Bloody Devotion escrita por Eliander Gomes
As empregadas da mansão se aproximavam do escritório de Simon guiando a jovem. Ela, no entanto, entrou sozinha no lugar.
Assim que as empregadas abriram a porta para ela, a menina caminhou para dentro do cômodo, chamando a atenção do jovem mestre Lumiya.
— Eu ainda não perguntei seu nome, criança.
— Alice.
— Alice. — Repetiu Simon, com um tom contemplativo. — É um belo nome.
O homem se levanta e encara a menina com muita curiosidade. Sua aparência estava completamente diferente. Seus cabelos, antes castanhos, eram mais evidentes agora; o loiro deles brilhava com certa vividez. A sujeira de antes não deixava Simon perceber, mas agora era fácil notar, como os fios deles cintilavam sob a luz. Sua pele lisa e fina parecia feita de porcelana, e seus olhos combinavam bem com o vestido azul que usava.
“Quase como uma personagem de contos de fadas.” Constatou o homem.
Simon se abaixou e acariciou a cabeça da criança.
— Não tem medo de mim?
— Não.
— Por quê?
— Por que eu deveria?
Simon riu.
— Sabe o que são vampiros, não sabe?
— Sim. Vocês são criaturas que governam este reino.
— E o que mais sabe?
— Que se alimentam de sangue. São rápidos, fortes e tem habilidades acima das de um humano.
— Sim e não. Nós não nos “alimentamos” de sangue... o sangue para nós é o que o vinho ou a cerveja é para vocês humanos. Nossa alimentação, na maior parte do tempo, é constituída por alimentos crus.
— Então vocês também comem frutas?
— Claro. Embora eu prefira muito mais carne.
A menina encarava-o nos olhos, deixando-o extremamente intrigado. Simon não estava acostumado a ter uma pessoa de outra raça o tratando com tanta casualidade, mas era exatamente o que ele buscava. Em poucos minutos de conversa, os dois se sentaram sobre a clareira, encarando o fogo dançando. Durante este tempo, o vampiro reparou como a garota era sábia.
— ... então o que você fez foi observar e adquirir informações?
— Ao ver a forma como cada um mexia na caixa, eu consegui entender as dicas que eles tinham em mãos. E ao ver a caixa em si se movendo, eu pude entender seus mecanismos.
Sua estratégia era boa, mas não funcionaria com qualquer um. O fato de ela ter conseguido entender como a caixa funcionava apenas observando-a mostrava que ela não era uma garota normal.
— E o que achou do teste de QI?
— Foi bastante fácil.
Sim, era a resposta que o homem esperava.
— Pois bem, — disse ele se levantando, — está na hora, então.
Ela vislumbrava a fogueira na clareira com certa curiosidade. Logo após o comando de seu novo mestre, a menina se levanta, ficando de costas para ele.
Existiam certas diferenças entre vampiros; havia três classes.
Os vampiros de sangue puro eram criaturas como quaisquer outras no mundo; eles nasciam, cresciam e se reproduziam, e depois de muitos anos, morriam também.
Havia mais duas classes de vampiros; os servos vampíricos eram criaturas controladas por vampiros de sangue puro.
A mordida de um vampiro tem certas propriedades únicas; eles podem usá-las para se alimentar ou para injetar substâncias em suas presas. De qualquer forma, uma mordida para transformar alguém é diferente de uma mordida para se alimentar.
A substância usada na transformação de um servo era similar à uma droga; uma vez na corrente sanguínea da vítima, ela ganhava certas características que apenas vampiros possuíam. Velocidade elevada, força sobre-humana, visão e sentidos aguçados, e várias outras habilidades que vinham com um preço; quando em circulação, a substância gerava um acúmulo de cristais mágicos, feitos a partir do mana do vampiro, que tornam o ser uma espécie de extensão do vampiro. Dessa forma, a criatura infectada ficava a mercê de suas vontades e desejos.
O último tipo de vampiro não podia mais ser considerado um vampiro.
Quando um vampiro de sangue puro morre e deixa para trás seus servos vampíricos, ou mesmo se o servo ficar por muito tempo longe de seu mestre e não receber uma carga da substância, eles acabam se tornando o que é conhecido como “carniçais”, criaturas com desejo insaciável por carne e sangue. Com o tempo, um carniçal pode acabar perdendo sua consciência, e se tornando apenas um monstro movido por instinto.
Vampiros ainda podem injetar vários tipos de substâncias diferentes em suas vítimas, tal como se especializar em um tipo de substância específica, tornando-a mais forte e potente com seu uso contínuo.
Alice parecia receosa sobre o toque de seu mestre, e Simon percebera isso.
— Algum problema?
A menina apenas balançou a cabeça negativamente, mas algo não parecia certo em sua atitude. Para Simon, após já ter vislumbrado um pouco de sua personalidade, aquela atitude lhe parecia estranha. O homem, no entanto, ignorou, abaixando seu corpo até o pescoço da menina e mordendo-o. A criança solta um leve suspiro de dor, mas depois de alguns segundos se acalma. O homem podia sentir a pele dela, era como um fino véu de seda, macia e suave. Após quase um minuto, Simon se separa do pescoço dela.
— Pronto. Como se sente?
A menina parecia hesitante, acariciando o local da mordida.
— É só isso?
— Sim.
Ela virou-se para ele levemente confusa, desviando seu olhar logo em seguida. Talvez Simon tivesse percebido, mas sua mente o dizia para ignorar aquilo.
— Volte para seu quarto e descanse. Amanhã teremos um longo dia.
— Sim, senhor.
Ela anda em direção à porta segurando suas mãos, levemente pensativa. Logo ao alcançá-la, ela para e volta-se ao seu mestre mais uma vez.
— Seu nome. Eu ainda não o sei.
Provavelmente ela já o sabia sim, pois já havia o ouvido, mas Simon entendeu o que ela queria; ela queria que ele mesmo se apresentasse.
— Eu sou Simon Lumiya. É um prazer te conhecer, Alice.
A menina tenta segurar seu sorriso, virando-se para a porta novamente.
— Só mais uma coisa, Alice. Se vir um de meus irmãos, tome cuidado. Evite conversar com eles.
— Por que, senhor?
— Eles provavelmente vão tentar te matar se o fizer.
Ela hesita, mas assente com a cabeça, deixando o quarto logo em seguida.
...
A garota calmamente escrevia sobre o papiro tudo o que o homem falava. Em meio à suas palavras, a garota podia perceber certo receio vindo do homem. O velho sempre parecia cauteloso, e as vezes demorava falar; talvez estivesse apenas escolhendo as palavras certas para se usar. Sua voz polida e formal enchiam o ambiente enquanto a garota apenas continuava a sua rápida escrita. Em meio a moções de sobrancelhas e tênues interjeições, a menina finalmente solta um murmúrio mais alto, enquanto sua mão, violentamente, abalroa-se contra a mesa em que estava sentada, quebrando não só a caneta em sua mão, como deixando o homem assustado e preocupado.
— Por que manténs este constante e inquieto tom de medo em sua voz?
— Mi-mil perdões, minha senhora! Juro que não foi minha intenção irritá-la!
— Calado!
O homem abaixa sua cabeça, temendo por sua vida. Ao ver esta cena, a garota suspira, levantando-se de sua mesa e andando até a janela do quarto, pensativa.
— Se tens tanto medo de meu sangue, por que se dá ao trabalho de vir me ensinar? Não há necessidade de continuar aqui. Podes ir. Está dispensado.
— Mas... minha senhora?
— Não posso continuar estudando com alguém que não consegue manter uma voz didática durante a aula.
Para alguém que não falava com frequência, desde que assumiu a mansão, Karen parecia bem extrovertida.
— Deveria ter mais paciência, M’lady. — A voz que entrara no quarto chamou a atenção dos dois presentes.
— Marcos, eu simplesmente não consigo prestar a atenção na aula. Ele insiste em tremer e gaguejar, tal como sempre manter este ar formal.
O mordomo, que carregava consigo uma bandeja com chá, se aproxima de sua senhora com um suspiro.
— Talvez a senhora devesse pegar um pouco mais leve com ele, não acha? É a primeira vez dele aqui na mansão. Este homem foi escolhido a dedo pelos moradores do vilarejo, ele é o melhor professor do lugar.
O mordomo, ao se aproximar dela, delicadamente coloca a bandeja com o chá sobre a mesa. Ao fazê-lo, ele vislumbra as costas da pequena vampira de frente para a janela. Algo não estava certo, e ele percebeu na hora o que era. A menina permanecia com a mão sobre a boca, enquanto encarava o ambiente de fora da mansão.
— M’lady... — ele parecia levemente pálido. Após limpar sua garganta, a voz dele, levemente hesitante, se volta para o sujeito no quarto. — Senhor, acho que podemos dar uma pausa agora, certo? Dê um tempo para ela se acostumar.
O homem, sem entender muito bem, assente com a cabeça. Logo que ele deixa o quarto, o mordomo se apressa para acudir sua mestra. Ela começa a tossir enquanto ele rapidamente pegava um pano branco no bolso.
— Por que não disse antes o que estava acontecendo?! — A voz do mordomo parecia levemente alterada, enquanto tentava manter a calma.
— Não... não queria... transparecer isso...
— Tudo bem, não fale. Vamos cuidar disso.
Ele gentilmente conduz a menina para um sofá próximo, colocando-a sentada em uma posição confortável. A boca dela estava escorrendo o líquido vermelho, enquanto ela tentava controlar sua tosse.
— Marcos...
— Não fale, Lady Karen. Falar só vai piorar as coisas...
— Não... Marcos... eu tenho que... ser forte...
O mordomo parecia hesitante, enquanto limpava a boca de sua mestra.
— Por quê? Por que se esforçar por estes seres que lhe menosprezam tanto? A senhora não precisa se submeter a isto... se conversássemos com alguma casa aliada, sei que eles permitiriam que a senhora continuasse vivendo tranquilamente em algum lugar, sem incomodá-la... por que quer seguir com isto?
A tosse parecia já ter a deixado, mas ela ainda tinha um rosto abatido. Com um breve sorriso, a menina acariciou o rosto de seu mordomo.
— Como eu poderia fazer isso, Marcos? Como eu poderia dar as costas a uma oportunidade destas? Conheces meu passado melhor que nenhum outro... sabes o que minha família pensava a meu respeito...
— Lady Karen...
— Este singelo momento... esta única oportunidade seria um presente... um que eu nunca terei a chance de ter novamente... sabes disto...
Relutante, o homem coloca novamente seu pano sobre o rosto da menina, limpando o restante do sangue que escorrera.
— Lady Karen, não há nestas terras uma vampira mais forte que a senhora.
— Ainda não sou forte, Marcos... ainda me falta muito...
— Tudo bem. Descanse um pouco, tomarei conta do resto por hoje.
Ela, levemente relutante, assente com a cabeça.
— Me desculpe por isso, Marcos.
Em meio a tudo isso, o homem se encontrava com seus companheiros no caminho para a vila.
— Como foi?
— Sim... é bem como pensávamos. Ela é fraca, e está gravemente doente. Eu pude usar minhas magias tranquilamente dentro daquele ambiente, ela não pareceu perceber nada. Com minha magia de detecção, pude confirmar sua doença.
— E o que me diz?
O homem sorri, voltando-se para a mansão ao longe.
— Nós podemos matá-la.
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