto foi motivada por um problema que ele não pode resolver ao ensinar o garoto cultivar “na estrada”, e isso incomodava aquele ancião. Não que ele desconfiava do menino devido a sua origem, o motivo era que ele duvidava que o garoto fosse ter uma vida plena, chegar a desfrutar ao menos o tempo de vida humano.

Mestre e discípulo deixaram aquela paisagem que os forçavam a relembrar do passado e seguiram até os limites das terras da seita. A estrada pavimentada por ancestrais do clã Boreal não estava movimentada, permitindo assim que chegassem aos portões sem muito alarde. Diante do imponente portão feito de carvalho havia dois guardas que liberaram a passagem após ver a ficha de jade que Erasto retirou de seu anel dimensional.

A Seita do Sol Nascente se localizava ao fundo do vale, com suas instalações quase ao pico da montanha. Uma grande escadaria levava até o pátio principal. Do pátio principal caminhos sinuosos se originavam como um grande polvo abraçando parte da montanha.

O pátio estava cheio, com uma faixa etária variável entre crianças e jovens que não deveriam passar dos quinze se alinhando em filas. Todos estavam ali para a seleção que ocorria em intervalos de cinco anos.

Azizi observou aqueles rostos ansiosos enquanto passava por eles e se sentiu envergonhado e culpado por estar entrando descaradamente pela porta dos fundos.

O seu mestre o conduziu até a edificação do líder da seita e pediu para ele esperar do lado de fora até ser chamado. Azizi decidiu sentar-se ajoelhado ao lado da porta até ser convocado. Quem sabe quando tempo demoraria?

“Fez o que de errado?” Uma voz soou atrás de Azizi o fazendo ter um sobressalto.

“Aish!” Azizi colocou uma mão no coração disparado e olhou desconfiado para a pessoa que começou a rir dele.

Era um garoto com olhos sorridentes e bochechas sobressalentes, o cabelo dele era como breu, escorrido sobre os ombros e com algumas mechas presas em uma fita amarela, a mesma cor do uniforme da seita que ele vestia. Quanto mais ele ria mais sua pele de jaspe ficava corada. Azizi calculou que eles deveriam ter mais ou menos a mesma idade.

Depois de medir o menino Azizi concluiu que ele não deveria ter intenções hostis, então decidiu responder de forma direta.

“Estou esperando o meu mestre”

“Hã? Seu mestre? Por que não está de uniforme?”

O garoto se aproximou com os olhos brilhando de excitação e curiosidade, seu rosto a centímetros do de Azizi. Azizi arregalou os olhos e prendeu a respiração de forma inconsciente enquanto seu corpo se esquivava para manter uma boa distância entre os dois.

Vendo o desconforto de Azizi o garoto sorriu e coçou a cabeça um pouco envergonhado enquanto se afastava.

“Aí, você é muito tímido.” O garoto resmungou com uma cara lamentável enquanto chutava algumas pedrinhas imaginárias. Por um instante o seu rosto pareceu se iluminar, parecia que ele havia se lembrado de algo. “Meu nome é Ravi, Ravi Lira.”

As rápidas mudanças de Ravi deixaram Azizi perplexo, ele observou bem o rosto radiante do garoto e não pode deixar de pensar que ele era um pouco esquisito.

“Obrigada pela preocupação irmão Lira. Espero que possa me perdoar por ter sido rude.” Azizi se curvou levemente em respeito enquanto falava.

“Aish! Não precisa disso, não precisa disso.” Ravi riu desconcertado. “Então, qual é o seu nome?”

“Azizi”

Ravi não questionou sobre o nome de família de Azizi. Apenas tomou aquilo como desnecessário e o encarou por alguns segundos como se estivesse decidindo algo.

“Acho que combina com você. Agora que estamos familiarizados vou lhe fazer companhia”

“Hm”

Azizi observou o garoto se sentar na mesma posição que ele e ficar mudo. Sem pensar muito sobre o ocorrido voltou a se concentrar em mover sua energia interna.

Pouco tempo depois Azizi foi convocado. O garoto Lira o seguiu como uma sombra até a porta do salão onde o líder da seita estava. Azizi segui o restante do caminho sozinho até parar diante do líder da seita e prestar seus respeitos.

“Este humilde aprendiz presta seus devidos respeitos ao líder da seita. Que o líder viva por mais mil anos.”  A voz de Azizi soava doce e macia enquanto fazia um arco, seu corpo curvado, sem ir ao chão.

Antes, enquanto Azizi adentrava o recinto e caminhava até ele o líder da seita só lhe dava um olhar frio. Vendo Azizi prestar seus respeitos suas feições demonstraram uma leve aprovação.

“Pode levantar-se. O terceiro irmão Cáspia realmente encontrou um aprendiz modesto e filial enquanto esteve fora”

Por um momento Azizi teve a sensação de que a voz do líder da seita soou meio errada. Sem pensar muito no assunto apenas enviou essa impressão para o fundo da sua mente.

“Naturalmente você não precisa participar da seleção como afilhado e discípulo do terceiro irmão”  

O líder da seita olhou para Azizi com um sorriso caloroso. O terceiro ancião estava a alguns passos de distância dele, por trás de suas costas havia uma grande pedra cristalina com quase um metro de altura. A luz do sol batia levemente na pedra, gerando um brilho colorido para o deleite dos olhos.

“Venha Azizi, essa é a pedra da raiz espiritual da seita. Coloque a sua mão nela.” A voz do terceiro ancião Cáspia soou ansiosa.

Concordando prontamente Azizi se aproximou com o coração saltando e o nervosismo tomando conta e embrulhado o seu estômago.

Será que daria certo? Finalmente funcionaria? Seu mestre havia dito que a pedra espiritual da Seita do Sol Nascente era de qualidade superior, mil vezes incomparável a aquela que ele usou para testar quando ele foi resgatado.

Quando Azizi colocou a palma de sua mão na pedra e irradiou sua energia interna nela o nervosismo era tanto que ele pensou que iria simplesmente desmaiar a qualquer instante, mas ele estava determinado a não perder a cara e apenas tinha que aguentar e seguir em frente.

Então não houve nada, nenhuma reação.

A pedra espiritual não brilhou como quando a energia espiritual não tinha nenhum atributo especial, ou ficou turva para elemento ar, azul para água, vermelho para fogo e assim sucessivamente.

O coração de Azizi afundou, em um segundo todos os seus membros ficaram gelados pelo choque. Todos na sala podiam sentir a flutuação de energia interna que saia de Azizi, mas a pedra espiritual não reagia a ela.

Ao sair do torpor Azizi recuou e se ajoelhou em frente ao seu mestre.

“Mestre, este discípulo o decepcionou”

O terceiro ancião Erasto Cáspia estava de cenho franzido, imerso em pensamentos. Ao ouvir a voz de Azizi sua expressão se suavizou, com olhos gentis e um tom caloroso ele tentou consolar o seu discípulo.

“O mestre entende, não foi falha sua. Venha, levante-se. Não há pressa, o mestre vai ajudar com o seu cultivo, não se preocupe.”

Azizi se levantou, mas manteve a cabeça abaixada. Os olhos afiados do líder da seita o observavam atentamente.

“Ouça o seu mestre, não há necessidade de se preocupar. Seu sênior Hirun vai lhe mostrar as acomodações, ele já deve estar esperando lá fora.” O líder da seita se aproximou e deu um tapinha na cabeça de Azizi que teve que se segurar para não se afastar imediatamente como se um raio o estivesse atingindo.

“Este discípulo entende. Sendo assim vou sair primeiro. Obrigado pelo problema”

Azizi se retirou do salão pensando no ocorrido. Parecia que descobrir o problema com o seu cultivo seria realmente difícil, por mais que o seu mestre sorrisse e dissesse para ele não se preocupar, Azizi sentia em seus ossos que a falta de reação da pedra espiritual não era um bom sinal.

No continente ocidental e no oriental as pedras espirituais tinham o mesmo princípio: elas tinham a capacidade de testar a raiz espiritual de uma pessoa e a qualidade da pedra ditava a precisão dos resultados.

A pedra espiritual que foi usada pra testar Azizi era uma das relíquias do clã Boreal e era da mais alta qualidade. Não tinha margens para erros. Quanto mais Azizi pensava nisso mais coração dele afundava.

No salão o terceiro ancião encarava a pedra espiritual pedido em pensamentos. O líder da seita encarava a porta por onde o novo discípulo saiu, seus olhos estavam frios como gelo, o calor de antes havia desaparecido.

“Erasto. Onde você disse que encontrou o seu afilhado?”

“No estado de Luan”

Os lábios do líder da seita se enrolaram em uma linha fina. Depois de um longo silêncio ele se virou para Erasto antes de o questionar: “Você o testou?”

Erasto se virou e encontrou o olhar dele. Suspirando como se estivesse derrotado ele confirmou.

“Irmão Jun. Essa criança... talvez não viva por muito tempo.”

“Ele vai ficar sob supervisão, mesmo com o teste. Não podemos nos arriscar.”

Erasto teve que aceitar, quando ele decidiu trazer a criança para a seita ele tinha consciência de que isso poderia acontecer. Esse era um movimento arriscado, mas ele estava disposto apostar pelo bem da vida da sua criança.

Depois de discutir sobre os assuntos da seita o terceiro ancião Erasto se retirou para começar sua pesquisa nos registros de acesso restrito da seita. Ao passar pelo acesso que conduzia ao alojamento dos novos discípulos ele parou e subconscientemente levou sua mão até ao espaço de armazenamento em suas mangas. Seus dedos acariciaram o passe de jade que dava acesso ao nível restrito do clã Boreal. Um brilho de determinação passou por seus olhos, ele iria até o fim, daria tudo pela vida do seu discípulo.


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Notas finais do capítulo

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