O Canto da Fênix escrita por AnnaBrito190


Capítulo 4
Vale Das Sombras II


Notas iniciais do capítulo

Essa capítulo contem gatilhos. Caso seja sensível não leia.



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Azizi aos sete anos de idade era uma criança lamentável, pequeno para a sua idade e com pouca carne nos ossos, de forma que tinha saboneteiras profundas e sua cabeça se destacava. Seus cabelos escuros feito breu ficavam amarrados por uma tira de tecido qualquer que ele encontrava, e suas roupas de algodão cru eram esfarrapadas. Mesmo com os sinais claros de abuso Azizi tinha as feições tão delicadas como uma orquídea, seus olhos azuis pareciam duas safiras. Com tamanha beleza poderia ser facilmente visto como um imortal, mas imortais não viviam em estado tão lamentável e em Lamim tal beleza só gerava mais ódio no coração das pessoas.

A tragédia do clã Shen de Lamim deixou o coração da população da vila mais amargo, o avô de Azizi queria matá-lo no dia em que chegou da viagem comercial e descobriu que seu filho e todos os outros Shen que não o acompanhara haviam morrido. A parteira contara tudo que viu, ouviu e as últimas ordens de seu jovem senhor. A única coisa que impediu o senhor Shen de matar o seu neto foi o desejo de seu filho de que a criança vivesse.

Azizi vivia das sobras da mansão Shen, dormia em um montante de palha em qualquer canto do antigo pavilhão, o lugar estava tão deteriorado que nem os servos moravam mais lá. Todos de Lamim achavam que ele era como uma estrala sangrenta, atraia má sorte, e que era mais uma cria de demônios. Na visão deles até a beleza de Azizi era de natureza demoníaca.

As pessoas da vila achavam que o velho Shen era maluco. Deixar aquela criança viva para que? Traria mais tragédia e má sorte para Lamim, e eles tinham provas de que aquele garoto vivo era um erro: desde que ele nascera os negócios e as colheitas não iam bem, como se tivesse uma nuvem agourenta pairando sobre a vila. Aos quatro anos de Azizi o patriarca de Lamim e cabeça do clã Shen se casou novamente, mas sua esposa não conseguia engravidar. Nos dez anos de Azizi a esposa engravidou, mas a parteira morreu no segundo trimestre e o bebê nasceu morto. O senhor Shen então expulsou Azizi da mansão, não muito depois o patriarca de Lamim adoeceu.

Uma existência miserável, mas que não amargava o coração de Azizi. Mesmo passando por tanta coisa em seus poucos anos de vida ele permanecia uma criança doce de olhos brilhantes e curiosos.

Desde que foi expulso passou a morar no antigo santuário que se localizava em uma caverna no bosque por trás da mansão Shen. Ele sempre gostou de ir ao bosque para brincar, e antes de ser expulso da mansão, fora as sobras de comida ele costumava comer algumas frutas que colhia no bosque.  

Depois que o senhor Shen adoeceu alguns garotos da vila armaram uma emboscada para Azizi. Naquele dia as cigarras cantavam e mesmo sentado de baixo de uma macieira aproveitando a sombra o calor não dava trégua. Azizi se espreguiçou e se levantou decidido a brincar no rio. Ele caminhou de forma distraída enquanto comia uma maçã e chutava algumas pedrinhas ao longo do caminho.

O rio parecia calmo, Azizi gostava particularmente de nadar próximo a algumas pedras, onde ele deixou os seus poucos pertences. A água estava gelada, o que era um deleite em um dia de extremo calor, mas a corrente estava mais forte que o habitual, então Azizi apenas levou o tempo suficiente para que suas roupas secassem sobre as pedras.

Azizi não notou alguns pares de olhos o observando depois que ele se vestiu, muito menos a aproximação ameaçadora enquanto ele penteava as mechas longas e rebeldes com os dedos. Quando ele se inclinou para pegar o pedaço de pano para amarrar o seu cabelo uma voz soou atrás dele.

“Veja se não é aquele bastardo Shen”

“Hã?” Azizi se virou e viu o dono da voz, um garoto alto e magro, com um sorriso zombeteiro e um brilho duvidoso no olhar. Ele era a criança herdeira mais velha de uma família mediana de Lamim, Azizi não conseguia lembrar o seu nome, muito menos o nome dos outros cinco meninos do grupo.

“Veja só, o demoniozinho é surdo” O roliço zombou dele.

“Me perdoe irmão mais velho, sairei do caminho” Azizi se dirigiu ao garoto que falou primeiro com ele, claramente era ele quem tinha poder sobre o grupo.

Azizi completou sua fala com uma breve inclinação e estava pronto para fugir dali quando o rosto do garoto ficou vermelho de raiva.

“Eu não sou seu irmão mais velho! Quem iria querer um demônio como você?” Ele gritou assustando Azizi, que prendeu a respiração. Ele não conseguiria escapar dessa vez.

“Peguem ele!”

Alguns pares de mãos rapidamente o seguraram no lugar. Azizi se debateu, mas logo foi atingido no estomago. Os olhos de Azizi ficaram levemente vermelhos e úmidos, parecia uma beleza lamentável, normalmente as pessoas correriam para amparar e mimar uma beleza dessas, mas para quem era de Lamim aquela visão era de embrulhar o estômago, afinal, para eles aquela era a beleza de um demônio.

Desabafaram ainda mais a raiva e ódio em cima de Azizi, os socos se tornaram mais cruéis, o rosto de Azizi começou a ganhar contornos roxos e a ficar inchado. Quando as pernas de Azizi ficaram frouxas ele foi jogado ao chão e os socos viraram chutes. Ele sentiu a algumas costelas se quebrarem com os chutes, ele sentiu os chutes atingirem as cicatrizes deixadas pelo chicote da casa Shen, ele sentiu como se estivessem perfurando a alma dele de novo.

Todos aqueles anos sendo jogado mais baixo que um animal na casa Shen, levando a culpa por tudo, tendo sido chicoteado até quase a morte aos seis por pegar um bocado de arroz por estar a dias sem comer, odiado e indesejado por todos. Ele queria estar com seus pais, queria morrer.

Ao que parece os céus concedeu-lhe a oportunidade de realizar o seu desejo. Depois de perder as contas de quantos chutes e socos o atingira, um chute em sua cabeça o levou ao limite, turvando a sua visão e levando-o a abraçar a escuridão que o envolvia.

Quando perceberam que Azizi não dava sinais claros de vida o líder do grupo olhou para a situação de forma analítica. O brilho do prazer chegou aos seus olhos, ele estava satisfeito depois de desabafar sua raiva e livrar Lamim da estrela da desgraça.

“Jogue-o no rio” ordenou antes de se afastar.

Quando a consciência de Azizi despertou o sol atingia o seu rosto sem piedade, pontadas de dor se espalhavam por todo o seu corpo, ele tinha a leve consciência da roupa encharcada sobre sua pele e do som de alguma queda d’agua não muito longe dali. Ele ouviu passos, então uma mão quente repousou em seu rosto, como se checasse a sua temperatura.

Azizi queria abrir os olhos e falar, mas seu corpo não obedecia aos seus comandos. Ele não sabia se ainda estava em Lamim, mas rezava para estar longe, só de pensar em ainda estar lá parecia que todo o ar do mundo tinha acabado, e que estava de alguma forma afundando em areia movediça.

No meio do desespero uma sensação de paz e um calor aconchegante o invadiu, de alguma forma ele sentiu que não estaria mais sozinho, que ele podia se deixar levar pelas névoas do reino dos sonhos e enfim, descansar.


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